Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 48
XXXXVIII.




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— Ponham os cintos!

A voz de um dos agentes soou alta enquanto ele entrava com tudo na van. Alex e Arabella se acomodaram no meio de mais três agentes nos bancos dispersos e o automóvel imediatamente acelerou.

Ele saíram com tudo do galpão, com portas ainda abertas e pessoas se estabilizando dentro do automóvel. Deixaram para trás agentes​ mortos, uma densa nuvem de poeira e areia e um horda inteira de agentes recém chegados da organização.

Tiros ainda foram trocados fora do veículo, mas depois de poucos segundos mata adentro tudo se aquietou e além dos gritos de homens e mulheres enfurecidos pela fuga do garoto, nada mais foi ouvido.

Arabella e Alex se entreolharam e suspiraram aliviados​. Ela o abraçou com força, encaixando seu rosto no pescoço dele, e ele a acolheu.

A mesma tremia da cabeça aos pés e o garoto podia sentir isso no mais suave toque contra a pele macia. Suas roupas estavam tão sujas quanto as dele, cobertas por resquícios de sangue e areia, e os cabelos totalmente desgrenhados pelo confronto.

Arabella sentia que estava a ponto de ter um ataque de nervos.

A descoberta da traição e a corrida até o galpão, seu deslize em cuidar da segurança de Alex. Tê-lo ali em seus braços fazia toda a força que a manteve até então se esvair. Era como se a adrenalina fosse lentamente sumindo para dar lugar a uma pressão emocional.

O que podia ter acontecido nesse meio tempo?

Arabella não queria nem pensar nas possibilidades.

Ela ficou louca quando descobriu que Alex estava no galpão da organização. Além do GPS que colocou no carro a garota enviou mais dois agentes para seguirem Samuel, mas no final nada disso adiantou realmente e ela correu o máximo que pôde.

Samuel a traiu. Sua irmã a enganou. Ela estava devastada. Mas o corpo quente em seus braços era tudo o que importava ali. Ela poderia se martirizar mais tarde, até chegarem no local combinado o que ela podia fazer era não falhar mais.

— Ei, eu estou bem – murmurou Alex sendo sufocado pelo aperto.

Arabella riu nervosa e ele a acompanhou. A jovem se afastou poucos centímetros analisando todo o rosto do garoto com seus olhos. Ela lhe tocou nos lábios, nas bochechas, no nariz. Avaliou por breves segundos que ele realmente estava ali.

Vivo.

Um novo suspiro escapou de seus lábios e ela sorriu sem forças, voltando a abraça-lo, agora já suavemente.

— Que bom está bem – ele sussurrou de encontro ao seu peito – a culpa é inteiramente minha. Eu que coloquei você nisso, fui tão imprudente e...

— A culpa não é sua – Alex a abraçou – não tinha como saber.

Ela engoliu a própria saliva, sentido o veículo sacudir e joga-la de encontro ao garoto. Lentamente ela negou com a cabeça, sentindo a garganta doer.

— Eu não deveria ter deixado você ir sozinho com ele, eu devia saber.

Alex fez um chiado baixo de silêncio.

— Você não tinha como saber.

Ele a apertou contra si.

— Samuel era seu amigo, é natural você ter confiado nele.

Arabella sentiu a garganta arder num choro preso e socou o banco ao seu lado, afastando-se do garoto.

— Eu não devia.

Alex a segurou pelos ombros e a virou para si. Os olhos chocaram-se e a garota sentiu as lágrimas preencherem seus olhos, deixando a imagem de Alex borrada na sua frente.

— Você não é uma máquina – disse pausadamente – você não precisa acertar sempre, não precisa saber todas as possibilidades e probabilidades. Nós – ele a chacoalhou fracamente – somos humanos. Erramos às vezes, e está tudo bem.

Os lábios da garota se apertaram juntos. As palavras de Alex a isentavam de seu sofrimento em se martirizar por todo e qualquer erro, por sua mania masoquista de tomar tudo para si e receber todas as consequências com pesar.

E essas palavras eram tudo que ela precisava.

— Eu estou aqui, vivo. Isso não é o suficiente?

Lentamente Arabella assentiu, sentindo as lágrimas descerem quentes pelo seu rosto. Alex sorriu ao vê-la chorar e limpou ternamente as mesmas​, recebendo em seguida socos rítmicos e fracos da garota.

— Como você pode dizer isso? – ela soluçou – É obvio que você estar vivo é... é...

O choro lhe embolou as palavras e o garoto a puxou para um abraço. Os outros agentes na van tentavam evitar a cena ao máximo, olhando pelas janelas para verificar a segurança dos mesmos, mas não conseguiam esconder a surpresa.

Nunca haviam visto aquela garota daquela forma: tão vulnerável. Era como se ela fosse frágil e pudesse quebrar a qualquer momento se não fosse pelo jovem ao seu lado. Alex, na visão de todos ali, era notavelmente o pilar de Arabella.

Ele era seu ponto fraco e sua força.

— Eu estava tão preocupada – ela confidenciou baixinho, de encontro ao peito dele – não saberia o que fazer se você...

Alex afagou os cabelos da mesma.

— Nem eu – sorriu.

Em meio ao choro Arabella também sorriu e o beliscou pela brincadeira de mal gosto. Com os segundos que se seguiram de silêncio tudo o que atravessava seus pensamentos eram suas irmãs e Samuel.

Na armadilha dupla em que caiu.

Soltando um suspiro baixinho ela tentou enxugar as lágrimas, mas o fluxo não parava e afastando a mão da mesma de seu rosto, Alex a prensou ainda mais contra si.

— Fique aqui mais um pouco.

Arabella assentiu com dificuldade, abraçando-o. O calor que ele lhe transmitia era seguro, gostoso e a fazia esquecer completamente dos perigos fora dali. Da multidão de agentes que deviam estar, naquele exato momento, atrás deles.

— Para onde você foi naquela trilha?

A pergunta do garoto foi despretensiosa e mais uma vez Arabella afundou em seus braços, sem nenhuma vontade de falar sobre aquilo. Mas sentindo que deveria.

— Fui encontrar minhas irmãs – lhe sussurrou contra a farda suja – era nosso último encontro.

Alex assentiu sentindo o peso daquelas palavras.

— Mas foi tudo uma armadilha – ela sorriu sem força – para terem a oportunidade de te capturarem.

O jovem soltou um chiado de compreensão.

— Suas duas irmãs estavam nisso?

Arabella negou com a cabeça se afastando do abraço e se apoiando ao lado do mesmo. Os olhos esverdeados passaram pela paisagem como um raio e ela conseguiu se visualizar minutos atrás, com sua irmã mais velha, com as mãos apertando umas as outras e os sentimentos se correspondendo.

— Não – lhe respondeu​ finalmente desviando o olhar de fora do veículo – foi minha irmã do meio. Ela queria... – Arabella suspirou – ela queria pôr para fora anos de amargura por ter sido ultrapassada por mim.

Alex sorriu.

— Então era uma rixa de irmãs?

— Pode-se dizer que sim – murmurou – e acabou colocando você em no meio.

Alex deslizou a mão e entrelaçou a mesma na da jovem. O movimento do automóvel no terreno desregular os balançou e ele a segurou com ainda mais força até o mesmo passar.

— Conheci sua mãe.

Os ouvidos de Arabella não acreditaram no que ouviram e lentamente ela virou o rosto na direção do garoto. Ele lhe retribuiu o olhar com um dar de ombros que apenas reforçava sua palavras.

Sua mãe havia ido pessoalmente​ até o galpão?

Com tudo que estava acontecendo Arabella sequer cogitou a possibilidade daquilo acontecer. Sua mãe era uma mulher teimosa sim, rancorosa mais ainda, mas ir para o campo de batalha?

A última vez que a mãe de Arabella foi para terreno de missão foi antes de Arabella se tornar uma espiã. Ao menos ela acreditava que fosse, afinal, só a encontrava nas sedes da organização, com papeladas e reuniões importantes.

Mas lá estava uma realidade: ela foi pessoalmente matar Alex.

O quanto ela estava disposta aquilo?

— Ela é realmente uma pessoa difícil – continuou o rapaz com um suspiro – não acho que vá ser muito fácil pedir você em namoro assim.

O comentário fez ambos sorrirem e com um beliscão Arabella se apoiou novamente no ombro do garoto, com a cabeça encaixada em seu pescoço. Alex estava imundo coberto de feno, areia e poeira, mas o suave cheiro de sabonete de limão que ele usava ainda se fazia sentir apesar de tudo, e acalentava o coração da mesma.

 — Ela deve estar desesperada – disse Arabella depois de breves segundos – nunca a vi ir pessoalmente fazer alguma coisa.

— Quem sabe ela cansou de mandar os outros fazerem o trabalho dela, já que voltavam derrotados.

A jovem sorriu ao comentário de Alex.

— Ou ela queria ter a certeza de sua morte.

Um suspiro cansado escapou da garota.

— Ela está indo tão longe só por raiva... será?

Os olhos castanhos caíram sobre o rosto da mesma.

— Você acha que pode ser outra coisa?

— Não quero me precipitar – os olhos da mesma se fixaram na pequena divisória entre a cabine do motorista e a parte de trás – mas talvez ela esteja envolvida muito mais nessa história do que aparenta.

As memórias do garoto se reviraram.

— Ela falou algo sobre meu pai.

Arabella sentou abruptamente, fitando o garoto e lhe dando espaço para falar.

— Disse que se conheciam e que fizeram diversas descobertas juntos. Isso pode indicar que ela possa estar envolvida...

Alex perdeu a palavra certa enquanto sustentava o olhar da jovem. Por um momento, tudo se encaixou perfeitamente.

— ...com a morte do seu pai – completou a mesma, abaixando o olhar – sim, é possível. Vou ter que investigar isso assim que chegarmos na mansão, mas pode ser que sim.

O garoto engoliu em seco, abaixando o olhar e sentindo todo o corpo revirar-se em raiva. Ter uma empresa envolvida na morte do seu pai já mexia com seus piores sentimentos, quanto mais uma mulher que o olhou nos olhos e o insultou. Que o perseguia. Que queria destruir sua vida.

Suas mãos se fecharam em punhos e Arabella as envolveu com as suas, acariciando-as. O aperto se afrouxou depressa e os olhos dele caíram dentro dos dela, preenchidos pela tristeza.

— Nós vamos descobrir – ela lhe assentiu convicta – e se ela estiver envolvida, irá pagar pelos seus crimes.

— Mesmo que ainda não saibamos como fazer isso?

Arabella lhe lançou um sorriso fechado.

— Sim, ainda que não saibamos como fazer.

Alex a retribuiu o sorriso e a puxou para um abraço. O corpo macio da garota se encaixou perfeitamente ao seu e naquele instante o mesmo desejou que o tempo parasse. Que a perseguição parasse. Que toda aquela loucura tivesse fim.

Mas ele sabia que isso não aconteceria.

Por isso protegeria Arabella, se manteria vivo e defenderia os ideais de seu pai em relação a macabra descoberta que havia feito. Não desistiria de tudo que estavam lutando.

Afinal, não era uma luta só dele, mas de todos ao seu redor.

Os olhos de Alex sentiram a luz invadir a van de súbito quando a mesma saiu da floresta densa e seu terreno deteriorado para desembocar numa pista sinuosa. A paisagem ainda era verde, mas a estrada não era mais de terra e o piche que a cobria subia e sumia por uma estranha montanha logo a frente.

 Os agentes na parte frontal do veículo deram sinal para os que ficaram atrás e, vendo-os, Alex franziu a sobrancelha em confusão, notando que todos os três nos assentos traseiros se posicionaram cada um em uma janela, vasculhando o lado de fora.

— O que isso quer dizer? – perguntou baixinho a garota.

Arabella se aprumou no assento e observando a paisagem logo a frente, voltou-se ao garoto.

— Que estamos continuando o plano. Estamos chegando na casa reserva de Bill.

Alex soltou um chiado de concordância e, após segundos visualizando o automóvel se aproximar da montanha logo a frente, ouviu um suspiro sair dos lábios de Arabella. O ato chamou a atenção do jovem que a fitou.

— Samuel realmente nos traiu – pensou em voz alta ao notar o olhar do garoto sobre si – como fui boba...

Ela estalou a língua em desaprovação enquanto o garoto a observava.

— Ele se preocupa muito com você – disse Alex em resposta recebendo um olhar de desdém da mesma – eu... não sei​ o que achar disso tudo.

Arabella desfez a expressão e o fitou com curiosidade.

— Ele só estava fazendo o trabalho dele – Alex murmurou encarando a janela – ele me ajudou a fugir também.

— Eu também estava fazendo só o meu trabalho quando o conheci – a voz de Arabella saiu baixa – mas escolhi não continuar. Nós temos poder de escolha.

Alex sorriu lembrando-se das palavras de Samuel no carro.

Arabella é como uma garotinha perdida e por mais que pareça forte, e muitas vezes ela é, também tem seus momentos de fraqueza.

A visão de Arabella chorando minutos atrás aumentou ainda mais o sorriso do garoto com a comprovação das palavras do moreno.

Você precisar estar lá para ela, precisa ser forte, precisa conseguir acompanhá-la.

Lentamente Alex entrelaçou suas mãos fazendo o olhar de Arabella pousar sobre ele, num questionamento mudo.

Você precisa conseguir acompanhar ela com garras e dentes.

Afinal, ela merece isso.

— Talvez ele seja só um covarde... – disse o garoto por fim.

Arabella fitou Alex e o acompanhou no sorriso fraco que ele lhe lançava. As palavras de Alex sobre Samuel eram suaves e ao invés de carregadas de raiva, traziam um agradecimento silencioso.

Samuel provocava isso nas pessoas e Arabella sabia bem. Descendo o olhar para a pista que ameaçava iniciar uma subida logo a frente, ela se permitiu rir baixinho.

O moreno era assim: lhe fazia o que dava na telha. Era imprevisível, impulsivo, um idiota às vezes. A temporada que passaram juntos em Dubai lhes fez terem consciência de muitas​ coisas​ um do outro, mas ao contrário do que pensaram, aquilo só os aproximou mais.

Por isso Arabella jamais iria conseguir odiá-lo, ainda mais quando ele tentou se redimir do seu jeito. Samuel foi, apesar de não saber, seu primeiro grande amigo.

E ela iria preserva-lo para sempre, ainda que nunca mais o fosse ver.

— Sim, pode ser – concordou com Alex – ele sempre faz o que dá na cabeça dele.

O garoto assentiu.

— Ele é um bom amigo.

Fez uma breve pausa.

— Mas só amigo.

Arabella riu abertamente, fazendo-o sorrir. O clima dentro da van finalmente havia se amenizado e eles já conseguiam ver, no topo da colina, a casa que os abrigaria. Alex apertou a mão da garota na sua e foi retribuído.

Mais alguns metros e estariam em segurança novamente. Por mais que fosse temporária.


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