Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 51
XXXXXI.




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Mais tarde da noite, deitados lado a lado na cama, tentando descansar, Alex observou atento Arabella adormecer pelo cansaço. Ele a afagou os cabelos e o rosto por longos minutos, ainda com as palavras de Bill rondando sua cabeça​.

A pergunta não é o porquê, mas sim quem o fez sumir.

Fora a mãe de Arabella quem matou o pai dela. Foi ela quem matou seu próprio pai. Era uma realidade tão cruel que ainda lhe descia arranhando a garganta.

Mas acima de tudo Alex estava triste. Triste pelo seu pai, por sua mãe, por sua família. Triste por Arabella, que cresceu sem pai e sempre se perguntou sobre ele. Apesar de Alexandre ter sido tirado de sua família logo cedo ele sempre soube quem foi seu pai, sentiu e recebeu todo o seu carinho.

Alex havia sido amado.

Afastando esses pensamentos ele envolveu a jovem a sua frente num abraço suave, enrolando o lençol que os cobria entre si, desfrutando do calor do corpo dela, de seu cheiro doce e do contato gostoso de seus corpos.

Ele a amava. Amava Arabella tanto quanto era possível amar alguém, até mais. Ele iria protegê-la a partir dali. De tudo e todos. Ficariam juntos. Alex não permitiria que a machucassem.

•••

Alex acordou sonolento e apertou o corpo macio a sua frente. Ainda de olhos fechados ele tateou o mesmo, e só despertou completamente ao ouvir a risada baixa e melódica.

Os olhos amendoados caíram sobre Arabella, que jazia encolhida em seus braços, acomodada com a cabeça em seu pescoço e a perna entrelaçada a sua. Ela ainda dormia, mas riu mais uma vez, voltando a se acomodar no mesmo.

— Faz cócegas – balbuciou ainda adormecida.

Alex abriu um largo sorriso depois de admirar por longos segundos a jovem a sua frente. Delicadamente ele a acolheu em seus braços e naquele calor confortável afundou. Podia sentir o aroma de ameixa da mesma, a pele macia contra a sua e a respiração suave contra seu pescoço.

Se ele pudesse, com certeza, acordaria assim todos os dias. Abraçado a Arabella com ela envolta em seus braços e segura de tudo que a ameaçava. Ambos seguro, longe de tudo. Mas ele sabia que não poderia ser assim, ao menos não ainda.

— Bom dia – sussurrou baixinho a acordando.

Os olhos esverdeados lentamente se abriram e a dona deles sorriu. Mas além da beleza que envolvia aquela cena, algo inundou o cômodo. E Alex, sendo desperto da bolha entre os dois, sentiu o cheiro de pólvora e seus olhos, num movimento rápido, captaram a parede que outrora sustentava a janela ser preenchida de buracos.

Foi rápido e tudo que a dupla conseguiu fazer foi rolar para o chão. A chuva de tiro perdurou por um minuto inteiro e já desperta Arabella entrou em pânico ao imaginar que em posse de seus inimigos estivesse uma metralhadora pesada. Era quase impossível escapar de uma quando em movimento.

— Precisamos sair agora – sussurrou para Alex.

O garoto não precisou de nenhuma outra palavra para assentir e deslizar pelo chão, coberto de cacos de concreto, com ela para fora do vão. Quando no corredor eles suspiraram rapidamente aliviados, mas correram sem pensar muito em direção a sala de estar.

Lá eles encontraram um cenário ainda pior do que o do quarto. Sofás perfurado, quadros destruídos, móveis estilhaçados lançados nas paredes. Um pensamento terrível tomou Arabella: o de seu tio despreocupado ter sido atingido naquela sala, mas sem corpos nem mesmo aquilo poderia ser realidade.

Tiros soaram novamente contra a estrutura da casa e o casal se abaixou. Um agente assobiou do corredor adjacente ao que eles se encontravam e juntos a dupla atravessou a sala destruída, escapando por pouco de uma terceira chuva de balas agressivas.

Atravessando o corredor, que por incrível que parecesse ainda continha seu visual intacto com quadros e esculturas aos montes, Arabella agarrou a mão de Alex, certificando-se que ele ainda se encontrava ali. Logo a frente um agente os guiava.

— Onde está Bill?

— Ele já se encontra no helicóptero que os levará até a mansão principal.

Aquelas palavras fizeram Alex arregalar os olhos. Ele não tinha sido questionado por Bill, naquela imensa lista de coisas que gostaria, sobre viagens de helicóptero. Ele tinha pavor de altura!

Olhando de soslaio para a garota a sua frente e a mão que envolvia a sua temerosa ele suspirou aos pensamentos. Não podia fraquejar. Não iria.

Antes que saíssem do vão junto com o homem outros surgiram empunhando armas e entregando a dupla. Arabella o olhou apreensiva, mas Alex agarrou o fuzil com determinação e trocando acenos eles saíram em disparada para a parte externa.

O quintal que surgiu depois das escadas traseiras não teve tempo para ser absorvido e além das imensas esculturas e árvores altas, três helicópteros esperavam o grupo, com as hélices já lentamente se movimentando para subir.

A grama no chão estava irregular, devido aos tantos pés que a amassaram, mas foi exatamente o som delas que alertou Alex. Talvez tenha sido sua habilidade de ouvir com precisão, trabalhada em jogos de combate silenciosos, ou até mesmo o acaso, mas foi justamente o som da grama seca sendo arrastada que o fez ficar alerta.

— Tem homens a nossa esquerda – confidenciou enquanto caminhava em passada rápidas em direção as aeronaves.

Arabella sequer titubeou ao mirar e atirar na direção indicada. Ao som dos tiros os agentes que se posicionavam ao lado dos helicópteros ficaram em alerta.

— Não são nossos homens – explicou o agente que os guiava ao ver o rosto de espanto de Alex.

O grupo deixou para lá o caminhar silencioso e começou a correr.

— Não achei que fosse, mas...

A jovem ao seu lado sorriu para acalmá-lo.

— Em tempos de guerra é importante saber o terreno em que se está pisando.

Alex assentiu e quando parou na frente das aeronaves foi praticamente empurrado para dentro de uma. Ele nunca tinha andando em um helicóptero, mas o revestimento de couro e o espaço disposto para uma metralhadora não lhe deixou dúvidas de que aquele foi feito sob medida para Bill.

Arabella entrou logo atrás e quando a porta fechou o pigarro de Bill invadiu a aeronave. O casal voltou-se assustado para o assento do piloto, mas o velho sorriu confiante.

— Todos ponham os cintos, vamos decolar!

Alex tremeu, mas obedeceu enquanto Arabella esquadrilhava a parte exterior. O som de tiros soou novamente, desta vez dentro da casa, e uma explosão destruiu completamente a mansão. Fogo varreu o céu e, se os helicópteros não estivessem a uma distância segura, Alex sentia que poderiam ter ido junto com ela.

— Medidas de segurança – brincou Bill subindo com a aeronave.

Junto com o trio estavam ainda mais dois agentes, vestidos de forma casual, e Alex se perguntou se teriam sido pegos tão desprevenidos quanto eles, no meio do sono. O céu ainda estava vagarosamente amanhecendo, com a luz transformando o negro num azul acinzentado.

Quando o helicóptero começou a se distanciar do chão Arabella colocou finalmente o cinto, apoiando o fuzil entre os joelhos. Em seguida prendeu os cabelos da melhor forma que pôde para não lhe caírem no rosto.

— Que horas são?

— Cinco e quinze senhorita – respondeu um dos homens que munia a metralhadora.

— Quanto tempo até chegar lá?

— Dez minutos.

Arabella xingou alto.

— Estamos vulneráveis.

— Você acha que os outros dois helicópteros são só enfeite, querida? – Bill soou ofendido.

— Claro que não – ela segurou inconscientemente a mão de Alex – mas eles vão conseguir segurá-los?

O velho sorriu.

— Ele já estão segurando-os.

Alex apertou a mão de Arabella em resposta a seu gesto e a jovem o olhou com ansiedade e determinação.

— Prometo que vai dar tudo certo.

A outra mão de Alex cobriu as suas.

— Todos nós vamos fazer dar certo. Não pegue esse fardo sozinha.

O sorriso que Arabella lhe lançou fez o garoto orgulhoso de suas próprias palavras. Retribuindo o aperto dele uma última vez a jovem voltou a apoiar o fuzil em mãos​. Alex tentou segui-la da melhor forma possível, mas o peso entre aquela arma e a dos jogos era muito grande.

Ele conseguiria usar no momento que fosse preciso?

A lembrança do seu resgate cruzou seus pensamentos e o mesmo apertou o ferro com firmeza​.

Sim. Ele conseguiria.

Uma rajada de vento forte fez o helicóptero balançar e enquanto Bill retomava o controlo da aeronave Alex lembrou que estavam a metros do chão e enjoo lhe subiu a garganta. A visão que ele via além das janelas frágeis era um vulto de sua cidade e ela parecia se mexer tamanha a vertigem que o atingiu.

Com toda sua força de vontade Alex engoliu o enjoo e a tontura. O helicóptero balançou mais uma vez e a voz do outro agente, este ao lado de Bill como co-piloto, soou em alerta.

— Cinco minutos.

Alex respirou fundo, sentindo o frio da arma em sua mão lhe atingir em cheio, enquanto Arabella engatilhou o fuzil com uma expressão tranquila.

Naquele momento as diferenças entre Alex e ela eram gritantes. Ela era uma profissional ali enquanto Alex não passava de um garoto desengonçado segurando um fuzil que podia muito bem lançá-lo para trás se não tomasse cuidado com seu coice.

Um suspiro interrompeu a onda de inseguranças que o garoto possuía. Se ele era um menininho desengonçado empunhando uma arma ou não aquilo seria decidido no confronto e não por sua mente sádica.

— Opa, vejo que teremos turbulência.

As palavras de Bill fez todos voltarem-se para a parte externa do helicóptero e ali, quase derrubando os portões da mansão principal, estavam dezenas, centenas, de carros da organização. Assim como milhares de soldados muito bem armados que não se contiveram ao verem a aeronave.

Os tiros vieram rápido e a risada de Bill foi tudo que o grupo ouviu antes do helicóptero começar a balançar descontroladamente.

— Segurem-se crianças, o show vai começar!

O barulho da porta pesada do helicóptero abrindo sobrepujou os tiros vindos de baixo. Arabella se posicionou na frente de Alex em relação a porta e com o fuzil em mãos gritou.

Agora!

A metralhadora da aeronave foi acionada e uma enxurrada de tiros varreu os portões enquanto o grupo avançava ainda no ar para dentro do espaço verde da mansão.

— Vamos ter que fazer um pouso forçado, segurem-se como se suas vidas dependessem disso! – ele riu com ainda mais gosto – Esqueçam isso, elas realmente dependem!

Com mais uma risada o helicóptero pendeu para um lado e os tiros que saiam da aeronave mudou de trajetória. Os homens atrás do portão o colocaram abaixo e Arabella e Alex se agarraram a suas armas e cintos quando Bill rodopiou no ar.

O helicóptero fez um giro completo antes de cair com tudo no solo ainda úmido da madrugada, se arrastando por bons metros antes de parar definitivamente. Gritos vinham da entrada e logo a aeronave que se encontrava a dupla foi alcançada por carros velozes e pesados vindos da mansão principal. Os veículos voaram na direção dos invasores enquanto dava cobertura para eles.

— Vão para a mansão rápido – Bill tirou o cinto e o equipamento de pilotagem, saltando do helicóptero seguido da dupla.

— E o que faremos? – Alex olhou do velho para o confronto que se distanciava a apenas alguns metros deles.

Os tiros eram estridentes e gritos reverberavam pelos jardins da mansão.

— Consegui que construíssem um aparelho que fizesse o upload dos arquivos em nível global – ele recarregou seu próprio fuzil – preciso que você, Alex, faça isso quando chegar na mansão. Ela tem uma grande capacidade então não deve demorar, mas precisam ser rápidos.

Bill jogou um pendrive na direção do garoto que o agarrou no ar. Sorrindo o velho apoiou a arma sobre o ombro. Ele ainda trajava suas roupas extravagantes, seu cabelo branco e suas rugas ainda eram as mesmas, mas algo em seu olhar parecia selvagem.

Apertando o pequeno pendrive em mãos Alex assentiu.

— Assim que jogarmos as informações na rede o contrato da organização com o contratante vai ser anulado e todos os agentes vão recuar.

Ele olhou orgulhoso para Arabella.

— Anos na organização me dão um poder privilegiado sobre informações de contrato.

Ela sorriu de lado.

— Você não vem?

— Claro que não – ele olhou com ceticismo – você acha mesmo que eu perderia tudo isso?

Bill sorriu e sua idade transpareceu em seu rosto.

— Eu nasci para isso. Deixe um pobre velho aproveitar seu último banquete.

Arabela retribuiu o sorriso.

— Então é melhor não se atrasar – ela empunhou o fuzil – ou vai perder a melhor parte da festa.

Com uma troca de olhares intensas e sorrisos num misto de aprovação e carinho eles se encaminharam cada um pro seu posto. Antes de Alex seguir Arabella em direção ao carro que os levaria à mansão a voz de Bill o impediu e a expressão já não tão confiante em seu rosto fez o coração do jovem encolher-se.

— Cuide dela por mim garoto.

— Não sairei do lado dela em momento algum.

Alex o retribuiu com um olhar de seriedade e Bill sorriu, mais tristonho do que animado.

— Vá garoto. Vá ser livre.

Alex assentiu e apertou a arma ainda em suas mãos.

— Tome cuidado, senhor.

Bill riu da formalidade dele, mas a aceitou, indicando o carro com um movimento de suas mãos. Alex correu no instante seguinte até o veículo, que deu partida assim que a sua porta fechou.

Uma explosão fez balançar algumas esculturas e o rosto de Bill iluminou-se mais uma vez em êxtase. Com um grito de comando ele correu junto a seus homens na direção dos inimigos que se aproximavam.

— O olhar daquele garoto é bom. Muito bom.

•••

 O carro derrapou e fez curvas tão arriscadas que nem mesmos dublês as encarariam. Arabella gritou quando seu corpo chocou-se contra a porta e Alex mal teve tempo de reclamar quando sua cabeça bateu contra a cadeira de frente a sua enquanto o carro parava.

A porta abriu rápida e eles saíram acompanhados de outros agentes. A escadaria parecia mais sombria do que antes e a sala de estar tão decorada trazia uma nota de angústia que Arabella não conseguiu disfarçar ao ver a movimentação intensa de armas e homens que entravam e saíam indo de encontro a luta.

— Por aqui!

A voz de Eliza soou no andar superior e Arabella puxou Alex escada acima seguindo-a até uma sala espaçosa em um dos vários corredores. Sua única diferença na decoração exótica da mansão era uma máquina gigantesca, que ocupava boa parte do vão, e piscava incessantemente.

A serviçal saiu em seguida, deixando os dois sozinho, e a dupla entrou fechando a porta atrás de si. Sem perder tempo Alex tateou a máquina e encontrou a entrada para o pendrive. Quando o encaixou um zumbido ensurdecedor ecoou por toda a mansão e luzes verdes começaram a piscar. Num visor a porcentagem de upload começava a contar, assim como o tempo para o fim daquele caos.

5% — 10 minutos para a conclusão.

A arma na mão esquerda de Alex pesou.

Uma explosão soou do lado de fora da construção e fogo agigantou-se contra as árvores que agora queimavam num festival de brasa e fumaça. Carros escuros e perfurados por balas atravessavam a cortina negra e, alguns melhor do que outros, avançavam na direção da mansão.

— Tão rápido?

O sussurro de Arabella carregava preocupação e tudo que Alex conseguiu pensar foi em Bill, que havia ficado para conter aqueles homens. Se eles estavam ali então ele...

O estrondo da porta abrindo alertou a dupla e do outro lado do vão, com um sorriso enorme e uma arma apontada para eles, estava Miguel. Ou o que havia sobrado dele. Os cabelos estavam ligeiramente queimados e o rosto coberto de pólvora, ainda que nada indicasse que ele havia sido atingido por balas.

Mas acima de tudo o olhar de prazer que caiu sobre Arabella e Alex foi o suficiente para fazê-los paralisar. Ele riu.

— Finalmente encontrei vocês! São como ratos, seus pestinhas traiçoeiros.

— Como conseguiu entrar? – Arabella o rebateu tentando encontrar formas de usar sua própria arma, despreocupada ao lado de seu corpo, antes que Miguel usasse a sua.

O homem aumentou seu sorriso.

— Me pergunto como vocês chegaram até aqui. Não deve ter sido fácil, eu imagino. Com todo esse pessoal exclusivamente atrás de você, garoto.

Quando as orbes do Miguel desceram sobre Alex o garoto engoliu em seco.

— E não se preocupe eu não esqueci do presentinho que você me deu – ele bateu em seu próprio rosto – vou retribui-lo apropriadamente.

— Não precisa devolver – Alex tentou lançar um sorriso despreocupado, mas suas emoções instáveis eram totalmente transparentes – foi apenas uma cortesia.

Miguel trincou os dentes.

— Ainda consegue se divertir com isso, garotinho?

Ele apontou a arma para Alex.

— Acho que vou acabar com você primeiro.

— Não ouse – Arabella rosnou.

No momento em que os olhos de Miguel caíram sobre Arabella junto a seu sorriso odioso ela agiu. Primeiro atirou, com mais dificuldade do que achou que teria naquela posição, no pé de Miguel. Como esperado ele titubeou, gritando de dor, e a distração foi suficiente para ela avançasse.

Alex acompanhou-a nos movimentos e com uma sincronia que não acreditou que teriam, e que só conseguia em jogos virtuais com Thomas, ele atirou na arma dele, fazendo-o soltá-la, enquanto Arabella o derrubava no chão.

— Seu desgraçado – ela o atingiu no estômago e em seguida no rosto.

Miguel riu, fora de si, e se debateu, jogando Arabella para o lado. Ela se chocou contra a parede e grunhiu de dor, levantando em um salto. Alex mirou no homem, mas isso não o parou, e ele correu para Arabella, pronto para socá-la.

Ela desviou de três de suas tentativas, acertando-o em cheio no estômago antes das investidas.

— Venha aqui sua puta!

— Tente me pegar seu desgraçado!

Arabella sorriu, provocando-o, e ele novamente avançou. Ela rebateu todos os seus golpes e ficando atrás dele o lançou em direção ao chão. O piso de madeira quebrou no encontro do cotovelo dele contra sua superfície, prendendo os fios de sua roupa nos pedaços irregulares.

Alex observava tudo atento. Ainda mirava em Miguel caído no chão, aparentemente derrotado, quando a porta abriu novamente. Desta vez com alguém muito menos bem vindo do que o homem.

— Mãe?

O sussurro de Arabella e o choque ao ver a figura alta em seu salto fino e vestido executivo foi o suficiente para Miguel ter sua chance. Ele arrancou com tudo o braço do assoalho prendendo Arabella pelo pescoço. Ela se debateu e rosnou, mas estava presa.

Sua surpresa foi sua pior distração.

— Arabella!

Alex tentou correr até ela, mas os dois acompanhantes da loira o colocaram sob a mira de sua arma e ele paralisou. Com certeza eles não teriam a mínima hesitação em atirarem nele.

O olhar do garoto caiu sobre Arabella desesperado e preocupado, e a mulher se deleitou com a cena.

— Vejam só quem está aqui. O casal mais apaixonado do mundo! – ironizou – Acho que nessa posição o amor não consegue fazer muita coisa, certo?

O sorriso de escárnio no rosto alvo e delicado da loira estremeceu Alex, mas só deixou Arabella ainda mais raivosa.

— Me larga! Eu vou acabar com você!

— Ah, não vai não. Quem vai acabar com você sou eu.

Os saltos ecoaram quando ela entrou na sala parando de frente a filha.

— Eu tenho vergonha de ter uma mãe como você!

A loira sorriu.

— É? Por que eu não sinto nada – ela deslizou a unha em um dos braços de Arabella com força – até porque você não é mais minha filha.

O olhar de surpresa da jovem, ainda que aquelas palavras já não a pudessem surpreender, foi a cereja do bolo para a mãe da mesma que virou-se levantando a mão.

— Matem-na.

Miguel alargou o sorriso e começou a apertar o pescoço de Arabella, pronto para dar fim a sua vida. Sem pensar duas vezes Alex mirou e atirou contra ele. Três tiros na lateral da barriga dele minaram sua força.

O homem soltou Arabella, apertando seu ferimento, e encarou o garoto raivoso.

— Seu...

Alex sorriu de lado e com uma indiferença que jamais imaginou ter, mirou na cabeça dele.

Boom.

Miguel arregalou os olhos e no instante seguinte seu corpo voavam pelo cômodo, atingindo em cheio a parede do outro extremo. Arabella caiu e se apoiou nos joelhos, recuperando o fôlego.

A situação ainda era de desvantagem para eles. Se Alex havia atingido Miguel havia sido só porque aquela mulher tinha permitido, mas nenhum dos homens dela o impediu. Se alguém tivesse valor para ela ficava vivo, se não...

Arabella tinha que pensar em algo rápido ou acabariam pior do que Miguel.

— Você é bom de mira rapaz – ela fitou Alex de cima a baixo enquanto ele tentava manter-se sério voltando a arma na direção dela.

Por dentro seu coração batia desenfreado e a adrenalina o fazia querer correr para longe. Sua sogra tinha uma aura imensa de perigo que ele não sabia reagir.

— Você seria um bom agente – ela sorriu sem emoção – mas já é tarde demais para algo assim.

Ela virou para ele.

— Ninguém nunca lhe ensinou? Nunca aponte a arma para alguém se não pretende atirar.

Antes que a loira estalasse os dedos e quem sabe matasse o garoto, Arabella falou, pausando sua ação.

— Por que matou o meu pai?

A mão de sua mãe pairou no ar por longos segundos e nenhuma expressão cruzou seu rosto enquanto ela digeria aquelas palavras. Alex a observou atento enquanto Arabella ainda encarava o chão destruído que jazia próximo aos pés dela.

Tensão cobriu o local e lentamente um sorriso se alojou no rosto da mulher.

— Porque ele era perigoso. Perigoso para mim, perigoso para você – ela virou vagarosamente para a filha que em sincronia elevou a cabeça para fitá-la.

Elas se encaram.

— Se ele ainda estivesse aqui você não seria o que já foi um dia. Não seria a melhor profissional, não teria as habilidades que tem. O amor dele ia corromper você. Eu te salvei.

Um sorriso de escárnio cruzou o rosto de Arabella e naquele momento Alex viu a semelhança entre elas. Os olhos esmeraldas estavam extremamente frios.

— Você não pode decidir essas coisas. Pessoas não são algo que você possa controlar, senhora Nicole.

Nojo cruzou a expressão da loira.

— Não me chame assim, maldita – ela chutou Arabella que se permitiu cair sentada no chão – esse nome sujo não me pertence.

— Essa é quem você é – rebateu Arabella – você vai sempre ser Nicole, a garota que nasceu no subúrbio da cidade luz e viveu nas ruas por anos a fio, sem teto.

A expressão da loira se contorceu em raiva.

— Sua criança malcriada – ela cuspiu em Arabella – eu devia ter me livrado de você junto com seu pai.

Arabella sorriu de lado.

— Nunca é tarde para tentar.

Com essa frase Arabella puxou da cintura sua pistola de bolso, o presente que guardava sempre consigo, e atirou sem qualquer precisão na mulher a sua frente. O barulho alertou os agentes que miravam em Alex e o garoto aproveitou a oportunidade para se livrar deles, dois de uma vez só.

— Tal mãe, tal filha – Arabella atirou de novo e sua mãe cambaleou – mas eu não sou você. Seus ciclos de maldades acabam aqui.

Com um último tiro e um olhar raivoso da loira a jovem ouviu o baque do corpo dela contra o chão. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor e ainda que segurasse com firmeza a pequena pistola que ganhara de Bill em anos Arabella olhava paralisada para o que havia restado de sua mãe.

— Tirar uma vida é mais fácil do que cultivá-la – disse Alex se aproximando para ajudar a jovem a se levantar – eu sinto muito.

Arabella apoiou sua mão no ombro do jovem e tomou fôlego.

— Não sinta, ela não merecia.

Assim que Arabella levantou o abraçou e Alex acolheu seu sofrimento. Sua dor. Sua perda. Seus anos junto aquela mulher diabólica. As mentiras. O seu desejo de ser a filha perfeita.

Toda a estrutura de Arabella ruía e ela se agarrou a Alex como um náufrago se agarra a um pedaço de madeira. E ele a apoiou como um pedaço de madeira resistente, feito exclusivamente para apoiá-la.

O momento foi longo e silencioso. Quando tudo parecia se acalmar tiros reiniciaram, desta vez em frente a mansão, e Arabella se impulsionou para fora dos braços do garoto. Eles tinham coisas a fazer.

Lentamente ela pegou de volta seu fuzil.

— Eu vou segurá-los lá embaixo, fique aqui.

— Não.

Arabella o olhou surpresa pelo tom autoritário.

— Não vou deixar você sozinha.

Ele atravessou os corpos caídos, ainda com a arma em mãos, e parou na frente dela. Olho no olho ele lançou sobre ela a intensidade de suas palavras.

— Nem agora, nem depois. Vou ficar ao seu lado.

Alex puxou as mãos dela e as beijou juntas.

— Hoje e pra sempre.

Arabella abriu um pequeno sorriso e em seguida lágrimas brilharam em seus olhos. Ela apoiou sua testa com a de Alex e inspirou fundo.

— Obrigada. Eu te amo.

Alex sorriu.

— Eu também.

— Vamos, temos uma festa para administrar.

As palavras que o lembravam Bill fizeram o garoto sorrir mais abertamente.

— Vamos, não é educado o anfitrião chegar no final da festa.

No visor da máquina brilhava em tom zombeteiro:

55%— 5 minutos para conclusão.

•••

Arabella e Alex desceram as escadas correndo e atirando, acertando os poucos agentes que conseguiram invadir a construção. Agentes se posicionavam em todas as janelas trocando tiros com os do lado de fora enquanto outros corriam de um lado a outro, abastecendo com munição as armas do companheiros.

— Qual a situação? – perguntou Arabella ao chegar no último degrau, enquanto recarregava seu fuzil.

— Ruim senhorita, muito ruim.

As palavras do agente fizeram a espinha de Alex gelar, mas ele apoiou a arma com força em mãos.

— Temos cinco minutos até o final do upload quanto tempo acha que conseguimos segurar?

Enquanto Arabella discutia com um dos agentes sobre o contingente de pessoal Alex espiou o cenário externo e a quantidade de inimigos parecia muito pior do que somente ruim.

— E Bill?

A pergunta da garota foi respondida por uma expressão preocupada do homem. A garganta de Arabella fechou e ela cerrou as mãos em punhos. Ela não podia ter deixado seu avô para morrer, não podia...

— Eles estão...

Uma explosão, no andar superior balançou a estrutura da casa. Arabella se apoiou no corrimão da escada e Alex em uma mesa próxima. Eles se entreolharam automaticamente.

A máquina.

— Eles a destruíram! – gritou uma agente que vinha correndo do topo da escada – Um míssel atingiu a sala em cheio!

 — Eles não vão mais recuar.

Terror tomou conta de Arabella. Eram milhares de homens que cercavam a casa. Haviam helicópteros, carros e muitos mais viriam. Eles nunca conseguiriam derrubar todos no número em que estavam. Estava tudo acabado.

Nada iria acabar bem.

Dor atingiu seu peito e ela fitou Alex, mas o garoto parecia concentrado em outra coisa além da janela.

— Vocês tem um celular? Preciso fazer uma ligação.

— Uma ligação? – exclamou Arabella – Nós estamos no meio de fogo cruzado!

Alex sorriu de lado quebrando toda a indignação da garota.

— Vamos lá, confie em mim.

Arabella o encarou por breves segundos antes de repetir seu pedido a um dos agentes que trouxe quase imediatamente um celular para o garoto. Tiros atingiram algumas janelas da sala e ele se afastaram, ficando próximos a escadaria.

— Por sorte eu tenho isso memorizado se não seria um grande problema – ele digitou os números rapidamente.

— O que você pretende fazer?

A jovem parou na frente de Alex atenta a sua misteriosa ligação. Quando o número chamou não demorou nem um segundo para seu remetente atender.

Agora Thomas.

Entendido.

Outra explosão chacoalhou a construção e desta vez a dupla não teve onde se segurar, caindo nos degraus da escada.

— Você ligou para Thomas? O que ele...

— Como medida de segurança enviei para ele os arquivos de forma criptografada. Ele vai lançar na rede.

Arabella o olhou espantada, surpresa e em choque para Alex. A expressão no rosto dela fez ele rir e sorrir, lhe dando um beijinho rápido no nariz.

— Eu também tenho alguns truques na manga, querida.

A porta da mansão voou e os homens da organização entraram armados, apontando diretamente os fuzis para a dupla enquanto os agentes de Bill se amontoavam na frente dos mesmos. Os dois grupos se encararam em silêncio por longos segundos.

O confronto final, eles refletiam. Tudo ou nada. Matar ou morrer. Companheiros uns contra os​ outros​, amigos de lados opostos. Mãos tremeram sob as armas.

Um chiado ecoou entre os grupos e uma voz, metálica, rodopiou fazendo toda a tensão se esvair.

Missão cancelada. Alvo desmarcado. Recuar.

Suspiros ecoaram no vão, vindo dos invasores, que abaixavam lentamente as armas, mas os homens de Bill permaneceram firmes, um escudo humano.

Ainda mais vagarosamente os agentes da organização se retiraram, alguns a contra gosto enquanto outros foram em disparada para fora da mansão. O mar de sangue no quintal impregnou as narinas de todos dentro da mansão e o estômago de Alex se revirou.

— Ele realmente não brincou quando disse que tinha uma capacidade grande de upload.

Arabella sorriu ao comentário do garoto e em seguida se lançou sobre ele num abraço desengonçado. Eles estavam salvos e vivos. Livres.

A alegria entretanto não durou muito e quando eles se levantaram, ainda sujos de pólvora e sangue, se depararam com uma chacina imensa para lidar. Nomes foram catalogados e corpos enviados para o funeral. Feridos enviados aos primeiros socorros e as armas de todos recolhidas.

Foi no meio de uma cena de massacre que Arabella encontrou o corpo de Bill, já frio e rígido, totalmente engolido pelas garras da morte. Por aquele ente querido Arabella chorou e Alex sentiu, em seu peito, o peso da perca daquele velho extravagante.

Ele havia sido o começo de tudo aquilo e agora que tudo chegava ao fim ele sentia cair sobre si as consequências de suas ações.

Com carinho ele envolveu a mão da jovem na sua.

— Seu velho idiota – Arabella xingou Bill, caindo de joelhos ao seu lado – você não podia morrer. Não podia!

O silêncio que soou de volta, sem nenhum comentário do homem, tornou o momento ainda mais pesado. Alex se agachou ao lado da jovem e ali ficou, vendo as lágrimas lavarem seu rosto.

Idiota.

Ela o socou.

— Eu te amo, vovô.

Mais lágrimas desceram e Arabella abraçou Alex com força. Ele acariciou seus cabelos, beijando delicadamente suas madeixas.

— Adeus, Bill. E obrigado.


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Notas finais do capítulo

E chegamos ao desfecho da história da nossa dupla...

Mais tarde trago o epílogo e tenho um mimo especial também! Hihi, até mais tarde ~



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