Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 46
XXXXVI.




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— Está tudo bem mesmo?

Arabella estava aflita. Samuel chegou sorridente junto a um Alex desgrenhado, com a bolsa pendendo em seu ombro e um óculos quebrado em mãos no estacionamento, ambos com olhares autoexplicativos: mais um ataque.

Samuel explicou resumidamente no pouco tempo que teve a atenção da jovem o que aconteceu: sobre os dois homens, a sala de biologia e os dois corpos recém removidos pelos outros agentes.

Enquanto o ouvia a garota esquadrilhou Alex de cima a baixo, tateando-o atrás de ferimentos e fazendo-o o rir com tamanha preocupação. Pela primeira vez ele se sentia orgulhoso de ter conseguido lidar com seus perseguidores sozinho, ou quase isso.

Quando Samuel chegou na sala dele e o salvou Alex não soube se ficava aliviado ou incomodado. Mas não teve muito tempo para pensar e antes que percebesse estava o seguindo até o estacionamento, deixando para trás um grupo de agentes aliados que se livravam dos corpos e reorganizavam a sala.

— Está sim – repetiu o garoto pela segunda vez, sorrindo à preocupação de Arabella – está tudo bem.

As mãos dele envolveram o rosto da jovem e ele a fez fitá-lo. Numa intensa troca de olhares ambos sorriram.

— É, você está bem.

— E ele mandou muito bem – se intrometeu o moreno – conseguiu ficar vivo por um bom tempo para um garotinho.

Arabella virou o rosto na direção do amigo e o encarou.

— O que foi? – defendeu-se Samuel

— Estou elogiando ele.

— Poderia fazer um elogio menos ofensivo?

O homem bufou contrariado. Alex levou o olhar de Arabella para Samuel e franziu a sobrancelha incomodado com a relação da dupla.

— Acho que não fomos muito bem apresentados – adiantou-se Samuel, estendendo a mão para o garoto – pode me chamar de Samuel. Sou um ex-agente da Dieu D'or.

— E um colega de trabalho – acrescentou Arabella.

Amigo — corrigiu o moreno.

— Já vi esse filme – murmurou Alex num resmungo.

Miguel, pensou consigo. Arabella riu.

— Sou Alex – ele apertou a mão do homem – mas você já deve saber disso.

Os olhos negros avaliaram o garoto de cima a baixo e ao invés de recuar, Alex rebateu seu olhar, também o avaliando. A ação do rapaz fez um sorriso surgir no rosto de Samuel.

Ele não era apenas um simples garoto como pensou afinal.

— Então, já está tudo pronto para irmos?

A voz de Arabella despertou a dupla.

— Para onde vamos?

— Temos que sair o mais rápido possível, te conto no caminho. E então Samuel?

O moreno soltou a mão do garoto e desamassando sua roupa, remexeu no bolso tirando de lá um dispositivo pequeno e redondo. Ele apertou três botões, avisando sinais para agentes em pontos estratégicos, e voltou-se a jovem após receber o sinal afirmativo.

— Tudo certo, podemos ir.

Arabella tomou a mão do garoto para si, o puxando.

— Ao menos posso saber o porquê de estarmos indo a esse tal lugar?

O olhar que Samuel desceu sobre o garoto foi de cinismo. No meio de todo aquele caos na escola, com agentes da organização recém abatidos ele ainda tinha a audácia de perguntar o porquê?

— Segurança – adiantou o moreno, de forma rígida.

— Para despistar os agentes que estão atrás de você – complementou Arabella.

Samuel destravou o carro, parado no canto mais afastado do estacionamento, e ela abriu a porta traseira, entrando junto ao garoto.

— O único lugar seguro é a mansão do meu avô – explicou fechando a porta – mas ainda não podemos levá-lo para lá.

— Por que não?

Samuel deu partida.

— Porque ainda não é o momento de deixá-la sob a mira da organização.

Ela apertou as mãos do garoto e foi retribuída.

— Nós precisamos ganhar tempo para que o plano de meu avô corra como o esperado.

Alex assentiu e logo o carro estava na pista. Arabella olhou para todos os lados da rua antes de voltar-se ao garoto, ambos no banco traseiro.

— Nós estamos indo a antiga casa do meu avô – disse ainda encarando os lados – mas seremos levados até lá pelos seus agentes, então como não sabemos a localização nos encontraremos em um de seus armazéns.

— Certo – o garoto murmurou – para não levantar suspeitas.

Arabella assentiu e pareceu aliviada depois do último olhar para fora do carro. Alex não soube dizer se foi algo que a tranquilizou ou se foi não ver nada que aquietou a mesma, mas no segundo seguinte a isso ela relaxou no banco.

Foram longos segundos de silêncio.

— Como anda o download?

Alex fitou primeiro o homem no banco da frente, pelo retrovisor, e em seguida desceu seu olhar sobre Arabella antes de responder a jovem. Algo o inquietava mesmo sem saber o quê.

— Está indo bem, quase terminando.

— Ótimo – Arabella fitou a pista fora da janela com curiosidade.

Alex assentiu sem entender. As mãos da garota envolveram as suas e ela sorriu, fazendo-o imitá-la. Em breves segundos a expressão da mesma o alertou.

Ela fez três gestos.

Olhou de Alex para Samuel de forma enfática.

Abriu a bolsa do garoto.

Tirou de lá um dos bottons e apertando no mesmo ativou seu GPS.

Alex tentou decifrar suas ações, mas ela sorriu novamente, quase que para disfarçar, e voltou-se a janela em seguida, depositando o objeto num compartimento na parte de trás do banco do motorista.

Arabella piscou para o garoto.

Por um momento ele ficou confuso, mas tudo se fez mais claro em poucos segundos. Ela estava sendo cautelosa. Apesar de dizer confiar no ex-companheiro queria ficar alerta e assentindo imperceptivelmente Alex respondeu a ela.

A garota sorriu, satisfeita, e em seguida deu três batidas na janela do carro.

— Minha parada vai ser aqui.

Samuel cantarolou algo e estacionou na beirada da pista. Alex esquadrilhou o lugar em que se encontravam. Era uma mata escura e densa, com apenas uma trilha marcada entre a folhagem.

O que ela iria fazer naquele lugar?

De súbito outro pensamento se fez relevante. E ele?

Você vai descer aqui, nessa floresta assombrada? O que vai fazer? E quanto a mim? Vou com você – falou rápido, quase desesperado.

Ela riu pelas primeiras palavras, mas abriu a porta e virou-se para o garoto. O olhar dela disse tudo: estava preocupada em deixá-lo.

— A partir daqui você fica aos cuidado do Samuel – ela apertou o ombro do homem que sorriu orgulhoso – eu preciso ir em um lugar antes de seguirmos e não é seguro que vá comigo. Nos encontraremos daqui a pouco, não vou demorar, prometo.

Ela engatinhou no banco do carro até Alex e o puxou para um breve beijo.

— Tome cuidado – sussurrou para o mesmo beijando-o novamente – te vejo logo mais, sim?

Contrariado Alex concordou. Além de Arabella ele não confiava em outras pessoas, fossem os agentes mais confiáveis de Bill ou aquele ali, que apesar de o ter salvo minutos antes, lhe deixava estranhamente em alerta.

Arabella desceu e fechando a porta se apoiou na janela do motorista.

— Cuide dele para mim, por favor. Estou contando com você.

Samuel piscou.

— Pode deixar, entregarei ele intacto e sem nenhum arranhão chefa.

Arabella riu, de forma vaga, e com um olhar de ansiedade observou a dupla se afastar antes de entrar na trilha.

O caminho era aberto e de árvores altas, facilitando a locomoção da jovem. Durante o percurso até uma afastada clareira e ponto de encontro, Arabella rebobinou em seus próprios pensamentos as palavras que a fizeram ir até lá no meio de toda aquela loucura que estavam passando.

Não falte, é nosso último encontro

Aquele ultimato era o bastante para desestruturar Arabella. E lá estava ela, se aventurando no meio de uma mata, atrás de mais problemas.

Ao cruzar as raízes de uma árvore velha os olhos atentos desceram sobre as duas figuras mais a frente na clareira. Uma sorriu, animada, sentada sobre um tronco velho e a outra se limitou a fitar a garota, de pé ao lado da outra. Atrás delas jazia um helicóptero desligado e ocupando uma grande parte do espaço aberto.

O clima era tenso e em passos calculados Arabella caminhou, cautelosa, até a dupla, com as últimas palavras da ligação ressoando em seus pensamentos.

Precisamos ter nossa última conversa entre irmãs

•••

O caminho foi silencioso e soturno. O carro estava estranhamente escuro para o garoto e em conjunto com as nuvens negras do lado de fora, tapando o pouco sol do inverno, o clima dentro do automóvel não ajudava em nada.

Samuel ligou um baixo rádio após a saída da jovem, mas nada foi dito, ao menos até a dupla chegar na estrada principal.

— Ouvi falar muito sobre você lá na organização, garoto.

Alex olhou para ele curioso. O que pretendia com aquelas palavras?

— O famoso garoto que nos tomou nossa queridinha – ele tinha deboche na voz – quando vi você pela primeira vez pensei que fosse mentira, mas veja só, é a mais pura verdade.

— Onde pretende chegar com isso?

A voz de Alex saiu firme e olhando-o pelo retrovisor Samuel sorriu se deliciando com a situação

— O que quero dizer é que se eu fosse você – ele fez uma pausa – não, eu nunca ia querer ser você, credo.

Alex revirou os olhos.

— Mas você sendo você deveria olhar mais para ela.

O garoto se remexeu no banco traseiro. Quem era ele para falar aquilo? O que sabia sobre eles?

— Olhar não no sentido físico – o moreno riu sozinho – qualquer um consegue olhar para ela assim, Arabella é uma beldade. Quando falo isso quero me referir ao seu interior, entende?

Alex quis bater nele, mas ao mesmo tempo refletiu em suas palavras. Viera praticando esse olhar diferenciado fazia muito tempo e conseguiu, após driblar tantas cascas, decifrar ao menos um pouco do mistério que era Arabella.

— Arabella é como uma garotinha perdida – continuou o homem – e por mais que pareça forte, e muitas vezes ela é, também tem seus momentos de fraqueza.

Um sorriso fechado estampou o rosto do moreno.

— Ela sempre se adianta a tudo, mas está sempre um passo atrás, apesar da cautela. Ela é uma garota maravilhosa, ainda que às vezes não consiga admitir isso. Você me entende?

Samuel olhou para Alex pelo retrovisor e tudo que captou foram os olhos intensos do garoto nele.

— E se você fosse eu, o que com certeza seria bem melhor do que ser você, ficaria ao lado dela. Lutaria por ela.

O moreno bateu no volante com força fazendo Alex o fitar assustado.

— Você me entende? Você precisar estar lá para ela, precisa ser forte, precisa conseguir acompanhá-la.

Ele suspirou.

— Falo por mim – estalou a língua – Depois de tantos trabalhos juntos ainda sinto que não consigo alcançá-la. Sempre fomos bons colegas, mas nada além de profissionalismo.

Alex tentou esconder o sorriso ao ouvir aquelas palavras.

— E por Deus, o quanto desejei conhecer você, a pessoa que conseguiu conquistar aquele coração – Samuel voltou a olhar para o garoto – a sua sorte é que não sou hétero, porque se não lutaria com garras e dentes por ela, me ouviu? Garras e dentes.

Lentamente ele se apoiou no assento.

— Afinal, ela merece isso.

Samuel não conseguiu uma resposta de Alex, mas tão pouco esperou por uma. Falou o que tinha que falar, falou até mais do que deveria e querendo ou não, se sentia mais leve. Com a consciência menos pesada.

O carro foi lentamente diminuindo a velocidade.

Alex ainda sentia as palavras do homem adentrarem em sua pele com a intensidade que foram ditas. O que Samuel estava querendo dizer? Que ele não olhava para Arabella como ela merecia? Que ele não era suficiente para ela? Que ele estava sendo um fardo?

Ele sabia de tudo isso, droga.

Ele se martirizava por isso toda vez que se via incapaz, impotente. Toda vez que era perseguido e não conseguia se defender. Toda vez que ela vinha em seu socorro.

Arabella merecia mais.

Alex suspirou e o carro parou.

Samuel abriu a porta e saiu, despretensioso, e o olhar do garoto encarou a paisagem do lado de fora. Eles estavam de frente a um galpão velho, num espaço descampado e infértil com areia cobrindo boa parte do espaço.

O coração do garoto apertou. Algo estava errado. Muito errado.

A porta do carro abriu e junto com a luminosidade mãos puxaram Alex para fora do veículo. O garoto foi lançado no chão e lentamente permitiu seus olhos se adaptarem a iluminação excessiva do local, encontrando, ao final do ato, orbes de um verde intenso.

Tão intensos quanto os de Arabella.

— Você fez um ótimo trabalho Heitor — a voz era melódica e suave – agora, deixe tudo conosco.

A mulher sorriu, diabólica, e Alex sentiu um calafrio lhe percorrer a espinha.

— O que está acontecendo aqui? – perguntou o garoto, quase num grito.

O dono das mãos que o arrancaram do carro o puxou pela gola da camisa e pela diferença de altura Alex ficou a centímetros do chão. Ele era excessivamente alto e tinha um olhar torto, acompanhado de um rosto coberto de finas cicatrizes.

— Com quem acha que está falando? – bradou o homem.

Alex, com dificuldade, deixou seus olhos irem para o moreno que assobiando se prostrou ao lado da mulher, piscando para o garoto.

— Para onde me trouxe? O que é isso?

Samuel/Heitor sorriu levantando as mãos em inocência.

— Apenas fazendo meu trabalho Alex, nada pessoal.

A realidade caiu como concreto maciço sobre o garoto.

Samuel os traiu e aqueles eram os principais interessados em sua morte. 

Com uma  percepção aterrorizante Alex notou que estava frente a frente com sua sogra.

E ela o queria morto.


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Notas finais do capítulo



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