Kiku to Higanbana escrita por Tsuchimikado


Capítulo 7
O quinto ramo Leste do clã Abe de Quioto


Notas iniciais do capítulo

E aqui está mais um capítulo! Acabou que ficou maior do que eu planejava, mas espero que a leitura seja boa e que os novos personagens os agradem!

Termos utilizados:
— Torii: Portão tradicional japonês ligado às tradições xintoístas. Costuma representar a entrada de um santuário.
— Sama: Sufixo japonês que simboliza grande respeito para com quem fala.
— Shoji: Porta de correr típica no japão.
— Tsukumogami: No folclore japonês são objetos que. após muitos anos, normalmente um século, adquiriram um espírito próprio.
— Bonsai: significa "plantado em bandeja ou vaso". É uma técnica para plantio de árvores em miniatura.
— Feng shui: Termo chinês que significa "vento e água". É uma técnica que visa conservar as energias positivas de um ambiente e influenciar as negativas para que também beneficie os usuários.
— Sensei: Usado para se referir normalmente a professores, podendo ser utilizado para autores, doutores ou pessoas em posição de respeito.
— Tsundere: Termo japonês para uma personalidade inicialmente agressiva que termina pro se revelar dócil.
— Jab e Upper são socos no boxe, o primeiro é um soco rápido com a mão da frente, enquanto o outro é um soco que vem de baixo para cima.
— Gobosei: É como chamam o pentagrama, mas por ter um significado diferente no ocidente eu pretendo manter o termo japonês.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/758025/chapter/7

Passaram-se três dias desde que Ikari entrara em Taiyin pela primeira vez. A princípio era muito demorado e cansativo criar um portal das sombras, mas após o segundo dia Ikari conseguia fazê-lo em não mais do que cinco minutos.

— É, acho que assim está bom por enquanto... - Ikari comentou, limpando o suor.

— Hum... - Soltou Ene com uma cara emburrada.

Ikari sorriu de nervoso e fingiu inocência.

— O que foi?

— Já era pra termos ido visitá-los há dois dias, Ikari! Desse jeito eles vão pensar que eu sou mentirosa! - Ela continuou com o carão, ainda emburrada. - Tudo isso porquê você não aceitou uma "carona"!

— Mas não é melhor que eu aprenda logo como fazer isso? - Ele disse - Nunca se sabe quando eu vou precisar.

— Hum... - Ela o encarou com as bochechas cheias de ar - Tanto faz, vamos logo! Vamos logo!

— Certo, certo. - ele desistiu, dessa vez rindo mais à vontade. - Deixa só eu trocar de rou...

— Não deixo não, vamos agora! - Ela insistiu, empurrando-o enquanto ambos desapareciam no nada.

================================

Enquanto acompanhava a garota, Ikari continuou observando ao seu redor a vizinhança de Taiying onde deveria corresponder à sua casa, hábito que tomou durante o treino. Durante a tarde a diferença era gritante em comparação com o primeiro dia, havendo bem menos youkai e um clima mais ameno, ou talvez menos caótico descrevesse melhor.

Ene guiou Ikari por entre um caminho tortuoso enquanto este lutava para decora-lo. Mais de uma vez os youkai no caminho os cumprimentavam amigavelmente, o que surpreendeu Ikari.

"Ops, ocultar o pensamento...", pensou Ikari, se confundindo com o próprio comentário.

Na realidade não era algo tão difícil quanto aparentava. Ene havia lhe dito no dia anterior que bastava se concentrar em emitir uma pequena quantidade de Reiki pelo corpo. "Tão pouco que nem dê pra notar", relembrou as palavras dela. Como uma explosão, surgiu uma labareda de energia vermelha ambulante, alertando a Ene e todos os youkais da rua.

— Ei, ei, menos, menos! - Ene reagiu desesperada, surpreendendo Ikari - Você tá pegando fogo!

— Ah, foi mal! - exclamou ele, apagando na mesma hora.

Ela o olhou um pouco preocupada, mas logo tornou a guia-lo.

— Aqui estamos! - declarou Ene com um olhar confiante.

Estavam ambos de frente para uma casa mediana cuja entrada era demarcada por um torii vermelho, com o resto da propriedade circundado por uma simbólica cerca de mesma cor. Um curto caminho de pedra branca levava a uma residência tipicamente japonesa, que até lembrava a entrada do dojô onde Ikari morava. No curto jardim e varanda, pequenos homens e mulheres, todos de roupas tradicionais com cores variadas, aparavam a grama e varriam o chão.

— Ei, pare de jogar pó em cima de mim! - reclamou um jardineiro com um bigode que lhe ocultava a boca. Seu rosto enrugado também quase lhe ocultava os olhos.

— Você só sabe reclamar, velho gagá! - reclamou outra que, apesar da frase, não parecia nem um pouco mais nova que o outro.

— Ei, ei, não briguem, por favor! - pediu outra, dessa vez de aparência bem jovem e vestida com um yukata verde-claro, com uma voz chorosa - Kunie-sama vai trazer o recém-chegado-sama a qualquer momento, não podemos dar uma má impressão em sua recepção!

— Cala a boca, porcelana! - reclamaram ambos os idosos.

— Ei, ei, acho que vocês não estão sendo muito gentis com a Mizudori-chan. - brigou Ene, agachada, com um tom e sorriso gentis. - Se ela é mais nova vocês deveriam guia-la, não destratá-la, não acham?

Só quando Ene se aproximou deles que Ikari pôde realmente perceber o quanto eles eram pequenos, por pouco passavam metade da canela da garota.

— Ah, Kunie-sama, a senhora já está aqui! O que fazer, o que fazer? - A pequena Mizudori parecia desesperada enquanto lágrimas escorriam em um ritmo assustador - Esse é o recém-chegado-sama? Desculpe o inconveniente, por favor, entre, entre!

Olhando para Ikari ela se curvava desesperadamente. Seu cabelo, curto, fazia com que parecesse uma bonequinha. "Ela é muito fofa", foi a primeira coisa que passou pela cabeça de Ikari.

— A-ah, tudo bem, não foi nada demais...

— Certeza? - ela perguntou, choramingando.

— Sim...

— Então, - ela disse com mais calma, limpando o rosto - por favor, acompanhe...

Assim que Ikari passou pelo torii sentiu uma refrescante e perfumada brisa em seu rosto. Ene riu de sua cara e pediu para segui-la também.

— É o efeito da barreira, cada ramo tem uma. Vem, vamos te apresentar ao pessoal! - ela exclamou ajudando a pequena Mizudori a abrir o shoji.

================================

—Ela é uma tsukumogami. - respondeu Ene em um cochicho quando perguntada sobre a pequena - Uma tsukumogami de copo de chá.

— Bem, aqui estão alguns quartos caso precise dormir aqui, e por ali está a cozinha... - Mizudori andava pouco à frente a passos curtos, limitados pelo yukata. - E logo aqui fica a sala central de reuniões...

— É maior do que eu pensava... - comentou Ikari.

O chão de madeira era tão lustroso que poderia cegar alguém caso a luz fosse mais forte. As paredes e portas todas seguiam o estilo tradicional japonês, e ocasionalmente podia se observar bonsai e pequenas estátuas enfeitando prateleiras. A luz natural penetrava por frestas e janelas que deixavam o espaço muito bem iluminado.

Em alguns dos cômodos Ikari observou outros tsukumogamis de diversas idades conversando entre si, realizando tarefas domésticas ou até uns ainda menores brincando. O ambiente era calmo, agradável.

"Feng shui?", se perguntou Ikari. Por algum motivo teve essa impressão, se lembrando de como a irmã gostava de organizar a casa.

A calma, porém, foi interrompida assim que se aproximaram da sala de reuniões.

— Pelo amor! Será que você não possui um mínimo senso de decência? - uma voz feminina de tom refinado reclamava.

— Foi mal, princesinha, mas eu não entendo seja lá que língua vocês mimadinhos falam! - retrucou uma voz masculina em um tom agressivo de provocação.

— Ora, seu...

— Ei, Yasu, cala a boca deles, por favor. Eu estou no meio de uma leitura de grande importância aqui... - reclamou em um tom despreocupado uma outra voz feminina.

— Hijimi-san, você está apenas lendo mangá... - comentou outra voz masculina, esta mais calma.

— E daí? Esse capítulo é importante!

À entrada da porta estava a desesperada Mizudori, observando a bagunça da sala, Ene observando a situação com um sorriso e Ikari com um sorriso nervoso, sem saber como reagir.

Sentado em um sofá e com os pés apoiados na mesa de centro estava um homem loiro de penteado selvagem. Seu olho vermelho brilhava com ferocidade enquanto ele demonstrava um sorriso convencido. Sua roupa denotava que ele pertencia à uma gangue de motociclistas, com coturnos, calça e jaqueta e luvas pretos. Esta se encontrava aberta, sem camisa por baixo, revelando um corpo bem musculoso.

À sua frente uma garota baixinha de cabelos roxos brigava com ele. Seu rosto e figura eram delicados e ela parecia mal-humorada. Ela vestia-se com uma saia quadriculada e um blazer marrom, com o símbolo do prestigiado Colégio Secundário Akaibara para garotas, demonstrando que o título de "princesinha" não era a toa.

— Estou dizendo, tire seus pés da mesa! Você irá estraga-la! Além disso não ser educado ainda é nojento, sabe que nós usamos essa mesa para lanches! - ela continuou o carão. - E tem mais, vá botar uma camisa, seu indecente!

— Um pouquinho de sujeira nunca matou ninguém não, e se você tá incomodada é porque tá olhando!

— Ah! Como ousa?! Hijimi-sensei, por favor, faça algo!

Atrás de uma mesa ao fundo estava uma mulher de aspecto grosseiro, cabelos assanhados de coloração vermelha como fogo e vestida apenas com jeans e uma camisa de estampa simples. Ela mascava um pedaço de feno, descontraída com seus pés em cima de sua mesa, lendo uma revista de mangás.

— Kumotora, tira o pé de cima da mesa. - Ela mandou como se não se importasse com a situação.

— Ei, Makoto-san! Você também tá com os pés em cima da mesa!

— Tira os pés daí ou eu vou tirar na porrada. - Ela concluiu ainda sem tirar os olhos do seu mangá.

O loiro engoliu em seco e vagarosamente tirou os pés da mesa, sentando-se com as pernas bem abertas.

— Minha perna já tava ficando desconfortável mesmo... - ele comentou, ainda com um sorriso insolente.

— Hum! - a de cabelo arroxeado apenas cruzou os braços e virou o rosto.

— Hijimi-san, Kunie-san está de volta. - Comentou-lhe de perto um homem com uma voz calma.

Seu rosto era rechonchudo e seus olhos praticamente não eram visíveis. Seu cabelo negro era bem alinhado, com presilhas nas costeletas. Ele vestia-se com um kimono roxo-escuro sem estampa, calçando uma sandália com perneiras brancas de tecido.

— Hã? Ah, bem-vinda. - Hijimi disse em um tom rude, ainda focada na leitura.

— Hijimi-san, estou de volta! - exclamou Ene.

O homem arrancou o feno da boca de Hijimi, chamando sua atenção prontamente.

— A senhora deveria se portar melhor nesse momento, Hijimi-san. É seu dever receber o novato.

— Para com essa palhaçada de senhora, Yasu, a gente tem a mesma idade. - Reclamou ela tomando novamente seu feno e, finalmente, virando-se para os recém chegados - E aí, moleque! Seja bem-vindo ao quinto ramo leste do clã Abe de Quioto!

— Ah, obrigado... - Ikari disse, se curvando.

— Eu sei o que você está pensando, novato! Você quer saber nossos nomes! - exclamou o loiro selvagem enquanto Mizudori corria com um pano para limpar a mesa de centro - Mas antes de exigir o nome de alguém você deveria oferecer o seu!

— Ah, sim. Eu me chamo Oga Ikari.

— Oga Ikari, ein? Tem uma boa sonoridade e você parece um cara legal. - Disse o outro enquanto se levantava - Eu sou Kumotora Kenji! Pode me chamar de Ken-san ou Ken-sama, afinal eu sou mais velho! Ken-senpai também é aceito!

A de cabelo arroxeado o encarava com desinteresse, farta do que ele dizia. Ela virou-se para Ikari e abriu-lhe um leve e amigável sorriso.

— Você parece ser mais decente do que esse boçal, me chamo Tsutsuji Umeko, é um prazer conhecê-lo.

— Também conhecida como Ume-chan! - exclamou Ene, pulando para abraça-la. Ela não mostrou resistência, parecendo já estar acostumada com isso.

— Pra completar o visual "tsu"ndere só falta a maria-chiquinha. - Comentou Ken, tirando sarro de Umeko.

— Eu não sou tsundere, seu depravado! Eu apenas não tenho obrigação de ser gentil com quem não é assim comigo! De qualquer forma, Oga-kun, Ene-chan me disse que você estuda com ela, então tecnicamente você é mais velho que eu. Ainda assim, eu sou a senpai, tudo bem?

— Certo, por mim tudo bem. - respondeu Ikari, sorrindo. Eles pareciam mais amigáveis do que a primeira impressão transpareceu.

O homem calmo tomou a frente e disse:

— Me chamo Kusame Yasunori, possuo a mesma graduação que Hijime-san e sou o segundo em comando deste ramo. Também possuímos mais dois membros que não estão por aqui no momento, eles são bem... excêntricos... - comentou Yasunori com uma expressão melancólica.

— Ah, o Fukuda. Cara, ainda bem que ele não tá por aqui, se não essa sala já tinha explodido uma três vezes! - comentou Kenji.

— Você também exagera, ele só é um pouco azarado... - disse Umeko com um suspiro - Fukuda Fuunji e Murasaki Tohka, agora eles estão em Hokkaido, mas devem retornar no verão.

— E eu sou a chefe daqui, Hijimi Makoto, muito prazer, moleque! - Disse a ruiva, cheia de empolgação - Agora, vamos para a sala de treino e...

— Espere, Hijimi-sama! - exclamou Mizudori - Temos de servir o chá! É nossa obrigação demonstrar hospitalidade!

Isso a pegou de surpresa e matou sua empolgação na mesma hora.

— Ah... - Ela olhou para Kusame, que confirmou com um sorriso - Sim, claro... E depois do chá vamos para a sala de treino...

================================

— Então, a história é a seguinte, moleque... Era Oga, né?

— Sim. - Respondeu Ikari com seriedade, se alongando.

— Kunie, lute com ele! - ordenou Makoto.

— Certo! - Ene respondeu.

Ikari olhou surpreso para ambas, mas nada disse.

— Ah, mas use uma arma de madeira, eu não quero matar o moleque no primeiro dia dele aqui... - complementou a outra com uma expressão um pouco preocupada.

Saltitando com um bom humor Ene se dirigiu até um dos cantos da sala, armando-se com uma das diversas lanças de madeira dispostas na parede, retornando no mesmo ritmo logo em seguida enquanto brincava com a arma, testando seu peso.

A chamada sala de treinamento era realmente completa, e muito mais espaçosa do que o dojô do Punho do Crisântemo. A sala ficava no subsolo e tinha pelo menos três andares de altura, toda de madeira com um enorme tatami no centro. Pelas laterais se espalhavam diversas armas, equipamentos de musculação, esteiras, sacos de pancada, bonecos de madeira e até mesmo materiais aos quais Ikari não estava acostumado, como pincéis, tinta, tiras de papel, pergaminhos...

O teto possuía uma gigantesca gravura de uma estrela de cinco pontas dentro de um círculo, estando em cada ponta uma enorme esfera brilhante de diferentes cores. Makoto percebeu que Ikari encarava fixamente essa imagem e sorriu com confiança.

— Muito bem! - ela anunciou - Kunie, Oga, quero uma luta justa, sem dedo no olho ou chute no saco, sem Reiki também, de resto tá valendo! Podem começar!

— Pera, assim de repente? - Ikari se distraiu, olhando para a ruiva, que apenas apontou na direção de Ene. Ikari percebeu no último segundo que Ene já estava ao seu lado e instintivamente desviou a cabeça para trás, evitando uma estocada que poderia, no mínimo, doer bastante.

Sem dizer nada ele elevou sua guarda e avançou, surpreendendo a garota. Ele girou por trás e lançou-lhe um chute reto, mas que sequer passou perto de acertar. Ene acompanhou o movimento de giro do garoto e desferiu um golpe inferior enquanto recuava, o qual Ikari desviou apenas levantando a perna, saltando com a outra e devolvendo um chute descendente, seguido por um golpe com as costas da mão.

Após algumas trocas de golpes, sempre com Ikari avançando e Ene tentando flanqueá-lo, os dois se separaram por um instante para respirar. O olhar animado de Ene desaparecera, ela o encarava com a mesma frieza de quando lutara com Arato há alguns dias. Ikari percebeu que sua feição também mudou, ele sorria.

— Bom, deu pra aquecer... - ele disse, empurrando sua franja para trás e dobrando as mangas de sua camisa - Mas entre nós, Ene, não é meio ruim lutar de saia não?

— Hum? - Suas feições retornaram ao normal - Na verdade não, me deixa bem livre...

— É, mas, sabe, não acha que é um risco... - Ikari estava incomodado demais para continuar a luta.

— Hum? Ah, saquei! - ela disse, levantando a barra da saia - Relaxa, eu uso shorts de educação física! Podemos continuar?

— Ah, sim, podemos. - Afirmou o garoto, envergonhado com a mão cobrindo parcialmente sua visão.

Makoto e Yasunori, que observavam atentamente a luta, deram um tapa nos próprios rostos em uníssono.

E ambos voltaram para sua feição de batalha. Ene começou novamente o ataque, mas em vez de flanquear seu oponente ela partiu em linha reta, muito mais rápida do que antes. O primeiro instinto de Ikari foi se preparar para o ataque, mas logo ele o ignorou.

Os olhos de Makoto se impressionaram com a forma de Ikari. Com um passo ele avançou e firmou uma base no chão, elevou a outra perna e usando a cintura girou violentamente o corpo. Ene já estava muito próxima quando percebeu o ataque, parando imediatamente a investida.

"Merda, acho que exagerei!", Ikari pensou enquanto o chute na altura da cintura já estava a meio caminho, mas quem se impressionou no momento seguinte foi ele. Como em uma cena de filme, Ene deixou seu corpo cair para trás, dobrando os joelhos e ainda se apoiando no chão, fazendo com que o chute passasse de raspão em frente à sua perna. Completando o movimento ela se apoiou com uma das mãos atrás de si e impulsionou-se com as penas para completar a cambalhota.

— Ufa, essa passou perto... - ela comentou suando frio.

Ikari também suava frio.

— Ah, foi mal...

— Foi mal nada! Isso foi incrível, Ikari! Você luta melhor do que eu esperava!

Ikari soltou um leve sorriso com o elogio.

— Muito bom mesmo, moleque, hora do round 2, vamos nos conhecer um pouquinho melhor... - comentou Makoto entrando no ringue e calçando luvas de boxe - Agora você vai lutar comigo, 100%, pode soltar esse Reiki!

E as luvas se chocaram. Ela também usava cotoveleiras e caneleiras acolchoadas que também lhe cobriam os joelhos.

— Não leve as luvas a mal, é pra te machucar menos! - ela continuou, empolgada, e tomou uma postura de luta. Apoiou-se no pé de trás, com a perna da frente solta e ambas as mãos à frente e acima da cabeça, demonstrando uma guarda de Muay Thai - Pode vir quando quiser!

Os olhos de Ikari brilharam com uma auto-confiança a qual sequer tinha ideia de onde vinha.

— Eu to pronto! - exclamou ele, explodindo com a aura flamejante ao seu redor. Ele sentiu seu corpo se enchendo de energia ao ponto que não conseguia mais se segurar.

Com um forte impulso ele saltou e se aproximou de Makoto, lançando-lhe um soco direto no meio do tronco, o qual foi facilmente desviado. No momento em que seus pés tocaram o chão ele assumiu sua postura padrão com a guarda fechada, se assemelhando a boxe. Como se estivesse só esperando por isso, a ruiva lhe lançou uma sequência de socos que deveriam ser leves, mas que pareciam tiros de canhão na defesa de Ikari, forçando-o a recuar.

— É um estilo interessante o seu, é bem direto, tem pouca firula pra um estilo de kung fu...

— Estilo Punho do Crisântemo! - ele exclamou, explodindo novamente a aura ao seu redor, trocando uma sequência de socos e defesas com Makoto - O sub-estilo Boxe da Vespa Mandarina é minha especialidade!

Ele sentiu que sua respiração estava ficando insuportavelmente pesada. Ele suava por todo o corpo e se sentia quente. De qualquer forma precisava terminar logo.

— Primeira lição! - Começou Makoto - Você não precisa dessa aura toda! Tá desperdiçando Reiki e se cansando a toa!

"Desperdiçando?", ele pensou enquanto olhava para as próprias mãos, lembrando-se das bandagens negras da luta contra Yuuki. "Então que tal isso?"

Ele não sabia ainda o que estava fazendo, mas tentou concentrar toda a energia que tinha nos punhos. A aura ao seu redor turbilhonou e acumulou-se nos seus antebraços, tornando-se um vermelho cada vez mais denso, mas ele não parecia conseguir mais do que isso. Ele expirou vagarosamente e quase dolorosamente com o esforço.

— Vai ter de servir... - comentou, retomando o olhar para sua oponente.

"Ainda tá gastando a mesma coisa, mas só de redistribuir assim já é impressionante...", a outra pensou.

Ele avançou e sentiu que sem a aura seus movimentos ficaram incomparavelmente mais lentos, ainda que rápidos da perspectiva de um humano comum. Iniciou com um jab, desestabilizando Makoto, seguido de um upper que quebrou completamente sua guarda.

A ruiva assobiou, impressionada com o feito. Logo ele firmou uma base no chão e lançou um chute giratório na lateral de Makoto, o qual foi defendido com facilidade.

"Que corpo rígido!", ele pensou enquanto parecia ter chutado uma pedreira.

— Nada mal, moleque! Assim fica melhor pra te moldar! - Ela acertou um soco bem no meio do rosto - Agora dorme um pouquinho aí! - E finalizou com um gancho no queixo que fez Ikari cair duro no chão.

Makoto saiu bem-humorada de perto do garoto derrotado enquanto retirava seus equipamentos. Ela então olhou para o topo de uma escada que havia no canto, de onde observavam ambos Ken como Umeko com curiosidade e perguntou com um sorriso:

— Oh, parecem curiosos! Quem quer ser o próximo?

— Eu passo! - exclamou Ken, saindo o mais rápido possível.

— Por favor, não diga isso nem de brincadeira, Hijimi-sensei. A senhora não sabe pegar leve...

— Quê isso, é só um pouquinho, você tá precisando! Tá magrinha demais! - ela retrucou, mas Umeko já havia saído - Sem graça!

================================

Ikari acordou e encarava o teto da sala de treinamento, com as grandes esferas nas pontas de cada estrela.

— Oh, você está acordado. - Makoto passava por perto quando percebeu que ele despertara. Ela andou em sua direção e sentou-se perto dele.

Apontando para cima ela perguntou:

— Sabe o que é?

— Wu Xing...

— "O um gera o dois, que gera o três, que gera as dez mil coisas", ela recitou quase religiosamente. Imaginei que você saberia algo sobre isso, já que isso surgiu lá na china. - E nesse momento Ikari olhou para o próprio uniforme de kung fu - Esse gobosei é a base para todo o onmyoudo, representando as cinco formas básicas pelas quais nossas almas podem se manifestar...

"Terra, metal, água, madeira... e fogo...", Ikari pensou, observando respectivamente as esferas marrom, branca, azul, verde e vermelha. "Essa ordem no círculo indica a criação e as linhas da estrela indicam a destruição..."

— O seu elemento é o mesmo que o meu, fogo. Você ainda tá meio cru nisso, mas pode deixar que eu vou te guiar. - Ela disse - A partir de agora você me chama de Hijimi-sensei.

Ela se levantou e ofereceu a mão para o rapaz, o qual aceitou com um sorriso.

— Vou aproveitar e te ensinar umas coisinhas sobre luta, você bate como um maricas... - ela comentou, dando um tapa forte nas costas de Ikari. Próximos como estavam ele percebeu como ela era alta, mais do que ele, e seu corpo parecia, de fato, o de um artista marcial.

— Certo, Hijimi-sensei!

— Já está tarde, você passou umas boas horas aí deitado, devia ir pra casa. Mas antes, pode segurar isso aqui pra mim um pouquinho?

Ela pediu enquanto lhe entregava um pedaço vermelho de papel com inscrições douradas. Ikari não sabia bem o que fazer, então apenas a encarou.

Que caia sobre essa carne os pesos das tentações mundanas e lhe permita a busca física pela iluminação— Makoto recitou enquanto uma aura vermelha leve, com chamas fracas, se fez ao seu redor. No instante seguinte, como em resposta, Ikari também ficou coberto com sua aura e seu corpo começou a ficar mais e mais pesado. - Selo físico de uma camada! Fardo irrevogável!

Seu corpo estava muito pesado, era como se seu peso tivesse, no mínimo, triplicado.

— Vou deixar esses pesinhos no seu corpo por um tempo! Vai ajudar você a ganhar um pouquinho de força e a controlar o uso do Reiki ao longo do dia! Por hoje é só! - ela terminou enquanto o deixava sozinho na sala.

— Ei, espera! - ele exclamou mas, assim que tentou andar, caiu com o rosto no chão - Merda...

— Boa sorte! - Makoto disse à distância em meio a uma risada.

Ikari se arrastou e socou o chão, empurrando-o para tentar se levantar. Em meio a um sorriso forçado, pensou: "Ninguém disse que ia ser fácil, né?"

 

================================

— Ei, dorminhoca... - Disse Makoto com leveza para Ene, que dormia no sofá da sala de reuniões. - O Oga já acordou, você pode ir pra casa...

— Hã? Ah, obrigado Hijimi-san... - respondeu Ene ainda tonta de sono enquanto limpava a saliva no canto da boca - Eu já vou...

Enquanto ela cambaleava para fora da sala em direção à sala de treino, Makoto olhou para sua mesa e suspirou.

"Bem, eu tenho de trabalhar de vez em quando, não é?", ela pensou enquanto pegava uma lata de cerveja.

 

================================

A noite progredia quando Yasunori entrou na sala de reuniões. Atrás da mesa, a qual continha três latas de cerveja vazias, estava Makoto, com os pés sobre alguns pergaminhos velhos e com um documento em mãos.

— Hijimi-san, ainda acordada? - ele questionou em seu tom calmo.

— É, to lendo sobre o moleque novo, o Oga...

Yasunori nada disse, apenas sorriu enquanto limpava a mesa da líder. Makoto continuou:

— Já conseguia ver youkais desde criança, também teve contato com os Kunie na infância, foi criado por Hong Ji, o grande dragão, descobriu o Reiki há alguns dias e, mesmo com o corpo fechado, já lutou com um armamento espiritual, uma técnica de altíssimo nível... Não importa como você olhe, é um histórico impressionante...

— Mas assim como os outros...

— Vago... Suspeito... Principalmente essa história desse Yuuki. - Ela abaixou o arquivo e apontou para uma pilha de documentos no chão da sala. - E esses monstros de fogo...

— Bem, é o de sempre, não é? Kamui-sama sempre nos envia crianças bem especiais...

— Casos problemáticos com relatórios vagos demais... Isso me deixa puta da vida!

Yasunori suspirou em entendimento.

— Bem, é como os outros, não é? Eu só tenho de descobrir o que esse garoto tem de tão especial para chamar a atenção do Kamui... - Concluiu Makoto, finalizando mais uma lata de cerveja.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Acabei dando bem mais destaque pra Makoto do que eu esperava, mesmo que a luta tenha sido menor do que eu planejei... Estranho...
De qualquer forma, estou empolgado para escrever mais capítulos, então farei o possível enquanto ainda tenho tempo livre! Até a próxima!

Também ganhei mais uma arte da AnnLet representando o Ikari e uma das estátuas de raposa do primeiro capítulo (segundo ela o Unbou!), e isso me deixou muito feliz, ainda mais por ser uma referência à Avatar: A lenda de Aang, um desenho que eu adoro!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Kiku to Higanbana" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.