Bulletproof Grower escrita por Jéssica Sanz


Capítulo 7
Deixar o vento levar


Notas iniciais do capítulo

Demorou? Demorou, mas... Quem tá pronto pra um plot twist?



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No começo, Florzinha levou numa boa. Os ensaios com as meninas continuavam, tanto os normais quanto os livres. De vez em quando, ela decidia ensaiar sozinha e encontrava os quatro se divertindo nos treinos da sala livre. Com muita frequência, via-os conversando ou comendo em algum dos pátios. Assistia-a os brincando e rindo, ficava curiosa, pensando no que poderia ser tão divertido. Às vezes, ficava com raiva, ela também queria se divertir daquela maneira.

Já fazia algumas semanas que Junggie vinha notando algo estranho em Florzinha. Tinha ouvido de suas três irmãs o nome dela e rido de sua maluca obsessão em provar alguma coisa. Junggie era uma pessoa normal, ela não precisava provar nada. De qualquer modo, ele vinha reparando em como ela parecia sozinha sem a companhia das irmãs que sempre tivera por perto. Sentiu-se um tanto culpado por isso. Não havia sido sua intenção roubar amizades, muito menos torná-la solitária. Claro que elas ainda se viam, se encontravam, conversavam, mas não era a mesma coisa.

Então, chegou aquele dia. Os quatro estavam no pátio da frente, conversando e rindo, como sempre. Numa mesa afastada da deles, mas ao alcance da vista, estava Florzinha. Ele evitava-a, mas de vez em quando, olhava para ela. No fundo, tentava criar coragem para uma nova aproximação, para pedir desculpas por alguma coisa que ele não sabia o que era. Para ele, era visível que tinha feito alguma coisa para mudá-la, mas não sabia o quê. Não sabia pelo que pedir perdão. E não tinha coragem de ir até ela. Ele tinha medo de ser tratado com toda aquela frieza que ele era esperto o suficiente para esperar por.

Florzinha fitava o alto do pergolado. Não pensava tanto em Min Seokjung; queria seu móbile de volta. Tudo começou a dar errado quando aquele móbile foi embora. “Um presente”, ela dissera. Será que ele ao menos sabia que ela tinha feito aquilo? Provavelmente não. Seu pai lhe dissera que ela não deixaria de ser especial. Realmente, ele não parecia priorizar Junggie em nada, mas ela sentia falta de toda aquela atenção, aquele carinho que costumava  receber antes. Sentia falta também da amizade de suas irmãs. Elas, sim, ela considerava suas, e ele as havia tirado. Todas as melhores coisas de sua existência haviam sido tiradas dela.

Naquele momento, Florzinha decidiu que não queria mais sofrer pela ausência de nada. Então, ela se levantou e caminhou pelo jardim gramado, indo além da área de Daegu, em direção à borda da ilha. Junggie, que estava de olho nela, não demorou a reparar e decidiu segui-la. Ela não o viu; afinal, não ousou nem um olhar para trás. Junggie caminhava em uma velocidade tranquila, sem fazer barulho, tentando entender o que ela estava fazendo. Então, Florzinha abriu as asas. Naquele momento, Junggie se desesperou. Ela estava indo embora? Por sua causa? Ele não poderia deixar isso acontecer, e não precisou pensar. Quando viu, já estava correndo para alcançá-la.

Flor bateu as asas e começou a voar. Junggie abriu as suas e voou rápido, alcançando-a ainda no limite da ilha. Nem ele entendeu direito o que fez, mas de alguma maneira, ele a abraçou e os dois caíram rolando na grama.

— Que isso? O que você pensa que tá fazendo? — gritou ela, tentando se desvencilhar daquela embolação e ficar sentada.

— Eu que pergunto! Tá indo aonde?

— Eu não sei — disse ela, limpando o rosto sujo de grama. — Eu só sei que estou indo embora.

— Embora? Por quê?

— Você ainda pergunta? Eu estou cansada, Seokjung. Cansada de existir em Daegu, e eu nunca pensei que me cansaria de um lugar que demorei tanto para conquistar, mas se tornou um lugar tão insignificante…

— Mas é a sua casa…

— Não, é a SUA casa. Se tenho algum lugar para chamar de meu é a Ilha dos Filhos-sem-mãe, e qualquer um dos dois lugares não tem graça nenhuma. No fim eu sempre vou ser só mais uma criança sorridente, feia e morta jogada em um gramado qualquer, sem receber nada mais do que o que julgam necessário. Lá, era a grama imensa, a inocência, a companhia de outras crianças igualmente abandonadas que possam brincar do que quer que seja para que não notem que elas não têm ninguém. Além disso, a casa de pedra onde você tem que dividir o quarto com mais uma penca de crianças, e só. Aqui, dizem que crianças precisam de arte e esporte. Ótimo. Só outro jeito de me distrair para o fato de que estou sozinha.

— Não está sozinha, Flor, tem seus irmãos e…

— Ah, é. Meus irmãos. Junggie, eu não tenho irmãos e irmãs, eu não tenho pais, eu não tenho família como você. Eu nunca terei isso. É tudo emprestado, uma distração. Você fica em Daegu e finge ser um de nós, mas você não é uma criança qualquer. Você é a única criança desta ilha que tem uma família de verdade. Pode passar o dia todo brincando e fazendo arte com as crianças que chama de irmãos, mas toda noite é na casa luxuosa que você dorme. Na casa onde você é a única criança, onde todos te amam pelo que você é: filho de sangue daquela família, uma criança crescente. Sua família dá valor ao que você é, não é? É por isso que eu sei que essa família não é de verdade. Ninguém liga para meu talento. Parece egoísta falar? Não é bem assim. Talvez eu não tenha muito talento, Junggie, mas, se eu tivesse uma família, eles aplaudiriam qualquer porcaria que eu fizesse, e em Daegu se faz muito esforço por um aplauso coletivo. Uma multidão aplaude um espetáculo. Eu nunca vou ter um pai pra dizer “muito bem, Peuro”, para qualquer progresso. Suga tenta, e ele se sai muito bem, mas ainda é um pai de mentira.

— Ele se sentiria ofendido se ouvisse isso.

— Eu sei, por isso eu não estou falando isso pra ele. Estou falando pra você, e se você contar eu te arrasto pela Casa toda pelos cabelos! Suga é um bom pai postiço, mas ainda é postiço… Menos pra você. Ele se importa com minhas particularidades, nota quando estou triste e faz muitas outras coisas, mas no fundo eu sou só uma criança. Ele não tem nenhuma obrigação comigo. Ele é o único em Daegu que reconhece, às vezes, quando acerto a nota ou faço bem no recital. Mas ninguém em Daegu me reconhece como todo mundo reconhece você.

— Como assim? Está falando sobre ser filho do Juízo?

— Estou falando sobre ser um crescente.

— Crescente? Mas o que isso tem demais?

— Todas essas crianças te viram bebê. Agora você está de volta, maior. Todo mundo te ama por você ser filho do Juízo e por você crescer. Todo mundo reconhece que você é incrível porque está maior, mas ninguém reconhece que eu passei muitos anos visitando Daegu sem poder fazer parte das atividades porque eu não tinha cinco anos, e agora estou aqui. Ninguém reconhece que a vinda da Casa Daegu para Omelas me separou dela completamente e me deu impulso para crescer até a idade mínima para estar aqui como eu sempre quis.

Junggie estava boquiaberto.

— Flor… Você também é uma crescente?

— Não sou como você, se é o que quer saber. Mas sim, eu também posso crescer. Todo mundo sabe, e ninguém se importa. Mas se importam com você. Se importam com o fato de você poder estar na Casa do Juízo o tempo todo. É, eu fui lá no seu aniversário, como todo mundo… E antes disso, para levar o móbile do seu quarto. O móbile que era da sua mãe, que foi cedido a nós, crianças de Daegu, e depois EU decidi cedê-lo de volta, eu mesma levei para o quarto, eu mesma o pendurei no teto. E antes disso eu estive lá quando fui mantida refém de Chung Ho por horas. Você acha que está travando uma batalha épica comigo? Aquilo sim era uma batalha. O destino do Segundo Mundo foi resolvido ali, eu era a única criança de Daegu que estava presente, e você acha que alguém se importa? Ninguém liga, Junggie! E eu também não me importo mais com nada que venha de Omelas, porque eu estou de saída.

Florzinha conseguiu terminar a frase mesmo com o susto que teve na última palavra, quando Junggie repentinamente a abraçou. Durante sua última fala, ela tinha começado a chorar. Não sabia se havia sido isso ou tudo o que ela havia falado naqueles minutos que o motivara a abraçá-la. No momento, ela estava um pouco confusa e decidiu não pensar sobre isso. Mesmo que um abraço de Junggie parecesse surreal, ela estava abalada demais para questionar o abraço ou o choro dele, que ela podia sentir.

Sim, ele estava chorando. Mesmo se ele fosse uma pessoa insensível, e ele não era, seria difícil não se abalar com tanta informação. Ele a julgava, não muito; era mais um tipo de impressão que ela tinha deixado, e obviamente ela não fizera nenhum esforço para que essa impressão fosse boa. De qualquer modo, a imagem que Junggie tinha de Flor era completamente superficial. Ele nunca tinha parado para pensar o que era estar na situação dela, e mesmo que o tivesse feito, não poderia imaginar.

— Eu sinto muito — ele disse, ainda abraçando-a. Queria fazer algo por ela, e tudo o que poderia fazer naquele momento era abraçá-la e tentar confortá-la de alguma forma.

— Não, eu quem sinto muito — disse ela. — Eu não deveria ter deixado o peso disso cair sobre você. Foi um erro muito grande, me desculpe.

Junggie a soltou e olhou para ela.

— Para. Você não tem que se desculpar — ele secou as lágrimas dela gentilmente. Queria chamá-la de irmã, mas não sabia se ela se sentiria tão à vontade com isso. Até o momento, eles apenas tinham se enfrentado. Ficou apenas limpando o que havia além dos seus olhos, enquanto encarava-os profundamente. Depois de algum tempo, teve coragem para pedir. — Por favor, não vá embora.

Ela abaixou a cabeça um pouco.

— Está me pedindo demais.

— Mas… — Junggie hesitou. — Eu pensei que… Eu pensei que pudéssemos tentar novamente.

— Esta decisão não tem a ver com você Junggie. Tem a ver comigo. Não é nosso atrito que torna este lugar menos interessante. É o que o atrito me fez perceber. Eu não tenho vontade de ficar aqui.

Junggie lentamente desviou o olhar para um lugar qualquer à sua esquerda. Estava perdendo toda a coragem.

— Por que é tão importante pra você? — perguntou Florzinha, sem entender.

— Porque é culpa minha.

Junggie tentou não chorar de novo, mas ele não conseguiu. Dessa vez, foi um choro muito mais contido. Não havia som, eram apenas as lágrimas escorrendo. E, dessa vez, foi ela quem as limpou. Junggie permitiu que ela o visse daquela maneira, mas não queria parecer frágil, nem para ela nem para si mesmo. Não por egoísmo, mas por saber que seria muito mais difícil encarar a partida dela se ele fosse afetado.

— E também por causa do recital — completou ele, inventando uma desculpa que lhe pareceu plausível. Algo que pudesse esconder o que ele realmente estava sentindo.

— Há muitas crianças, Junggie, eu não vou fazer falta.

— Você sabe que vai fazer falta para ele — não precisava dizer que se referia ao próprio pai. — Ele se importa com você. E nem é sobre fazer falta, é sobre compromisso. Todos estão contando com você até lá. Você poderia ficar… Pelo menos até o recital.

Florzinha se permitiu um levíssimo sorriso de lado.

— Você quer porque quer que eu fique, né, garoto…

Ele olhou para ela com uma carinha tristonha que o fez parecer ainda mais fofo.

— Por favor.

Flor revirou os olhos.

— Você promete que vai me deixar ir embora em paz depois do recital?

Junggie se animou. Ele tinha um plano: fazer a Casa Daegu voltar a ser o lar de Flozinha. E tinha um prazo: o dia do recital das turmas de dança.

— Prometo.


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Notas finais do capítulo

Ih, rapaz, agora o bicho vai pegar mesmo...



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