Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 47
XXXXVII.




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O ar gélido e as árvores sombrias, em conjunto com o chão ruidoso não faziam Arabella encarar aquela situação com boas expectativas. Suas duas irmãs estavam bem na sua frente, lado a lado, lhe esperando.

A mais velha bateu palmas com sua chegada e levantou. O salto fino cravando-se nas poucas gramíneas que cobriam o chão da floresta a faziam vacilar no andar, mas nada que o sorriso brilhante em seu rosto não encobrisse esse pequeno detalhe.

Seus trajes eram adaptados parcialmente para o frio, com um casaco de tecido fino e uma legging excessivamente grossa. Os cabelos da mesma estavam soltos e balançavam, fracamente, com o vento que as rodeava. A mulher sorriu mais abertamente para a irmã quando seus olhos finalmente se encontraram.

— Bem vinda, venha, se apresse, não temos muito tempo.

Arabella assentiu, retribuindo o sorriso e dando uma breve corridinha até a dupla. A outra irmã soltou um chiado baixo de desaprovação e balançou a cabeça. Com um suspiro exasperado e batendo insistentemente os pés no chão ela encarou Arabella.

A loira menor estava totalmente agasalhada, dos pés a cabeça, com botinas quentes e uma touca lhe cobrindo os cabelos. Os olhos da mesma estavam cobertos por um óculos escuro, escondendo parcialmente o olhar de desaprovação que descia sobre a irmã.

— Finalmente a desonra da família chegou.

Havia nojo em sua voz e Arabella a fitou de lado, ignorando o tom e o comentário.

— E então, o que queriam falar?

A jovem parou, de frente a dupla, e cruzou os braços. Os olhos avaliaram as irmãs com cautela e as figuras se entreolharam, numa comunicação silenciosa sobre quem falaria primeiro.

— Nós achávamos que era necessária uma última reunião – começou a mais velha – em vista que não vai haver mais missões para nos reunirmos ao final.

Seu tom de voz era triste e aquilo balançou Arabella. Foi sua irmã quem a ajudou quando ela precisou e agora sentia que a estava abandonando, assim como fizera com seus companheiros de trabalho deixados para morrer, assim como seu pai havia feito consigo.

Um nó se formou na garganta da jovem.

— Ao menos não vão ter missões para você – a do meio acenou na direção de Arabella, acordando-a dos pensamentos.

— Sim – concordou sem importância – também acho necessário fecharmos nossos... encontros.

Os olhares que Arabella trocou com a loira velha foram ressentidos, mas carregados de compreensão. Desde o dia da ligação no parque, em que todo o apoio que a garota precisou veio da irmã, a maior manteve um tênue contato com a caçula.

Ela ligava, vez ou outra, driblando toda e qualquer segurança que a monitorasse apenas para saber como andavam as coisas. Foi a loira quem escutou Arabella nas noites em que ela não conseguia dormir pensando nos perigos que poderiam estar rondando o seu garoto, ou nos que viriam no dia seguinte e depois dele.

Foram juntas que ambas se mantiveram e o laço fraternal, a partir dali, só se tornou mais forte. Arabella sabia que já não poderia se encontrar com suas irmãs por motivos maiores do que elas e sentia, em suas entranhas, as consequências de sua escolha.

Mas ela não se arrependia e o olhar da loira sobre si lhe dizia que a garota era compreendida, completamente.

— Eu não sei por onde deveria começar – a mais velha se pôs a frente – mas acho que não tenho nada que realmente queira lhe dizer. A distância entre nós sempre existiu – sorriu tristonha – mas saber que ela vai definitivamente nos separar, me deixa triste.

As mãos da maior tomou as de Arabella para si.

— Acima de tudo quero parabenizar você pela posição que tomou. Você finalmente encontrou seu caminho e fez seus próprios passos nele. Você tomou as rédeas de sua vida, minha irmã, e fico muito feliz por você.

O sorriso sincero e o olhar lançado sobre a garota a desconcertaram imediatamente. Depois de tanto receber a opressão de sua mãe sobre suas escolhas, aquela aceitação de sua irmã era muito mais do que ela poderia pedir.

As pessoas certas estavam ao seu lado, Arabella tinha certeza disso.

— Infelizmente – continuou apertando as mãos da mesma – não posso me posicionar junto a você.

O verde dos olhos da loira eram intensos.

— São várias as implicações que isso teria, tanto no meu trabalho quanto na minha vida pessoal, e...

Arabella retribuiu o aperto.

— Não se preocupe. Não posso pedir isso a você, foi uma escolha minha, e só minha.

O sorriso aliviado e ainda carregado de emoções da loira fizeram Arabella abraça-la. Nunca imaginou que sua irmã mais velha algum dia a apoiaria como uma irmã de verdade.

Jamais cogitou que algum dia ela e uma de suas irmãs teria esse tipo de relacionamento, mas lá estava ela, abraçada à mesma, triste e prestes a chorar com aquela despedida.

E com os sentimentos que agora nutria por ela dentro de si.

— Ei, ei – a loira riu se afastando gentilmente – calma, não chore.

— Eu sei – Arabella respirou fundo – que nunca seremos irmãs normais.

O comentário fez a garota a sua frente rir.

— Mas você foi muito importante para mim.

Ela sorriu, assentiu e puxou Arabella para mais um abraço. Era um contato quente e fraternal, preenchido de carinho, com a mão da loira deslizando pelos cabelos negros lhes transmitindo paz. Aquilo era tudo o que elas precisavam por tanto tempo em suas vidas.

 E lhes foi dado no último encontro.

Palmas interromperam o breve momento entre irmãs. Arabella e a mais velha fitaram a outra surpresas enquanto a mesma sorria cinicamente e cessava o bater de mãos.

— Já acabou a cena de “para sempre irmãs?”

A mais velha lançou um olhar de boa sorte para Arabella e em passos calmos voltou a se sentar no velho tronco que a havia apoiado. Arabella, por sua vez, fitou a irmã do meio com a sobrancelha erguida.

— Não tenho mais nada a falar – disse a maior – ela é toda sua agora.

A do meio posicionou as mãos na cintura e voltou-se a Arabella carregando todo o ar gélido que conseguiu. Ela era como uma rainha de gelo, ainda que estivesse toda protegida contra o frio.

— O que tem para me falar? – perguntou Arabella, voltando a cruzar os braços.

A loira menor revirou os olhos rapidamente.

— Eu tenho que pôr para fora a vergonha que sinto por você agora.

Arabella sorriu.

— Não estou pedindo sua empatia.

A garota rosnou baixinho.

— É inacreditável como você age na sua situação! – esbravejou indignada – Olhe para você! Sabe como está sendo chamada na organização? De traidora! Traidora!

— Eu não ligo – Arabella deu de ombros.

— Que droga garota! – a do meio iniciou passos em direção a irmã – Não consigo acreditar que você é minha irmã! Que você era a melhor profissional da organização! Que era melhor do que eu!

Arabella sorriu instintivamente as palavras da garota. A face de sua irmã estava ruborizada em irritação, as mãos fechavam-se em punhos e o corpo não parava quieto. Ela estava, legitimamente, com raiva.

Mas a jovem sabia exatamente que tipo de raiva era aquela.

— Você está com inveja, minha irmã?

A do meio rosnou em resposta e a mais velha sorriu para com a cena a sua frente, não interferindo no embate. A outra loira riu ao ouvir Arabella.

— Eu? Inveja? De você? – riu mais um pouco – Me poupe! Entrei na organização antes de você, pirralha.

Os braços cruzados de Arabella se afastaram lentamente.

— Sim, é verdade, você entrou antes de mim.

Ela caminhou em passos calmos até a jovem agasalhada.

— Mas você nunca conseguiu meu prestígio, minha posição, minhas habilidades, não é mesmo, maninha?

— Cale a boca!

A loira ameaçou um tapa e Arabella se esquivou. O olhar raivoso que os olhos verdes lançaram sobre a irmã foram cortantes e esmagadores, assim como o sentimento que crescia dentro da garota.

Era verdade sim o que Arabella estava dizendo. Ela sentia a mais pura inveja de sua irmã mais nova. Como podia ela, que treinou mais, tinha mais experiência, que já trabalhava há tanto tempo, ser ofuscada por uma garotinha no início de carreira?

O que aquela garota na sua frente tinha assim de tão especial?

E o pior era ter que fingir que estava feliz pelo sucesso dela toda vez que se encontravam. Ter que parabenizá-la e agir como se estivesse tudo bem ela ser a melhor agente da organização no seu lugar.

Não estava tudo bem.

Ainda encarando a irmã a loira bufou, tentando retomar a compostura, e ao endireitar as costas abriu um sorriso de vitória.

Arabella lhe tirou tudo que ela tinha, era a vez dela fazer isso também.

— Foi aquele garoto, não foi? O estudante?

Arabella suspirou imperceptivelmente, já sabendo o discurso que viria por ali.

— Sim – ela deu de ombros – eu me apaixonei e sai da organização pra protegê-lo, mais alguma coisa?

A loira aumentou o sorriso.

— E onde ele está agora?

O coração de Arabella apertou em seu peito, ainda que ela pudesse responder tranquilamente aquela pergunta. Ela sabia onde Alex estava, não sabia? Ele estava com Samuel indo encontrar o armazém do seu avô para juntos...

Desespero cruzou, momentaneamente, o rosto da garota. Ela conseguia decifrar o olhar que sua irmã a lançava e ele a dizia com todas as letras que algo estava errado.

Sua irmã do meio riu abertamente, enquanto a mais velha revezava o olhar de uma para outra, confusa e buscando entender a situação.

Fora a irmã do meio quem propôs a ela se encontrar uma última vez com a menor, e apesar de saber um pouco sobre essa outra face dela, não imaginou nada além de lágrimas e despedidas.

Não até começar a entender toda a situação ao seu redor.

A do meio a havia enganado e enganado Arabella, utilizando-se dos sentimentos que soube que elas nutriam uma pela outra.

— Você achava que depois de saber que desertou por um perdedor eu não usaria isso contra você?

Ela fez Arabella se desviar de seu curso apenas para se vingar.

— Essa sua fraqueza?

— O que você fez? – a voz de Arabella saiu trêmula e cortante.

Era um misto de raiva e rispidez com nervosismo. Era a primeira vez que elas a viam assim, tão sincera com a expressão que lhe atravessava os olhos. Era um olhar de apreensão com raiva contida.

A mais velha desceu os olhos sobre Arabella e foi retribuída em seguida. Nos poucos segundos que o momento durou ela soube que a jovem já imaginava o mesmo que ela.

Aquele encontro era uma armadilha.

Sorrindo a do meio encarou o céu e em seguida a irmã mais nova na sua frente. Os olhos a avaliaram com desdém, de cima a baixo.

— Simples, mandei aquele garoto direto para as mãos da organização.

Arabella não teve tempo para racionar antes de seu coração começar a revirando-se em tensão com a confirmação de seus medos. Ela enviou Alex para as mãos da organização? Como?

— É desse jeito que você vai protegê-lo? Proteger o garoto que ama?

As palavras cortaram Arabella ao meio. Desde a noite em que decidiu proteger Alex, ela havia realmente o protegido?

Essa pergunta reverberou por todos os dias desde então em seus pensamentos. Se ela tivesse parado de procurar por pistas que o inocentassem e em vez disso plantasse elas, será que ela poderia ter protegido Alex daquilo tudo?

Ela realmente o salvou ao se voltar contra a organização? Ou o fardo de ter tanto rancor e ódio contra ela por meio dos profissionais só prejudicou ainda mais o garoto?

Arabella não sabia se o estava protegendo ou o afundando ainda mais no perigo, e entendeu, com os poucos recursos que a irmã lhe disponibilizou, que ela fora enganada pelos próprios sentimentos.

Pelo próprio desejo de querer confiar.

Samuel.

Arabella lançou seu olhar sobre a loira, intensamente, ocultando todo e qualquer julgamento que estivesse fazendo de si mesma por ter confiado e sido enganada. Nada era mais importante do que Alex naquele momento.

A irmã sentiu esse olhar o reprimindo e debatendo. Quando aquela garotinha insolente a olhava daquela forma?

— Sim, é exatamente assim que vou protegê-lo.

A voz saiu firme, no oposto dos sentimentos que se reviravam dentro da garota. Arabella estava, genuinamente, assustada. Tinha medo do que poderia vir a acontecer com Alex.
 

Elatinha medo de perdê-lo por um erro seu.

Seus erros, como sempre, cravavam-se em seus pés e cada vez mais a puxavam para baixo. Quando aquilo acabaria?

Sem desviar o olhar da irmã Arabella puxou de seu bolso um rádio pequeno e o levou próximo aos lábios.

— Vão agora.

Do outro lado várias vozes responderam em uníssono:

Entendido.

A loira se permitiu encará-la com surpresa e indignação. Ignorando-a Arabella olhou para a irmã mais velha. Com um sinal da mesma a mais nova assentiu, dando as costas para as duas e correndo para fora da floresta.

Ela não tinha tempo a perder.

As irmãs, agora sozinhas, se entreolharam, com a mais velha questionando a mais nova com as sobrancelhas erguidas. Aquele interrogatório silencioso durou longos segundos até a menor bufar e cruzar os braços.

Em passos curtos ela sentou ao lado da loira.

Os olhos fixos no chão e o corpo dormente a davam uma sensação ruim. Ver os olhos de Arabella, a reação dela a suas palavras, o plano na manga.

Como imaginaria que a mesma estava preparada para aquilo?

Ela estava com raiva da competência daquela pirralha.

A irmã maior pigarreou, puxando a atenção da outra para si.

— O que foi?

— Você parece uma criança – suspirou a mais velha.

— Não venha você me dizer isso – ela encarou o helicóptero ao seu lado – estava na hora de alguém mostrar a ela qual é o seu lugar.

A loira mais velha encarou o percurso que Arabella tomou para fora da floresta e sorriu. Sua irmã parecia desesperada com a notícia, mas sequer deu qualquer indício disso e o máximo que a denunciou foram as mãos trêmulas ao pegarem o rádio em seu bolso.

Mas ela sabia melhor do que ninguém que Arabella tinha a capacidade para protegê-lo. Ainda que duvidasse disso.

— Pois eu acho que ela está exatamente onde deveria estar – sorriu a mais velha.

•••

— Ora, ora, ora – a voz da mulher se fez ouvir por todo o lugar – então foi esse ratinho que mexeu tanto com aquela garota?

Ela riu com gosto, deliciando-se com a situação. Alex estava amarrado e caído no chão, com dois dos agentes ao seu lado, prontos para impedir qualquer movimento do mesmo.

O lugar era amplo e aberto. Além do galpão velho e destruído ao fundo só era visível mata densa e Alex desejou nunca ter entrado naquele carro.

Ele lembrou-se do dispositivo que Arabella implantou no banco do automóvel e uma ínfima esperança se alojou em seu peito.

Mas ela conseguiria chegar a tempo de salvá-lo?

Por que ele sempre acabava assim, de mãos atadas?

Não havia nada que pudesse fazer?

Os olhos amendoados pousaram sobre Samuel que bem relaxado se apoiava em seu veículo, com um cigarro na boca e os olhos fixos no garoto. Lentamente o homem ergueu a sobrancelha numa clara indagação e Alex se perguntou o que ele queria dizer.

O moreno o havia traído, mas assim como na primeira vez que o viu, Alex sentiu que algo estava errado. Existia algo errado em ele estar o ajudando e algo errado ali, com ele os traindo.

— Ele parece uma versão miniatura do último alvo que matei. Tão franzino, tão pequeno, tão impotente – ela soletrou a última palavra, abrindo um sorriso de desdém logo em seguida.

A mesma se encontrava trajando camisa e saia social e além dos saltos de seu sapato, nada a fazia parecer mais elegante que seus olhos e longos cabelos loiros, que ao lhe darem uma aparência de anjo, encobriam toda a maldade em sua alma.

Novamente ela riu, incrédula. Era impossível que sua filha a tivesse traído por causa de um garoto patético como aquele. Jogado no chão e encurralado por seus homens o mesmo não parecia nada além de um animalzinho indefeso.

E ela sorriu com o pensamento.

— Patético – disse com tédio – você não é nada além de patético.

Alex queria rebater as palavras da mulher, mas toda vez que olhava para os homens ao seu lado se retraia. Eram diversos espalhados pelo galpão, fixos nele. Qualquer passo em falso e ele seria espancado ali mesmo, morto até. Era uma encruzilhada sinuosa.

Tirando os corpos e olhares opressores todos estavam muito bem trajados e equipados com armas. Alex engoliu a própria saliva ao notar o tamanho e a capacidade de cada uma, com seu poder de fogo explícito a um primeiro olhar.

— Coloquei os melhores profissionais da organização atrás de você, para conseguir terminar o caso em tempo hábil com a empresa, e olha o que eu encontro: um rato.

Alex rosnou baixo com os insultos.

— Seu pai era a mesma coisa que você, sabia? – o sorriso dela saiu deliciosamente satisfeito ao ver o olhar aturdido e raivoso do garoto – exatamente a mesma coisa: um animal patético pronto para ser esmagado a qualquer momento.

Ela lançou um olhar de escárnio para Alex que sentiu todo seu corpo tremer em desespero. Aquela mulher possuía uma aura intensa e inabalável.

— O que sabe sobre meu pai...?

As palavras saíram sussurradas, com medo de alguma reprimenda, mas a mulher adorou ouvi-las e se aproximou, com passos calculados e ruidosos. Alex observou todo o movimento de seu corpo e, por mais que parecesse surreal, ela lembrava e muito Arabella.

Mas nunca chegaria aos pés da sua garota.

— Éramos grandes amigos, sabia? Eu e ele. Fizemos tantas descobertas juntos... inclusive essa que você estava tentando encontrar.

Alex engoliu a própria saliva ao encarar as orbes esverdeadas a sua frente. Eram tão diferentes das de Arabella...

— Mas você não vai ter mais oportunidade alguma de saber que descobertas foram essas, afinal, vai morrer aqui mesmo.

Ela estalou os dedos e os homens ergueram o garoto pelo braço, deixando-o do seu tamanho. A mulher se aproximou e sorriu ao avaliar o rosto do mesmo, sujo da terra que preenchia o chão.

— Por que não me diz o que descobriram? Já que vou morrer mesmo...

A loira estalou a língua duas vezes.

— E pôr tudo a perder? Jamais. Não sou uma mera iniciante, querido.

Alex suspirou. Novamente a mulher estalou os dedos e os agentes arrastaram Alex para dentro do galpão, sendo seguidos por mais meia dúzia de profissionais e um Samuel despreocupado, que já fumava o segundo cigarro.

Chegando dentro da construção, que era pequena em comparação a parte de fora, Alex foi novamente jogado ao chão, ainda com as mãos presas por grossas cordas. Ele tossiu com a pequena nuvem de areia e poeira que subiu, readaptando a visão para o seu redor.

O galpão era preenchido por poucas caixas de madeira e objetos de fazenda e, apesar de aparentar ser grande, boa parte de seu espaço já estava ocupado, deixando, além do centro, alguns poucos vãos nas laterais.

Antes de que fizesse mais alguma coisa com o garoto o celular da loira tocou e com um aceno de cabeça e um olhar autoexplicativo ela fez com que os agentes de dispersassem pelo local, cada um para um lado, prontos para vigiarem o refém.

A mesma, satisfeita com a obediência, lançou seu olhar para Alex, aturdido no chão, e piscou para ele balançando o celular em mãos.

— Já volto para você. O dever me chama.

Em um só movimento ela atendeu a ligação e saiu do galpão, com sua voz se tornando distante a cada passo. Alex sentou com dificuldade no chão sujo e encarou o moreno logo ao lado, que sorriu e caminhou até ele, agachando-se a sua frente.

— Que patético, hein?

Alex o fuzilou com o olhar.

— Só estou aqui por sua causa – ralhou entre dentes.

Samuel riu baixinho.

— Não, não venha colocar a culpa em mim. Você está aqui por mérito próprio.

Os olhos negros o fitaram com intensidade.

Eu só estou obedecendo ordens, entende? Não é como se eu quisesse realmente fazer isso.

Alex o fitou com confusão, num misto de dúvida e raiva.

— Você não consegue proteger ela. Você ainda não conseguiu força suficiente para isso.

Alex franziu sobrancelha.

— Você precisa conseguir acompanhar Arabella – disse de modo pausado – com garras e dentes.

Com uma baforada direta no rosto do garoto Samuel se levantou, ostentando um sorriso de lado, e Alex tossiu com a fumaça do fumo. Mas ao sentir o toque gélido e afiado entre seus dedos ainda presos, ele soube o que o moreno queria dizer.

Alex tinha que conseguir, por mérito próprio, ficar ao lado de Arabella.

E ele tinha que provar isso.

Para si mesmo.

Com os olhos fixos nas costas eretas do homem que se afastava Alex começou a cortar as cordas que o prendiam com a ajuda da lâmina afiada cedida por Samuel. Emp

Em poucos segundos ele estava livre.  

Mas tão pouco se mexeu.

Haviam muitos olhares sobre ele. Dois na direta, três na esquerda, mais três na entrada do galpão e a sua frente e contando com Samuel mais quatro em diagonal, seguindo para a direita.

Alex respirou fundo memorizando as localizações. Faria uma loucura, sem dúvida, mas seria necessário.

A loira voltou para dentro da construção apressada, com os saldos ecoando, e brandiu para os quatro ventos:

— Acabem logo com ele! Eles já estão vindo. Desgraçados.

Seguindo um timming perfeito houve uma intensa explosão de feno e poeira no centro do galpão, preenchendo todo o lugar e ofuscando a visão de todos. Tudo que Alex viu antes do começo do caos foi o moreno, despretensiosamente, queimando uma fina corda suspensa com seu cigarro recém acesso.

Foi tudo muito rápido e em poucos segundos o garoto correu para dentro do galpão nos vãos disponíveis, para a parte sem quaisquer agentes, enquanto o grupo logo a frente tossia audivelmente pela chuva de areia e feno.

Houveram exclamações de raiva, surpresa e ataque, e tão logo conseguiu se esconder Alex percebeu que ainda não estava seguro. Um som alto e estridente de vozes e tiros soou do lado de fora e a mulher gritou, claramente irritada:

— Peguem-no e matem-no, seus imprestáveis!

Passos pesados vieram na direção de Alex, mas ele respirou fundo e encarando os vultos dentro da nuvem desuniforme de areia, sorriu. Correu, desvencilhando-se dos homens e mulheres irados em seu encalço, e deslizou pelo chão sujo entre eles, enquanto os mesmos sequer o viram.

Algo foi lançado em sua direção e com reflexos rápidos pegando-o no ar o rapaz se viu em posse de um fuzil. Seus olhos correram para a origem e tudo que Alex enxergou antes do outro lado do galpão ser arrombado e explodir num estouro com os agentes de Bill, foi o sorriso de Samuel se afastando.

Quase no automático, com as experiências de jogos de tiro, Alex destravou a arma e atirou na direção dos agentes que o perseguiam dentro da nuvem de areia.

Três deles caíram de imediato e o sangue carmesim se misturou com a poeira. Mas os outros, ainda cegos e de olhos fechados, escaparam e tentaram inutilmente revirar.

Os tiros deles saíram desconexos e enquanto se mantinha longe deles Alex viu a nuvem forjada por Samuel se desfazer. Com a clara visão do galpão, agora preenchido de luz dos dois lados, ele notou que além dele e dos agentes da organização, não havia qualquer sinal da mulher ou do moreno.

Apenas os tiros e gritos, altos e estridentes, se faziam presentes fora da construção e traziam consigo outros agentes, estes de Bill, que invadiam o local pela abertura recém feita. Alex sorriu.

Conseguia, agora, entender perfeitamente as palavras de Samuel dentro do carro. O moreno queria que ele fosse forte, o suficiente para que conseguisse estar no mesmo mundo que Arabella. Enfrentar os mesmos perigos, por ela e por ele.

Se ver no meio daquele fogo cruzado com a clareza de um profissional. E ainda que não fosse um, Alex tinha certeza de que conseguia.

O garoto avançou, decidido, em direção aos agentes recém chegados. Os companheiros da loira ainda estavam desnorteados no centro, perdidos e com olhos cheios de areia, prontos para serem abatidos.

Alex mirou e atirou nos mais próximos, derrubando cinco deles, enquanto os outros eram atingidos por tiros distantes e certeiros. Ele correu na direção da saída, na direção dos agentes, que passavam como raios ao seu lado na direção aposta. Ele corria na direção de Arabella.

E ele a viu, indo em sua direção, com lágrimas contidas nos olhos num corrida apressada enquanto disparava nos poucos que se aproximavam dela. Alex sorriu ao vê-la e ao perceber que todo o terror de minutos atrás estava chegando ao fim.
Alex, pela primeira vez, sentiu-se feliz por ela estar em segurança e ele, vivo.

Mas esses sentimentos duraram até o mesmo ver, logo atrás da jovem, um dos agentes da loira com a arma apontada especificamente para ela. Para sua garota.

Seu coração falhou um batida e em um movimento rápido, quase estratégico, ele agiu. Alcançou a jovem antes de qualquer ação do homem e ao invés de abraça-la ele a apoiou com a cabeça em seu peito.

Foi tudo muito rápido e Alex atirou com precisão usando apenas uma das mãos, enquanto a outra se apoiava nos cabelos de Arabella, a mantendo segura perto de si.

O homem ao longe caiu sem vida e lentamente Alex abaixou a arma.

Seu coração estava acelerado, sua respiração pesada e seu corpo ardia queimando em adrenalina. Ele afastou-se poucos centímetros da jovem apoiada em seu peito e sem entender o que estava acontecendo ela o olhou, aturdida.

Um sorriso delicioso cobriu os lábios do garoto.

— Eu posso proteger você.

Sua voz saiu altiva numa afirmação. Arabella ainda o olhou confusa, mas aceitou os lábios do mesmo contra os seus, tomados de desejo.

Ele havia conseguido protegê-la e dali para frente era o que faria.

Veja, Samuel, me tornei alguém que pode estar ao lado dela.


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Notas finais do capítulo

Nem sei por onde começar, então nem vou. Os que chegarem aqui agora bem vindos, aos antigos peço perdão. Não sei o que será daqui pra frente, nem o que farei de nosso casal e sua história, mas haverá um final para eles. Isso eu posso lhes garantir.



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