Vínculos escrita por Lilie


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Depois de uma demora milenar, aqui estou eu com o "reboot" que prometi.
Como vocês vão perceber, mudei algumas coisas simples como nome e aparência de alguns personagens, assim como certas circunstâncias.
Espero que gostem!



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Prólogo

Sábado, 30 de Agosto de 2003.

 — Sabe o que eu acho engraçado? — começou Skye ao se aproximar da irmã mais velha, com um humor que não tinha quando estava sóbria. — Tia Kathleen vivia se gabando por nunca ter derramado uma gota de álcool naquela boquinha irritante. Bem... adivinha só quem teve câncer no fígado? — completou com um meio sorriso inapropriado, para dizer o mínimo.

 Amy respondeu a irmã com um olhar severo, uma gélida censura que ela fez questão de ignorar. Skye deu outro longo gole no cantil de alumínio e voltou com sua falação típica de quando estava embriagada:

 — Acho que a vida dela teria sido melhor se bebesse. Quem sabe teria sido menos chata? E qual é o problema da tia Gwyneth? Por que caralhos ela escolheu esse vestido marrom para a tia Kathleen? Ela parece um pote de Nutella! Se eu morrer primeiro e você e Shae me enterrarem com um vestido feio que nem esse, eu juro que volto para assombrar vocês...

 — Ela parece com a Shae, não parece?

 O comentário de Amy a fez calar a boca e adotar uma expressão séria.

 — Não diga besteiras.

 Logo em seguida, Skye desviou os olhos azuis para o corpo no caixão aberto à sua frente. Cabelos ondulados castanhos — a cor original dos cabelos de Shae, agora tingidos de loiro escuro — nariz delicado, lábios carnudos, olhos de corça. Ela realmente parecia uma versão mais velha de Shae. Por um momento, imaginou a irmã mais nova ali, pálida, fria e inexpressiva. Um arrepio subiu por sua espinha.

 Amy sentiu-se satisfeita por ter conseguido fazer a irmã do meio ficar quieta. Devido ao histórico de Skye, não gostava que ela bebesse daquela forma e sempre a repreendia quando ela o fazia, mas tinha aberto uma exceção especial para a ocasião. Havia previsto o comportamento dela antes mesmo de saírem de Dublin para ir ao enterro da tia, em Galway.

 Skye odiava toda a família paterna, especialmente as tias, o que significava que ela não conseguiria suportar o funeral sóbria de modo algum. Amy não a culpava por isso, embora jamais fosse admitir isso a Skye. Nunca se deram bem com a família paterna, e a situação só piorou depois que o pai morreu.

 — Que cara triste é essa, Skye? Já tá sentindo falta da nossa querida titia?

 Ambas viraram para olhar Shae e seu sorriso zombeteiro.

 — Vai se foder, Sheila.

 — Acabei de fazer isso, meu amor — devolveu com malícia, olhando por cima do ombro para um rapaz ruivo do outro lado da sala cheia.

 Amy arregalou os olhos e Skye explodiu em risos.

 — Sheila Siobhan O’Flahertie, você perdeu a cabeça?! — Amy xingou, alguns decibéis mais alto do que deveria.

 — Puta que pariu, você é demais! Onde vocês arrumaram espaço para...

 — Amethyst, Skylar, Sheila! — Gwyneth apareceu com o rosto vermelho de raiva. — Que gritaria é essa? Que palavreado é esse? Vocês estão em um funeral, pelo amor de Deus!

 — Desculp...

 — Um funeral? Jura? Amy tentou me obrigar a ir em um funeral mesmo, mas quando entrei e vi a senhora e a sua filha aqui achei que tínhamos entrado em um puteiro por engano.

 As piadas de Skye eram melhores quando ela estava sóbria.

 — Skye! — repreendeu Amy, corada de vergonha.

 — Ora, sua... — Gwyneth quase gaguejava de tanta raiva. — Se não tem respeito pelas próprias tias, pelo menos que tenha pelo seu falecido pai. O coitado deve estar se revirando no túmulo por causa das suas sem-vergonhices!

 — Não coloca meu pai no meio, sua velha mal comida!

 — Já chega! Shae, leva ela lá para fora.

 Shae fez cara de quem queria protestar, enquanto Amy respondeu com a de quem não estava aberta a discussões. A mais nova acabou por obedecer, pegando Skye pelo braço e, apesar das reclamações, a arrastando para longe.

 — Tia Gwyneth, me desculpe pela Skye. Eu prometo que ela não vai mais...

 — Não preciso das suas desculpas, Amethyst. A única coisa que quero de você é que pegue suas irmãs e saia logo daqui. Confesso que sempre achei você melhor do que elas, a única filha do Mike que realmente presta, mas não quero que a despedida da minha irmã seja marcada por aqueles dois diabretes. Então, fora!

(...)

“ Senhores passageiros, em poucos minutos estaremos pousando no Aeroporto de Dublin. Por favor, apertem os cintos. A American Airlines agradece a preferência”.

 A voz fria e quase mecânica da aeromoça despertou Juliet de seu cochilo. Remexeu-se desconfortavelmente em sua poltrona, sentindo dores nas costas. As quase dez horas de viagem dos Estados Unidos até a Irlanda começavam a cobrar seu preço.

 — Está tudo bem, querida? — perguntou sua mãe.

 — Só estou cansada — respondeu sem ânimo.

 A mãe de Juliet, Holly, era irlandesa. Vinte e três anos antes, ela havia se mudado para os Estados Unidos por conta de uma oportunidade de emprego em uma empresa. Agora, essa mesma empresa estava a enviando de volta a seu país de origem para trabalhar em sua nova filial. 

 Juliet entendia a animação da mãe em voltar a morar na Irlanda, era seu país de origem no final das contas. Ela foi criada na cultura de lá, seus familiares viviam lá, suas memórias de infância eram de lá. Mas agora era Juliet que estava sendo afastada de todas essas coisas. Havia nascido e sido criada nos Estados Unidos, sua vida toda fora construída lá. Estava deixando tudo isso para trás para morar em um país estranho em que não conhecia praticamente ninguém.

 A primeira coisa que sentiu quando desceu do avião foi um choque térmico que seu suéter roxo não conseguiu conter. Saber por pesquisas e relatos da mãe que a Irlanda era um país frio era uma coisa, mas sentir na pele era outra completamente diferente. O desânimo tomou conta de si ao lembrar que nem era inverno ainda. Ao chegarem no salão do aeroporto, depararam-se com um homem acenando para elas.

 “Esse deve ser o Tio Peter”, pensou. Não tinha muito contato com a família da mãe.

 Quando sua mãe lhe dissera que morariam na casa de seu tio até que encontrassem um lugar bom e economicamente acessível, viu-se diante de mais um desgosto. A ideia de dividir o teto com quase desconhecidos não era nem um pouco atrativa.

 — Holly! — Peter recebeu a irmã com um sorriso gigante e um abraço de urso. Era quase como se os vinte e três anos sem se verem em carne e osso nunca tivessem existido. — Meu Deus, eu não acredito que você realmente está aqui! E você deve ser a famosa Jules! É mais bonita pessoalmente do que por fotos!

Peter tomou Juliet em um abraço apertado e foi impossível para ela não dar um sorriso, ainda que fraco. Notou que havia duas mulheres com ele.

— Lembra da Sarah? — disse ele, apontando para a mulher loira e rechonchuda atrás de si.

— E tem como não lembrar? — Holly cumprimentou a cunhada com um sorriso vibrante. Logo em seguida, voltou as atenções para a garota de cachos loiros e óculos de armação preta que aparentava ter a idade de Juliet. — É tão bom finalmente conhecer você pessoalmente, Esther!

— Digo o mesmo, tia.

Não pôde deixar de notar que tanto o tom alegre quanto o sorriso da prima pareciam forçados, mas não deu muita importância para aquilo. Vai ver elas tinham o mesmo problema de não querer viver com pessoas que mal conheciam.

(...)

 — Você não vai acreditar nisso! — exclamou Nate com cara de riso, assim que Ethan voltou para a sala com a caixa de pizza. — A Shae foi expulsa do funeral da própria tia!

 — Você tá de brincadeira, né? Como foi que ela conseguiu essa proeza?

 — Eu sei lá! Ela só me contou o básico — disse, levantando o celular e apontando para o SMS que recebeu enquanto Ethan foi atender o entregador. — Será que ela caiu no tapa com alguém da família? Você sabe que ela não curte muito eles...

 — É uma opção válida — respondeu, recordando-se de que naquela mesma semana ela havia brigado com a gerente do restaurante onde trabalhava meio período como garçonete. A gerente ganhou um olho roxo e Shae, uma demissão.

 No momento em que Ethan colocou a pizza sobre a mesinha entre o sofá e a televisão em que ele e o amigo passaram as últimas horas jogando videogame, seu celular vibrou no bolso do moletom verde-escuro. Sorriu ao ver que Shae havia lhe mandado praticamente a mesma mensagem que mandara para Nate. Já estava começando a se perguntar por que ela tinha contado o ocorrido apenas para o amigo loiro.

 Ethan Walsh, Nathaniel Cooley e Sheila O’Flahertie eram melhores amigos há anos. Tudo começou no jardim de infância, quando Nate e Ethan se conheceram ao saírem na porrada por um brinquedo. Depois de muitas outras brigas, castigos, idas a diretoria, reunião com os pais e puxões de orelha, acabaram se tornando amigos. Aos nove anos, conheceram Shae, uma menininha que havia acabado de voltar para a Irlanda após morar na Alemanha por cinco anos. Em pouco tempo, os três se tornaram inseparáveis.

 Inseparáveis.

 Por anos, essa palavra soou forte como uma rocha ao se tratar do trio. Era como se estivessem destinados a ficarem juntos para sempre, sem nada que pudesse mudar isso. O mundo não faria sentido se não fosse assim.

 No entanto, existia algo que podia destruir essa relação: há dois meses, na festa de aniversário de Aaron Kennedy (um amigo em comum dos três), Ethan fora para a cama com Esther Ruttle, a garota com quem Nate estava saindo há quatro meses e por quem morria de amores.

 Esther fora colega de sala deles durante o colegial e Nate sempre tivera uma queda, que estava mais para um tombo seguido de fratura exposta, por ela. O problema era que Esther era loucamente apaixonada por Ethan, que não poderia se importar menos com ela.

 Após o fim do colegial, ela foi cursar enfermagem na mesma faculdade que eles, e acabou se aproximando de Nate. Shae afirmava com toda a convicção de que ela fizera isso como uma estratégia para se aproximar de Ethan de alguma forma.

 Descartou a “teoria” da amiga, preferia acreditar que Esther havia apenas resolvido dar uma chance para Nate. Infelizmente, viu sua crença se desfazer como cinzas na festa de Aaron. Para que isso acontecesse, só foi preciso que Nate e Shae estivessem ausentes, muito álcool e um momento a sós com Esther no porão. Não importava quantas vezes relembrasse e refizesse seus passos na festa, não conseguia entender como aquilo fora acontecer, como fora capaz de trair o melhor amigo de maneira tão baixa. Não existira palavras que pudessem descrever o quão lixo ele se sentiu no dia seguinte, quando os efeitos do álcool passaram e a culpa o invadiu de forma infinitas vezes mais brutal do que a ressaca.

 A única pessoa além dele e de Esther que sabia daquilo era Faith Teskey, a namorada de Aaron, que os flagrou no ato. Sua sorte, se é que algum acontecimento daqueles tivesse sorte envolvido, era que ela era sua amiga. Ethan a fez jurar que não contaria nada a ninguém.

 Mesmo que Faith fosse uma grande fofoqueira, acreditava que ela cumpriria sua promessa. Precisava acreditar. A culpa que o consumia como fogo em palhas secas já era o suficiente para deixá-lo à beira da loucura.


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