Culpa e Perdão: O pior de uma mente apaixonada escrita por NightlyPanda


Capítulo 18
Capítulo 18 - Caminhos e Mentes em Alerta




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Nolan

Amanhecia e eu não fazia ideia de onde estava. O clarão inesperado daquela manhã refletia pelas pálidas paredes do quarto e refratavam diretamente em mim. Logo me situava em minha própria cama. Virei-me para a esquerda, ele não estava ali.

“Você está ficando mole Nolan”.

Era inevitável pensar algo do tipo, eu não tinha como negar que aqueles sentimentos que me desabrochavam não encontrariam solo fértil em mim há alguns meses atrás. Contanto que isso não o machucasse, não o deixasse em risco, eu me dava orgulhosamente por vencido.

Aos poucos me sentia vivo e ia despertando meu corpo para o dia que vinha. Enrolado em todos aqueles cobertores e lençóis, me escorreguei para fora da cama e caminhei em mancos passos até o banheiro. Olhava atravessado pela imagem no espelho, escovei meus dentes e enxaguei meu rosto. Deixei a banheira ir enchendo enquanto tomava consciência completa. Meu corpo estava pesado, como se meu espírito estivesse revestido em chumbo e se solidificava cada vez mais.

Absorvendo o calor da água escaldante, deixei minha mente se perder em meus pensamentos durante o banho. Minha conexão foi estabelecida com o ardor em meu ombro esquerdo. A fincada naquele machucado recém cicatrizado trouxe a imagem daquela mulher aos meus olhos. A via como se ela estivesse parada a minha frente, junta a mim naquele banho, observando por dentro de meus olhos toda minha alma, caçando por detalhes, almejando minhas fraquezas. E por mais que fosse exatamente o que eu queria ter dela, era como olhar nos olhos de Medusa, eu estava completamente petrificado e no próximo segundo meus olhos paralisados já não viam mais nada.

Então minha viagem em busca de informações me veio na memória. Uma imersão em inconclusões, um dia inteiro de busca pelo campus para tentar achar algum arquivo, alguma pista. E na hora da verdade, apenas trivialidade. Martha Nasser, a aluna brilhante de Saïd Business School, graduada com honras e um coeficiente imbatível, apenas históricos escolares e registros acadêmicos de disciplinas cursadas estavam disponíveis no registro.

Mas de tudo, eu não tinha perdido quatro dias em trabalho de campo atoa.  Encontrei o professor que Ix’Tab havia me informado, Dominic Brauner. Catedrático da Saïd Business School, ele me fez ouvir horas e horas sobre a vida dele e como graças a ele a faculdade de administração tinha o destaque internacional que todos se gabavam, e acabou mencionando ex-estudantes brilhantes, falou da única aluna mulher destaque de suas turmas. Voilà, o nome de Martha Nasser fora mencionado. Perguntei para ele quem ela era, o que ele sabia sobre ela. A princípio ele ficou suspeito de minhas dúvidas, mas com um ego daquele tamanho, era fácil encontrar o local de o amaciar.

Sim, Martha. Estudara ali entre 2001 e 2005, quando se formou e foi se especializar em gerência e administração empresarial internacional em Viena. De acordo com Dominic, ele mesmo a matriculou no programa de pós-graduação, o sucesso de Martha, para ele, parecia ser a perpetuação de seu próprio legado. Era impressionante como ele retornava tudo a si mesmo. Estava aguardando o momento onde ele falaria bravamente que ele a havia ensinado a encher seus pulmões de gás carbônico e a convertê-lo em oxigênio de forma a mantê-la viva, e isso teria sido um divisor de águas na vida dela. Graças a ele, não posso esquecer.

Afirmou que na colação de Martha, ele próprio havia a apresentado a um promissor empresário e ex-aluno da Universidade. Afirmou que era George Keinz, na época, um engenheiro civil aposentado e de renome internacional, um grande especulador acionário nas bolsas de valores mundiais. Keinz seria quem estruturaria o que viria a ser a futura galinha dos ovos de ouro da construção civil nacional. Assim que ele mencionou, a conexão foi direta, era o presidente e fundador da DAZus.

Tentei obter mais sobre esse encontro entre os dois. Dominic disse que Keinz tinha ficado impressionado com o trabalho de fim de curso de Martha, ele tinha sido um dos financiadores da pesquisa de pós-graduação de Martha em Viena. Afirmara que era um grande admirador de mentes geniais, e que, a seu ver, Martha guardava um futuro promissor. Mas depois que ela se mudou para Viena, nunca mais ele encontrou Keinz.

Outra relevante conquista, entre aquelas tardes de chás e bajulações a um professor universitário, foi saber que Martha fora da mesma turma que Suzanna, nas palavras do magnífico mestre, uma aluna mediana, um ponto entre outros, sem qualquer relevância. A expressão em seu rosto retratava bem a genuína surpresa e o espanto que o causou saber que era ela a secretária de desenvolvimento energético do nosso estado. Detestava política, dizia ele, não iria se dar ao trabalho de acompanhar um fim tão medíocre de uma aluna imemorável. Duras palavras, intrigantes, entretanto.

Pois então, o vínculo entre elas datava de uma década e meia. Mas eu precisava de mais, e infelizmente, ou felizmente pelo bem da minha sanidade, ele não tinha mais nada a me oferecer. O agradeci imensamente, me passando por um Trenton de sobrenome qualquer, nesses dois dias que tive que o acompanhar a torto e a direito pelo campus.   

O complemento de minha curiosidade foi servido em um pub alguns blocos fora do campus, onde uma senhora, ao me ouvir conversando com o professor e mencionando o sobrenome Nasser em um dia anterior, me informara que Martha estava sempre ali estudando, tomando seu chá de Rooibos todas as tardes. Ela mesma preparava o chá da jovem estudante e a servira, mas depois que Martha se formara, disse que nunca mais a viu. Relembrou dela recentemente quando ficou sabendo da notícia envolvendo o atentado à DAZus, e a promoção de Martha a CEO. Em uma fala que passaria levianamente despercebida, disse que queria saber se ela havia se acertado com seu pai, pois diretamente eles se encontravam ali, mas os encontros não passavam de uns quinze minutos, e a conversa sempre era em um tom ríspido e seco um com o outro.

Eu a indaguei se ela sabia quem era o homem, ela lamentou não ter certeza, pelo tempo que se fazia, mas era um nome engraçado, algo a ver com Kars... Shalls... Taz... e um sobrenome também incomum, Morsey... Torsey...

Lars Dorsey, exclamei para ela. Ouvir esse nome a fez acenar sorridentemente recobrando a memória. Mas logo ela quis saber se eu os conhecia, no que eu me vali de uma resposta evasiva qualquer, algo de ser amigo de dormitório de um primo dela. A exclamação dela foi de alívio ao ouvir o nome, me contou que ficou sabendo que se tratava do pai dela no dia que ele largou um cheque para Martha em cima da mesa do pub e ela o esquecera. Ela viu ao fim do expediente, afirmou ter ficado desesperada, era um cheque assinado em enorme quantia. O guardou até o dia seguinte, quando o entregou para Martha. Foi quando afirmou saber que se tratava do pai dela, parecia ser o cheque da pensão, ao menos foi o que ela a indagou e não ouviu negativa alguma de Martha, recordava a senhora.

Afundei minha cabeça na água quente, deixei meus pensamentos igualmente submersos. Tinha conseguido uma coisa ou outra sobre os laços de Martha, mas essas pistas me largaram com pontos conflituosos sem muita luz. De toda forma, já era algo. E agora, eu precisava chegar ao fim dessa história.

Já não sabia mais minha motivação para essa investigação tão profunda, nada tinha a ver com meu trabalho original, mas fora nele que eu me conectara a essa trama toda, e algo era desconexo.

Normalmente eu não tentava entender os motivos por trás dos serviços que eu era contratado, mas não pude evitar me envolver nesse caso. E pensar que tudo começou com alguns assassinatos de empresários e homens de negócios. O quão podre era a elite econômica não me assustava, a imiscuída sintonia das relações familiares com a política e o poder, era patológico em qualquer lugar do mundo. Já havia visto isso em várias missões ao redor do globo. Nos países centrais da África, nas frágeis democracias americanas, nas nobres cortes que disfarçam as repúblicas europeias, nos emergentes asiáticos. Em todo o planeta, era essa a realidade, o tipo sanguíneo do dinheiro.

Arrumei-me para ir até a empresa, de lá tentaria encontrar alguma pista nesse quebra-cabeça.

Cortava as ruas na minha Maserati vermelha, o ar no meu rosto era meu combustível. Olhar aquelas travessas, ver todas aquelas pessoas e carros indo e vindo por todas as direções, me traziam um certo embrulho no estômago. Uma van preta passou em direção oposta a mim e foi impossível não ser teletransportado imediatamente para o dia do atentado à sede da DAZus. O dia em que eu achei que tivesse perdido Hugo...

Eu estava me vendo jogado no chão, observando aqueles blocos de concreto despencarem dos céus e colidirem com o chão como meteoros que ardem da atmosfera até o solo. Entre um segundo e outro, senti como se não mais tivesse um coração batendo em meu peito. Via a imagem de Hugo sumindo de perto de mim e foi uma das piores aflições que já senti. Eu não podia deixar isso acontecer, nunca.

Estacionei o carro na garagem do prédio e subi de elevador até minha sala. O caos no andar engolia aquele ambiente, minha presença sequer foi percebida. Nem Rowney me viu chegando.

Aconcheguei-me em minha poltrona e a virei para a vidraça que fica atrás de minha mesa. Era uma coisa a se despender um tempo, a vista panorâmica da cidade de tão alto ponto. Respirei profundamente e girei a poltrona de volta à mesa, ligando o computador e ajeitando minhas costas para começar a pesquisar.

Martha Nasser. Por que tudo o que tem sobre você é tão genérico? Mesmo as notícias que falavam da sua promoção para CEO não traziam qualquer informação útil sobre quem ela era, apenas um retrato rápido e vago de sua vida acadêmica e profissional. Todas dedicavam-se com mais ênfase ao governador, em sua gafe de antecipar uma decisão da DAZus, e estar redondamente errado.

Dirigi minhas buscas na Internet a George Keinz, mas, novamente, nada que me seria útil. Falava de quando ele tinha fundado a DAZus, de como a empresa vinha se destacando no cenário nacional da construção civil nos últimos anos. Imigrante austríaco, usava de sua postura como investidor experiente para alavancar a atuação da DAZus no mercado, tinha a sabedoria e firmeza necessária para conduzir com sucesso a empresa, e isso trazia investimentos diversos e de enormes cifras aos cofres da DAZus.

— Hey Nolan, como está? Vi a luz da sua sala acessa e vim conferir se você tinha vindo pra cá hoje. – Rowney entrava naquele espaço e sem que ele sequer conseguisse notar, movi meus dedos no mouse e fechei aquelas janelas de busca.

— É, eu tinha algumas coisas que precisava olhar aqui e acabei vindo hoje.

— Certo. E tem algo que eu possa fazer?

— Acho que não, são análises corriqueiras que eu quero repassar antes de fechar as tabelas. Mas se você me quiser trazer uma caneca de café, eu não vou achar ruim.

— Pra já chefia.

Não demorou nem cinco minutos e ele estava com uma caneca com meu expresso, ele sabia exatamente o jeito que eu gostava daquele café preparado.

— Eu tô pela diretoria de valores hoje, mas qualquer coisa manda me chamar que eu materializo aqui.

— Tranquilo Rowney.

Ele saiu da sala parecendo que tinha o dom da levitação, sem fazer qualquer barulho, do mesmo modo que havia entrado.

Minhas pesquisas não pareciam voltar com resultado algum. Eu estava fazendo isso do modo errado, precisava tirar minha cabeça disso por um tempo até conseguir olhar essa história novamente com a mente fresa. Resolvi olhar realmente algumas tabelas da empresa, coisa que eu fazia sem a menor preocupação.

O computador então travou todo. Aquilo não era minimante esperado, era um computador novo, extremamente potente para travar a revelia daquele modo. Tentei clicar em um monte de coisas, nada abria, nenhum botão do teclado funcionava. A tela ficou toda azul por algum tempo. Assim que fui puxar o cabo da tomada, tudo voltou a funcionar como que por um comando mágico.

Abri o navegador e ele já foi iniciando a página do meu e-mail. Não me lembrava de ter o deixado conectado. Tinha um novo e-mail que eu ainda não tinha lido. Mas o destinatário estava oculto, completamente criptografado.

Creio que as informações que você procura estão mais perto de você que pode perceber. Mas eu vou deixar tudo mais fácil para você, meu querido. Estarei te esperando no bar do Sky Garden, hoje à noite. Considere um encontro, vá bem vestido. Espero ver seu charme de perto novamente, e com calma dessa vez.

Aquela mensagem, Ix’Tab talvez? Ela costumava assinar suas mensagens, mas não era como se ela fosse de qualquer forma previsível. Mas “novamente” e “dessa vez”? Essa mensagem não me era agradável. Tentei pensar se tinha deixado alguma ponta solta nos meus últimos passos, mas não me parecia ser o caso.

Martha?

Mas não tinha como ela saber quem eu era. Tinha? Não, não tinha. Eu estava com o rosto coberto quando nos vimos, e não tinha como ela saber meu nome e muito menos o meu e-mail. A ideia de ser ela, apesar da impossibilidade e por mais insensata que fosse, deliciosamente me tentava.

Lembrei-me do dia que tinha sido seguido, mas isso fora antes do meu contato com Martha e Suzanna naquele galpão.

Suzanna?

Ela tinha visto meu rosto quando trombei com Augusto no dia em eu grampeei o telefone dele. Só que a ideia de ser ela me parecia ainda mais impossível do que a de ser Martha, e essa não me motivava em nada.

Bom, eu só saberia agora se fosse a esse encontro.

Desliguei o computador e saí da minha sala, não mantinha um pensamento sequer no presente, tudo que me vinha a cabeça agora era ir para casa me arrumar, e esperar a noite chegar para esse misterioso encontro.

Acho que Rowney tentou chamar meu nome quando me viu passar trovejando pelo salão do andar, mas não parei até que estivesse dentro do elevador. Dirigi freneticamente pelas úmidas ruas da cidade até que estivesse em casa.

Mais do que pensar em quem estaria à minha espera, precisava decidir com qual visual iria até lá. Tinha que estar preparado para qualquer coisa, mesmo que fosse em um nobre e movimentado restaurante, eu não podia me dar ao luxar de não estar precavido para qualquer “incidente”.

Ainda tinha algumas horas até o cair da noite. Fui até o atelier respirar algum ar da varanda. Percebi a tela que repousava inacabada no cavalete, apenas com alguns toques em turquesa sobre o linho branco da tela. Reparei naquelas pinceladas que ali se eternizavam e me senti compelido a continuar aquele quadro, mas não o podia fazer nesse momento. A voz que gritava em mim não respeitava regras nem compromissos, era impossível de ser silenciada. Assentei-me no banquinho de frente para o cavalete e peguei a paleta e o pincel apoiado sobre ela. Derramei gentilmente alguma quantidade de tinta bege sobre a paleta, um pouco de marrom e preto também. Mergulhei o pincel na tinta marrom e comecei a tracejar alguns rabiscos entre os borrões de turquesa na tela. Os traços iam se encontrando, fechando geometrias imperfeitas e esboçando alguma forma.

As tintas se apossavam do pincel, tomavam aquele espaço branco como se fosse seu e ali se instalavam. Caminhando ao encontro e desencontro das pinceladas que viam antes, demarcavam todo o quadro. Não conseguiria acabar naquele momento, mas talvez aquela obra estivesse perfeitamente finalizada daquele jeito, não precisaria de ser terminada, estava pronta. O rosto esfumado não era bem um retrato, também não era apenas um esboço rabiscado. Era o que era. Hugo.

E nisso, algumas poucas horas se passaram e eu precisava me limpar, tirar a tinta que ficara em minhas mãos, e ir me arrumar.

Assim que me limpei, fui até meu closet e comecei a arredar alguns cabides entre os armários, tentava ter uma ideia do que vestiria. Lembrei do linho da tela e da tinta turquesa que o tinha tomado, então peguei o terno de linho cru e uma camisa de seda em um claro tom de turquesa. Puxei a última gaveta e peguei o sapato caramelo e fui me vestir. Não queria estar extremamente formal, deixei o colete de lado. Coloquei a camisa, os dois últimos botões ficaram abertos, a acertei dentro da calça e calcei meus sapatos. Deixei o blazer pendurado, abri a porta do armário onde ficava meus perfumes, dedilhei o dedo por cima das caixas e peguei o perfume da Baccarat, Les Larmes Sacrees de Thebes, uma essência de exuberância que combinaria bem com a ocasião. Mirto, manjericão, jasmim, alguns dos aromas que faziam uma verdadeira infusão de poder em cada esguichar.

Penteei os cabelos elevando minha franja em um leve topete para a esquerda, escovei meus dentes, passei um hidratante labial e me observei no espelho, estava quase pronto. Fui então de volta ao atelier, puxei o suporte do jardim vertical de camélias, de forma que ele suspendeu a abertura para a porta escondida atrás dele. Era a porta de um pequeno armário, embutido na parede, tinha alguma razão de estar oculto. Lá estava, dentre outras, uma pistola de CO2, 4.5mm, semiautomática e com um silenciador, mais que suficiente para a ocasião.

— Bom, apenas por precaução. – Não resisti e afivelei um canivete tático por dentro da meia do meu pé esquerdo. Voltei para o closet e peguei o blazer, tinha um compartimento interno que caberia perfeitamente aquela pistola, a alfaiataria daquela peça era extremamente bem-feita, o corte disfarçaria completamente qualquer volume que poderia dar.

Agora sim, estava pronto. Socialmente despojado, aquele traje casual era realmente a escolha perfeita para meu encontro. Desci até a garagem e entrei no carro, vinte horas em ponto, já havia escurecido e eu estava a caminho do Sky Garden.

Não conseguia tirar da cabeça quem estaria lá. Em um distrair qualquer, a ideia de que talvez fosse algum enviado de Ix’Tab me pareceu tangível, não era um modo impossível de ela fazer contato. Mas as palavras de perto e novamente não fechavam essa hipótese como certa por completo.

Parei em um semáforo, estava a poucos minutos de chegar em meu destino. O rádio estava desligado, saí tão concentrado em chegar que nem coloquei alguma música para tocar.

Que triste”, pensei pelo silêncio que se fazia presente. Uma brusca vibração então roubou minha total atenção. Meu celular notificava alguma coisa, aproveitei que estava parado no sinal e fui ver o que era.

Hey Nolan ^_

Como você está? Só estou mandando essa mensagem porque, bem... estava pensando em você, fiquei com saudades.

(*^^*)

Esse garoto, como ele pode não ter ideia da catarse que ele fez em mim? Ao ponto de às vezes eu me esquecer de quem eu realmente sou, e querer ser alguém só com ele. Hugo, Hugo, Hugo... “Meu Hugo. Eu te responderia agora, mas nesse momento, eu sinto muito, mas não estou com a minha atenção voltada cem por cento a você, e me recusa a destinar apenas noventa e nove por cento de mim a você Hugo.”

O sinal dos pedestres fechara e eu mal esperei que o semáforo da via ficasse verde para acelerar e sair convergindo a esquerda. Meu foco seria todo a esse encontro, a desvendar esse mistério e colher as informações que eu precisava, quando estiver em casa, eu vou fingir como se Hugo fosse a única coisa existente no mundo. Afinal de contas, não precisaria fingir muito para isso.

Assim que aproximei meu carro do edifício onde ficava o Sky Garden, um atendente formalmente vestido fez sinal para mim, fui vagarosamente até ele.

— Boa noite senhor! O senhor tem reserva?

— Como?

— Qual o nome do senhor?

— Nolan Dawson.

Ele voltou seu olhar à tela do celular que segurava. Em instantes, parece ter encontrado algo.

— Sim, a reserva do senhor está feita. O senhor se importaria de que o manobrista estacionasse o carro do senhor na garagem? Assim o senhor já pode subir para sua mesa.

Minha mesa? Mas eu não tinha feito reserva alguma. Não me pareceu certo, mas assenti e saí do carro. O manobrista veio e o entreguei as chaves. O atendente me conduziu até a entrada e chamou o elevador para mim. Mais de trinta andares até a varanda do Sky Garden, por aquele panorama de vidro, eu tentava raciocinar para achar alguma pista.

A porta do elevador se abriu e eu me deparei com o enorme saguão, amplo e movimentado, pessoas conversavam admirando as plantas, algumas sentadas em suas reuniões de negócios, jantares românticos, uma ou outra alma solitária que apreciava uma boa taça de vinho ou um vaporoso café naquela fria noite. Alguns homens vestidos nos mesmos trajes negros se alinhavam em cantos opostos do local, um deles parece não ter se dado conta e dirigiu o olhar diretamente ao encontro do meu, mas ao perceber o desviou imediatamente.

— Esta mesa foi reservada para o senhor. Deseja fazer algum pedido?

— Uma taça de um bom Moët & Chandon, por favor.

— Para já senhor.

Minha mesa era bem centralizada ao lado de fora do saguão, na varanda daquele arranha-céus que apontava no coração da cidade. Uma mesa para dois e eu estava sozinho. A cadeira virada de frente para mim, no lado oposto da mesa, não tinha sido sequer movimentada, quem fosse me acompanhar naquela noite ainda não havia chegado.

— Senhor. – Um garçom veio servir meu champanhe. Vestido de modo formal, um colete preto e os louros cabelos milimetricamente penteados, ele não devia ter mais que vinte e três anos de idade.

Balancei a cabeça em agradecimento, levei aquela taça espumante à boca e tomei um sutil gole. Realmente, um champanhe era o que eu precisava naquele momento, me deixava desperto e aguçava meus sentidos, desarmando um pouco minhas emoções.

— Espero que o local esteja o agradando. – Uma macia e sedutora voz oscilou atrás de meus ouvidos, arrepiando cada poro de minha pele em minha nuca. Antes que eu pudesse virar meu pescoço, novamente, quase que como um raio, fui impedido pela voz por detrás.

— Não se preocupe em se virar, acho que assim podemos conversar melhor.

— Eu não sou de largar palavras sem direção ao vento.

— Não me diga que alguém do seu porte não sabe se comunicar sem ser pelo olhar?

— Pode ser que sim, talvez não. Gosto apenas de encarar minha...

— Acho que não está na posição de me chamar de presa, Nolan.

Abri um leve sorriso no rosto, eu realmente não estava lidando com uma pessoa despreparada.

— E você acha que esses cinco guarda costas terrivelmente disfarçados me intimidarão de alguma forma?

O som de seu riso era igualmente sedutor, um deleite que amacia meus ouvidos, tentando me distrair de qualquer forma.

— Não acha que eu vim aqui superestimando você meu caro, apenas não desconheço suas finesses. Mas não vim aqui para confrontá-lo, não fisicamente, não esta noite.

— E a razão desse romântico encontro que me chamas seria...

— Seduzi-lo, talvez.

— Hahahaha.

— Pelo visto estou conseguindo.

Bebi um pouco do champanhe, olhei fixamente pela taça, os longos cabelos ruivos escorriam pelas costas nuas. Via apenas as finas alças prateadas de seu vestido na pele branca, limitando o espaço que os cabelos cobriam sua pele.

— Não acho que vale de muito tentar me flertar pelo reflexo da taça, quando eu quiser o petrificar, vou o olhar diretamente nos olhos, belo Nolan, e você não terá forças para resistir.

—Para que você quis me encontrar?

— Ora, retribuir a gentileza, afinal de contas, foi você quem me encontrou primeiro. Devo admitir, nunca coloquei muita fé nas capacidades de Suzanna de ser esperta, mas não imaginava que ela tinha sido seguida aquela noite, muito menos que traria a toca dos lobos uma sedosa ovelha como você.

— Agora sou eu a presa?

— Meu caro, você nunca não a foi.

Suas palavras buscavam me desnortear, e, em certo ponto, conseguiam. Sentia que algo me atraía para um passo em falso, como os marinheiros que, não acreditando no canto das sereias, acabam sendo amarrados por suas próprias mentes, buscam enlouquecidamente o abismo desconhecido e se afogam por seduções monstruosas.

— Mas não vim aqui desperdiçar o seu tempo. Vim aqui oferecer-lhe algo que quer.

— Você...

— Não me diga que não tem nada que eu tenha que possa oferecer a você, porque eu tenho o que você mais procura na vida... Conquista.

— Conquista?

— Eu sei que você anda procurando alguns ratos no governo, e que sua caça de gato e rato o levou a um lugar onde você está perdido, sem saber o que fazer. Bom, eu vim aqui lhe oferecer uma luz.

— Uma luz?

— Sim. Na verdade, vim oferecê-la para depois te ver sendo consumido pela escuridão. Ora, você anda bisbilhotando minha vida, procurando informações sobre mim e meus planos, não é justo que eu não tenha minhas cartas na manga sobre você.

— E você acha que as têm?

— Não. O que eu já sei sobre você? É acessório, informações que qualquer um conseguiria. Minto, qualquer um não, você é um bom ocultador, sabe bem viver nas sombras, demandou um certo esforço para descobrir um pouco disso e daquilo a seu respeito. E exatamente por isso, eu vim aqui apostar com você.

— Uma aposta? E por que eu apostaria qualquer coisa com você? Você não está em posição de apostar nada comigo.

— Eu acho que estou sim. Olhe bem, por mais que você seja uma excelente sombra dispersa na escuridão, eu consigo ser um incêndio completo para te desmascarar, e pode ser que nem seja tão difícil assim. O que eu quero apostar com você é o seguinte, quem descobrirá os segredos do outro primeiro.

As estrelas radiavam seu brilho por entre as nuvens que tentavam ofuscá-las, a noite recaía diretamente sobre mim. Aquela conversa estava acontecendo e eu não sentia como se tivesse aquilo caminhando de forma adequado.

— E qual a vantagem de eu apostar isso com você? Incentivar-me? Eu não preciso de incentivo seu algum, já consegui coisas significativas sobre você, e mal estou começando na minha busca. Apenas por hobby e já tenho...

— Informações que eu me formei em administração, que eu tomava chá de Rooibos toda tarde após as aulas da faculdade, que eu fui para Viena após minha graduação, o que mais? Você é bom nisso Nolan, mas não é o melhor. Sim, eu quero apostar com você. A vantagem, bem, eu sei que você vive pelo fascínio de suas conquistas “profissionais”, um exímio mercenário devo dizer, mas alguém que se move pela sensação de invalidez da vida. Todavia, alguém que talvez não queira ser destruído. Veja só, se você ganhar, poderá me destruir primeiro.

— E você acha que preciso apostar isso para conseguir? Deveria estar mais preparada se a intenção era a de me amedrontar, você não tem o que barganhar a seu favor.

— Bom, talvez eu não precise destruir você diretamente, mas se eu descobrir os seus segredos, eu poderia colocar em risco algo pelo qual você se importa, a única coisa que tenha significado em sua vida.

— E quem disse que algo assim sequer existe? Você está blefando ridiculamente, não tem nada a me fazer aceitar essa aposta sem sentido.  – Ajeitei-me na cadeira, pude ver que ela fez o mesmo. Continuava estritamente ereta, e, mesmo de costas, tomou uma posição sensivelmente inquisidora.

— Nolan, Nolan, se não houvesse algo pelo qual você se importe, não estaria perguntando tão enfaticamente. Eu posso chegar até o que quer que for que seja suas asas, e vou arrancá-las com minhas próprias mãos. Eu vou fazer sua queda ser mais ardente que a de Lúcifer.

Hugo. Evitei pensar em seu rosto e tentei sumir seu nome de minha mente sob qualquer custo, tinha a sensação de que ela tentava invadir meus pensamentos e roubar o seja no que for que eu estivesse pensando para usar a seu favor. A simples ideia de relacionar Hugo a tudo isso me parava o coração.

— Não vai retrucar-me com mais alguma evasiva pergunta? Está armado e não parece defeso de forma alguma.

Não a dei atenção. Levei a taça até a boca e bebi meu champanhe, respirei profundamente e soltei todo o ar que expandia meus pulmões, o libertei na atmosfera para que se tornasse um com o universo fora de mim.

— Você tem tanta vontade em buscar seu fim com as próprias mãos assim?

— Hahahaha, devo admitir que seu humor me impressiona tanto quanto suas habilidades “profissionais”. Meu caro Nolan, me tenha em suas mãos e você jamais vai conseguir me soltar. Mas duvido que você consegue ao menos encostar um dedo em mim. Bom, parece que temos uma pequena competição oficial entre nós dois, devemos brindar? Ao seu fracasso Nolan Dawson. – Ela levantou sua taça no ar e a deixou parada, não se virou, nem ao menos demonstrou que o faria.

— Ao seu fim, Martha Nasser.

Novamente, o melodioso som de seu sorriso. A sua convicção não era arrogância, mas tentação, era o pecado encarnado, e era o pior deles. O orgulho destrutivo em carne e osso.

— Mas não vou deixar que você saia daqui de mãos vazias meu querido Nolan. Vou lhe dar uma dica, sem pedir nada em troca, até porque o que eu quero de você já está me sendo providenciado, e não depende de você. Pois bem, você quer saber sobre Suzanna e sua relação com o governador, não quer? Ela acompanhará o governador no fórum econômico nacional que acontecerá em uma semana, aqui na cidade. Lá, ela vai se encontrar com algumas pessoas por fora, questões de interesses próprios dela, nem o governador estará ciente. Acho que isso pode lhe ser útil.

Queria a perguntar o motivo daquilo, a razão pela qual ela me informaria isso. Mas acho que ela estava esperando que eu o fizesse, então preferi manter-me em silêncio. Ela assentiu em o que pareceu ser um silencioso riso.

— Acho que você não se importará de fazer as honras essa noite, correto? Apenas tomei uma taça de champanhe, o mesmo que você. Parece que temos gostos similares. Refinados, eu diria.

Ela se levantou e saiu andando. Não a olhei de imediato, senti que não devia demonstrar essa subserviência. Mas não resisti, ela havia dado alguns passos para dentro do saguão, iluminada pelos enormes lustres e candelabros que dependuravam do teto, vi aquela mulher esguia, vestida em um simples vestido prateado, mas que delineava seu corpo como outrora as antigas deusas eram retratadas, se portava como a verdadeira rainha do Olimpo, os ruivos cabelos que lhe desciam a cabeça até a metade inferior das costas, era como se a coroassem. Tamanha imponência apenas de costas, realmente me fascinara.

Não consegui ser rápido o bastante e não desviei o olhar quando ela se virou e olhou para mim. Seus olhos em sintonia com os meus, vi os fortes traços de seu rosto, esculpido como outrora as magnificas estátuas em honra aos mitos e lendas que retratavam a majestade feminina em seu pleno esplendor. Aos poucos, ela desviou o olhar e eu senti que estava petrificado, a górgona tinha me seduzido e eu a olhara nos olhos, tinha sido transformado em pedra.

Quando consegui me desvencilhar do efeito de seu olhar, voltei minha atenção para a noite que pairava sobre a cidade, a escuridão que cobria os prédios e casas como véu, e as luzes que ponteavam todo e qualquer lugar.

Ali de cima, procurei a direção da casa de Hugo. Lembrei das palavras daquela mulher. Algo pelo qual eu me importe. Minhas asas.

Não era algo, mas sim meu tudo. Não era minhas asas, mas o ar que me mantinha vivo. E eu não podia deixar que mal algum o atingisse, eu precisava manter ele em segurança. Pensar que eu podia ser quem o colocaria em risco, afligiu tamanho desespero em mim que eu jamais havia conhecido.

Deixei dinheiro suficiente sobre a mesa para pagar até duas garrafas inteiras do champanhe que tomamos, avisei o garçom com o olhar e a indicação de minha mão e saí andando. Esperei pelo manobrista na rua e dirigi sem rumo pelas ruas da cidade.

“Hugo, eu nunca vou deixar que nada de ruim lhe aconteça.”

A ideia de o ter em perigo não saía de minha mente, seu belo rosto se dissipava em dor de minha imaginação, despedaçando minha alma por completo. Eu não consegui ficar com aquele aperto no peito sem fazer nada.

Segui então em rumo até o prédio dele, precisava o ver, precisava saber que ele estava bem. Estacionei meu carro na rua e subi até a portaria, já se aproximava da meia noite, o recepcionista levou um susto ao me ver passando pela portaria. Perguntou quem eu era, me identifiquei e disse que queria ir até o apartamento de Hugo. Ele não queria o ligar porque já estava tarde, mas insisti para que o fizesse. Ele ligou algumas vezes, estava começando a achar que teria que franquear acesso para o apartamento de Hugo pelo lado de fora, quando então ele começou a falar ao telefone e me avisou que eu podia subir.

Peguei o elevador e fui até o décimo quinto andar. Saí no corredor e caminhei até a entrada do apartamento dele. Não bati na porta, esperei que ele a abrisse.

— Nolan?

Não consegui falar nada. O abracei e deixei que tudo se resumisse aquele abraço. Eu não entendia, na menor escala possível, o que acontecia comigo, por um instante, achei que fosse chorar. Chorar... como se eu ainda pudesse... depois de tantos anos. Deixei que meus braços o segurassem forte em contato com meu corpo, meu rosto afundado em seu pescoço. Para mim, poderia ser esse o significado de eternidade.

Quando o soltei, ele ainda olhava atônito para mim, mas sua expressão trazia calma em seus olhos. Puxou-me completamente para dentro do apartamento e fechou a porta. Não disse nada enquanto me conduzia de mãos dadas ao seu quarto.

Eu queria falar, o explicar que estava preocupado com ele. Que temia pela segurança dele, que eu podia ser a razão pela qual algo de ruim poderia acontecer com ele... Pensar nisso me destruiu. Eu, colocar Hugo em risco. Isso era inaceitável, e eu faria qualquer coisa para evitar a menor possibilidade de isso chegar a ser cogitado. Mais do que nunca eu iria fazer meu trabalho. Martha Nasser encontraria seu fim, e agora isso era apenas uma questão de tempo.

Ele olhava terno em meus olhos. Passava a mão sobre as minhas, queria me dar o impulso para explicar o porque eu estava ali no meio da noite sem avisar. E eu o devia alguma explicação que fosse.

— Hugo... Eu senti que precisava responder sua mensagem pessoalmente. Eu estou com saudades e você não me saía da cabeça, isso me deixou insano e eu precisei de o ver. E agora eu estou aqui.

— Nolan...

Ele respirou pausadamente após dizer meu nome. Olhando minhas mãos, ele se deixou a mostra da maneira mais pura e convidativa que apenas ele sabia fazer.

— Eu não me importo de você vir aqui, na verdade, eu fico é feliz de ter você comigo. Mas você não me falou nada, quando o interfone chamou e eu vi as horas, fiquei preocupado, e o recepcionista falando que era você que estava lá embaixo... eu temi que algo tivesse acontecido.

Meu belo profeta. Algo aconteceu, e eu daria o que quer que de mim o universo quisesse para não estar aqui agora por causa do sentimento que isso me trouxe.

— Bom, você tinha me perguntado como eu estava, e eu estou com saudades. Eu fiquei pensando em você, queria ter a certeza que você está bem sozinho aqui. E também, está tão frio essa noite, fiquei preocupado de você estar passando frio... – Respondi como um felino atrevido, que enrola a cauda entre a perna de seu dono para o pedir comida e exigir alguma atenção.

— Não agora que você está aqui...

Sua mão não mais parava sobre as minhas, mas as atraia de modo que eu não me dei conta de quando que eu tinha me atirado em direção a seus lábios. O confrontava com meus beijos em seu rosto, sentia seu cheiro pelas linhas de seu pescoço. Sua pele estava quente, seu coração batia e, a cada vez, me aumentava mais o êxtase em o sentir colado em mim. Deixei minhas mãos se esquentarem na pele nua de suas costas, por dentro da seda de seu pijama, o puxei sobre mim e continuei a compreender a formação de seu rosto com meus lábios.

O mantive envolvido em meus braços, deitei-o de lado para mim e beijei-o na testa. Aproximei seu corpo do meu de modo que eu sentia o aquecido ar que saía de seu nariz direto em meu pescoço. O queria manter ali para sempre, retirar o domínio do tempo da ternura daquele momento.

— Nolan... você...

— Hugo, eu não quero te perder nunca.

Ele se reconfortou dentro de meu abraço e repousou a cabeça de encontro com meu tórax. Dormiria a noite toda em meus braços, e eu só o libertaria quando o dia recobrasse seu despertar, isso se eu não ceder para o desejo e a ambição de o manter colado a mim, cada célula de sua pela em contato direto com os átomos do meu corpo.

Tê-lo junto a mim daquele modo me fornecia o mais puro e confortável dos sonos. Era como se apenas aquele fosse o jeito certo de descansar, os outros, apenas ilusões e falsificações.

Quando acordei, ele já estava desperto, nossos rostos encostados em uma base triangular, seus olhos cobriam cada espaço de minha face.

— Há quanto tempo você está olhando para mim?

— Eu não sei haha... Eu perco a noção de tempo quando olho pra você.

Encostei meu nariz no dele e o acariciei fechando meus olhos. Meu puro anjo, não havia nada no mundo que pudesse roubar-lhe a inocência que tinha em sua alma.

Flashes da presença de Martha na noite anterior me invadiram a mente, e lembrei da aflição que me acometera em relação a Hugo. Reforcei o abraço que o envolvia e me mantive enrijecido sobre ele por algum momento. Não abria os olhos, respirava pesadamente e apenas deixava que meus pensamentos se dispersassem em um limbo qualquer.

— Nolan...

Ouvi-lo chamar meu nome me despertara novamente. Ainda sem um raciocínio decente, cacei seus olhos em meu campo de visão e me deixei repousar neles quando os encontrei, demonstrando que eu estava ali devotadamente o ouvindo.

— Obrigado por ter vindo aqui de madrugada. Eu dormi tão bem, e eu estava precisando disso.

Mesmo que relutante, retirei meu braço direito do abraço que o envolvia e acariciei gentilmente seu rosto com meus dedos.

— Hugo, você não sabe a intensidade da calma que você consegue trazer à minha alma. Precisaria de algumas muitas eternidades para terminar de te agradecer.

— Eu apenas sinto que as minhas inseguranças somem quando estou ao seu lado, e às vezes me preocupo eu as mascaro e deixo que elas cresçam desavisadas em mim. – A expressão dele ficou um tanto quanto enigmática, como se estivesse desatento aquele momento, e completamente mergulhado em aflições que eu desconhecia.

— Você está bem Hugo? Tem algo que eu não tô sabendo que está te incomodando?

— Nol... não. Não tem nada Nolan. É só eu sendo bobo mesmo.

Segurei seu queixo e beijei profundamente seus lábios. Queria tirar qualquer incerteza de seu coração.

— Hugo, eu não quero que você esconda de mim qualquer medo e dúvida que você tiver. Eu preciso saber que você está bem, eu tenho essa necessidade de te fazer bem, lhe amar me faz bem Hugo, me traz vida, me faz melhor. Então por favor, me deixe te fazer alegre, eu sei que pode ser egoísmo, mas essa sede em mim, essa sede de lhe envolver em seus dias, de lhe trazer conforto ao seu coração, é o que me sustenta.

— Não se preocupe Nolan. Eu não sei bem demonstrar o que sinto por você, mas eu não consigo me imaginar sem estar ao seu lado. Egoísta sou eu, mas me agrada e me conforta que você me faça tão bem. Eu não sei se retribuo o suficiente, mas meu coração Nolan, eu só senti que o tinha depois que você entrou em minha vida. – Ele disse isso, mas ainda estava distante. Talvez fosse pelo susto que eu o causei surgindo em sua porta de madrugada, talvez fosse pelo turbilhão de emoções e sentimentos que passamos em tão pouco tempo juntos.

— Mas eu não quis falar isso pra deixar um clima de auto júbilo sem sentido. Eu queria falar algo com você... Mas acho que seria melhor irmos tomar café primeiro, a minha barriga tá roncando. – Ele afirmou isso em uma voz tão baixa que eu não consegui conter o riso.

 - Sim senhor! Você me terá todo ouvidos quando estiver de barriga cheia. Pode ficar aqui mais um tempo que eu preparo o café da manhã. – Já ia me levantar da cama quando senti que fui impedido sutilmente por aqueles dedos que puxaram minha blusa.

— Nolan... eu acho melhor a gente ir tomar nosso café fora. – Sua voz era séria, extremamente preocupado, aquilo me fez palpitar inseguro se teria a ver com o tom da conversa que ele precisa ter comigo. Ao continuar falando, sua voz quase sumira de tão baixa que estava. – Não tem nada para fazer o café...

O impacto que ouvir aquilo me causou fez com que eu ficasse completamente atônito, pelo inexplicável alívio que me trouxe. Dessa vez, os risos me tomaram o lábio de modo tão desproporcional que acabei caindo deitado sobre a cama.

— Hugo... – Estava difícil formar uma frase, olhar para ele com aquela cara miúda de desamparo e falta de jeito aumentava a graça dos meus risos. – Você não pode ficar sem ter nada para comer em casa, não me diga que está passando fome.

— Não! – Sua expressão tímida foi tomada pela raiva por ser confrontado, da forma mais bela possível. – Eu só não fico comprando nada para guardar, porque eu quase nunca como em casa mesmo. E eu também não sou tão bom assim na cozinha, você sabe.

— Não precisa sussurrar, para mim, o café da manhã que você me serviu foi o melhor que eu já comi. – Não vi de onde veio, mas fui acertado em cheio por aquele travesseiro. Estava atacado sem a menor chance de me defender.

— Eu não estou sendo irônico Hugo!

— Então por que você não para de rir? Nooolan!

Éramos duas crianças. Ele estava sobre mim me acertando com aquele travesseiro e eu não juntava forças para revidar, porque não consegui parar de rir. Ele estava tomado por uma espontaneidade magnífica, e eu ficava ainda mais paralisado pela imperiosa beleza daquele ser. Consegui virar minhas pernas sob ele e o desestabilizei, ele se assustou quando me virei contra ele e o joguei deitado sob mim, ele tentou de todas as formas se soltar, mas segurei cada um de seus pulsos firmemente no colchão. Ele gritava meu nome, e eu tentava impedir suas pernas de se mexerem. Quando finalmente achei que tinha o domado, ele conseguiu chutar-me com o pé esquerdo e tentou sair de minha prisão. Puxei-o de volta, estava determinado a não perder.

De volta sobre ele, não conseguia mais o conter. Rolávamos sobre a cama, cada hora tomando um do outro a posição de controle. Apelei para minha arma secreta, sem que ele visse o segurei pela cintura e dedilhei meus dedos em sua barriga, touché, o invadi por aquelas insuperáveis cócegas. Seus risos e ouvir ele exclamando meu nome apenas me impulsionava a atacá-lo mais e mais. Ele ria e ria, e eu perdia a razão entre aquele divino melodiar.

Dessa vez, certifiquei-me de lhe paralisar primeiro o movimento das pernas, e, completamente de cima dele, segurei firme cada um de seus pulsos novamente. Ele ainda não havia se recuperado do ataque de risos que tivera. Quando abriu os olhos, meu rosto pairava a alguns centímetros acima do dele. Ofegante, eu o encarava com a certeza da minha vitória, exaltando minha conquista. Que idiota eu era, nunca estivera mais derrotado. Pois olhar para ele, era minha queda.

Encarava-o e logo sabia que estava perdido em seus olhos. Seus risos transmudavam seus lábios a um irresistível convite a derrota. Aquela boca levemente aberta deixava toda a sensualidade do pecado exposta, o fazia ser louvável. Perdoe-me pai, eu não sei o que faço.

As respirações se encontravam, e, calmamente, o pulsar em seu peito ditava o ritmo do meu respirar. Como um imã, a cada segunda meu corpo era atraído para mais perto do dele. Minha queda era iminente, inevitável. Como tamanha tentação podia surgir em tão jovem criatura? Hugo, você era mesmo o senhor de meus sentidos, me levaria a naufragar nas incontroláveis águas do seu corpo e eu iria sem qualquer oposição.

Não conseguia mais me controlar, nem queria. Consummatum est.

— Acho melhor levantarmos antes que eu tome meu café na cama. - Meu rosto caído repousava ao lado de seu pescoço, meus lábios se apoiavam em seu ouvido. Levantei meu rosto e o beijei na testa.

De pé, fui até o banheiro me arrumar. O deixei sem reação deitado, ele me encarava enquanto eu caminhava, percebi quando por fim ele suspirou em um perdido sorriso.

Antes de sairmos, vi Naíma correndo pelo apartamento, tinha acabado de acordar. Fiquei impressionado como ela não acordara quando eu cheguei de madrugada, ou se acordou, não se importou em demonstrar qualquer reação. Talvez ela soubesse que era eu, soubesse porque eu estava ali. A peguei no colo e a fiz um carinho na cabeça. A deixei voltar a correr pelo apartamento e fui até Hugo.

Caminhávamos pelo ameno sol daquela manhã em direção a cafeteria que ele sempre fazia seus cafés da manhã.  Lá, pegamos uma mesa na parte elevada do local e pedi um sanduíche de frango e tomates cerejas, envolvidos no pão sírio, para cada um de nós dois, tomaríamos junto com um chá de lichias.

Fiquei o observando comer, esperei que ele mastigasse calmamente todos os pedaços que mordia. Olhava a tranquilidade em que ele comia, os pequenos pedaços de tomate cereja que derramavam aquele caldo pelos seus lábios. Céus, eu estremecia por completo ao ver aquilo, sua bela boca, eu só conseguia pensar em beijá-la.

— Bom, agora que você está de café tomado, podemos conversar sobre o que você queria falar comigo?

— Claro. Um minuto. – Terminando de engolir, bebeu um pouco do seu chá, olhou atentamente para a mesa, tampou a boca com a mão e revirava a superfície em busca de algo. Peguei um guardanapo, o dobrei e levei até seu rosto. Limpei seus lábios, a pele ao redor, e voltei-me para meu assento. Ele parecia ter ficado sem graça, sorriu disfarçadamente e me agradeceu com um leve piscar de olhos.

— Você lembra da noite em que eu cheguei de viagem?

— Sim...

— Nolan! Não tô falando disso.

— Desculpe, são imagens bem vívidas na minha memória.

— Tira esse riso bobo do rosto. Bem... lembra que a gente conversou, eu te disse um pouco como foi a minha estadia na casa dos meus tios, de como eu tinha dito uma conversa com meu tio na noite do meu aniversário, do presente que ele me deu...

— Lembro, ele te entregou uma caixa que seus pais traziam para você, com esse amuleto que você tá usando no colar. Que que tem?

— Pois então, naquele dia, não conversamos muito sobre isso. Mas acontece que quando eu estava na Suíça, eu pedi ao meu tio que me entregasse a chave do apartamento onde eu morei com meus pais. Nós nunca o vendemos. Tudo foi embrulhado e permanece do jeito que era até hoje. Desde a morte deles, eu nunca mais voltei lá. Mas, a viagem para a casa dos meus tios, as memórias que me voltaram, tudo isso criou uma faísca de curiosidade em mim. Eu sinto como se houvesse algo lá que me espera, alguma coisa que eu preciso recordar.

— Você quer ir lá?

— Quero. Mas não sei se consigo. Eu queria te pedir para ir comigo.

Olhei-lhe diretamente, mas não nos olhos, o observava por completo. E então foquei em seu coração. Olhava atentamente em seu peito.

— Eu jamais me negaria Hugo.

Ele me retribuiu o manso olhar. Não precisava por em palavras, eu sabia o peso que aquilo fazia sobre ele.

— E quando você quer ir lá?

— Hoje. – Ele pegou a xícara de chá e o tomou. Ficou em silêncio por um instante. – A biblioteca vai passar por um processo de dedetização hoje e vai ficar fechada ao público pelo resto da semana. Então eu queria ir lá hoje à tarde.

Tomei meu chá e assenti com o rosto. Ele precisava de mim e ao seu lado eu estaria. Eu não fazia ideia de como seria essa ida, mas algo me fazia suspeitar que não seria uma epifania apenas para ele.

— Bom, então, hoje à tarde estaremos lá. Eu preciso passar em casa apenas para me trocar, depois disso, às suas ordens meu amo.

— Obrigado Nolan. E me desculpe por te fazer entrar nessa idiotice.

— Você me deixa possesso quando pede desculpa sem ter feito nada de errado. Não tem nada que se desculpar, e mesmo que tivesse, você nunca precisa me pedir desculpa. Eu te disse, eu quero lhe fazer bem, e faço isso de bom grado. Então, por favor, não se desculpe por nada.

Ele riu e, usando a mão de tripé, apoiou o rosto em minha direção.

— Está bem, me desculpe.

— Hugo! Eu vou ter que fechar a sua boca sempre que você pensar em pedir desculpa de novo.

— Bom, se for com seus beijos, eu não vou parar de tentar pedir desculpas nunca.

— O que que você murmurou aí?

— Nada...

— Você é impossível Hugo.

Acabamos nosso café e fomos para fora da cafeteria. O perguntei se ele queria ir para casa comigo, mas ele disse que precisava se arrumar também, que tinha que cuidar de Naíma antes de sair e ainda tinha que pegar a chave.

— Você pode ir para seu apartamento. Eu vou para lá e de lá a gente pode ir.

— Não, eu venho te buscar aqui. Aí você não precisa preocupar em nada a não ser ir para o apartamento do seus pais. Apenas me ligue quando estiver pronto e eu estarei na sua porta.

Ele foi se aconchegando para perto de mim, seus braços repousavam entre seu rosto e meu tórax. Passei minhas mãos por trás de sua cabeça, como era precioso o sentir terno junto a mim.

— Hugo, eu te amo.

Ele respirou profundamente e soltou o ar de seus pulmões com toda calma do mundo. Eu sei que ele não sentia facilidade em dizer isso, mas sabia que expressava tão intensamente quanto as palavras em seu gesto. Eu conseguia sentir, e amava poder senti-lo.


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