Charging Ranger escrita por Nanahoshi, Heisenberg24


Capítulo 2
Capítulo 1 - Estagiários e "plausível" de novo


Notas iniciais do capítulo

OLAR MEUS LEITORES LINDÕES! Tô muito feliz que esse capítulo saiu às vesperas de Avengers Infinity War porque assistindo o filme eu vou ficar ainda mais inspirada pra escrever os próximos capítulos
EU LOUCA ATRÁS DE UM CINEMA COM VAGA PRA SÁBADO E O CORAÇÃO TÁ COMO??
Vamos chorar mt socorro! Então, enquanto não temos tempo nem dinheiro para desfrutar do novo Avengers VAMOS NOS SACIAR UM POUCO COM MAIS ESSE CAPÍTULO DE CHARGING RANGER!
Espero muito que vocês gostem da ambientação que vai aparecer forte nesses primeiros caps e que os ganchos que estou deixando :D pq meus queredjenhos vcs n tem noção do que eu estou plajenando para esta bagaça linda ♥
E um agradecimento maravilhoso PRA DIVA ARRASADORA MELHOR PESSOA DESSE PLANETA Daph-chin que está salvando a vida desssa fic com sua co-autoria maravilhosa.
Sem mais delongas, boa leitura!
P.S.: QUEM ACHAR O EASTER EGG DO CAPÍTULO GANHA UM DRABBLE MEU ♥
E SE ACHAR NÃO COLOCA NOS COMENTÁRIO PUFAVO



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Ele já estava nas últimas. Todos ali sabiam que nada poderia ser feito para salvá-lo. O tiro havia pegado em cheio na lateral da barriga, e queimara boa parte do estômago, fígado, pâncreas e provavelmente um pedacinho do intestino. Ele arfava pesadamente, os olhos lutando para permanecerem abertos. Gamora balançou a cabeça, e o moribundo se empertigou onde estava.

— Eu só tenho um favor para pedir a vocês. – o homem disse com o que eram com certeza suas últimas forças. – Quando eu morrer, destruam isso.

Ele fez um movimento brusco com a mão, agarrando sua camisa exposta e forçando os botões a se romperem. Ao revelar seu abdômen nu, todos sufocaram uma exclamação de susto. No lado oposto ao do ferimento, havia um enorme cristal azul de forma irregular incrustrado em seu tronco. Ele emanava uma luz própria, que parecia pulsar levemente.

— Destruam isso... Façam virar pó. – e dizendo isso, o moribundo expirou, o corpo desmontando-se pesadamente contra a parede.

Um silêncio confuso pairou entre os Guardiões, até que Peter se encarregou de verbalizar a pergunta que a maioria queria fazer:

—  Por quê destruir? É algo perigoso... ou que podemos vender?

Gamora arqueou as sobrancelhas indicando que também não sabia. Drax deu de ombros, gesto imitado pelo pequeno Groot, que enfatizou, balançando a cabeça:

— Eu sou Groot.

Entretanto, dentre as expressões de confusão, havia uma que demonstrava um desconforto agudo com uma pitada de pesar. Rocky fitava o cadáver com os olhos espremidos, e parecia anormalmente triste.

— Oh, merda. – disse o guaxinim quase entredentes. – Jamais imaginei que iria viver pra ver isso acontecer duas vezes.

Todos os olhares se voltaram lentamente para ele, enquanto Rocky avançava na direção do morto. Ele se abaixou um pouco e cutucou a pedra azul, que agora perdia sua luminosidade lentamente.

— Você sabe o que é isso? – perguntou Peter.

Rocky abaixou a cabeça e a balançou, pesaroso.

— Sei. – ele deu dois passos para ficar ao lado do corpo e gesticulou com uma das patas para o cristal. – Esse cara é provavelmente o único Cristálien que vão ver na vida. Então considerem que já gastaram a sorte grande de vocês, pelo menos do mês.

— Cristálien? – perguntou Gamora. – Eu já ouvi esse nome...

— Eu também. – confirmou Drax. – Mas apenas em histórias que eu ouvia quando era jovem.

— Eles não eram um mito? – perguntou Peter encarando Rocky.

O guaxinim tornou a fazer um gesto negativo ainda carregado de pesar.

— De fato, já era para que tivessem virado um mito. Os Cristáliens são uma raça humanoide originada no planeta Cristalofórtio. Todos eles nascem com esses cristais incrustrados em seus corpos, que tem uma propriedade bem peculiar. – Rocky tornou a tocar no cristal, que agora estava mais frio. – Lembram que há pouco ele estava brilhando? Pois então. Esses cristais tem a capacidade de absorver qualquer tipo de energia e armazená-la em seu interior na forma do que chamamos de omni-energia. A capacidade de armazenamento, em alguns indivíduos, chega a equivaler a uma pequena estrela. Agora podem imaginar o que foi que aconteceu depois que as raças começaram a se espalhar pelo universo.

Gamora tinha um vinco entre as suas sobrancelhas quando Rocky terminou a explicação. Ela soltou um longo suspiro e virou de costas para o grupo.

— Agora eu me lembrei onde ouvi esse nome. – a mulher baixou a cabeça. – Meu pai caçou os Cristáliens por milênios. Lembro-me de a cada mês sair um esquadrão em busca de sobreviventes do holocausto... De fato, já era para estarem extintos.

Um silêncio quase fúnebre se adensou entre o grupo de heróis, até que Peter encarregou-se de quebrá-lo:

— Qual... Qual a função biológica desses cristais? Quer dizer... Se eles tinham essas coisas grudadas no corpo, devia servir para alguma coisa.

Rocky revirou os olhos diante do tom displicente de Peter, mas explicou:

— Para simplificar, imagine que esses cristais são  baterias anulax. Só que além desses existem cristais menores, tão pequenos quanto grãos de areia espalhados em algumas partes da pele. Em geral era nas palmas das mãos e nas solas dos pés. Esses cristais eram como pequenos canais "exaustores" do cristal maior: a energia poderia sair através deles. E eles os usavam para carregar máquinas. Tanto que boa parte da tecnologia que se utiliza hoje no universo foi criada em Cristalofórtio. Os Cristáliens eram mestres de todos os tipos de engenharia que se pode imaginar. 

O pequeno Groot assistia a explicação de Rocky fascinado. Quando terminou, a plantinha soltou um sonoro "oh" de admiração, seguido de um comentário extasiado:

— Eu-sou-Groot!

— É, isso mesmo Groot. – respondeu Rocky, desanimado. – Munição infinita para armas laser, combustível infinito, esse tipo de coisa...

— Agora faz mais sentido... – comentou Peter no tom que todos conheciam: ele estava calculando o quando poderia ganhar se pudesse vender cristais como aquele. 

O olhar de Rocky foi de um a outro de seus companheiros, até parar com um ar frustrado e inquieto em Gamora. A mulher também olhava para ele com o que parecia a sombra de uma suspeita intrigante. Depois de alguns segundos, Rocky balançou a cabeça e olhou através da janela, de onde se via uma terra estéril e um céu muito estrelado. Gamora acompanhou o olhar do guaxinim, fitando a paisagem de longe e, baixo o suficiente para que ninguém ouvisse, perguntou-se:

— As Jóias do Universo...?

***

Cendi deu um longo bocejo e cabeceou no ritmo da música para espantar o sono. Já era hora do rush matinal, e ela estava um pouquinho arrependida de ter escolhido ir de carro para a escola. Continuou agitando a cabeça para os lados enquanto o trânsito permanecia estacado e cantarolou baixinho:

— "The storm will grow, the water flows, Power Rangers ninjas go, Power Rangers Ninja Storm is gr-" – o painel do carro iluminou-se subitamente, interrompendo a música e a cantoria de Cendi. Séfora estava ligando.

— Bom dia, Sef – disse Cendi ao aceitar a chamada.

— Cendi? Já está na escola? – a voz de Séfora soou um pouco sonolenta, mas viva, do outro lado da linha. Isso trouxe uma onda de alívio para a garota.

— Ainda não. Acabei pegando um pequeno congestionamento.

— Ah, entendi. Você poderia fazer um favor pra mim?

— Claro.

— Pode pegar meu dever de casa que acumulou da semana passada? É só ir na diretoria e pedir.

Um pequeno ardor de ansiedade borbulhou no estômago de Cendi.

— Diretoria... Sim. – ela repetiu a ordem da outra quase roboticamente.

— O diretor não vai te morder, maninha. – disse Séfora pesando no tom meloso. – É só ir lá, dar meu nome, dizer que sou sua irmã e que está fazendo isso a pedido meu.

— Mas o Maki não vai pra escola? – objetou Cendi parecendo realmente nervosa.

— Ele tá aqui comigo.

— Ai... – a garota soltou um suspiro. – Claro...

— Oi Cendi. – disse ao fundo uma voz bastante tímida, mas que carregava nitidamente um sorrisinho.

—Bom dia, Maki. Você não devia estar faltando aula por causa da Sef. Você podia ajuda-la pegando as matérias nas aulas e passando pra ela. – e como esperado, a única resposta de Maki ao comentário foi um silêncio que já dizia tudo.

— Deixa ele, Cendi. – Séfora preencheu o silêncio de Maki com certa impaciência. – Não vai fazer mal nenhum. Vai na hora da saída ou do intervalo.

— Tá bom...

Um chiado alto preencheu a chamada por um instante, como se alguém estivesse gritando ao fundo, seguido de um "aiaiai" de Séfora.

— Escutou?

— Não.

— Mamãe está perguntando qual carro você pegou para ir pra escola. Ah, e se você carregou o gerador.

O trânsito começava a fluir. Cendi bateu as mãos no volante enquanto soltava a embreagem e soltou um suspiro exasperado bastante exagerado.

— Já Faz uma semana que tô indo pra escola e ela ainda não se convenceu que eu vou obedecer a ordem dela de só ir com o Aston!? E sim, eu carreguei o gerador.

Cendi pôde ouvir Séfora gritando um pouco distante do telefone:

— Ouviu mãe!?

Cendi soltou o ar pela boca quase cerrada produzindo um chiado de impaciência. Felizmente, o fluxo de carros voltara ao normal. A voz de sua irmã tornou a soar nítida nos auto-falantes do carro.

— Mamãe mandou avisar que ela consegue terminar a revisão do Portofino do Mr. Blanc sozinha, então não precisa vir correndo pra casa.

Um enorme sorriso iluminou o rosto de Cendi, e ela quase se esqueceu que estava numa rua movimentava rodeada por carros. Interrompeu a tempo o gesto de afundar o pé no acelerador. 

— Beleza!

— Então, tudo ok, Cendi. Boa aula e não esquece do meu dever de casa , por favor.

— Uhum... Ah! – a garota baixou a voz, e seu tom mudou drasticamente para um bastante preocupado. – Hmmm... Você está se sentindo melhor hoje, Sef?

— Estou. – a voz de Séfora saiu firme, mas não exatamente animada, deixando Cendi apreensiva. – A sensibilidade dos braços voltou quase completamente, e já está muito melhor nas pernas. Hoje vou ter outra sessão. O Doutor vai vir aqui. – concluiu ela num tom confidencial e cheio de significado.

— Aaaaah... Sei. – fez Cendi num tom que deixou bem claro que ela tinha entendido.

Séfora deu uma risadinha e se despediu, desligando o telefone. O tema de Power Rangers Ninja Storm voltou a vibrar nos auto-falantes do Aston Martin DB9, trazendo Cendi de volta para o trânsito de Nova York. Nesse exato instante, um maluco cortou a dianteira do Aston, e se não fosse pela direção defensiva bem treinada da garota, o Aston teria arrastado a traseira do outro carro por alguns metros.

— Mas que filho da... – antes que terminasse a frase, Cendi tapou a boca com uma das mãos e olhou para os lados, agradecendo mentalmente por sua mãe não estar ali.

***

Quando Cendi adentrou o alvoroço que se instalava todas as manhãs na entrada da escola, seus olhos ainda pesavam tamanho era o sono que sentia. Decidiu passar no banheiro antes de seguir para a sala. A garota se esgueirou pelos adolescentes, tentando ao máximo não estabelecer muito contato físico com ninguém. Entrou no banheiro quase aos tropeços e se dirigiu logo para a pia, jogando uma boa quantidade de água na cara.

"60 horas.", Cendi refletiu consigo mesma. "É o meu limite crítico. Meu cristal não me leva mais longe que isso sem vários neurônios torrados e uma boa carga de sono acumulada. Eu preciso me lembrar disso a partir de hoje. É... É isso. Nunca mais passo das 48 horas acordada."

Duas meninas retocavam a maquiagem diante do espelho, as vozes arrastadas de tédio reclamando do que haveria nos dois primeiros horários. Cendi as reconheceu como sendo da sua sala. 

— ... aquela palestra. É sobre o quê mesmo?

— Orientação vocacional – a outra respondeu fazendo uma careta.

— Ai, pra quê isso numa segunda de manhã? – retrucou a primeira. 

Cendi revirou os olhos e refreou-se para não apoiar a testa contra o espelho. Tinha se esquecido completamente que os dois primeiros horários daquela segunda tinham sido substituídos por uma palestra de orientação vocacional. Agora ela com certeza dormiria. Num gesto quase frenético, Cendi abriu sua mochila e puxou seus fones de ouvido e seu celular. Levou-os aos ouvidos e acionou o aleatório de sua playlist, que alfinetaram seus ouvidos agradavelmente com o som de Ramones. Depois, mirou-se no espelho e começou a passar os dedos pelos fios negros que, por causa do novo corte no estilo bob repicado, tinham uma tendência muito grande a ficarem bagunçados. Ajeitou-os o suficiente para que não parecesse que tinha acabado de se levantar. Aproximando-se do espelho, Cendi puxou as pálpebras inferiores, conferindo se as lentes de contato castanhas estavam seguras e bem disfarçadas. Sua mãe insistira que ela usasse para esconder o alaranjado das íris, que segundo ela chamaria tanta atenção quanto seu cristal. A garota revirara os olhos diante da neura da mãe, mas obedecera mesmo sabendo que o mais fácil era fingir que era uma viciada em lentes de contato exóticas e alaranjadas. Deu uns tapinhas no rosto para dar uma despertada e agradeceu por ter a pele escura, que ajudava a disfarçar as enormes olheiras que haviam se formado nas últimas 60 horas. Depois de ficar satisfeita com seu rosto, Cendi ajeitou suas roupas, alisando com carinho e cuidado sua camiseta dos Mighty Morphin Power Rangers. Era um dos seus modelos favoritos, com o busto dos seis rangers principais saindo de um triângulo e o enorme logo da franquia em vermelho, preto e amarelo sobre suas cabeças. Certificou-se de ela estar larga o suficiente a ponto de não mostrar nenhum volume estranho no centro de seu peito. Ajeitou o blusa de frio verde que trazia sobre a camiseta e bateu nas calças jeans que seguiam o mesmo eixo de conforto das roupas da parte superior: largas e grossas. Por último abaixou-se para refazer o laço de seu tênis direito, que estava quase soltando. Tornou a se levantar e, ainda ao som de Ramones, arrastou os pés para o auditório.

***

O palestrante era um senhor por volta dos seus noventa anos de idade, o cabelo branco já escasso a ponto de estar nascendo praticamente no meio da cabeça para trás. Sua voz já estava bastante rouca e sofrida devido à idade, e pra piorar ele se movimentava pra lá e pra cá no palco usando uma cadeira de rodas motorizada. O mais engraçado é que Cendi até achara o velhinho descolado, pois mesmo dentro do auditório, recusara-se a tirar seus óculos escuros de aviador. Eles combinavam bem com seu bigodinho bem escovado, tão alvo quanto seus cabelos, que estavam penteados para trás. Ela podia jurar que ele passara gel.

Entretanto, nem o visual inusitado do palestrante espantara o sono que a garota acumulara nos últimos dois dias e meio. Se arrependimento matasse, Cendi já estaria morta e enterrada há muitas horas. A garota mantivera um fone em seus ouvidos, escondendo-o com seu cabelo. Fora a única coisa que pensara para não capotar na frente da turma inteira.

—... cada um possui um conjunto de habilidades... Um lugar em que vocês se sentirão... – as frases do palestrante chegavam entrecortadas à garota, que devaneava com lembranças boas e ruins que aquele discurso evocava. Sabia que em sua vida possuía apenas dois caminhos que poderia seguir, mas fora obrigada há alguns anos a abrir mão do primeiro. Por isso, Cendi mal se atentava a pensar no futuro, pois ele se desenrolava de forma clara e entediante à sua frente. Assumiria a oficina de sua mãe e continuaria consertando carros dos mais variados tipos, alguns eletrodomésticos e eletrônicos. O mais emocionante que aconteceria seria montar um carro artesanal para um milionário ou para vender para uma das grandes do mercado automobilístico.

De repente, uma aluna que estava sentada a duas cadeiras de Cendi se levantou e disse alguma coisa. A garota despertou de seu devaneio e viu que o palestrante agora apontava para um garoto sentado mais abaixo.

— E você, garoto? Qual seu nome?

— Mark Smith.

— Por que você está aqui, na Midtown School of Science and Technology?

O menino ficou muito tenso, e desviou os olhos nervosamente para o chão.

— Aah... Eu... Eu me interesso pela parte de softwares... E a escola me oferece uma grade boa... – a voz do garoto morreu e ele não conseguiu continuar. O palestrante fez um gesto para que ele se sentasse.

— Eu sei que vocês são muito jovens. – disse ele elevando a voz. – Mas é importante já pensarem no futuro que vocês desejam para si mesmos, e quais ferramentas vocês utilizarão para chegar lá. Vocês estão numa escola que oferece ferramentas maravilhosas que colocarão vocês à frente de muitos dos seus concorrentes nas áreas de engenharia, física, química e programação. E vocês precisam ter sempre isso em mente para tirar o máximo de proveito dessa oportunidade que foi colocada diante de vocês. Esta não é uma escola técnica para qualquer um. E esta não é uma escola técnica que formará um "qualquer um". – ele interrompeu a fala, a mais longa que fizera até ali sem tossir ou tomar um gole d'água. Ele pareceu se concentrar na própria respiração para recuperar o fôlego, e depois puxou sua garrafinha do suporte da cadeira de rodas e bebeu uma boa quantidade.

— Você. – ele apontou para uma menina no meio da multidão, retomando sua palestra – Nome?

— Claire Orellano. - respondeu a garota se levantando. 

— E para quê está aqui?

— Para me tornar engenheira da Nasa. – respondeu a garota com firmeza. Alguns alunos trocaram olhares intrigados e admirados, e alguém assoviou.

O palestrante assentiu para ela com um sorriso satisfeito. A garota se sentou.

— E você?

Cendi piscou, demorando alguns segundos para processar a informação que o velho apontava para ela. Sentindo um leve borbulhar incômodo no fundo do estômago, a garota se levantou devagar. Focou a atenção no seu interlocutor, cravando o olhar no borrão por trás das lentes de seus óculos que deveriam ser seus olhos.

— Cendi Danugam. – respondeu maquinalmente.

— Cendi Danugam. – ele repetiu o nome devagar. – Nome bonito.

Houve algumas risadinhas entre os alunos. O velho deu um sorrisinho.

— Então, Srta. Danugam... Para quê está aqui?

Já fazia muito tempo que não perguntavam a Cendi o que ela gostaria de fazer ou ser no futuro. Aquela pergunta, tão banal para a maioria das pessoas, havia se tornado uma espécie de tabu há quatro anos entre os membros de sua família. Sua mãe, de forma silenciosa, mas ferrenha, redirecionara o futuro de Cendi para uma linha segura e bem definida, o segundo caminho. Aquele velho, entretanto, estava perguntando para quê ela tinha entrado naquela escola. Uma escola técnica que já adiantava a formação dos alunos em todas as subáreas das Ciências Exatas.

O primeiro caminho.

Cendi sorriu, mas só com os olhos.

— Para adquirir  conhecimento suficiente – respondeu Cendi num tom casual – para construir meu Megazord.

Risadinhas abafadas um pouco mais altas que as anteriores correram a massa de alunos. Para ignorá-las, Cendi se concentrou completamente na expressão do palestrante, que assumiu um ar bastante sincero de surpresa. Depois, lentamente, um sorriso rasgou seus lábios enrugados e ele mesmo soltou algumas risadas roucas até a tosse o impedir de continuar. Cendi ergueu uma sobrancelha.

— Ah, muito bem, Srta. Danugam. – prosseguiu ele num tom divertido quando a tosse cedeu. – A sua ambição é um tanto... Interessante. Mas será que, talvez, você teria uma coisa mais... Plausível em mente para o futuro?

Ah, aquela palavra.

A palavra mais importante que aprendera na infância... E continuava sendo a que mais a confundia.

Cendi apoiou as duas mãos abertas na cintura e jogou o peso para perna direita. Ela olhou com um olhar francamente confuso para o palestrante e deu de ombros.

— Ué? Plausível? – ela inclinou um pouco a cabeça. – Se o Capitão América tem um escudo, o Pantera Negra tem um traje de vibranium, o Falcão tem o EXO-7 e o Tony Stark tem uma armadura, por que eu não posso ter um Megazord?

Dessa vez não houve risadas nem cochichos. Um silêncio quase sepulcral desceu sobre o auditório enquanto todos os alunos encaravam Cendi. O velho permaneceu mudo, fitando estarrecido a adolescente de pé no meio do amontoado de alunos. Então, ainda mais devagar que da primeira vez, um sorriso tornou a curvar seus lábios. Entretanto, o sorriso se alargou ainda mais, e ao invés de parecer que ele observava algo divertido, ele parecia estar olhando para uma coisa incrivelmente interessante.

— Há-há! – ele soltou uma risada curta, mas alta. – Gostei de você, garota! Cendi Danugam, não é? Vou me lembrar de você. Espero estar vivo para ver seu Megazord salvar Nova York.

Cendi reprimiu um sorriso, baixando a cabeça. Esta era a primeira vez em quatro anos que verbalizava sua ambição para um estranho.... E também era a primeira vez que a levavam a sério. Satisfeita e sentindo uma sensação estranha de alívio, Cendi virou-se para puxar o acento de sua poltrona para se sentar, e foi aí que ela percebeu os olhares. Todos ainda olhavam para ela, e de um jeito que ela conhecia. Um jeito que ela mesma olhava para a TV quando via alguma notícia sobre algum Vingador ou assistia a um episódio de Power Rangers.

Admiração.

Alguns a olhavam assombrados. Outros olhavam-na com sorrisos reprimidos, mas olhos brilhantes. Havia até alguns com sorrisos tortos bastante evidentes para ela. E havia um em particular que a olhava fascinado, a boca escancarada num "o" de admiração. Só tinha um que não se assemelhava ao restante dos olhares. Um que a encarava de esguelha com um ar bastante desconfiado. Cendi deu de ombros mentalmente e se sentou, sorrindo para si mesma. Agora tinha um outro motivo para estar satisfeita: tinha reconhecido com sucesso as emoções nos rostos das pessoas. Séfora ficaria orgulhosa.

Entretanto, o que Cendi não havia entendido (e talvez demorasse anos para entender) era o motivo por trás de todos aqueles olhares. Cendi não entendera o que fizera. Cendi não entendera que, dentre todos os alunos, ela fora a única que tivera coragem de expressar o sonho louco enterrado no coração da maioria das pessoas... Principalmente das pessoas daquela cidade, que já vira tanta coisa. 

O sonho de se tornar um super-herói.

***

Cendi quase se derreteu de alívio quando saiu da sala do diretor com os deveres de casa acumulados de Séfora. Socialização com figuras de autoridade não eram nem de longe seu forte. Seguindo pelo corredor abarrotado de alunos, a garota puxou a mochila para guardar a pasta com as anotações dos deveres, e aproveitou para puxar os livros que deixaria em seu armário. Alcançou-o sem muitos problemas e começou a pegar os materiais que precisaria para fazer o dever de casa. Por estar absorta na tarefa e com a porta do armário bloqueando sua visão do corredor, Cendi não percebeu a aproximação de duas pessoas um tanto agitadas. Um deles se prostrou atrás de Cendi e chamou:

— Ei!

A garota teve um leve sobressalto, virando-se com um único gesto para procurar quem chamara. Deu de cara com um menino gordo, pele acastanhada, traços suavemente indígenas reforçados pelo cabelo escuro liso em corte cuia.

— Ah... – Cendi se sentiu um pouco desnorteada devido à proximidade do garoto. Ela deu um pequeno passo para trás. – Oi!

— Meu nome é Ned, e eu queria te perguntar uma coisa. – ele apontou diretamente para o centro do tórax de Cendi, o que a fez congelar por um segundo. – Qual sua temporada favorita de Power Rangers?

Foi aí que ela se lembrou que estava usando a camiseta dos Mighty Morphin Power Rangers. Uma onda de alívio tomou conta da garota, seguida de uma euforia crescente.

— Uou! – ela exclamou animada e francamente surpresa. – Você curte Power Rangers?

— Acompanho todas as temporadas até hoje. Gostou de Ninja Steel?

Cendi alargou o sorriso.

— Caramba! Não imaginei que ia encontrar alguém aqui que gostasse de Power Rangers! Eu gostei bastante de Ninja Steel, mas a minha favorita é Power Rangers Turbo. Se bem que eu gosto bastante de S.P.D. também... Ah e tem a Força do Tempo e a Força Animal... – ela deu uma risada. – É realmente uma pergunta difícil. E qual a sua?

— A minha favorita é a Power Rangers no Espaço. Mas eu também gosto bastante da Lightspeed Resgate e da Dino Trovão. E, bem... Não tem como não mencionar a clássica Mighty Morphin. – Ned fez um gesto indicando a camisa.

Cendi riu de novo.

— É verdade... – a voz de Cendi foi morrendo quando ela percebeu a presença do segundo garoto. Ele estava mais afastado, observando a conversa com um ar ansioso e um tanto constrangido. Como ele estava parado no meio do corredor e não muito distante de Ned, Cendi presumiu duas coisas: ou ele queria falar com Ned ou com ela. Ela franziu os lábios num biquinho e arqueou as sobrancelhas, olhando interrogativamente de um para outro. Ned se virou.

— Ah! – ele fez um gesto para que o garoto se aproximasse. – Esse é meu melhor amigo, Peter.

Um pouco sem jeito, o garoto se aproximou segurando as alças da mochila. Depois, tentou assumir uma postura descontraída, mas seu nervosismo ainda estava evidente.

— Isso. Isso... Eu sou. Sou o Peter. Peter Parker.

— Ah, oi Peter. – cumprimentou Cendi, que num gesto quase ensaiado, estendeu a mão. O garoto encarou-a por alguns segundos, mas depois apertou-a. O aperto foi firme, mas rápido demais.

— Então – retomou Ned, ainda mais animado. – Aquilo que você disse sobre construir um Megazord... Você pretende mesmo!?

Cendi franziu as sobrancelhas. Tudo bem que dissera aquilo abertamente na palestra mas, por enquanto, achava mais seguro não dar muitos detalhes. Com um sorriso, a garota desconversou:

— Ainda vou demorar muito para chegar lá. Construir mechas não é como montar um carro. Claro, tenho algumas plantas, mas ainda preciso me aprofundar em mecatrônica e robótica.

Os olhos de Ned brilharam. Aproveitando o momento de silêncio, Peter se agitou, coçando o pescoço, e desajeitadamente se esgueirou na conversa:

— Então... Eu acabei ficando um pouco curioso, sabe... lá na-na-na palestra... você se referiu ao Mr. Stark pelo nome inteiro. Você... Você-você-você o conhece?

O sangue de Cendi gelou. Agora que relembrava suas próprias palavras, percebera que Peter até eufemizara a pergunta. Ela não se referira a ele pelo nome inteiro. Tinha sido pelo apelido. Rezando para que o nervosismo não tivesse transparecido em seu rosto, Cendi procurou seu tom de voz mais casual e respondeu:

— Ah, sim... Eu... Estagiei com ele uma vez. – ela fez uma pausa, percebendo que aquilo não era o suficiente. Então, acrescentou. – Um estágio relativamente longo.

— Ah que legal! – cortou Ned, ainda mais animado. – O Peter está estagiando com ele.

O nervosismo de Cendi evaporou e foi substituído por um estado profundo de alerta.

"Estágiário do Tony?"

— Caramba, que legal! – Cendi ensaiou a melhor reação de surpresa e animação que conseguiu. – O que você faz no seu estágio?

Peter abriu a boca para falar, depois tornou a fechá-la e fuzilou Ned com os olhos.

— É que... – ele parecia nervoso. – O Mr. Stark não permite que a gente fale muito sobre o estágio. Como é coisa de lá, sabe... – Peter tornou a fuzilar Ned com os olhos.

— Ah, eu sei. – concordou Cendi balançando a cabeça. – Eu não podia falar muito também. Nem pros meus pais. Tem coisa que ele desenvolve lá que pode gerar patente, então...

Peter parou de se agitar e encarou Cendi. De verdade. Ele parecia estar, enfim, vendo-a pela primeira vez.

— É... – ele parecia ter assumido um tom... cauteloso? – Isso... Quando-Quando você estagiou com ele?

— Acabou faz um ano. – respondeu Cendi prontamente. Estava se sentindo horrível por mentir sobre aquilo, pois o assunto lhe trazia lembranças incríveis que haviam se tornado dolorosas. Mas como sua própria mãe lhe estimulara a aprender a mentir bem, principalmente sobre Tony Stark... Ela não tinha muita opção. – Fui estagiária por dois e meio. Na verdade, entrei como jovem aprendiz.

Peter assentiu devagar, ainda conservando uma certa cautela no olhar. Ned observava a tudo com um ar divertido. Quando percebeu que a conversa terminara entre os dois, voltou-se para Cendi e perguntou:

— Quer sentar no almoço com a gente?

O rosto da garota se iluminou.

— Ah, claro! Eu estava sentando sozinha mesmo...

— Sabemos como se sente – ele cutucou Peter com o cotovelo e depois de um tapinha no ombro de Cendi. – Bem-vinda ao clube.

***

Enquanto Cendi e Ned debatiam avidamente sobre o paralelo entre Mighty Morphin Power Rangers e Dino Trovão, Peter se afastou um pouco no banco e puxou seu celular do bolso. Abriu o aplicativo de mensagens e selecionou a aba de conversa (monólogo) com Happy. Hesitou por um segundo com os dedos suspensos sobre a tela, mas logo colocou-se a digitar freneticamente uma pergunta, que reformulou três vezes. O resultado final foi o seguinte: 

"Oi Happy. Eu queria saber se o Mr. Stark possui ou já possuiu programas de estágios para pessoas normais na empresa dele na parte de engenharia e tudo mais."

Não tinha muitas esperanças de que Happy fosse responder a mensagem, mas caso isso acontecesse, ligaria para ele após a aula. Enfiou o celular no bolso e aproximou-se novamente da dupla.

Já era quase o fim do intervalo quando seu celular vibrou. Afobado, o garoto enfiou a mão no bolso e se afastou o mais discretamente que pôde. Com espanto, percebeu que, de fato, Happy o respondera. A mensagem dizia:

"Não, garoto. Nunca existiu nada do tipo. Por que quer saber?"

Peter ergueu a cabeça e puxou o ar, nervoso, enquanto analisava Cendi, que ainda argumentava energeticamente com Ned. Depois, baixou os olhos e digitou:

"Não, nada. Foi só curiosidade". 


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Notas finais do capítulo

QUEM ACHOU O EASTER EGG???
QUEM GOSTOU DO CAPÍTULO?? Não se acanhem, podem opinar a vontade pq isso sempre SEMPRE ajuda a refinar o trabalho ♥ E quem não ama amorzinho vindo dos leitores?
Ah, também peço encarecidamente que vocês leiam o último jornal que eu postei porque explica a maior parte dos motivos pelos quais sou essa escritora tão irregular T.T Me desculpem. Mas juro q é por uma boa causa.
MUITO OBRIGADA A VOCÊ, SUA LEITORA, SEU LEITOR LIND@S E MARAVILHOS@S QUE ME ACOMPANHAM MESMO COM TODA A IRREGULARIDADE ♥ Vcs tem um lugar especial no meu coração *u*
Beijos da Nana-chan é até a próxima!



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