Culpa e Perdão: O pior de uma mente apaixonada escrita por NightlyPanda


Capítulo 12
Capítulo 12 - Caminhos e Mentes Distanciados




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Acordei naquela manhã de domingo e estava com a cabeça pesada parecendo que havia detonada uma bomba atômica em meu cérebro. Virei para o lado, não queria levantar de maneira alguma. Olhei no relógio na mesa de canto, já eram dez da manhã. Havia algumas semanas que eu estava dormindo tão bem, que ter uma péssima noite de sono dessas foi uma merda. Levantei e fui tomar meu banho. Enquanto enchia a banheira, fui pegar meu celular para ver as notificações. “Poxa, não tem nem doze horas”, tinha começado a digitar a mensagem quando vi que talvez era melhor o dar algum espaço para que ele aproveitasse a viagem. Afinal, era esse o motivo que Hugo tinha ido. Me afundei dentro da banheira e deixei que todo aquele peso saísse de meu corpo. Saindo do banho, me atirei novamente na cama e por ali fiquei. Estava um pouco desnorteado, acho que, no fundo, era saudade. Acabei adormecendo de novo.

Quando acordei, já era no meio da tarde. Virei minha cabeça e vi meu celular, que estava jogado ao lado do meu rosto na cama, sinalizando uma nova notificação. Meu coração bateu um pouco mais rápido, em minha mente, Hugo era a única pessoa que tinha como me mandar uma mensagem, logo, aquela notificação era sinal de uma mensagem dele. Mas não era. Na verdade, era completamente o oposto de uma mensagem de Hugo.

A notificação era sim de uma mensagem, mas de Augusto. Depois de tanto tempo sem qualquer notificação útil dele, essa parecia que iria me levar a algum lugar importante. A mensagem era de Augusto e, pelo que tudo indicava, destinada ao celular pessoal do governador. Eles estavam marcando uma reunião amanhã, às treze horas, mas não falava aonde seria na mensagem. Levantei-me da cama e fui pegar meu notebook. Assentei-me de volta na cama, liguei o notebook e fui fazer algumas pesquisas na Internet.

Primeiro, fui olhar a agenda oficial do governador no site do governo do Estado. Pelo que constava lá, ele ficaria em seu gabinete até o meio dia e depois tinha um compromisso marcado às treze, uma visita guiada com a equipe especializada da secretaria de desenvolvimento energético até o local das obras de onde seria a hidrelétrica, pelo visto seria uma reunião coordenada junto aos técnicos da secretaria. Mas era exatamente na hora que Augusto havia marcado com ele. Fui conferir a agenda da secretária Suzanna. Não fazia o menor sentido esses eventos, porque a secretaria estava em missão oficial fora do país até quinta-feira. Uma reunião do governador com a equipe da secretaria de desenvolvimento energético, para discutir detalhes acerca de uma obra coordenada pela pasta, sem a secretária de desenvolvimento energético, era, no mínimo, suspeito. Eu precisava ter certeza que a reunião dos dois seria mesmo no local das obras da hidrelétrica.

Tinha que informar isso para o Górki, ainda não estávamos esperando essa movimentação, pelo menos, não nessa semana. Não era como se eu não tivesse o número dele, mas tínhamos protocolos, para esse tipo de situação, eu precisava ligar no celular bloqueado dele. Mandei uma mensagem no e-mail que ele usava para comunicarmos, logo mais, um número não identificado estava me ligando.

— Vamos ter que agir. – Para esse tipo de situação, o protocolo era referirmos os fatos o mais breve possível, sem qualquer perda de tempo com formalidades banais. – Augusto vai encontrar com o governador amanhã. Eu acho que tenho uma impressão de aonde vai ser, mas vou precisar entrar no palácio do governo para seguir o governador. Pede para o Rowney tentar invadir o sistema da Vernach, vê se ele descobre algo nos arquivos dele sobre essa reunião. Manda ele avisar o velho, vou precisar da minha moto.

— Certo, deixo os detalhes para você me mandar no relatório da missão depois, mas considere-se liberado para tomar qualquer medida que julgar necessária. Me notifique de qualquer coisa, eu vou ligar para ele à noite. Isso vai ser resolvido já!

Eu continuei pesquisando algumas coisas na Internet. Precisa ter certeza que não estava deixando escapar nada. Olhei todos os arquivos referentes à agenda oficial do governador, dos seus secretários e todos os dados no diário oficial do Estado. Eu precisava me certificar de que o governador sairia de dentro do palácio para essa reunião, mas provavelmente ele não iria no carro oficial. Vi no site do governo que nas segundas de manhã, tinha uma visita guiada aos turistas pelo palácio sede do governo. Seria minha chance de entrar lá e descobrir aonde o governador iria se encontrar com Augusto.

Já estava ficando de noite, parei um pouco para comer qualquer coisa e depois voltar a dormir, estava um pouco sem ânimo naquele dia. Enquanto comia, fiquei olhando para o balcão da cozinha e lembrando de Hugo ali preparando o café da manhã para mim. Eu não pensava que eu podia sentir tanta saudade assim de alguém, na verdade, não sabia que seria capaz de ter tantos sentimentos por uma pessoa. Certo ou errado, se aqueles sentimentos seriam a minha ruína, eu não fazia a menor questão, deixar me entregar a eles me fazia sentir vivo, pela primeira vez na vida eu tinha um propósito, uma vontade própria para continuar respirando. Não um dever ou um fascínio vingativo, mas uma terna esperança de viver um dia a mais ao lado dele.

Mandei uma mensagem para ele querendo saber do seu primeiro dia nos Alpes Suíços e, para minha surpresa, ele me respondeu com um verdadeiro diário de bordo de como tinha sido seu dia. Ele parecia estar aproveitando sua viagem e isso me deixava em paz. Essa semana eu teria bastante coisa para resolver, então talvez não tivesse como ficar o incomodando tanto, para o meu azar e sorte dele.

Que bom que você tá aproveitando, pelo menos tá comendo muito, pelo visto hahahaha. Essa semana eu vou estar um pouco ocupado, recebi uns trabalhos extras de última hora da empresa. Vou ter que fazer hora extra para terminar tudo ́,́ƪ)

Boa noite Hugo, dorme bem viu!

Tenha bons sonhos (sonhe comigo hahaha) ^ ͜• ^

Fui dormir pensando em seu belo rosto e deixei aquela imagem em minha mente até que apagasse por completo. E por sinal, quem acabou sonhando com ele fui eu.

Antes que o sol apontasse nascendo ao leste, eu já estava de olhos abertos. Precisava estar com tudo planejado para executar bem meu objetivo. De banho tomado, fui me arrumar. Precisava parecer uma mistura indecifrável de turista com estudante universitário. Peguei uma calça cáqui, coloquei uma jaqueta college, penteei meu cabelo para o lado esquerdo, e pela primeira vez em muito tempo, coloquei óculos de leitura. Procurei por uma mochila no guarda-roupas, tinha uma bolsa de alça lateral que seria ideal. Peguei meu notebook, o coloquei dentro da bolsa, arrumei a gola da minha blusa e saí. Precisava pegar o ônibus, não podia chegar lá no meu carro. Mas antes, parei em uma cafeteria para tomar o meu café da manhã, não queria demorar fazendo café em casa. Pedi um cappuccino e uma fatia de bolo, sentei-me em uma mesa de canto e liguei meu computador, tinha que achar a planta do palácio para saber bem aonde eu tinha que ir. Não tinha uma planta precisa na Internet e eu não teria tempo para tentar hackear o sistema do governo e tentar achar uma. Mas pelo visto, não precisaria. Um e-mail de Rowney chegou, apesar de não ter nenhuma informação de dentro da Vernach sobre esse encontro de Augusto com o governador, Augusto me mandou imagens da planta do palácio do governo. “O carrancudo me falou que você ia se infiltrar no palácio, talvez essas imagens te ajudem. A, e já conversei com o velho, ele vai mandar deixarem sua moto estacionada na praça de frente para o palácio.”

Quando li aquela mensagem, não contive um sarcástico e humorado riso. Realmente, carrancudo era uma ótima alcunha para Górki. Terminei meu café e fui para o ponto de ônibus. Andando, o pensamento daqueles delinquentes que trabalhavam com aquele velho pondo as mãos em minha moto me deixava aterrorizado, era bom ela estar sem nenhum arranhado, ou eu teria que fazer uma parada na minha missão para arrancar alguns pescoços.

Tinha tanto tempo que eu não andava de ônibus, mas pelo visto, as mesmas caras desesperançosas e rabugentas enfeitavam o cenário interno. Me assentei ao fundo do ônibus, no banco da janela, peguei meu celular e fui conferir algumas coisas. As visitas guiadas começavam às nove da manhã, eram oito e vinte. Eu devia ficar uns trinta minutos naquele ônibus, deveria dar tempo de chegar no palácio e ser do primeiro grupo. Lá dentro, eu precisaria de uma distração perfeita para me desvencilhar do grupo e ir até algum secretariado, deveria ter uma pessoa responsável por cuidar das agendas dos motoristas e das viagens que eles faziam. Se eu não conseguisse essa informação, ia precisar ficar de olho no governador e o seguir para todo canto até ele sair do prédio.

— Hey, você vai na visita? Eu já fui cara, é um saco essa visita. – De repente, um adolescente que tinha sentado ao meu lado no ônibus estava apontando para a tela do meu celular falando comigo. Olhei para ele, deveria ter uns dezessete anos, estava com um casaco enorme, com um pirulito na boca, de boné virado para trás e segurando o skate entre suas pernas. – Se bem que esse pessoal do governo é tão lerdo que nem se dão conta quando tu sai do grupo. Eu e meus amigos fomos aprontar um pouco lá, na hora que nos deram o crachá, meu amigo pegou uns de técnico de TI no balcão, eles ficam jogados lá, ninguém tá nem aí. Os dos visitantes são verdes, mas ficam todos juntos na recepção, na hora que vão nos dar, é muito simples pegar um outro e guardar no bolso, a moça que fica no balcão fica mexendo no computador fingindo que tá trabalhando e nem vê nada. Quando subimos para o grande salão, no segundo andar, ficamos para trás e viramos para irmos no banheiro, lá, trocamos de crachás e andamos pelo prédio todinho, sem problema nenhum, os seguranças nem ligaram para a gente. Um amigo meu já tinha estagiado lá e uma vez falou de uma salinha de TI no quarto andar, fomos até lá bagunçar um pouco nos computadores, tinha até uns arquivos confidenciais de gerência interna do palácio, algo do tipo, mas ouvimos alguém chegando pelo corredor e demos o fora. Foi a única diversão daquela visita.

Aquele garoto tinha me dado um plano de ação perfeitamente executável, olhei para ele e sorri. Apertei o botão do ônibus para dar sinal que ia descer, e me levantei. Antes de sair do lado dele, passei a mão na carteira, peguei um trocado que tinha lá e coloquei sobre a mão dele.

— Obrigado. – Saí andando para a porta de saída do ônibus, ele ficou me encarando sem entender o que tinha acontecido. Quando desci do ônibus, ele chegou o rosto na janela e me gritou.

— Valeu moço, não sei pelo que, mas valeu!

Acho que eram umas cinco ou seis notas, devia dar um total de duzentos, trezentos, algo do valor. Estava na parada de frente ao palácio. Olhei para trás, na praça, para ver se via minha moto. Ainda não tinha sinal dela por ali. Respirei fundo e atravessei a rua na faixa de pedestre. Subi as escadarias do palácio, dois seguranças estavam parados na portaria principal, mas nenhum deles me parou. Do lado de dentro, um balcão de atendimento no canto esquerdo tinha duas moças sentadas de olho no computador. Fui até elas e me apresentei.

— Bom dia! Eu queria fazer a visita guiada.

Uma delas me olhou e com a maior cara de sono me apontou para uma lista em cima do balcão. Eu fui olhar de perto, tinha que preenchê-la com meu nome e identificação. Informei um nome qualquer e inventei alguns números.

— Pode pegar um desses crachás verdes no canto de lá do balcão e ir para a sala a aqui atrás, a visita parte dali daqui uns cinco minutos.

O garoto tinha razão, os crachás ficavam jogados em cima do balcão e nenhuma das duas estava dando a menor atenção para eles. Peguei o crachá ver e o coloquei em meu pescoço com a mão esquerda, enquanto passei a mão direita sobre um dos crachás azuis e o guardei no bolso. Nem sequer me olhar pondo o crachá alguma delas se deu ao trabalho. Me virei e fui andando em direção à sala que ela apontou. Pelo visto, alguma escola tinha agendado, como atividade fora da sala de aula, levar os alunos para visitarem o palácio. Eram crianças de uns doze anos, devia ter umas quarenta ali. Três professores e cinco jovens se somavam naquela sala para a visita. Me assentei em um banco ao fundo da sala e fiquei esperando pelo início daquele tour. Uma moça e um rapaz chegaram e se apresentaram como servidores do palácio, seriam ele que guiariam o grupo pelo prédio. Deram os avisos básicos antes de sairmos e começamos a visita. Eu precisava me manter junto ao grupo até chegar no grande salão, de acordo com o que aquele garoto tinha falado, tinha um banheiro de fácil acesso lá em cima e seria fácil entrar lá para trocar os crachás.

Aquele primeiro andar não parecia acabar nunca, e aquelas crianças não paravam de fazer perguntas para os guias. Eu precisava de chegar rápido no segundo andar. Quando nas escadas, a moça informou que não subiríamos para o grande salão, porque ele estava em reforma. Daríamos a volta pelo acesso dos fundos até o segundo andar. Eu vi ali a minha chance de me despistar deles, fui desacelerando os passos e ficando para trás no grupo. Passamos por um estreito corredor, alguns outros corredores se ligavam lateralmente a ele, vi então que em um deles tinha acesso aos elevadores. Me certifiquei que não vinha ninguém atrás de mim e entrei nesse corredor. Ninguém percebeu que eu me descolei do grupo. Chamei o elevador e, aproveitando que não tinha ninguém por ali, retirei meu crachá e o coloquei na bolsa, peguei o outro no bolso e o fui colocar em meu pescoço. Nesse exato momento, as portas do elevador se abriram, tinha duas mulheres dentro dele, elas saíram e ficaram me olhando. Eu estava para entrar no elevador quando uma delas se virou de costas e me chamou.

— Você aí!

Eu segurei a respiração e a olhei de volta. Não podia por tudo a perder ali.

— Sim?

— Esse crachá azul que você está segurando... Você é da TI, não é?

—Ãnh?? – Olhei para o crachá e então me lembrei do que o garoto no ônibus tinha me dito sobre os crachás azuis. – Ah, sou sim.

— Ah, que ótimo. O computador da minha sala não liga de jeito nenhum, você pode ir lá resolver isso?

Eu olhei para ela e não sabia o que responder, precisava chegar até o quarto andar para ir nos computadores.

— Eu posso sim. Mas eu preciso primeiro ir no quarto andar, posso passar lá depois.

— Ah, mas eu estou precisando dele urgente. A minha sala fica no terceiro andar, eu vim só buscar um café, mas eu volto com você lá, assim não te atraso. Vem vamos. – Ela se despediu da moça que estava com ela e foi entrando de volta no elevador. Eu fiquei parado ali e ela me encarou e perguntou se eu não ia entrar. Subimos para o terceiro andar e ela me levou até a sala dela.

— Você não vai colocar ele não?

 Eu a encarei sem entender ao que ela se referia. Vi que ela apontou para minha mão esquerda, eu ainda estava segurando o crachá. O coloquei no pescoço e continuei a seguindo até a sala. Chegamos na entrada da sala. Estávamos prestes a entrar quando uma comitiva de pessoas passou ali. Ficamos os vendo passar, no meio de todas aquelas pessoas, o governador. Ele era um homem entre seus cinquenta anos, mas extremamente bem cuidado, um ar esportivo, jovial, ele parecia ser extremamente vaidoso, pelo jeito como sua pele era conservada, juntando que não andava como os outros políticos, não usava o clássico terno preto. Estava com seu paletó de um corte extremamente delicado, bege claro, uma camisa salmão por baixo, sem gravata. Os sapatos marrons, um relógio dourado no pulso esquerdo, nada muito extravagante. Seus cabelos não tinham um fio branco sequer, com aquela iluminação pesada do palácio, pareciam até mais negros. Ele se virou e seus olhos me encararam por um breve segundo enquanto passava. A moça que subiu comigo os cumprimentou e entrou em sua sala. Me chamou para dentro e foi até o computador.

— Aqui, meu computador não liga de jeito nenhum. Já tentei até trocar a tomada de plug, mas não adiantou. Você pode ficar à vontade para resolver aí, eu vou ali fora rapidinho.

Eu estava quase rezando para aquele computador ligar divinamente, que cheguei a cogitar que talvez, com muita sorte, se eu tentasse o ligar, ele ligaria. Mas nada. Eu sabia um pouco de manutenção, tinha feito alguns cursos, mas não tinha tempo para ficar perdendo ali. Fui dar uma rápida olhada nos cabos, para ver se algum estava com mal contato. Olhei todos, conferi um a um, estavam todos bem conectados. No gabinete, não parecia ter problema algum. Olhei para a fonte de alimentação e me lembrei de um a coisa que tinha visto em um curso há muito tempo atrás. Retirei o fusível e era o que eu imaginava, tinha queimado. Mas aonde eu arranjaria outro ali. A moça voltou à sala e eu disse para ela que tinha achado o problema.

— Mas eu vou precisar de um fusível novo. Deve ter um na sala da TI lá em cima, eu olho e trago para você.

— Ah, mas eu precisava urgente do meu computador. Faz o seguinte, pega o do computador do Mark, ele não vem agora de manhã mesmo. Depois você traz um para pôr no dele.

Eu encarei ela com uma cara extremamente suspeita. Mas fiz como ela disse. Retirei o fusível da fonte do computador na mesa ao lado e coloquei na fonte do computador dela. Como eu pensava, era apenas esse o problema.

— Pronto! Depois eu trago um fusível para o computador dele.

— Ah, não preocupa com isso não, ele depois olha isso. Muito obrigada viu. – Ela se sentou de frente e nem olhou direito para mim enquanto me agradecia. Pelo visto a urgência dela era para entrar em um site de relacionamentos. Sorte a dela que eu não tinha nenhuma arma comigo ali naquele momento. Se bem que, no fundo, eu achei a atitude dela hilária.

Saí da sala e fui pro elevador subir para o quarto andar. Quando a porta do elevador abriu, estava em um corredor que parecia ligar a um enorme hall, ali estava meu problema. Eu não fazia ideia de onde ficava a sala de TI. “O mapa do Rowney”, esse pensamento veio clareando minha mente, peguei o celular e fui conferir a planta daquele andar. Ela não era muito longe de onde eu estava, tinha que atravessar aquele hall, virar à direita e seguir andando. Parecia que daria certo, incorporei meu olhar de determinação e andei com confiança, como se conhecesse aquele local como a palma da minha mão. Fui atravessando o hall e segui olhando reto, evitando qualquer contato visual direto com alguém, para que não surgisse a oportunidade de virem até mim. Estava conseguindo passar invicto, virei à direita e continuei em direção a sala. De frente para ela, tentei abrir a porta. Estava trancada.

— Merda!

Forcei a mão na maçaneta, mas ela estava trancada, não abria por nada. Olhei de um lado para o outro ali, estava esperando que ficasse completamente morto o movimento ali, para então tentar arrombar aquela porta de algum jeito. Em minha mente esse era um péssimo plano, mas se eu conseguisse chutar bem no centro da fechadura, a porta não rompesse toda e eu conseguiria entrar. O problema seria o barulho.

O movimento cessou, conferi que ninguém vinha, respirei fundo e meu aprontei para fazer o que tinha que fazer.

— Tá precisando entrar aí? – Na hora que eu ia me arrumar para chutar a fechadura, um rapaz parou ao meu lado. Eu não tinha percebido a presença dele, fiquei um pouco furioso comigo mesmo por isso, não podia me dar ao luxo desses vacilos.

— Er... eu sou o novo garoto da TI, preciso olhar alguns arquivos no computador da sala, mas não estou com a chave. – Confiei que ele não teria qualquer informação sobre quem era contratado ou não ali e acreditaria na minha mentira.

— Uhm... eu não fiquei sabendo de que tinha um membro novo na equipe. Mas não é como se tivesse algum problema né, hahahahaha, seja bem-vindo. Venha, eu tenho a chave.

Ele abriu a porta e me convidou para dentro. Era uma pequena sala, tinha quatro bancadas laterais, cheias de peças e componentes desmontados, três mesas no meio da sala tinham computadores, no fundo, uma porta parecia dar a uma espécie de depósito.

— Pode usar aquele computador da esquerda para o que você precisar. Eu vou ali atrás olhar se encontro um multímetro. Pode ficar à vontade.

Ao passo que ele foi saindo para o fundo da sala, fui me assentando de frente ao computador e o ligando. Fui procurar pelos arquivos internos da administração do palácio, mas não encontrava nada de útil em lugar algum. Olhei todas as pastas na memória daquele computador, não tinha nada além de dados sobre reparos e coisas técnicas da TI. Precisava achar os arquivos confidenciais que o garoto tinha mencionado. Revirei os arquivos de programa, mas não encontrava nada. No meio daquelas inúmeras pastas, vi uma chamada palácioInterDATA. Entrei na pasta, mas não tinha nada além de vários códigos e um arquivo executável. Cliquei para o abrir e apareceu uma tela com o palácio ao fundo, na frente estava escrito Gerência Interna. Acho que tinha chegado onde precisava. Só que aí uma outra tela apareceu pedindo usuário e senha, e eu não fazia ideia disso. Tentei olhar nas notas do computador, mas nada. Revirei aquela mesa toda, olhei embaixo de cada pasta, em cada papel. Na última gaveta, um livrinho que mais parecia um guia do aplicativo que eu estava usando. Folheei ele todo e no meio do livro, estava escrito um nome e alguns números. Tentei usar essa combinação, e graças ao cosmos, deu certo.

Com acesso ao aplicativo, fui pesquisar o que eu queria. Tinha um monte de itens clicáveis nele, sobre almoxarifado, turno de guardas, iluminação, um monte de coisas. Achei um item que se referia aos motoristas. Lá tinha a escala deles, por dia. Eu não podia ter mais sorte em um dia só. Fui olhando no nome de todos motoristas o que eles fariam hoje à tarde.

— Achei!

Um motorista chamado Ronald estava reservado para o gabinete do governador ao meio dia e meio. Na descrição do veículo, estava escrito privado. Como eu tinha pensado, o governador sairia em seu próprio carro. Mentalizei bem a foto do rosto do motorista, precisava saber quem ele era quando o visse. O que eu tinha que fazer agora era pensar em uma forma de seguir o governador para saber em qual carro ele sairia. Eu não podia simplesmente ficar esperando na garagem do palácio, porque minha moto estava na praça, e eu não teria como trazer ela para cá. Olhei no relógio do computador, estava marcando onze e vinte. “Se eu tivesse como...” esse pensamento me trouxe uma ideia fantástica, completamente maluca e com quase cem por cento de chances de dar errado, mas eu podia tentar. Tinha que correr, meu primeiro inimigo naquele momento era o relógio.

Se eu conseguisse sumir com esse motorista, eu poderia me substituir no lugar dele e então levaria o governador até o local eu mesmo, não precisaria de os segui-los até o local. Eu precisava pensar em um plano para isso, e rápido. Fechei todas as janelas daquele programa, desliguei o computador e sai dali. Procurei o elevador mais próximo, aproveitei que ele veio vazio, entrei e desci para o subsolo, onde ficava a garagem. Olhei para todo aquele local, precisava ter uma boa noção espacial da área. Vi uma senhora descendo de um carro, quem estava no volante parecia ser um dos motoristas do palácio. Fiquei o observando estacionar e ver para onde ele ia. O segui despistadamente até uma pequena salinha no canto daquela garagem, olhei de longe e vi que ali ficavam um mural com as chaves do carro, um pequeno computadorzinho e parecia ter uma porta que dava para um outro cômodo. Ele entrou naquela porta, o fiquei esperando sair, mas quando saiu, não estava mais com o uniforme. Pensei que deveria ser uma espécie de vestiário. Meu plano começou a se desembolar em minha cabeça ao ver aquilo.

Tinha um senhor sentado na mesa do computadorzinho, parecia que ele que geria aquele local, as saídas e tudo mais. Quando o motorista saiu de lá, esperei para ver se ninguém mais viria, e então fui até aquela salinha.

— Boa tarde é... – Tentei enxergar o nome dele no crachá, parecia estar escrito Eustáquio. – Me mandaram falar com o Eustáquio, responsável pela garagem.

— É com ele mesmo que você tá falando! O que foi? – Aquele senhor devia estar por volta dos sessenta, tinha pouco mais de um metro e setenta. Os cabelos grisalhos e aquele enorme bigode que se mexia enquanto ele articulava o rosto, dava a ele um ar ainda mais de nervoso e impaciente.

— Bom, me mandaram lá de cima. Querem falar com o senhor no... terceiro andar.

— No terceiro andar? Para quê?

— Eu não sei direito, só me pediram para vir aqui.

— Eu vou ligar para a secretaria para ver o que é.

— Não!

— Não?

— É que é urgente, não me deram muitos detalhes porque a situação tá fora de controle. Parece que um motorista teve algum problema enquanto dirigia o carro para a secretária de meio ambiente, e ela estava reclamando disso direto com o governador. A ordem para o senhor ir lá é do Mark, ele quer saber direito sobre isso. A secretária está possessa. Acho que seria bom o senhor ir rápido lá.

— O Mark? O assessor direto do governador? Céus, é sério então. Tenho certeza que isso é coisa do Rico, ele já vem dando problemas, se ele me causar mais um, dessa vez eu o mato. Justo agora, nem para ser daqui uma hora que eu largo meu turno. – Ele falou isso enquanto pegava o casaco na cadeira e saía andando, aquele senhorzinho andando apressado e enfurecido era um pouco engraçado. Parecia muito o zangado da Branca de Neve.

Tinha que aproveitar o tempo que ele ia ficar fora para resolver tudo que precisava ali. Não ia ter muito tempo até ele ver que não tinha ninguém o chamando. Fui direto para a porta e entrei, era realmente um vestiário. Tinha que abrir algum dos armários e pegar o uniforme de um dos motoristas. Voltei para o painel e peguei algumas chaves. Abri o armário de um motorista chamado Calvin, por sorte tinha um uniforme lá dentro. O peguei e me troquei, dobrei minha roupa e a guardei em minha mochila. Saí para a salinha, fui até a mesa do computador, tinha uma tabela feita em papel com os horários dos motoristas, os nomes deles, o contato, o carro que sairia, a vaga que ele estava e o destino. Na linha do motorista que levaria o governador, apenas não constava o destino. Tanto sigilo no programa do governo, para estar tudo escrito à mão em uma tabela de papel. Peguei meu celular e digitei o número do Ronald.

— Alô?

— Ronald – Tentei imitar a voz daquele senhorzinho o máximo que pude. – cadê você?

— Eustáquio? Eu tô em casa, mas já vou sair para ir levar o governador.

— Não precisa vir mais não! O Mark veio aqui me avisar que teve uma mudança de planos na agenda do governador e ele não vai mais. Ele até falou que você pode tirar o dia de folga.

— Mas, o governador tinha falado direto comigo sobre isso, como o Mark que falou?

Engoli em seco. Tentei pensar como aquele senhor responderia isso.

— Ora rapaz, e você acha que quem é o assessor do governador? O Mark ou você? Se ele disse é isso mesmo. Se tá achando ruim vem trabalhar então, não vai dirigir nada, mas a garagem tá precisando de uma lavada.

— Não, não, Eustáquio. Tá certo! Se você tá falando. Então tá bom. Obrigado por avisar, até amanhã.

Voltei meus olhos para a tabela, me certifiquei qual seria o carro e onde que era a vaga dele. Procurei a chave dele naquela sala, estava em uma gaveta em um armarinho. A peguei, vi que tinha um óculos escuro sobre a mesa e o peguei também. Saí daquela sala e fui até o carro. Era meio dia em ponto, ele devia chegar em meia hora. Abri o carro e coloquei minha bolsa no porta malas, entrei e me sentei no banco do motorista. Coloquei os óculos escuros, arrumei a boina de motorista e ajeitei a lapela do paletó, coloquei o cinto e fiquei esperando pelo governador.

Meu celular vibrou, era uma mensagem grampeado do celular de Augusto. Ele estava confirmando que sairia em quinze minutos para o local de encontro, mas sem falar onde era.

— Boa tarde!

A porta esquerda traseira se abriu e o governador entrou e se assentou. Ele estava se arrumando e eu fiquei o encarando pelo retrovisor.

— Não vai ligar o carro?

— Me desculpe senhor! Para onde é mesmo que o senhor vai?

— Ora... espere um pouco. Você não é o motorista que ficou de me levar.

— Ronald sofreu um acidente a caminho daqui senhor. Ele avisou o Eustáquio e ele me designou para levar o senhor, peço desculpas pelo inconveniente.

— Não é como se fosse sua culpa de qualquer forma. Bem, nós vamos pegar a estrada da saída oeste, depois de passarmos a ponte do rio, tem uma lanchonete na estrada. Vamos para lá.

— Sim senhor!

Liguei o carro e dei a partida. Saindo da garagem, uma guarita veio me perguntar para o quê estava saindo, a sorte que quando o guarda viu o governador no banco de trás, abriu a cancela sem mais perguntas.

Enquanto ia dirigindo, vi que o governador estava digitando algo em seu celular. Pelas vibrações que o meu celular recebia, ele estava conversando com Augusto. Seguimos por todo o percurso em silêncio, ele não tirava a atenção de seu celular. De tempos em tempos, eu olhava pelo retrovisor, ficava tentando entender o que seria realmente esse encontro, qual era o papel do governador nisso tudo. Após passarmos da ponte, e olhou para fora pela janela e se virou para mim.

— Na próxima rotatória, pegue a saída a sua esquerda, uns duzentos metros pra frente vai ter essa lanchonete.

— Sim senhor!

Quando chegamos no local, fiquei um pouco pasmo. Era a típica espelunca de beira de estrada, caindo aos pedaços. Até que o governador era bom em pensar em lugares discretos para reuniões extraoficiais. Pelo aspecto do local, nenhuma alma viva, nem morta, se atreveria a parar aqui.

— Você pode me esperar no carro.

Disse e saiu. Fiquei o olhando andar, seguiu em direção à entrada do local, arrumou a camisa dentro da calça e se enfiou para dentro daquele casebre.

Nesse momento, eu saí do carro, abri o porta-malas, peguei meu fone de ouvido dentro da bolsa, voltei para o banco do motorista, pluguei o fone no celular e o sintonizei com o celular de Augusto, o configurei para ligar o gravador e fiquei ouvindo o que seu celular gravava. Pelo chiado que vinha do outro lado, ele ainda estava na estrada. Uns dez minutos depois, vi um carro estacionando do outro lado, e logo, Augusto saiu de dentro dele. Entrou dentro daquele lugar sinistro, eu estava rezando para que aquilo não desmoronasse enquanto os dois conversavam.

— Boa tarde governador!

— Augusto! A quanto tempo não nos vemos. Espero que tudo tenha andado bem.

— Não vamos bancar os desinformados aqui governador, o senhor sabe que não vai nada bem na Vernach. Nem mesmo na minha vida privada, por causa daquele acidente. Desde que incriminaram o Dorsey, a desconfiança reinou entre os outros três em relação a todos. Não confiam mais na aliança, ela está ruindo. Eu ando com dificuldades até para saber o que eles andam arrumando, não está fácil reunir com nenhum deles. Os CEO’s se fecharam, os presidentes então, nem se fala.

— Acalme-se Augusto. Você já me deu informações importantes, o plano de acabar com eles anda a todo vapor, os investidores internacionais já estão fazendo com que as coisas andem por si só. Eu te disse, aquela empresa que a HG+ está desenvolvendo vai ser minha carta na manga. Eu paguei uma fortuna para que eles fizessem ela com potencial de estourar no mercado de ações, isso vai quebrar com os outros.

— Inclusive com a Vernach...

— Ora Augusto, você sabe que vocês vão receber todo o trabalho dessa empresa por trás dos panos, depois se fundem e ela vai ser sua. A questão é acabar com esse plano asqueroso dos outros três de tentarem ganhar as eleições. O que nos leva... pelo que você tinha dito, o mais cotado era o Lars Dorsey, mas com ele preso, o que acontece?

— Governador, eu te disse. Depois que o Dorsey foi incriminado como sendo o “assassino carmesim”, os CEO’s estão surtados, achando que ele estava ocultado o jogo esse tempo todo. Ninguém confia mais em ninguém. Tínhamos uma reunião marcada ontem, às quatro. Ninguém apareceu. Todas as empresas tiveram importantes membros assassinados por esse “assassino carmesim”, menos a ACS. Se Dorsey for realmente esse maníaco que andou matando os gerentes das empresas, não há mais acordo entre elas.

— Mas ele é? Não é?

— Ninguém sabe ao certo, mas tem provas robustas pesando contra ele. Ele foi pego com a boca na botija, mas até agora, ele negou até a morte tudo isso.

— Que vá para o inferno esse assassino carmesim e esse diabo a quatro. Não me importa, na verdade, ele até me ajudou. Além de criar a intriga entre meus inimigos, ele está fazendo as empresas morrerem na bolsa de valores. Associado à toda especulação dessa “nova” empresa que a HG+ anda desenvolvendo, eu não podia ter mais sorte com isso.

— Mas nenhum deles ainda desistiu do edital das hidrelétricas, não é mesmo?

— Ora Augusto, não banque o inocente. Você sabe bem que essa história toda de hidrelétrica foi só para atrair esses ratos, mesmo tentando uma aliança entre vocês, cada um dos CEO’s e presidentes dessas empresas só pensa em si mesmo. Depois que você me contou que eles planejavam se associar e lançarem um candidato ao governo do Estado nas eleições do ano que vem, eu precisava agir para destruí-los. Quando a Vernach entrou nessa aliança, eu sabia que os ventos estariam a meu favor. Você me diz tudo Augusto. Heitor era bem fiel também, um grande amigo, mas sua lealdade, Augusto, é incontestável. Essa obra da hidrelétrica foi para capturar a ganância desses desgraçados. Eles acharam que o plano deles estava em segredo, mas eu já sabia graças a você. Pensaram que ganhariam a licitação e depois me apunhalariam pelas costas, lançando um candidato ao governo. Eu prometi a cada um deles a obra, em detrimento dos demais. E pelo visto, eles realmente acharam que eu estava desesperado a ponto de acreditar neles. Eu sei que eles deixariam você de laranja e depois repartiriam o superfaturamento da obra entre vocês. Mas agora, o importante, é que você continue a descobrir as intenções deles para me informar, e que eles não saibam nada sobre nossa cooperação, como se você também estivesse os apoiando contra mim. Esse medo de conspiração de todos contra todos que se instaurou depois da prisão do Dorsey, pode até nos ajudar.

— Mas ainda tem essa questão do atentado na DAZus. Eu tentei de tudo para conseguir alguma informação, mas eles são fechados, não abrem o jogo, não deixam nada solto. Ninguém de fora entra no assunto deles.  A situação deles é complicada, tá pairando a incerteza de quem vai assumir o cargo de CEO, já que o antigo CEO morreu no atentado. E isso tá afetando bem feio as ações deles na bolsa. Eles tiveram uma baixa considerável no quadro de pessoal, mesmo sendo do pessoal não essencial, foi muita gente. O boato que corre é que vão decretar fechamento temporário.

— Eu também não tenho informações úteis desse pessoal da DAZus. Você sabe quem são os cogitados para assumir a chefia?

— Pelo que eu consegui sondar, o mais provável é que o vice do antigo CEO assuma o cargo e mantenha a mesma postura que ele vinha tomando.

— Eu estou de olho nessa situação. Pedi para a secretária Suzanna entrar em contato com eles para oferecer a ajuda de recuperação empresarial do governo, como pretexto de tentar trazer eles para o nosso lado. Ela vai chegar de fora do país na quinta, no sábado à noite, ela vai se reunir com um membro da DAZus no salão do Corinthia Hotel. Vai ser tudo bem discreto, para não atrair o olhar da mídia.

— Governador, eu ficaria de olho e com a atenção aguçada, algo nesses caras da DAZus não me parece normal. Pode ser apenas cisma, mas eles são estranhos.

— AHAHAHAHA Augusto, um homem da sua idade e do seu estilo não combina bem com essas crendices. Pode ficar tranquilo, eu tenho tudo sobre controle. Agora, sobre o que você quer saber, estará na enfermaria do hospital regional, pode mandar alguém ir lá buscar. É apenas a primeira parte, depois você vai receber as outras parcelas.

— Sim senhor, pode deixar que qualquer outra informação eu o informo.

— Ótimo! Mas mantenha a discrição, nada de me mandar muitas mensagens, se precisar falar comigo, apenas combinamos de vir aqui e resolvemos pessoalmente.

Pelo visto eles estavam se retirando. Retirei os fones e os coloquei no bolso. Vi que Augusto saiu, ele foi andando em direção ao seu carro. Parou e ficou olhando em minha direção, encarou um pouco o carro que eu estava, entrou no seu e foi embora. Alguns minutos depois que ele já tinha ido embora, o governador voltou ao carro e disse que poderíamos ir. Voltamos o caminho todo em silêncio. Quando estávamos prestes a chegar no palácio, vimos que uma comitiva da imprensa estava na praça. Demagogo que era, o governador me pediu para parar o carro em frente deles para que ele descesse e que os jornalistas o vissem entrando a pé no palácio. Antes que saísse do carro, parou-se atrás do banco do motorista e colocou as mãos em meus ombros.

— Meu filho, eu tinha combinado com o outro motorista, mas já que foi você, queria reforçar um pedido. Vamos manter essa viagem em sigilo, ninguém precisa saber para onde fomos, certo? Faça isso, e você ficará feliz com a recompensa.

— Sim senhor! Não se preocupe governador, eu sou fiel ao senhor, desde que o senhor era prefeito dessa cidade, sou grande defensor do senhor. Tudo que o senhor quiser e precisar, pode contar comigo!

— Ótimo, ótimo! Você pode deixar meu carro na vaga do lado de fora da garagem, quero que eles me vejam entrando para dirigir quando sair daqui. – Disse e foi saindo do carro. Os jornalistas vieram que nem abutres em carniça, o cercaram por todos os lados e foram o seguindo até a entrada do palácio. Ele conversou com eles, fez todo seu show, até pegou uma criança que passava no colo.

Eu contornei a praça, vi minha moto estacionada e fiquei aliviado. Estacionei o carro na vaga que o governador falou. Peguei minha bolsa no porta-malas e fui até minha moto. Tinha conseguido muitas informações, precisava ir para casa para organizar tudo isso na minha cabeça.

Chegando, subi até o banheiro do meu quarto e coloquei a banheira para encher, voltei até a cozinha, separei uma taça, procurei por alguma boa garrafa de vinho na adega, o servi e subi com a taça até o atelier. Precisa por muita coisa em ordem. Peguei uma tela em branco e coloquei no cavalete, fui até a prateleira, peguei algumas tintas e as dispus no apoio. Peguei um pincel e o mergulhei na tinta verde.

— Então o governador é o nosso ponto de encontro. – Fiz um círculo com a tinta verde e o pintei completamente, segui passando o pincel até o lado oposto da tela. – E ele tá querendo sabotar as grandes construtoras para não sofrer uma derrota na eleição do ano que vem. E ainda tem um espião infiltrado. Esperto, bem esperto. – Parei o pincel e fiz cinco desenhos sem forma opostos ao círculo que tinha desenhado. Peguei a tinta roxa e contornei um desses desenhos o ligando umbilicalmente com o círculo do outro lado. Mudei para a tinta azul e fui sombreando a tela com aquele banho azulado. Tomei um grande gole do vinho que estava na taça e voltei para a tela. – Augusto, Augusto, ainda bem que eu não tive que te matar, você ainda vai me entreter muito. Mas você ainda tem que me fazer chegar mais fundo nessa questão, e você vai me ajudar, não vai? – Larguei o pincel e peguei o pote de tinta vermelha com a mão, enfiei meu dedo indicador e meu dedo do meio da minha mão direita dentro do pote e fiquei misturando aquela tinta escarlate com meus dedos. Os parei sobre o desenho circundado pela cor roxa e o fiquei acariciando sobre a tela, sem o encostar, aproximando meus dedos, que escorriam aquela tinta por entre minha mão, mais e mais daquela lona de seda branca que formava a tela. – Afinal, você não é tão fiel assim ao governador que eu sei, a sua lealdade é apenas ao interesse, ao dinheiro. Então você e suas empresas amiguinhas queriam lançar um candidato ao governo, que plano tosco. E o governador gastando dinheiro com isso. Pelo menos tá enchendo o caixa da gente, eu sei que os serviços da HG+ não são baratos, o Górki não é um dos maiores magnatas do mundo atoa. Ah, esse russo esperto, não tem nada que não tenha o dedo dele. Mas ainda falta uma coisa. – Eu passava meus dedos repletos de tinta pela tela, cruzando-a em todos os sentidos, a tocando e sentindo os suaves fios de seda se preencherem de tinta entre minhas digitais. – Esse rato do governador nos contratou para criar essa empresa e afundar as ações das outras, mas ele vai entregar ela de bandeja para a Vernach. Só que eu matei Heitor e a Vernach continua em maus lençóis no mercado, eles não vão ter como se desvencilhar dessa situação sozinhos. – Rodeava meus dedos lambuçados pelos desenhos sem forma, tentando lê-los e entender aquelas misturas. – E pelo visto o grupinho do recreio tá se matando por dentro. A ACS vai ficar ocupada por um tempo com a situação do Dorsey, a RedMount e a Hellingher tão afundando em dívidas, mas ainda assim, tem algo errado nisso... – Parei meus dedos sobre a figura ao no centro, posicionado meu dedo do meio bem ao ponto central dela e a encarei profundamente. – DAZus! Eu preciso descobrir qual a deles... Esse atentado tá muito mal explicado, eu vou ao fundo dessa questão, tenho que saber qual a deles. – Arredei meus dedos até o centro da tela e me virei, foi quando lembrei da reunião que o governador tinha mencionado da secretária de desenvolvimento energético com a DAZus na sexta. Sorri e peguei minha taça, a passei pelos meus lábios, me virei de uma só vez e joguei todo o vinho que estava na taça em direção a tela. Saí do atelier e fui tomar meu banho.

Enquanto estava relaxando em meu banho, fiquei pensando no que eu faria em relação a esse encontro de Suzanna com o representante da DAZus. Martelava em meu cérebro a melhor forma de espiá-los. Parece que eu teria que me infiltrar no hotel, mas ainda não fazia ideia de como. Tinha que pensar em algo durante o decorrer da semana, eu precisava descobrir o que ela tinha a tratar com a DAZus.

Saí do banho e fui deitar, eu estava exausto e precisava daquela boa noite de sono. Ao passar da semana, fui estudando como conseguiria me infiltrar no hotel e espiar a conversa de Suzanna. Investiguei toda a área do hotel, pesquisei por fotos dele na internet, o perfil de alguns funcionários, o fluxo de pessoas que costumavam a ficar hospedadas nessa época do ano, tudo isso. Na quarta, fui até o hotel e me hospedei por uma noite. Quando era perto da meia noite, saí pelos corredores e fui analisar de perto o prédio e a rotina de trabalho dos funcionários. Me esquivei de um ou outro que vinha pelo corredor e fui até o salão, onde seria a tal reunião. Observei todo o ambiente para ter noção de como melhor iria executar meus passos na hora. Me dirigi até a portaria do hotel, fiquei observando a moça que estava atrás do balcão, eram quase uma da manhã, ela estava a cochilar. Esperei por trás do corredor por uns quinze minutos, até que ela levantou, devia ir ao banheiro. Fui até o computador e comecei a vasculhar nos arquivos, procurando as reservas. Achei a tabela de reservas, mas não tinha nenhuma no nome de Suzanna ou algo relacionado, pelo visto, era realmente extraoficial esse encontro.

Saí dali e fui voltando ao meu quarto, no caminho, passei em frente a uma sala que parecia ser o almoxarifado do hotel, olhei pela janela na porta e não tinha ninguém dentro. Entrei e vi que tinha alguns uniformes, foi quando me bateu a ideia, ia entrar disfarçado de funcionário da cozinha, serviria a Suzanna e seu acompanhante e daria um jeito que colocar algum grampo na mesa. Peguei um uniforme empacotado que estava em cima de um balcão e voltei de vez para o quarto.

O resto da semana foi de preparação para sexta à noite. Saí todo dia para correr e me exercitei com maior intensidade, algo em mim pressentia que eu precisaria estar em ótima forma para essa missão. Eu ainda não sentia muita confiança nessa reunião de sexta à noite.

Finalmente, a sexta chegou. Acordei naquela manhã já preparado para a noite. Precisava arrumar algumas coisas antes da hora da reunião, saí de casa umas duas da tarde e fui em direção ao galpão onde deixava minha moto. O velho continuava sentado do lado de fora, na sua cadeira e fumando seu cachimbo, parecia até peça de decoração do cenário. Deixei minha chave do carro com ele, mas dessa vez não o disse nada, ele sabia do recado apenas pelo meu andar. Dentro do galpão, fui até a sala no segundo andar, tinha que pegar algumas coisas essenciais para essa missão. Era uma missão delicada, eu não podia ir armado, mas a ideia de estar de mãos vazias não me chamava muito a atenção para hoje, algo em mim alertava pela defesa. Puxei uma gaveta na sala e a vi lá, era exatamente o que eu precisava. A NRS-2, uma faca de sobrevivência com mecanismo de disparo único, era uma belezinha projetada para as tropas soviéticas nos anos 80. Apesar de só comportar uma bala por vez, o fato de ser uma faca era ótimo, porque servia para o ataque em curto raio e dava para me salvar se precisasse atirar em alguém ou algo, só tinha que ser preciso, por causa do disparo único. E eu não podia levar muitas munições reservas por causa do disfarce.

Ainda naquela sala, tirei o uniforme que tinha roubado do almoxarifado do hotel da mochila e o vesti, coloquei a NRS-2 por dentro da calça, fui até um outro armário, peguei um grampo de médio alcance e o guardei. Desci para o térreo e fui até minha moto. Já era umas cinco horas, eu precisava chegar no hotel antes das sete, para acompanhar o movimento até que a secretária Suzanna chegasse.

Dei uma volta pelo perímetro de moto, acabei a estacionando no beco atrás do hotel, desci da moto, dei uma ajeitada no uniforme e fui para a porta dos fundos. Lá dentro, andei como se soubesse exatamente o que estava fazendo, para que ninguém suspeitasse de nada.

— Ei, você! O que tá fazendo aqui?

A reação imediata foi colocar minha mão sobre a virilha em cima da faca que estava guardada por dentro da calça, mas me virei sutilmente e vi que era uma mulher parada olhando para mim.

— A cozinha está uma correria hoje, você não tinha que estar lá não? Se saiu para fumar um cigarro, espero que já tenha acabado, agora vai para lá ajudar na preparação do jantar que hoje o salão vai estar cheio.

O alívio de ouvir aquilo foi enorme. Fui até a cozinha e mal chegando um homem foi colocando uma bandeja com um monte de pratos em cima e me pediu para ir arrumar as mesas do salão. No salão, tinha umas cem a duzentas mesas para serem arrumadas, olhei para os lados e pelo visto era só eu mesmo para fazer aquilo. Arrumei mesa por mesa, pareciam infinitas, mas quando acabei, já estava perto de dar umas sete horas, pelo que tinha ouvido no ar, o jantar começava a ser servido as dezenove e meia, tinha meia hora até que algumas pessoas começassem a chegar. Voltei para cozinha, precisava dar um jeito de ficar de olho dali no salão para quando Suzanna chegasse.

— Alguém já te deu alguma coisa para fazer ou você pretende ficar só olhando o salão pela porta?

— Eu... bom, é que me mandaram esperar porque eu que vou ser um dos garçons no salão para o jantar de hoje então...

— Ah, tá esperando a sua roupa né. Vem comigo que eu pego para você. – Segui aquele senhor até os fundos da cozinha, tinha um corredor que ao final dava em um vestiário que mais parecia uma sala abandonada.

— Toma, vê se esse te serve. E não esquece que o aventar tem a parte listrada para dentro hein. Ah, e mesmo com a boina tem que por a touca por baixo. – Ele me entregou tudo e ficou me olhando. Parou e me segurou enquanto me examinava. – Você... eu não conheço você... Tu é novato, mas não é dos contratados...

Eu achei que teria que usar minha NRS-2 com aquele velho, estava apreensivo, ele continuava a me examinar e falar que sabia de todo mundo que trabalhava ali, conhecia cada rosto.

— Você tá aqui substituindo alguém né? Percebi de cara, o Danny faltou hoje e ele tava pra ter o ponto todo cortado, então te mandou, não foi isso? Pode deixar que eu não vou contar, mas fala para ele pegar leve nas faltas, vai complicar pra ele se continuar.

Ele então saiu dali e me deixou com as roupas na mão, eu me troquei e voltei para a cozinha. Quando cheguei, já tinha mesas para serem atendidas. Mas nada de Suzanna no salão. Fiquei atendendo mesas, servindo pratos, retirando louças das mesas, acompanhando pessoas até seus lugares, e nada de Suzanna ou de seu acompanhante. Já eram quase nove horas da noite e ela não tinha chegado. Eu comecei a pensar que essa reunião não ia acontecer aqui. Foi então quando a vi chegar. A recepcionista a acompanhou até uma mesa ao centro do salão, ela estava sozinha. Eu olhei no espelho na parede da cozinha e me certifiquei que estava bem disfarçado de funcionário, inclusive tinha colocado um óculos para melhorar meu disfarce. Fui até a bancada da cozinha, peguei um arranjo de flores novo, o arrumei em cima da bandeja, coloquei dois copos e uma jarra de água junto, preparei o arranjo e coloquei o grampo nele, respirei fundo e saí para atendê-la em sua mesa.

— Boa noite! O que a senhora gostaria para essa noite? – Coloquei o arranjo ao centro da mesa, dispus um copo à sua frente e o enchi de água. Já ia colocar o segundo quando ela me respondeu.

— Ah, boa noite! Eu estou esperando uma pessoa, mas se você puder trazer uma entrada de bruschettas e um copo de suco de uva integral, estará ótimo por enquanto. – Ela me encarou enquanto eu terminava de arrumar a mesa e voltou sua atenção de novo para o batom que passava.

— Como a senhora desejar.

De volta na cozinha, colei o pedido no mural, fui até o almoxarifado, retirei a boina e coloquei o fone do grampo no ouvido esquerdo. Era um pequeno fone bluetooth que ficava escondido, quase que dentro do canal do ouvido, e conectava no grampo que estava no arranjo de flores na mesa. Arrumei a boina de volta no cabeça e retornei para a cozinha. A partir daquele momento, ouviria tudo que fosse falado naquela mesa. Enquanto o pedido estava sendo preparado, tudo que eu ouvia no fone era o som das pessoas ao redor, alguns barulhos de dedos mexendo sobre a mesa, mas nada demais. Olhei pelas janelas na porta da cozinha, ela ainda estava sozinha. O pedido ficou pronto e eu fui levá-lo até Suzanna. Saindo pelas portas da cozinha, olhei fixadamente para a mesa dela e andei calmamente segurando a bandeja.

— Senhora, seu pedido! – Organizei os pratos sobre a mesa, evitando qualquer olhar cruzado para o arranjo ao centro. Ao terminar, a agradeci e me retirei. Andava até a cozinha quando ouvi, pelo fone, um barulho de cadeira arredando.

— Você está atrasado.

Era quem ela estava esperando. Por um segundo, a tentação de me virar e observar o rosto da pessoa que Suzanna estava esperando quase me dominou, me fez parar de andar, mas consegui me segurar, continuei andando para a cozinha. Lá, coloquei a bandeja sobre o balcão e me desviei de todos até os fundos.

— Peço desculpas se a fiz esperar muito. Houveram alguns contratempos.

— Então...

— Vejo que pediu uma entrada e se lembrou de mim. Deixe-me comer um pouco, eu estou faminto.

— À vontade.

Eu não acredito que eles estavam perdendo todo esse tempo. E tempo era o que eu não tinha para ficar parado ali. O chef da cozinha foi até os fundos me chamar, tinham inúmeras mesas para serem servidas. Eu ia ter que fazer as duas coisas ao mesmo tempo, precisava manter o disfarce. Voltei para o caos daquela cozinha, peguei alguns pedidos e os fui servir. Enquanto andava a pegar pedidos, servir pratos e preparar mesas, fiquei observando a mesa de Suzanna, mas não estavam conversando nada. Enrolei o máximo em cada mesa para ficar o maior tempo possível dentro do salão.

­­— Você marcou aqui porque queria um local tranquilo para conversar, mas pelo jeito, hoje está bem movimentado no hotel.

— Eu sei. Foi justamente por isso que marquei aqui, a movimentação ajuda. A maior parte dos hóspedes são estrangeiros, não têm o porquê xeretarem nos nossos assuntos. Vamos ao que interessa logo?

Aquele era o momento. Eu estava um pouco ansioso para ouvir o que o governo teria de tão confidencial para conversar com a DAZus. Acabei anotando uns pedidos completamente aleatórios sem nem prestar atenção no que as pessoas estavam me solicitando.

— Devagar secretária Suzanna. Temos muito o que conversar, mas não vai ser aqui. Nem comigo. Hoje a ordem é de que a senhora vai ter que falar diretamente com o comando. Ah, estava delicioso, obrigado pelo jantar.

Não podia acreditar no que tinha ouvido. Toda essa preparação, e não ia ser aqui esse encontro. Eu acabei me virando para a mesa deles quando o cara que estava com Suzanna se levantou e saiu andando do salão. O olhar de Suzanna foi direto ao meu encontro, me virei rapidamente e voltei para a cozinha.

­— Hum... que seja.

Ela se levantou e foi andando em direção à portaria do hotel. Eu precisava segui-la, não podia perder a chance de saber com quem ela se encontraria. Se esse encontro ainda fosse hoje, essa era minha única chance de espioná-lo. Corri para a saída dos fundos da cozinha, apenas ouvi uns gritos do cheff e de algumas pessoas lá dentro em minha direção, mas o movimento lá dentro estava tão intenso que eles não teriam tempo de me seguir. Arranquei a boina e a touca de cabelos e as joguei no chão enquanto corria, desamarrei o avental em minha cintura e fui até o beco que estava a minha moto. Já fui montando e a ligando ao mesmo tempo, peguei o capacete no convés, o coloquei, e arranquei com a moto até o começo daquele beco, mas sem ficar apontando na rua. A entrada do hotel era na esquina, então fiquei olhando pelo reflexo da entrada na vidraça de um carro que estava estacionado na rua à minha frente. A secretaria Suzanna apareceu na entrada, o manobrista chegou junto com seu carro e a entregou. Pelo visto ela que estava dirigindo, talvez para não chamar qualquer atenção para seu encontro noturno, apesar de que todas às vezes que eu me deparei com ela, estava acompanhada de motorista e seguranças.

Ela entrou no carro, fez a conversão e veio em minha direção. A esperei passar pelo beco, e três segundos depois, saí de moto atrás dela. Tinha que ter cuidado, as ruas não estavam exatamente movimentadas, mesmo sendo sexta feira, já era tarde. Ela seguia em sentido oposto ao centro, pelo visto, estava seguindo pela saída norte da cidade. A medida que seguia, aproveitava que aquele destino era a saída onde normalmente as cargas chegavam pela cidade em caminhões, me usava daqueles gigantes sobre rodas para me esgueirar na estrada atrás dela. Passamos sobre a ponte norte, já fora do perímetro da cidade uns dez quilômetros, ela sinalizou para a direita e entrou em uma estrada de terra que ia descendo para debaixo da ponte. Parei minha moto na margem direita da ponte e observei o que tinha lá embaixo. Parecia ter uma casa de depósitos pesqueiros ali, a beira do rio.

Subi novamente na moto e fui até aquela passagem no meio da mata na saída da ponte. Por precaução, desliguei os faróis da moto, ainda bem que a tinha modificado para os controlar. Segui em baixa velocidade, sem fazer muito barulho, para ver se ela tinha parado por ali mesmo ou se tinha algum caminho que ela poderia ter seguido ali por baixo. Ouvi algumas vozes que estavam mais à frente, então parei a moto e a estacionei entre alguns arbustos naquele matagal. Retirei um pano preto que tinha no baú da moto e o amarrei no rosto, deixando apenas os olhos e a testa para fora, meu cabelo por si só já tamparia minha testa e um pouco os meus olhos. Aproveitei o alto mato e me enfiei por entre eles. Uns três carros, incluindo o que a Suzanna veio nele, estavam parados na frente daquela velha casa, mais parecia um galpão da marinha abandonado. Fiquei observando de onde estava e vi a secretária sendo abordada por dois homens, os cumprimentou e seguiu para dentro daquele local. Os dois ficaram parados na porta à frente da entrada.

Eu tinha que dar um jeito de entrar naquele lugar, precisava escutar essa conversa e descobrir quem era essa pessoa que a DAZus tinha posto a disposição para conversar com Suzanna.

Pelo visto, apenas aqueles dois caras estavam fazendo a vigia do lado de fora. Por mais que seria mais fácil e me agradava mais a ideia de ir até eles e os nocautear, eu não podia me expor e correr o risco de atrapalhar o sucesso dessa missão. E também que eu não vim preparado para atacar silenciosamente à distância. Observei o local com detalhe e resolvi que daria a volta e tentaria escalar até o teto, tinha algumas janelas no topo do prédio, parecia que daria para entrar por elas se eu chegasse lá em cima. A altura daquele prédio devia ser de uns nove a doze metros, mesmo sem corda ou outra coisa, daria para escalar. Voltei enfiado no meio daquele mato e fui por trás do lote, em direção aos fundos do galpão. Tinha um certo tempo que eu não escalava nada, não ia ser bem como meus exercícios de parkour de uns anos atrás. Mas eu tinha treinamento para isso, todo aquele treino de rua na neve foi bem útil, olhando por esse lado.

Ainda no meio daquela mata, estava a uns quinze metros da parede lateral do prédio, me arrumei para correr em direção a ele e, quando ia dar o primeiro passo, ouvi uma terceira pessoa passando pela lateral do prédio. Ao ouvir aqueles passos, me joguei no chão e me recolhi, os passos pararam e uma luz de lanterna clareou por cima da mata. Um silêncio desconfortável consumiu aqueles segundos, nem sequer o som dos mosquitos e das cigarras continuou, o vento e a brisa que vinham do extenso rio pareciam ter sumido, nem mesmo o barulho da água conseguia se fazer ouvir. Um passo seguido de outro se colocara em minha direção, o terceiro e o quarto, logo, o acompanharam. Passei a mão sobre a cintura e estava pronto para sacar minha faca. No quinto passo, os demais foram dados em direção oposta e aquele ser seguiu seu rumo para sentido dos outros dois.

Esperei alguns minutos para ter certeza que não tinha mais ninguém por ali e que não seria percebido. Tomei minha distância novamente, parei meu pé direito à frente, respirei fundo, uma, duas, três vezes, e me atirei em direção àquela parede. Consegui subir em um impulso só, uns cinco metros. Quando vi que ia perder o equilíbrio para continuar subindo, arremessei meu corpo para a esquerda e me segurei na barra de ferro de uma janela. Dependurado com meu corpo na vertical para o chão, encostei meus pés no concreto daquela parede, solas viradas para trás, e me dei um balanço em cento e oitenta graus até o beiral, de pé, olhei para a janela mais próxima na minha diagonal ascendente, e pulei até ela. A segurei com apenas uma mão, por um fio não consegui chegar meus dedos até a quina para segurá-la. Mas aquele ainda não era meu último malabarismo, aquelas janelas estavam trancadas, quebrá-las para abrir caminho iria fazer muito barulho. Tinha que ir até o topo e ver se tinha algum jeito de entrar por cima. Daquela janela, consegui chegar ao telhado apenas com um leve impulso até a calha. Parecia que eu estava com sorte, ou aquele era realmente um prédio da marinha. Uma escotilha no telhado dava direto para dentro do galpão. O único problema é que parecia que não era usada há um bom tempo, estava um pouco enferrujada e emperrava bastante para abrir. Fui a abrindo lentamente, tentando evitar todo e qualquer barulho, mas a cada leve centímetro aberto, um ranger estridente era dispersado. A abri então de uma vez só.

Certifiquei-me de que ninguém tinha percebido aquilo, primeiro olhei para o ambiente interno, sentindo que estava seguro, entrei. Caí em uma espécie de sótão, não tinha ninguém ali, vi uma porta e fui até ela, a abri semicerrada e vi que dava em um corredor metálico suspenso por toda a lateral do galpão, circundando o vão aberto ao centro. Era realmente um prédio antigo da marinha, não sei ao certo se abandonado, mas naquele vão, um monte de barcos e embarcações suspensas por cabos de aços, algumas no chão lá no térreo. Um monte de caixas e coisas se amontoavam empilhadas por aqueles corredores, seria um ótimo local para me esconder e ouvir a conversa. Agachado, praticamente rastejei até atrás daquelas caixas. Detrás delas, consegui ver duas figuras ao centro do saguão no térreo do galpão. Uma era Suzanna, mas eu não conseguia enxergar direito a outra, estava de costas para mim e completamente coberta, era uma mulher, usava um macacão preto com mangas compridas em fendas, no dedo do meio da mão direita, um anel que parecia ter um brilhante azul extremamente forte, um coque prendia seus cabelos ruivos e ela estava usando um salto preto que devia ter uns dezessete centímetros. Abaixado atrás daquelas caixas e panos, controlei minha respiração ao máximo e me concentrei em ouvir a conversa delas.

—Finalmente, a grande dama, a Rainha de Paus em pessoa resolveu falar comigo.

— Deixe de ser caricata Suzanna, você sabe muito bem porque eu não tenho te contatado pessoalmente. Nós estamos em uma ascensão cada vez mais rápida, não podemos nos arriscar a deixar um fio fora do lugar. – Olhei rapidamente para baixo enquanto ela falava para ver se via seu rosto, mas nada. Ao terminar essa frase, ela passou a mão na cabeça de Suzanna e parece que estava a arrumar o cabelo dela, como se estivesse, literalmente, um fio fora do lugar. Voltei de costas às caixas, precisava dar um jeito de as observar enquanto ouvia. Virei para as caixas e vi que a caixa que estava por cima de duas outras, estava um pouco arredada para a esquerda, criando uma fresta para o vão, que abria pelo pano que as cobria, dali eu conseguiria enxergá-las lá embaixo sem problemas.

— Bom, nós também não temos a noite toda, não é? Vamos lá, me diga, o que você quer de mim?

— Ora, nada. Apenas lealdade, assim como tenho com você. Pela nossa amizade, minha querida. Queria apenas saber de como andam as coisas no governo, se talvez teria algo para me dizer.

— Dizendo assim parece até que ando escondendo algo de você. Bom, eu estive fora essa semana, o governador queria que eu me encontrasse com alguns empresários fora do país. Mas eu não estava apenas oficialmente trabalhando, consegui alguns dados que nos serão úteis. Enquanto estava fora, um dos meus contatos me certificou que o caso do Dorsey já está encaminhado, as acusações são robustas contra ele, isso vai fazer com que ele fique preso por um bom tempo, até que as investigações terminem, pelo menos. E se tratando da nossa polícia, essa investigação não vai acabar tão cedo. Eu ainda não consegui informações sobre quem é o assassino carmesim, o de verdade. Mas isso não nos importa agora. O importante é que, com o Dorsey fora do caminho, o governador vai achar que cravou sua vitória sobre eles, com toda essa instabilidade que se gerou na cúpula dos quatro, ele vai focar nesse plano dele de criar essa empresa laranja. Eu sei que ele anda recebendo informações de dentro da cúpula, eu ainda tenho que descobrir de onde elas vêm.

— Isso é bom. E a sua relação com o governador, ele ainda acredita fielmente em você, certo?

— Ele me tem como a pessoal mais leal de seu governo. Inclusive, ele acha que estou no Corinthia com o representante da DAZus tratando de oferecê-los a ajuda de recuperação empresarial do governo para ajudá-los a reestruturar depois do atentado. Eu não o estou enganando completamente, se olhar por outro ângulo, só não estou no local que ele espera que eu estaria, mas estou com quem ele gostaria que eu estivesse, tratando de assuntos que, de certa forma, o dizem respeito di-re-ta-men-te.

— Quanto mais ele confiar em você, melhor será para nós. De todo jeito, nós vamos seguir com o plano. Eu sei que ele deve estar se matando para descobrir quem vai assumir o cargo de CEO da DAZus, você vai o dar a informação de que o Marco, que era vice diretor executivo, vai assumir como diretor executivo e que ele vai aceitar a ajuda do governo. Aí...

— Aí, quando ele menos esperar, e antes dele midiatizar isso, BANG! A DAZus vai soltar nota de que escolheu você, a diretora adjunta administrativa, Martha Nasser, para ser a nova CEO. E você vai declarar que a DAZus vai decretar falência e fechar, indefinidamente, às operações no mercado. Eu realmente só queria saber como você conseguiu essa credibilidade toda com o presidente. Porque com o diretor mesmo, cá entre nós, ele não ia muito com a sua cara, não que faça diferença alguma agora... – Aquele sorriso sórdido no rosto de Suzanna assustava até mesmo a mim. –  Como alguém podia esperar tamanha reviravolta. Tenho certeza que o governador vai levantar de sua cadeira em um só pulo que é capaz de até arrebentar a cinta liga que ele usa para prender a camisa dentro da calça.

— Como você sabe que ele usa cinta liga?

— Você não precisa saber disso, eu prefiro não comentar sobre tudo que já tive que passar para estar nessa posição no governo.

­Martha Nasser, essa era a identidade da sombra por detrás da DAZus. Eu tinha um nome, mas precisava saber de mais desse plano das duas. Continuei as observando e prestando atenção na conversa.

— De todo jeito, precisamos acelerar, eu quero que tudo esteja pronto, para que, assim que o ano acabar, nós já teremos executado todo o plano. A DAZus vem crescendo bastante, já conquistamos nosso lugar no mercado e esses últimos anos foram de grandes lucros para nós, mas ainda não somos uma das maiores construtoras do país, e não está nos meus planos esperar que o tempo apenas nos leve até lá. Precisamos destruir as nossas concorrentes, eu preciso destruí-las. Destruir ele... De todo modo, temos que começar a por a fase final em operação, não temos tempo para nos darmos com desnecessidades acessórias.

— Então você quer que...

— Shiiii.— Essa mulher mandou Suzanna calar a boca e se virou para minha direção, eu me encostei nas caixas, tinha certeza que não fiz barulho e que elas não tinham me percebido. Prendi minha respiração por uns trinta segundos e contei com a sorte de que elas não me tinham notado. Mas já estava com a mão sobre a faca na minha cintura, a tirei delicadamente de dentro da calça e a fiquei segurando contra o peito. Elas voltaram a conversar e eu soltei o ar que prendia aliviado. Entre eu acabar de expirar e o tiro que veio rachando a caixa em cima da minha cabeça, foram milissegundos que se passaram.

Rolei para minha direita, fiquei de pé e as encarei. Era Suzanna que estava com a arma, mas era Martha que estava a me encarar nos olhos. Não deu muito tempo de retribuir o olhar, porque Suzanna fez um novo disparo e eu tive que me jogar no chão. Com o barulho, dois dos homens que estava do lado de fora entraram, não sei de onde eles tiraram aquelas armas, mas todos eles estavam fortemente armados. Em um só pulo, me impulsionei para frente e fui em direção para a porta que dava para a escotilha no telhado. Uma sequência de tiros irrompera em linha reta na minha frente, eles sabiam para onde eu pretendia ir. Em uma cambalhota no ar para trás, voltei até as caixas que estava escondido, mas elas não aguentariam nem dez segundos uma sequência de disparos. E eu apenas com aquela faca de disparo único, coloquei a mão na cabeça e me senti completamente idiota por aquilo. Mas era mais que suficiente, eu sabia me virar bem com o que tinha. Eu olhei para frente e vi que toda aquela direção estava lotada de caixas empilhadas pelo corredor. Vi uma janela na minha transversal, mas, pelo vidro, dava para ver que ela tinha barras de ferro por fora, não daria para quebrá-la para pular. Eu não tinha alternativa, teria que pular no meio deles.

Assim que o primeiro tiro estourou a madeira da caixa onde eu estava, saí correndo por entre aquelas caixas no corredor. Reparei nos barcos suspensos no ar por cabos de ferro. Continuei correndo, tentando me desviar de todos aqueles disparos.

— Não adianta correr HAHAHAHAHA Você não tem para onde ir! – Gritava Suzanna enquanto mirava em minha direção, minha sorte que ela e seus homens eram péssimos de pontaria.

Estava quase no fim do corredor, chegando na esquina com o próximo, me apoiei na quina das barras de ferro que vaziam a grade, tomei impulso e pulei no meio daquele vão, caindo bem em cima de um barco virado de cabeça para baixo. Aquela madeira estava tão lustrada que eu comecei a escorregar, mas consegui me segurar no cabo de ferro. Mas ali eu era um alvo fácil, não tinha aonde me esconder, e logo, eles começaram a abrir fogo por debaixo do barco. Consegui pular para uma outra embarcação, tomei minha distância e fui pular em cima da próxima. Enquanto estava no ar, em direção àquele cabo de ferro, olhei para a cara daquela mulher, ela me encarou, tudo passou lentamente. Vi ela tomando a arma da mão de Suzanna e a colocando em minha direção, aquele tiro veio certeiro.

Eu caí com tudo na carcaça daquele barco no térreo do galpão. Ela tinha conseguido acertar o tiro, mas não totalmente, por sorte ele não veio no meio, não chegou a entrar, passou perfurando externo ao meu ombro esquerdo, deu para fazer um bom estrago.

— O QUE ESTÃO ESPERANDO? O MATEM RÁPIDO! ANDEM, DENTRO DO BARCO! – Gritava Suzanna.

Ouvi passos se aproximando, me mantive do jeito que estava, esperei que ele chegasse o mais perto possível do barco. Contando os segundos através de minha respiração, prestei atenção nos passos que dava, quando ele estava a mais ou menos dois metros de distância, me ajoelhei dentro do barco, virei a NRS-2 para o lado de disparar, levantei meu tronco e atirei, bem na garganta. Aquele corpo pesado indo de encontro com o chão ecoou por todo o galpão. Voltei meu corpo todo para a carcaça do barco e deixei que os disparos do outro homem seguissem livremente por cima. Tentei recarregar a bala dentro da faca o mais rápido que consegui, mas o plano não era atirar. Rastejando, movi meu corpo para esquerda, meu braço ainda doía bastante. Levantando o pescoço e inclinando meu rosto, vi ele vindo em minha direção, por algum milagre não tinha aberto fogo ainda, mas seu dedo estava preparado no gatilho, a qualquer segundo dispararia. Olhei para aquela ferida, aquilo ia me dar trabalho, só que eu não tinha tempo para isso agora. Segurei firme a faca e, ao levantar, já arremessei direto no meio da testa dele. A precisão do tempo e do ataque foi perfeita, não deu tempo de ele reagir e quando percebeu o que aconteceu, bom, já devia estar queimando no inferno.

Peguei a metralhadora, era uma sub-automática qualquer, mas de serventia. A segurei com meu braço direito e abri fogo contra Suzanna e Martha. Não podia as acertar de verdade, ainda precisava descobrir mais coisas e, para isso, elas tinham que estar vivas. Apenas queria as dispersar. Elas se esquivaram por entre umas pilastras e barcos que ali estavam, cada uma para um lado. Fui até o corpo caído e peguei a faca enfiada na testa do homem. Aquela lâmina era extremamente afiada, podia perfurar as vigas de aço dessa estrutura facilmente, por isso entrou tão fácil no crânio dele. Também tem o fato de que, segundo a grande sabedoria popular, idiotas tem a cabeça mais fraca. Quem sabe.

Quando arranquei a minha faca, me virei por trás da embarcação à minha direita e me encostei ajoelhado nela, ainda tinha que pensar em uma forma de sair dali. Tinha Suzanna e Martha no meu caminho, e ainda o terceiro homem que não tinha aparecido. Olhei para o teto daquele galpão e vi os cabos de aço que sustentavam aqueles barcos suspensos no ar. Foi então quando tive a ideia. Mirei em um cabo e atirei, quando vi que deu certo, atirei no outro, cada embarcação tinha de dois a três cabos a suspendendo no ar. O primeiro barco caiu e se estraçalhou no chão. Alvejei mais umas três e as deixei cair, aproveitei dos estrondos e da poeira que subiu com as colisões dos barcos com o chão, para me enfiar por entre aquele espaço e sair. Pelo visto tinha dado certo, com a queda das embarcações, as duas se afastaram do centro do galpão.

Andava por entre os barcos que estavam no chão e os destroços dos que caírem do teto, localizei a porta para a saída e fui em sua direção. No caminho, senti uma sombra me rodear, me virei instantaneamente e apontei a metralhadora. Era aquela mulher. Ela estava parada, com o olhar fixo em mim, a expressão estática igual uma esfinge. A metralhadora estava encostada na testa dela, mas ela estava com sua arma em direção ao meu pescoço. Ficamos estáticos se encarando, sem piscar ou demonstrar qualquer emoção. Ela se posicionou como se fosse agachar e colocou a arma no chão, se voltou e virou as mãos para mim. Eu não entendi muito bem a atitude dela, mas assim como eu a queria viva, pelo visto ela também me queria vivo. Fui andando de costas em direção a porta, Suzanna apareceu pela esquerda, atirei em sua direção, me virei de costas, concentrei um forte chute naquela velha porta de madeira, que veio ao chão, e saí correndo até minha moto. Olhei para trás e foi quando me dei conta do terceiro homem, estava debaixo da porta. Martha chegou na porta e ficou me vendo, enquanto me enfiava no meio do matagal. Encontrei minha moto, a montei e, sem nem por o capacete, dei partida e arranje logo meu caminho para fora daquele lugar.

 Quando saí para fora do mato, virei-me novamente para trás, ela ainda estava lá. Suzanna chegou do lado de fora e, ao me ver na moto, fez alguns disparos cegos em minha direção. Logo pararam, me virei novamente e vi que ela estava a impedindo de continuar atirando. Segui meu caminho até a ponte e de lá voltei em direção à cidade.

Na garagem do meu prédio, desci da moto e vi que a ferida em meu ombro esquerdo ainda sangrava. Arranquei a camisa e a rasguei, fiz um torniquete sobre a ferida e fui até o elevador. Quando as portas se abriram no décimo nono andar, sai para o corredor e fui até meu apartamento, entrei e bati a porta, a fechei e me desmoronei no chão. Encostei a cabeça na porta e fechei meus olhos. Estava exausto.

Coloquei-me de pé e dei um jeito de levar meu corpo até o banheiro do meu quarto, procurei por meu kit médico, o abri em cima da bancada da pia, coloquei a banheira para encher e me despi. Dentro da água, a sujeira e o sangue saíam de meu corpo e tomavam o domínio daquele recinto. Meu braço ardia enquanto mergulhado, peguei o sabão e passei sobre a ferida. Aquilo ardeu tanto, que a dor foi pior que a do próprio tiro. Afundei-me por completo debaixo da água, de olhos abertos, via o sangue que ainda saía, agora bem pouco, da ferida em meu ombro e se rastreava pela água. Coloquei minhas mãos para fora da água e, ainda submerso, as vi pelas lâminas de água que se mantinham embaixo daquela camada de sangue, sujeira e sabão.

Saí da banheira e fiquei de pé de frente para a bancada, peguei algumas coisas no meu kit. Passei um remédio antibactericida e desinfetante sobre a ferida, ainda ardia. A cobri com uma pomada cicatrizante e analgésica, cobri com algumas gazes e enfaixei meu ombro. Parado de frente para o espelho, observava meu corpo nu, com apenas aquele ombro enfaixado. Algumas marcas de tempos distantes fizeram em mim eterna permanência.

Saí do banheiro e fui até minha cama, me arremessei sobre o colchão. Estava destruído de cansaço. Com os olhos semicerrados, já extremamente sonolento, peguei meu celular e fui conferir as horas. Era meia noite e vinte quatro.

— JÁ É SÁBADO! – E no mesmo instante, todo sono saiu do meu corpo. Segurei o celular deitado de bruços sobre ele e fui digitando. A cada palavra, o sorriso em meu rosto era mais aparente.

Olha que tem alguém um pouco mais velho já! Hahahahah Parabéns Hugo, Feliz Aniversário! Espero que você esteja bem e que cada segundo desse seu dia seja de pura alegria. Sinta-se beijado por mim em cada um deles.

Contando os segundos para você estar de volta e eu poder comemorar com você de verdade, eu sei que o aniversário é seu, mas eu quero você aqui de volta ^_

Te amo;

Depois de enviar, abracei o celular contra meu peito e acabei dormindo. Nessa noite, eu conseguia me sentir sorrindo enquanto dormia, a imagem de Hugo era tudo que ocupava minha mente.  


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