Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 41
XXXXI.




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— E então, o que me diz sobre os itens na mochila? – perguntou Arabella fechando a porta do carro.

A dupla já se encontrava dentro do carro da jovem com Alex desajeitado atacando o cinto de segurança com sua mochila e Arabella rindo do mesmo. Ela o havia ido buscar para a escola e tão sorrateira quanto chegou, o levou até o carro.

— Incríveis! Não achei que fosse encontrar em lugar algum um maquiador como aquele ou um HD parecido! Simplesmente fantástico!

Arabella riu da animação do garoto dando partida.

— Fico feliz que tenha gostado.

Alex assentiu brevemente se escorando no banco.

— Vocês são realmente fantásticos.

As palavras do garoto fizeram Arabella voltar-se para ele confusa.

— Você e seu avô – explicou-se – vocês parecem tão acostumados com tudo isso.

A jovem fixou seu olhar fora do automóvel, saindo do meio fio, e esboçou um sorriso fechado.

Aquelas palavras a faziam se sentir estranha. Nunca pensou em si ou seu avô como fantásticos por estarem envolvidos naquilo, afinal, era tão natural quanto respirar para eles. 

Mas a percepção de Alex a deixava ciente que todo o contexto ao redor dela era realmente incomum.

E mais incomum ainda era seu encontro com o garoto, no meio de toda aquela bagunça.

Sua missão original voltou aos seus pensamentos.

Arabella já não a carregava nos ombros com pesar e, ao contrário, até mesmo agradecia internamente a ela por ter lhe dado tantas possibilidades.

Nesses agradecimentos, ela também agradecia por Alex.

— Ainda não consigo acreditar que você estava baixando mesmo os arquivos da empresa.

A frase de Arabella foi espontânea, em contraste aos seus pensamentos, e fez Alex soltar uma careta. Ele a fitou constrangido, mas a mesma dedilhou no volante.

— Não estou te repreendendo – adiantou-se – se fosse você provavelmente faria o mesmo. É só que, não achei que fosse verdade mesmo, entende?

— Não tenho cara de hacker?

A jovem sorriu de lado.

— Não, nem um pouco.

Alex assentiu com um sorriso.

— Desde muito novo aprendi a mexer com isso. Nunca usei esse conhecimento para algo tão grande, mas depois do que descobri sobre meu pai...

— O que descobriu?

Os olhos amendoados caíram sobre Arabella, mas ela estava atenta demais ao trânsito para notar o olhar afetado.

— Ele me deixou uma carta – a voz do garoto saiu arranhada – contou que havia feito uma grande e perigosa descoberta, e que provavelmente estava sendo caçado por isso. Disse não viveria muito e que eu deveria continuar o que ele havia começado.

— Ele passou o legado.

Alex concordou.

— Mas ele não me disse onde estavam suas descobertas, nem como pegá-las. E fazia tão pouco tempo de sua morte quando achei a carta que acabei deixando para lá. Estava atual a sua memória.

— Entendo.

— Mas no mês passado reencontrei essa carta. Li e reli várias vezes, até perceber, coisa que não conseguiria fazer anos atrás, uma sequência. Havia uma mensagem secreta no meio da carta.

Arabella o fitou surpresa, mas o mesmo permaneceu com o olhar fixo no vidro do carro, recordando, com precisão, aquele exato momento do relato.

Ele podia sentir ainda em suas mãos a folha áspera e o cheiro forte de tinta. Conseguia visualizar as letras deformadas, que quando organizadas, lhe diziam exatamente o que procurar.

— Foi assim que consegui saber qual era a empresa, qual o arquivo e onde estava. Só precisei abrir mão das minhas habilidades de invasão.

Ele piscou para Arabella, orgulhoso, e a mesma sorriu.

— Quando te detectaram?

— Por erro meu sobraram alguns resquícios na rede. Percebi logo depois e resolvi deixar a poeira abaixar um pouco. Foi quando você chegou e tudo virou de cabeça para baixo.

— Não sei se interpreto isso de uma forma boa ou ruim.

O comentário fez ambos rirem.

— Depois que você chegou eu não tinha muito tempo para nada e nem ânimo – admitiu em voz baixa – você era a típica distração que afasta os homens de seus objetivos.

Arabella riu e lhe deu um tapa, sendo retribuída com um sorriso.

— No final, quando reuni coragem para terminar o que comecei, descobri que estava sendo monitorado. E você chegou naquela noite e tudo aconteceu.

A garota assentiu, com um semblante menos risonho, deixando os olhos de Alex a fitarem apreensivos. Lentamente ele alcançou uma das mãos da mesma, que jazia no volante, e a apertou carinhosamente.

— Não precisa ficar tão tensa com esse assunto – murmurou, alto o suficiente para que ela o escutasse – tudo isso já passou.

Um sorriso surgiu nos lábios fechados da jovem e com um aceno Alex lentamente afastou suas mãos.

— Durante esses dias em que estivemos separados eu continuei com o download – disse por fim após segundos de silêncio – e descobri que todas as informações convergem em um único ponto: um assassinato em massa.

Arabella deixou a expressão tornar-se sombria e trocando a marcha de forma mecânica, retesou o corpo. Alex imediatamente percebeu e antes que pudesse falar a garota diminuiu a velocidade permitindo aos olhos descerem sobre Alex.

— Eu ouvi falar sobre esse genocídio.

Alex a fitou surpreso.

— Fazem alguns anos e todos deixaram de lado, mas foi um grande impacto no mundo das empresas.

— E a empresa em questão deve ter sido a responsável – continuou o jovem – é a única resposta plausível para terem escondido.

A garota esboçou um sorriso fechado.

— Há tantas respostas longe de nossos olhos e tantas mais possibilidades incontáveis. Melhor não nos precipitarmos tanto.

Alex ia tentar argumentar, afinal encontrara pistas demais sobre o tema para estar errado em sua suposição, mas os olhos esverdeados estavam tão sérios e determinados que ele vacilou.

Arabella, querendo ou não, tinha muito mais experiência que ele. Ser o mais esperto entre seus amigos ou dotado de habilidades com computadores não fazia diferença nenhuma em relação a ela. Sua experiência não chegava aos pés da garota ao seu lado e contrariado ele teve que admitir:

Arabella sabia sobre o que estava falando.

E Alex não tinha qualquer autoridade para discordar.

Quase decifrando a discussão interna de Alex a jovem entrelaçou suas mãos e afagou a dele, sem tirar a atenção do trânsito. O garoto sorriu ao ato e retribuiu o toque.

— O mundo em que estamos é muito perigoso. Precisamos pensar com cautela.

Alex assentiu. Ela tinha razão. Apontar a empresa como culpada, apesar de todas pistas, era precipitado. Quantos filmes e jogos não tinham um plot twist no final? Por quantas vezes ele se surpreendeu com as tramas que pareciam tão óbvias e se mostravam complexas?

— Todas as nossas escolhas tem um peso muito grande – continuou a mesma – e não temos como saber se estamos fazendo o certo, ainda que exista confiança nisso.

Seus olhos se encontraram e a expressão tristonha no rosto da jovem fez Alex estremecer.

— Você estar aqui agora pode ter sido uma péssima escolha.

Alex encenou uma resposta.

— E pode não ter sido também – disse apertando ainda mais sua mão na dele – tudo o que podemos fazer agora é pensar com cuidado, qualquer ato precipitado pode acabar com tudo.

O garoto fez uma careta e Arabella sorriu.

— Não precisava fazer um discurso desses só pra me dizer que devo tomar cuidado – resmungou com um bico perceptível.

A jovem riu e apertou a bochecha dele com a mão livre.

— É um costume meu, desculpe.

Alex sorriu quando teve a bochecha solta, sentindo a ardência se espalhar pela mesma.

— Não se desculpe – ele apoiou o cotovelo na perna e o rosto na mão, deixando escapar um sorriso fechado – eu gosto dessa parte de você.

Arabella corou inconscientemente, tentando se manter com os olhos fixos na pista, fazendo o sorriso de Alex se alargar mais.

Ela era tão fofa quando surpreendida.

Essa mescla da Arabella que ele conhecia com aquela profissional que ela mostrou ser era novo e ao mesmo tempo gostoso. Alex sentia-se genuinamente mais próximo dela e toda e qualquer barreira que houvesse entre eles parecia ter desaparecido.

Após um baixo murmúrio da garota a dupla engatou em assuntos triviais, como o caminhar da própria escola e das aulas. E o tema até que estava indo bem, se não fosse pela tensão que se instalou após Sofia surgir na conversa.

— Temo por minha mãe.

As palavras de Alex ecoaram breves segundos no carro antes do foco de Arabella sair da pista para ele. A jovem sorriu, já estabilizada novamente no trânsito, e ele a retribuiu, carregando a expressão em seguida.

— Temo por minha família.

— Não precisa temer – ela entrelaçou seus dedos – Bill está tomando conta tanto da sua família quanto de seus amigos. Pode não parecer, mas vinte quatro horas por dia há homens de nossa confiança zelando por eles.

O suspiro de alívio que o jovem deixou escapar fez Arabella rir brevemente.

— Nós temos que nos preocupar é com você. É o único que está sendo realmente caçado.

— Eu sei – ele fez uma careta – estou com a cabeça à prêmio, não é?

— Sim.

Eles se entreolharam numa triste confirmação.

— Mas se Bill estiver certo, tudo logo vai se resolver. Não sei o que ele pretende, mas confio nele.

Os olhos de Alex avaliaram Arabella por segundos a fio, vendo-a dirigir.

— Você confia muito nele, não é? No seu avô.

A garota sorriu de lado.

— Agora, sim. Se fosse a algum tempo atrás diria que ele era totalmente fora de cogitação.

Ela trocou a marcha mais uma vez.

— Cresci longe dele e com minha mãe espalhando, para os quarto ventos, que ele era um velho louco. O admirei muito quando mais nova, mas após a saída dele da organização parecia que ele não era nada demais.

Arabella estalou a língua.

— Mais um erro para a minha caixinha.

Alex a observou atento e notou uma mudança no seu tom de voz. Aparentemente aquele assunto mexia muito com ela.

Seus erros.

— Fui adestrada muito bem por minha mãe. E sem nenhum pai, que barrasse suas investidas, o que podia fazer?

Houve um suspiro pesaroso e segundos de silêncio. Alex fitou a garota apreensivo e vendo-a com o olhar distante, se martirizou.

— Não precisa falar sobre isso se não quiser – murmurou.

Arabella olhou para Alex e em seguida para pista, balançando a cabeça negativamente no processo.

— Não, eu quero falar. Quero te contar tudo sobre mim.

O garoto sentiu o coração acelerar e assentiu, com um tímido sorriso.

Queria sim saber mais sobre Arabella, sobre seu passado, sua vida, seus pensamentos e sentimentos, mas não pretendia forçá-la a isso. Ela mentiu no início, sim, mas como ele podia sentir aqueles sentimentos e negar que ali existia amor?

A intensidade com que ela o olhava, que o retribuía, fossem em beijos ou meros apertos de mão, a forma com que o acolhia em seus braços e se mostrava disposta a corrigir seu erro, o impulsionava cada vez mais para ela.

Ela não precisava se forçar a ser verdadeira, ele confiava nela.

— Eu sempre fui a caçula – a voz dela o acordou dos pensamentos – e com minhas irmãs sempre no meu pé tudo parecia ridiculamente claro: eu tinha que ser o que elas queriam que eu fosse.

Ela suspirou.

— E eu fui.

Alex encarou sem propósito o painel do carro, ainda atento as palavras da mesma, sentindo algo pesar sobre seu coração.

— No final, eu não sabia nada sobre meu avô realmente. E acabei nesses últimos dias descobrindo que tudo aquilo que me fazia ter uma imagem distorcida era pura invenção.

Arabella sorriu.

— Ele é um homem bom apesar de tudo. Tem sim uma quedinha pelo exagero e pela adrenalina, tem seus próprios valores, mas não é um louco como minha mãe me fazia crer.

Alex assentiu e por um momento vislumbrou-a quando criança. Sua mini-versão de Arabella parecia letal, ágil, esperta e tão profissional quanto a adulta a sua frente.

Ser criada assim, de forma tão dura, era inconcebível para o jovem. Arabella nunca iria saber a sensação de ter colegas e brincar com eles. Ou o próprio ócio que toda criança tem direito.

O passado dela era pesado demais.

— Sua mãe parece ser realmente uma pessoa difícil.

— E ponha dificuldade nisso – disse num resmungo.

Alex sorriu com a reação roubando um mesmo sorriso da jovem. Por um momento houve silêncio, e quando a escola já se encontrava visível ao longe, o garoto se pronunciou, num tom amargo:

— Nós somos tão opostos, não acha?

As palavras fizeram os olhos esverdeados caírem sobre o mesmo, que tinha a expressão distante encarando a instituição escolar logo a frente.

— Nossos mundos são completamente diferentes – reafirmou.

Arabella assentiu, imperceptivelmente, quase que para si mesma, e deixou o olhar descer sobre o mesmo lugar em que se fixava a atenção do jovem ao seu lado.

Era verdade, eles eram diferentes. A história dos dois, seus passados e, provavelmente, todo o contexto que viveram. Mas havia algo que os ligava e era nisso que Arabella se focou ao voltar-se para ele.

— Sim, são. Mas nem só de semelhanças vivem as pessoas.

Alex sorriu voltando-se a ela.

— Nossas diferenças nos moldaram – o carro foi lentamente parando de frente a escola – isso é um fato. Mas o que vamos fazer com isso depende apenas de nós dois.

Quando o olhar de Arabella encontrou o de Alex, ambos sorriram.

— É verdade – admitiu desafivelando o cinto.

— Não pense demais sobre isso – a garota fez o mesmo, virando para Alex – eu estou aqui com você, não estou?

Alex se inclinou para ela, com os olhos fixos no seu, admirando as orbes esverdeadas e percebendo, finalmente, as cores que se mesclavam em sua íris. De um verde tão claro quanto o das folhas ao escuro das mesmas.

— Está sim – sussurrou de encontro a boca da jovem.

Arabella sorriu, afetada pela proximidade, e o beijou. Uma, duas, três vezes. O oxigênio do carro pedia socorro enquanto eles riam ao perderem o ar de seus pulmões. Poder beijar e tocar Alex, estar ali com ele, era muito significante para Arabella.

E foi transmitindo esses sentimentos que ela o beijou, impedindo-o de sequer sair do seu carro.

Não que Alex fosse reclamar, não mesmo. Ele sentia aquele momento, no pequeno espaço do veículo, com intensa agitação. Seu corpo e sua mente gritavam por Arabella e ele não sabia dizer o que fazer com tantos sentimentos.

E Alex os transmitia beijando-a com tudo que tinha, para dizer a ela, que era apenas ela quem ele amava.

Os olhos chocaram-se uns com os outros confirmando, para si mesmos, que aquilo era real.

Que aquela felicidade era real.

Entre os beijos, algo chamou a atenção da dupla. Batidas no capô do carro fizeram eles se afastarem.

Arabella voltou-se ao barulho e sorriu, rindo em seguida, ao ver Thomas e Henry parados na frente do veículo com sorrisos maliciosos e braços cruzados.

Alex corou ao notar, mas riu junto a jovem.

— A essa hora da manhã? – a voz de Thomas inundou o carro.

A dupla se entreolhou e riu novamente, com Alex fazendo uma careta para os amigos e mandando-os irem embora com um maneio da mão.

Henry riu, audivelmente, e seguiu o caminho para a escola, com Thomas retribuindo a careta de Alex e saindo em seu encalço.

— É melhor ir.

Alex encenou sua melhor expressão de tristeza, fazendo a garota rir.

— Não faça assim – ela puxou um lenço do bolso – estudar é importante, sabia?

Antes que ele pudesse responder Arabella esfregou o pano sobre a boca dele, limpando os resquícios de seu batom.

— Não quero que você vá embora de novo – sussurrou o mesmo após a limpeza.

— Nem eu quero ficar longe de você – ela espalmou as mãos no rosto do mesmo – mas nós precisamos. Prometo compensar depois – piscou.

— Certo, eu consigo suportar.

Arabella riu e lhe deu um beijo rápido.

— Tome cuidado, por favor.

A mão de Alex alcançou a da jovem e puxando-a para os lábios ele beijou seu dorso, olhando para Arabella em seguida. Algo dentro dela remexeu-se e o olhar do garoto pareceu impecavelmente sedutor.

Em que momento ele se tornou tão sexy?

— Quando vamos voltar a nos ver?

Arabella sorriu apertando a mão dele na sua.

— Em breve, não se preocupe.

A careta de Alex a fez rir e sob uma série de beijos e ameaças de sujá-lo de batom o garoto saiu do carro. Ele aprumou a alça da bolsa no ombro e com um último olhar e aceno para a jovem caminhou até a escola.

Antes de alcançar o portão o mesmo foi interceptado por Thomas e Henry que esperavam-no.

— Se Brad visse aquilo... – começou Henry.

— Se Brad visse o que? – a voz do loiro de sobressaiu as demais – O que eu perdi?

Henry e Thomas trocaram olhares brincalhões e enquanto Alex enrubescia tomando a dianteira do grupo contaram tudo ao loiro que riu animado, correndo até Alex em seguida o parabenizando.

Foi com essa animação que o grupo sumiu da vista de Arabella. Ela sorriu vendo-os seguir para dentro da instituição e apertou o lenço sujo de batom em suas mãos. Um suspiro saiu de seus lábios, pesaroso, e os olhos esverdeados pousaram sobre o painel do automóvel.

Novamente um peso enorme caia sobre suas costas. Toda a organização, o perigo que eles representavam, sua mãe e todos os agentes que com certeza se disponibilizariam para a missão de Alex pelo prazer de enfrentarem-na.

Por que tudo tinha que ser tão complicado para eles?

Arabella sorriu sem forças.

Na verdade, quando foi fácil?

O que Alex havia lhe falado era verdade: eles possuíam uma diferença gritante entre si. Mas ela tinha convicção em suas palavras e dando partida no carro repetiu para si mesma:

— Nós que escolhemos o que fazer com nosso futuro. Apenas nós mesmos.


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