Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 49
XXXXIX.




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A van parou silenciosa na frente de mais uma mansão colossal. O espaço que ela ocupava era gigantesco e seu tom verde musgo se assemelhava as árvores ao seu redor, diferentes das que os seguiram pelo percurso até ali.

As portas e janelas eram rústicas e aparentavam estarem fechadas havia um bom tempo, ao menos foi o que eles comprovaram ao verem a porta cair quando um velho tentou abri-la de dentro para fora.

Bill tossiu a poeira que ela levantou e sorriu para os convidados recém chegados. Ele vestia uma roupa menos caseira, sem seu robe costumeiro, e se assemelhava quase a seus próprios funcionários, exceto pelo fato de toda a sua vestimenta social ser de um vermelho sangue.

— Até que enfim vocês chegaram – ele deu seus primeiros passos para fora – pelo que vejo, aconteceu alguma coisa no caminho, sim?

O grisalho apontou para algumas marcadas de bala na parte traseira do veículo enquanto Arabella e Alex ainda desciam do mesmo. Bill lançou aquelas palavras a um dos agentes que já havia saído do carro e ao ver a dupla, mais salva do que bem, deixou um sorrisinho lhe tomar o rosto.

— O primeiro susto a gente nunca esquece, não é garoto?

Alex o fitou pensando se deveria ou não responder sua pergunta, mas tudo que conseguiu foi encara-lo sem conseguir definir uma expressão às vestimentas que ele usava. Arabella, por sua vez, o fitou em confusão total.

— Por que está aqui? – ela perguntou, seguindo junto ao garoto para próximo do velho no início de uma curta escadaria de madeira velha.

— Recebi um chamado me falando sobre o que aconteceu – deu de ombros – se a ação não vai até mim, eu venho até a ação.

A dupla sorriu à expressão de seriedade no rosto do velho seguida de sua expressão corporal totalmente infantil. Bill, entretanto, não os alugou muito na porta e mais que rapidamente os fez entrar.

Na parte de dentro a mansão continuava gigantesca e o estralar rítmico das paredes e do teto denunciavam sua completa construção em madeira. Os poucos móveis do lugar estavam cobertos por panos tão velhos e empoeirados quanto a casa e a falta de uma escada principal deixava claro a inexistência de um primeiro andar.

— E então – o velho parou subitamente num dos cômodos – vão me passar o relatório?

Bill sentou-se sem cerimônia sobre um sofá coberto enquanto Arabella ficou de pé e Alex a acompanhou. Em poucos segundos Bill soube de tudo, incluindo a armadilha das irmãs, a traição de Samuel e a ida de sua filha até o galpão.

O grisalho ficou pensativo por longos minutos até se manifestar.

— Certamente aconteceu muito coisa. – ele suspirou, sentindo a poeira lhe irritar o nariz – Você está bem garoto?

A pergunta foi sincera e respondendo-o Alex assentiu.

— Sim, estou bem.

— Ótimo – Bill se encostou ao sofá – porque a partir de agora a coisa vai ficar feia. Mandei fazerem uma varredura nos estados próximos a esse e detectei uma grande concentração de agentes prontos para virem atrás de você.

Ele deu segundos para a dupla absorver suas palavras.

— Isso pode ter a ver com o que aconteceu conosco a algumas horas atrás?

A pergunta de Arabella foi certeira e o homem assentiu, continuando em seguida:

— O plano então deu uma pequena mudada: vamos concluir o download nessa casa, onde estaremos relativamente seguros, e assim que terminarmos vamos direto para a mansão principal. Lá já está tudo pronto – continuou estralando as costas – só precisamos dos arquivos da empresa.

— Ainda não consegui terminar de baixá-los senhor – o jovem disse com o tom acima do que pretendia.

Por que não se esforçou em terminá-lo o mais rápido que conseguiu? Teve o sábado e o domingo inteiro para isso, mas insistiu em dividir a atenção com os livros de história e português. Se já tivesse concluído o download...

— Então é só terminar, como eu disse – disse o homem, com o tom de obviedade na voz.

— Mas, o que quis dizer é que está tudo na minha casa – respondeu com um suspiro.

— Na verdade, estavam na sua casa.

Com um estralar de dedos dois agentes entraram no local cada um com uma mochila. Uma era a que Bill havia dado ao garoto na sexta-feira e a outra era a sua escolar, que no meio de toda aquela confusão, nem mesmo Alex saberia dizer onde deixara.

— Meus agentes foram em sua casa e pegaram os equipamentos. Mas apenas o essencial para nossa missão, ninguém mexeu nas suas cuecas, não se preocupe.

— Agora eu estou preocupado.

Todos riram e os agentes entregaram as bolsas ao garoto.

— Será que eles podem invadir minha casa também? – perguntou, baixinho, segurando com dificuldade as mochilas em mãos.

Esse pensamento fez todo o corpo de Alex doer em preocupação e culpa. Sua mãe e sua irmã poderiam ser envolvidas nessa situação por sua causa e ele jamais se perdoaria se as machucassem.

— Já garantimos que sua mãe e irmã fiquem na casa de sua tia por hoje. Fizemos um anúncio de infestação de insetos venenosos na sua rua, bem próximo a sua casa, então acho que isso vai segurá-las lá por no mínimo alguns dias.

Alex sorriu ao ouvir as palavras de Bill.

— E, claro, coloquei seguranças para mantê-las em segurança.

O garoto assentiu sentindo-se aliviar.

— E sua escola estará fechada pelos próximos dois dias devido ao acontecimento de hoje. Um dos professores disse ter ouvido tiros a diretoria e eles vão usar esse tempo para investigar e garantir a segurança dos alunos.

— Certo, obrigado.

O homem o olhou de cima a baixo, concordando com a cabeça.

— O último quarto do corredor está equipado com um computador, instale os aparelhos nele e é só terminar o download, nós lhe daremos tempo.

Alex acenou um sim com a cabeça.

— Mais alguma coisa?

— Por hora só precisamos que termine esse download – o velho procurou inconscientemente seu copo de whisky do lado do sofá – e fique vivo.

— Ainda não vai nos dizer qual o resto do plano? – Arabella puxou uma das bolsas do garoto, apoiando-a no ombros e dividindo o peso.

Bill a fitou e em seguida suspirou, não encontrando seu copo.

— Na hora certa, não se preocupem. Por favor, façam as ordens.

E apontando para um corredor lateral ele levantou com dificuldade.

— Agora preciso de uma boa cama e algo para beber. A idade é um fardo tão grande...

Em seus passos lentos Bill deixou a sala, sendo acompanhado pelos homens. Arabella e Alex se entreolharam e numa concordância mútua seguiram para o corredor.

O lugar era excessivamente largo e os cômodos do mesmo eram bastante distantes​ uns dos outros. Cada vez mais a excentricidade do homem o surpreendia. A decoração das paredes e móveis era escassa, e tirando um ou outro quadro e mesa de canto, o corredor era deserto.

Haviam varias janelas no lado oposto ao das portas dos quartos e foi através delas que Alex observou, admirado, a paisagem que se estendia além da floresta lá embaixo, entrando na cidade e acabando num céu cinzento e nublado.

De repente, no meio de tantos pensamentos, o celular do garoto tocou. O som saiu num chiado primeiramente e em seguida o toque padrão se tornou mais alto, fazendo ambos pararem no corredor.

Quando Alex o puxou de um dos bolsos de sua mochila seu coração apertou. O nome de Sofia brilhava na tela.

— Me dá a mochila – Arabella puxou a mesma do braço do garoto – vou estar esperando no quarto.

O garoto fez um sim com a cabeça e tão logo os cabelos negros adentraram na sala a alguns passos de distância, ele atendeu a ligação, depositando o aparelho no ouvido.

— Alex? – Sofia soou desesperada – Onde você está? Sua escola me ligou e...

— Está tudo bem mãe, não se preocupe.

— Não me preocupar? – a voz saiu ofendida – Acontece um atentado na sua escola e você me diz para não me preocupar?

O garoto sorriu inconscientemente imaginando-a do outro lado da linha.

— Eu estou na casa de sua tia – continuou depois de um suspiro – nossa casa e vizinhança​ estavam​ infestadas​ de... – o som de regurgitação soou do outro lado – prefiro não dizer. Mas coisas perigosas e venenosas, venha imediatamente para cá.

— Mãe, eu não posso.

— Como assim não pode? Eu não estou pedindo.

— Mãe, por favor...

— O que está acontecendo Alex? Onde você está? Quem está com você?

Alex olhou para o corredor vazio em que se encontrava e respirou fundo. Não queria deixar Sofia preocupada, mais do que ela já estava, mas envolvê-la naquilo tudo? Ele não podia. Simplesmente não podia.

— Eu não posso te dizer, ao menos não agora. Por favor mãe, confie em mim.

A mulher do outro lado da linha bufou e passou segundos controlando a respiração, como se pesasse as palavras do garoto. Por um bom tempo nada foi dito e Alex até olhou o visor do aparelho para confirmar que ainda permanecia em chamada.

Com a constatação ele fechou fortemente os olhos, pondo o celular novamente no ouvido.

— Por favor mãe, confie em mim.

Mais um chiado exasperado soou do outro lado. O garoto conseguia visualizar facilmente sua mãe apoiada na cômoda gasta de sua tia, com o telefone fixo dela na orelha e uma das mãos na têmpora, ponderando suas palavras.

Durante toda sua vida ele buscou sempre amenizar as situações. Se sua mãe reclamava sobre ele dormir tarde, ele maneirava nas jogatinas e deitava antes das nove. Se ela começava algum discurso sobre drogas e álcool ele lhe prometia nunca se envolver com isso.

Alex sempre foi passivo em sua própria vida e conseguia ver o reflexo disso ao longo dela, o afastando de seus desejos e o fazendo ir por caminhos que ele não escolhera.

Mas agora era diferente. Tudo era diferente. Ele sabia o que queria e iria até o fim por aquilo. Agora ele tinha confiança em si e não mais fugiria, como o fez por tanto tempo.

Entretanto, apesar de tudo, tinha que ouvir sua mãe dizer as palavras que ele tanto precisava naquele momento.

Eu confio.

Alex sorriu automaticamente, permitindo os olhos lacrimejarem. Em segundos retomou a compostura e ainda com o celular devidamente apoiado a ouviu dizer por fim:

— Tenha cuidado, ouviu? Eu e sua irmã estaremos aqui esperando por você.

— Certo mãe, obrigado.

Uma chiado baixo soou e Alex o decifrou como um sorriso.

— Tchau querido.

— Tchau.

Quando a chamada foi encerrada Alex permaneceu parado no corredor encarando o celular em suas mãos. Ele estava feliz pelo voto de confiança e por ter ali a confirmação que precisava para seguir por si mesmo, seus próprios passos.

Ainda com o celular em mãos um pensamento súbito cruzou a mente de Alex e ele encarou a tela desbloqueada do aparelho. Com um só movimento o mesmo fechou alguns aplicativos e parou na agenda, pairando, indeciso, o dedo sobre o número de Thomas.

•••

Em passos rápidos Alex voltou-se para o quarto e ao abrir a porta a primeira coisa que viu foi Arabella lutando contra a janela velha. Sozinho ele riu da mesma, roubando sua atenção e seu sorriso. Alex ainda conseguia visualizar aquele momento em que a jovem estava sob a mira de um dos agentes da organização.

E sentia, ainda correndo por suas veias, a adrenalina ao atirar para salvá-la. Se não fosse por aquilo, talvez ela não estivesse ali na sua frente, perdendo feio para a janela do quarto.

Pela primeira vez na vida o impulso que o movia era cheio de confiança. Ele acreditava, agora, depois de tudo aquilo, que podia fazer valer suas palavras para Bill. De que faria tudo, absolutamente, para salvar tanto ele quanto Arabella.

A insegurança deu lugar a uma confiança frágil, mas suficiente para fazê-lo conseguir enxergar as coisas de uma nova forma. Ele podia estar ao lado de Arabella e era isso que importava.

— Vai ficar parado ou vai me ajudar, bonitão?

Levantando as mãos em rendição ele se aproximou e abriu, com ainda mais dificuldade, a janela. Juntos eles riram e protetoramente Alex envolveu os ombros de Arabella com seu braço, a puxando para si.

Lá fora a paisagem era soturna, com árvores escuras e um céu sombrio declarando guerra contra o ínfimo momento de paz da dupla.


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