Gentileza, bullying e batata frita escrita por LiKaHua


Capítulo 2
The Second Stone


Notas iniciais do capítulo

Oie, pessoas! Muito obrigada por todos os comentários e o apoio no capítulo passado. Jake também agradece, ele diz que se sente muito melhor. Aqui está o segundo capítulo, não se animem muito, não vai ser uma história muito comprida não, podem até perceber que estou economizando muita coisa, é um conto, foi pensada como um conto, tá?
De todo modo, estou muito feliz em poder escrever para todos vocês, não vou citar nomes porque não quero deixar ninguém de fora, mas vocês estão aqui porque vieram do facebook, então obrigada a cada um(a) sinta-se ursamente abraçado por mim! ♥



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Louise Marshall foi transferida da Irlanda há sete meses. Os pais haviam se mudado para Louisiana por causa dos negócios do pai dela que eu não tinha a menor ideia de quais eram. Ela era o tipo de garota que fazia os corredores lotados abrirem como o mar vermelho, seu sotaque irlandês era tão sexy que quando ela falava era a sensação de se ouvir a sua música favorita pela primeira vez. Louise Marsall era a garota mais bonita da escola — talvez até do planeta —, mas fazia parte do terceiro grupo da escola. O grupo do “não estou nem aí”. Ela era presidente do clube de jornalismo, voz principal no coral da escola, líder do grupo de natação e redatora do rádio da escola. Às vezes era difícil saber se ela era humana.

Por isso, no momento em que ela tomou o meu partido na sala de biologia fiquei tão atônito.

            Ainda ponderava sobre isso em meu quarto enquanto tentava resolver as malditas equações da aula de álgebra, tenho muita curiosidade em saber como o cérebro das pessoas que gostam dessa matéria funciona, acredito que deva ter alguma parte muito mais desenvolvida que o de pessoas comuns como eu. Estava, como sempre, acompanhado de boa música, alguns salgadinhos e esperando a última equação para me dedicar a algo que eu realmente gostava e, antes que você pense, não, não era comer. Eu gostava muito de línguas, queria trabalhar como intérprete quando crescesse, aos dez anos comecei a estudar alemão, aos quinze já era fluente e comecei a me dedicar a outras línguas, uma por uma, até aprender todas que eu pudesse. Claro que eu não dizia isso a ninguém, só minha mãe sabia — porque pagava todos os cursos que meu trabalho de meio período não cobria.

— Jake. — Ela apareceu na soleira com um sorriso. — Samuel está aqui.

— Já disse que eu estou em casa? — Perguntei, torcendo para que não e sabendo que sim.

— Disse, você precisa me dar um calendário sobre quando quer e quando não quer receber amigos em casa.

— Aviso quando eu tiver amigos. — Ironizei.

            Ela revirou os olhos e saiu. Samuel Jansens era do grupo de Jason na escola, mais por uma questão de sobrevivência que propriamente por vontade própria. Estudamos juntos na escola primária e, assim como eu, ele era zoado por estar acima do peso e eu achava sinceramente que éramos amigos por compartilharmos juntos desse problema. Não pense que as crianças não são capazes de magoar ou praticar o tal bullying, se analisar com calma vai ver que elas podem ser ainda mais cruéis que os “aborrecentes”. Mas então ele passou um tempo com a mãe em San Diego e voltou parecendo um modelo da Calvin Klein no primeiro semestre do segundo ano. Agora andava com a turma do Jason e, mesmo que não me zoasse como os outros, não fazia nada para impedir.

Ele apareceu na soleira da porta com um sorriso e acenou.

— Estou ocupado. — Disse simplesmente enquanto colocava uma porção de salgadinho na boca.

— Claro que está. — Revirou os olhos entrando sem a minha permissão e sentando-se na cadeira ao meu lado. — Quer uma força com isso?

— Não, obrigado.

— Jake, olha, eu sinto muito mesmo... — começou.

— Não, Sam, não sente. — Contradisse batendo na mão dele quando se dirigiu ao meu lanche. — E não toque nos meus salgadinhos.

— Eu sei que o Jason é um idiota, assim como todo mundo naquela escola. — Suspirou frustrado.

— Inclua-se nisso. — Disse sem erguer os olhos do caderno.

— Mas viu como a Louise defendeu você? — Podia ver o sorriso no rosto dele mesmo sem olhá-lo.

— As coisas devem funcionar de um jeito diferente na Irlanda. — Dei de ombros. — Talvez lá as pessoas sejam menos idiotas ou ninguém se importe se você comer o seu peso em macarrão com queijo.

— Por que não tenta emagrecer e acaba com isso?

— Porque o problema não está no meu peso, está na cabeça oca de todo mundo. — Lancei-lhe um olhar gélido. — Eles não têm o direito de me encher pela minha aparência.

— Eu sei que está certo...

— Mas mesmo assim anda com eles porque não aguentaria nadar contra a corrente. — Completei a frase antes que ele inventasse mais desculpas e me fizesse perder a paciência.

— Nós dois sabemos que você sempre foi mais forte do que eu, Jake.

— Não, Sam, nós dois sabemos que eu não mudaria meu caráter junto com a minha aparência. — Senti um nó apertar na garganta. — Agora, se me dá licença, eu gostaria de terminar isso aqui, ainda tenho que fazer minha aula de finlandês.

            Pela visão periférica percebi que ele ia dizer alguma coisa, mas desistiu. Um aceno de cabeça negativo e levantou me deixando sozinho. Quando ouvi a porta fechar, joguei a lapiseira sobre o caderno e me larguei sobre a cama, não ia chorar, não havia porque me importar com ele ou com qualquer outra pessoa, estive sozinho a vida toda não teria porque bancar a vítima agora.

            Perdi a conta das vezes que mudei de escola na tentativa de parar a violência, das vezes que me recusei a sair de casa com medo do que iam dizer ou de como me olhariam. De todas as vezes que recusei conhecer outras pessoas ou mesmo o número de terapias que havia feito para entender que o problema não estava em mim, estava neles. O meu problema era ainda dar importância ao que eles pensavam sobre algo que eu não ligava. Minha saúde estava bem, apesar de todas as porcarias que eu comia às vezes, entender que eu não precisava sofrer pelo que eles faziam ou deixava de fazer ainda era um desafio que eu enfrentava todo dia.

— Tudo bem aí? — Minha mãe sentou ao meu lado na cama e começou a acariciar meus cabelos.

— Claro... da próxima vez diga que fui testar um foguete da NASA.

— Vou manter isso em mente.

— Pelo menos está acabando, só mais um ano...

— Querido, você é muito melhor que todos eles. — Disse ela em seu tom suave.

— Nós dois sabemos que não é verdade, mãe, e que eu não me importo mesmo. Se não sou melhor ou aceitável, me sinto bem por não ser igual. Isso sim seria um problema pra mim.

            Ela me deu um beijo na cabeça, daqueles beijos de “queria te ajudar se você deixasse”, mas fazer isso seria o mesmo que ter uma fera defendendo a cria na sala de um diretor paspalhão o que só me traria ainda mais problemas do que já tinha. Todas as escolas eram iguais, acho até que em todos os lugares do mundo. Quando fiquei novamente sozinho, voltei para o caderno de matemática, pôr as matérias em dia — e a pilha interminável de dever de casa — era uma das coisas que eu me cobrava fazer sempre. Se eu não podia ter paz, pelo menos teria conhecimento o que me garantiria alguma coisa em troca e eu contava seriamente com isso.

Às vezes eu sinto que a minha razão está enfraquecendo/ Meu relógio interno forçando o tempo à parar/ Estou rompendo fronteiras entre a vida e a sanidade/ É quando tudo começa a quebrar na minha frente (...)Às vezes eu sinto que estou traindo minha memória/ Desta vez parece que estou perdendo a luta/ Achando difícil ser conscientemente parte da vida/ É quando a consciência e os sonhos começam a se separar[1]

            Sempre gostei do jeito que a música faz sentido mesmo quando você acha que nada mais faz. Enquanto eu dava respostas para problemas matemáticos que eu achava improvável terem solução, aquela música ia sanando aos poucos a minha revolta interna, dando voz a sentimentos que não conseguiam gritar.

***

            Fora biologia, eu via Louise Marshall nas aulas de inglês. Ela parecia ser o tipo que gosta de livros, e os poemas que escrevia tocavam o coração mais insensível como o da senhora Eagle, nossa professora, que era o tipo difícil de agradar. Quando nos encontramos no outro dia ela continuava imersa em seu próprio mundo, esbanjando sua beleza já conhecida e ignorando a realidade que lhe rodeava com sucesso.

            Tomei meu assento ao lado da estante no fim da sala e me pus a observá-la, parecia ocupada com alguma coisa e em nenhum momento deu por minha presença, ninguém dava a menos que fosse me zoar. As pessoas da minha sala de inglês eram mais amigáveis, pareciam mais preocupadas com suas redações, livros e poemas do que em cuidar da vida uns dos outros, uma coisa rara naquela escola. A verdade é que era uma das aulas que eu mais gostava, não apenas por não haver nenhum atleta idiota para me encher o saco, mas porque eu realmente adorava ver como palavras podiam mover o mundo de alguém.

— Bom dia. — Cumprimentou a senhora Eagle com seu tom impessoal de sempre. — Tomem seus assentos, por favor. Presumo que todos tenham trazido seus ensaios sobre Rei Lear que pedi na última aula.

            Colocamos os trabalhos sobre a carteira para que ela os recolhesse. Dei uma olhada rápida para Louise, ela estava agora completamente focada na apresentação do clube de teatro que aconteceria na semana seguinte, e eu já estava prevendo mais um baile de inverno em que passaria sozinho.

— Sr. Mattews, o senhor será o coadjuvante na peça da próxima semana.

— O quê?! — Eu a olhei, chocado. — Deve haver algum engano, senhora Eagle, eu não me inscrevi como ator, sou co-roteirista.

— O senhor Abott está de cama e não poderá comparecer, naturalmente como o senhor sabe muito bem suas falas se encarregará de ocupar seu lugar.

— Isso é alguma brincadeira de mau gosto? — Perguntou Demeter Heights, o autor da peça. — Como esse gordo sem graça pode ocupar o lugar do Dave?

Primeira pedra.

— Já está decidido, senhor Heights. O próprio senhor Abott indicou-o para o papel. O diretor assinou a ordem.

— Senhora Eagle, isso é impossível! — Contrapôs-se Demeter. — Ian é uma personagem dotada de extraordinária beleza, colocar Mattews no papel vai destruir a personagem!

— Senhor Heights, eu gostaria que o senhor fosse um pouco menos indelicado. — Repreendeu a professora. — Não estamos em Hollywood e o senhor não é o Wood Aley. Esteja preparado senhor Mattews.

Retiro o que eu disse sobre a sala de inglês.

            Demeter me lançou um olhar metralhador e, talvez por um impulso involuntário, me encolhi. Odiei quando o fiz. Entenda, não tenho nada contra Demeter Heights, quando assumi o posto de co-roteirista do texto dele junto com Dave, que por sinal é uma das poucas pessoas naquele lugar que me trata como gente, Demeter foi muito simpático, ouviu meus posicionamentos sobre cenas que não poderiam entrar para não alongar a peça, discutiu sobre coisas que ele achava importante colocar e falas que precisávamos modificar para que o público de pais e alunos que não entendiam quase nada de literatura conseguissem acompanhar. Então, o fato de ele não me querer no papel do Casanova conquistador de sua criação era, até mesmo pra mim, compreensível.

— Senhora Eagle, posso me posicionar a respeito? — Louise ergueu o olho do script sobre sua carteira e a sala inteira, antes imersa em cochichos, silenciou.

— Claro, senhorita Marshall, por favor. — O tom meloso com que a senhora Eagle se dirigia a Louise deixando claro seu favoritismo seria considerado antiético se ela não fosse quem era: a melhor aluna do colégio.

— Estou falando agora como atriz principal da peça, como conhecedora de todo o roteiro, do trabalho do Dave, porque contracenei com ele diversas vezes e observadora de todos os ensaios. — Começou, pondo-se de pé e olhando principalmente para Demeter, senti meu corpo petrificar na cadeira. — Ian Storm é uma personagem muito profunda, tem um complexo de Narciso e é reconhecido por todos pela sua beleza e futilidade. Ao mesmo tempo que não é mau por natureza, suas atitudes o levam a um caminho de antagonismo, é fato, uma vez que Angelina se recusa a ceder aos seus encantos e ele procura todas as formas de impedir que Arturo consiga casar-se com ela. Mas, apesar de ser uma personagem tão difícil de ser interpretada, é o que ele é, uma personagem. A magia de sua existência está na voz que dá vida a ele e não no corpo que o representa no palco, todos que vêm assistir nossa peça sabem quem somos, quem são nossos pais e onde ficam nossas casas, vamos encarnar ilusões que nada tem a ver conosco. Por isso, Demeter, você não deveria reduzir os atores pela aparência das suas criações, mas pela capacidade que eles têm de dar vida a elas, uma vez que nenhum de nós é, de acordo com o seu texto, um modelo grego de beleza.

            Um silêncio sepulcral recaiu sobre todos nós, Demeter corou no pescoço e orelhas que ficaram muito vermelhos, todos olharam para Louise que sentou-se calmamente como se não tivesse dito nada demais, nem mesmo a senhora Eagle conseguiu fazer um comentário sobre o que ouviu e alguns alunos baixaram a cabeça. Quanto a mim, ainda estava perplexo, não tinha certeza se a defesa de Louise fora para a escolha de Dave ou para mim diretamente, mas o argumento dela feito de forma tão perfeita e impenetrável tirou de mim qualquer noção da realidade. Em um momento mínimo ela olhou na minha direção e, ainda não sei se sonhei ou não, mas ela sorriu.

Louise Marshall sorriu para mim. Pelo menos na minha provável ilusão de ótica.  

***

*Por que você não me liberta?/Às vezes eu sinto que estou traindo minha memória / Desta vez parece que estou perdendo a luta /Achando difícil ser conscientemente parte da vida /É quando a consciência e os sonhos começam a se separar/ Reúna-me /É hora de me reunir

            Ainda tive dois tempos no clube de astronomia e uma aula de álgebra antes de me ver livre. Segui o corredor na direção do terraço quando Jason me encurralou no corredor dos banheiros, tentei fingir que ele não estava ali e passar direto, mas Clark me empurrou e eu caí, na queda minha mochila abriu e espalhou minhas coisas.

— Qual o seu problema, cara?! — Perguntei, irritado enquanto tentava pegar minhas coisas.

— Eu estou cheio de você, Mattews! — Respondeu, furioso. — Louise não está aqui para te defender hoje, seu otário.

— O único otário aqui é você que acha que me diminuir vai fazer de você alguém melhor! — Encarei-o de frente e ganhei um soco no abdome.

— Você se acha muito corajoso, não é Mattews?

— Se ser corajoso é ser o oposto de você — disse, sem ar. — sim. Me sinto feliz em não ser idiota.

— O que você está pretendo?

— Pretendo que você esqueça que eu existo.

— Muito bem. — Disse ele, me olhando de cima enquanto eu ainda tentava recuperar o fôlego. — O baile de inverno é em três semanas, se Louise Marshall aceitar ir com você, deixaremos você em paz. Afinal, acompanhar a garota mais bonita da escola não é para perdedores.

Eles começaram a rir. Sabiam tão bem quanto eu que não havia chance daquilo acontecer. Provavelmente, àquela altura, Louise já tinha um par, talvez até o próprio Jason. O que ele queria era me humilhar e eu não deixaria aquilo por menos. Estava cansado. Olhei para o rosto de Sam afastado do grupo, impassível enquanto eu era agredido, uma raiva inflamou dentro de mim, me pus de pé e encarei Jason.

— Muito bem. Em duas semanas eu vou convidá-la e você nunca mais vai entrar no meu caminho. Além disso, quero que me peça desculpas em público no baile.

— Fechado. — Ele deu um sorriso debochado e fez um sinal com a cabeça para os amigos o seguirem.

            Eu estava ferrado. Não só ia levar o maior fora de Louise Marshall como seria duplamente zoado até o fim do ensino médio. Eu tinha duas semanas para reunir coragem de convidá-la, eles haviam armado para mim, tinha certeza.

*Enquanto o tempo passa eu escondo a verdade/ Não posso me suportar com uma casca quebrada /Enquanto o tempo passa eu tento escolher/ Não sei por onde andar neste inferno privado /Me dê alívio /Deixe-me acreditar entre doce ficção e realidade

 

Segunda pedra.

 

[1] The Second Stone — Epica (Tradução) *


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Notas finais do capítulo

Espero que ainda estejam gostando do Jake. Não sei bem como defini-lo, ele é bem... ele mesmo se é que isso faz algum sentido e, sinceramente, ainda estou aprendendo a lidar com narrações masculinas. O próximo capítulo, provavelmente, demore um pouco porque tenho que atualizar outra história em andamento, mas vou me esforçar para não retardar muito, okay? Mais uma vez obrigada pela força e o carinho que tenho recebido ♥ vocês são demais!



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