Espion Noir escrita por carlotakuy
— E então, o que me diz sobre os itens na mochila? – perguntou Arabella fechando a porta do carro.
A dupla já se encontrava dentro do carro da jovem com Alex desajeitado atacando o cinto de segurança com sua mochila e Arabella rindo do mesmo. Ela o havia ido buscar para a escola e tão sorrateira quanto chegou, o levou até o carro.
— Incríveis! Não achei que fosse encontrar em lugar algum um maquiador como aquele ou um HD parecido! Simplesmente fantástico!
Arabella riu da animação do garoto dando partida.
— Fico feliz que tenha gostado.
Alex assentiu brevemente se escorando no banco.
— Vocês são realmente fantásticos.
As palavras do garoto fizeram Arabella voltar-se para ele confusa.
— Você e seu avô – explicou-se – vocês parecem tão acostumados com tudo isso.
A jovem fixou seu olhar fora do automóvel, saindo do meio fio, e esboçou um sorriso fechado.
Aquelas palavras a faziam se sentir estranha. Nunca pensou em si ou seu avô como fantásticos por estarem envolvidos naquilo, afinal, era tão natural quanto respirar para eles.
Mas a percepção de Alex a deixava ciente que todo o contexto ao redor dela era realmente incomum.
E mais incomum ainda era seu encontro com o garoto, no meio de toda aquela bagunça.
Sua missão original voltou aos seus pensamentos.
Arabella já não a carregava nos ombros com pesar e, ao contrário, até mesmo agradecia internamente a ela por ter lhe dado tantas possibilidades.
Nesses agradecimentos, ela também agradecia por Alex.
— Ainda não consigo acreditar que você estava baixando mesmo os arquivos da empresa.
A frase de Arabella foi espontânea, em contraste aos seus pensamentos, e fez Alex soltar uma careta. Ele a fitou constrangido, mas a mesma dedilhou no volante.
— Não estou te repreendendo – adiantou-se – se fosse você provavelmente faria o mesmo. É só que, não achei que fosse verdade mesmo, entende?
— Não tenho cara de hacker?
A jovem sorriu de lado.
— Não, nem um pouco.
Alex assentiu com um sorriso.
— Desde muito novo aprendi a mexer com isso. Nunca usei esse conhecimento para algo tão grande, mas depois do que descobri sobre meu pai...
— O que descobriu?
Os olhos amendoados caíram sobre Arabella, mas ela estava atenta demais ao trânsito para notar o olhar afetado.
— Ele me deixou uma carta – a voz do garoto saiu arranhada – contou que havia feito uma grande e perigosa descoberta, e que provavelmente estava sendo caçado por isso. Disse não viveria muito e que eu deveria continuar o que ele havia começado.
— Ele passou o legado.
Alex concordou.
— Mas ele não me disse onde estavam suas descobertas, nem como pegá-las. E fazia tão pouco tempo de sua morte quando achei a carta que acabei deixando para lá. Estava atual a sua memória.
— Entendo.
— Mas no mês passado reencontrei essa carta. Li e reli várias vezes, até perceber, coisa que não conseguiria fazer anos atrás, uma sequência. Havia uma mensagem secreta no meio da carta.
Arabella o fitou surpresa, mas o mesmo permaneceu com o olhar fixo no vidro do carro, recordando, com precisão, aquele exato momento do relato.
Ele podia sentir ainda em suas mãos a folha áspera e o cheiro forte de tinta. Conseguia visualizar as letras deformadas, que quando organizadas, lhe diziam exatamente o que procurar.
— Foi assim que consegui saber qual era a empresa, qual o arquivo e onde estava. Só precisei abrir mão das minhas habilidades de invasão.
Ele piscou para Arabella, orgulhoso, e a mesma sorriu.
— Quando te detectaram?
— Por erro meu sobraram alguns resquícios na rede. Percebi logo depois e resolvi deixar a poeira abaixar um pouco. Foi quando você chegou e tudo virou de cabeça para baixo.
— Não sei se interpreto isso de uma forma boa ou ruim.
O comentário fez ambos rirem.
— Depois que você chegou eu não tinha muito tempo para nada e nem ânimo – admitiu em voz baixa – você era a típica distração que afasta os homens de seus objetivos.
Arabella riu e lhe deu um tapa, sendo retribuída com um sorriso.
— No final, quando reuni coragem para terminar o que comecei, descobri que estava sendo monitorado. E você chegou naquela noite e tudo aconteceu.
A garota assentiu, com um semblante menos risonho, deixando os olhos de Alex a fitarem apreensivos. Lentamente ele alcançou uma das mãos da mesma, que jazia no volante, e a apertou carinhosamente.
— Não precisa ficar tão tensa com esse assunto – murmurou, alto o suficiente para que ela o escutasse – tudo isso já passou.
Um sorriso surgiu nos lábios fechados da jovem e com um aceno Alex lentamente afastou suas mãos.
— Durante esses dias em que estivemos separados eu continuei com o download – disse por fim após segundos de silêncio – e descobri que todas as informações convergem em um único ponto: um assassinato em massa.
Arabella deixou a expressão tornar-se sombria e trocando a marcha de forma mecânica, retesou o corpo. Alex imediatamente percebeu e antes que pudesse falar a garota diminuiu a velocidade permitindo aos olhos descerem sobre Alex.
— Eu ouvi falar sobre esse genocídio.
Alex a fitou surpreso.
— Fazem alguns anos e todos deixaram de lado, mas foi um grande impacto no mundo das empresas.
— E a empresa em questão deve ter sido a responsável – continuou o jovem – é a única resposta plausível para terem escondido.
A garota esboçou um sorriso fechado.
— Há tantas respostas longe de nossos olhos e tantas mais possibilidades incontáveis. Melhor não nos precipitarmos tanto.
Alex ia tentar argumentar, afinal encontrara pistas demais sobre o tema para estar errado em sua suposição, mas os olhos esverdeados estavam tão sérios e determinados que ele vacilou.
Arabella, querendo ou não, tinha muito mais experiência que ele. Ser o mais esperto entre seus amigos ou dotado de habilidades com computadores não fazia diferença nenhuma em relação a ela. Sua experiência não chegava aos pés da garota ao seu lado e contrariado ele teve que admitir:
Arabella sabia sobre o que estava falando.
E Alex não tinha qualquer autoridade para discordar.
Quase decifrando a discussão interna de Alex a jovem entrelaçou suas mãos e afagou a dele, sem tirar a atenção do trânsito. O garoto sorriu ao ato e retribuiu o toque.
— O mundo em que estamos é muito perigoso. Precisamos pensar com cautela.
Alex assentiu. Ela tinha razão. Apontar a empresa como culpada, apesar de todas pistas, era precipitado. Quantos filmes e jogos não tinham um plot twist no final? Por quantas vezes ele se surpreendeu com as tramas que pareciam tão óbvias e se mostravam complexas?
— Todas as nossas escolhas tem um peso muito grande – continuou a mesma – e não temos como saber se estamos fazendo o certo, ainda que exista confiança nisso.
Seus olhos se encontraram e a expressão tristonha no rosto da jovem fez Alex estremecer.
— Você estar aqui agora pode ter sido uma péssima escolha.
Alex encenou uma resposta.
— E pode não ter sido também – disse apertando ainda mais sua mão na dele – tudo o que podemos fazer agora é pensar com cuidado, qualquer ato precipitado pode acabar com tudo.
O garoto fez uma careta e Arabella sorriu.
— Não precisava fazer um discurso desses só pra me dizer que devo tomar cuidado – resmungou com um bico perceptível.
A jovem riu e apertou a bochecha dele com a mão livre.
— É um costume meu, desculpe.
Alex sorriu quando teve a bochecha solta, sentindo a ardência se espalhar pela mesma.
— Não se desculpe – ele apoiou o cotovelo na perna e o rosto na mão, deixando escapar um sorriso fechado – eu gosto dessa parte de você.
Arabella corou inconscientemente, tentando se manter com os olhos fixos na pista, fazendo o sorriso de Alex se alargar mais.
Ela era tão fofa quando surpreendida.
Essa mescla da Arabella que ele conhecia com aquela profissional que ela mostrou ser era novo e ao mesmo tempo gostoso. Alex sentia-se genuinamente mais próximo dela e toda e qualquer barreira que houvesse entre eles parecia ter desaparecido.
Após um baixo murmúrio da garota a dupla engatou em assuntos triviais, como o caminhar da própria escola e das aulas. E o tema até que estava indo bem, se não fosse pela tensão que se instalou após Sofia surgir na conversa.
— Temo por minha mãe.
As palavras de Alex ecoaram breves segundos no carro antes do foco de Arabella sair da pista para ele. A jovem sorriu, já estabilizada novamente no trânsito, e ele a retribuiu, carregando a expressão em seguida.
— Temo por minha família.
— Não precisa temer – ela entrelaçou seus dedos – Bill está tomando conta tanto da sua família quanto de seus amigos. Pode não parecer, mas vinte quatro horas por dia há homens de nossa confiança zelando por eles.
O suspiro de alívio que o jovem deixou escapar fez Arabella rir brevemente.
— Nós temos que nos preocupar é com você. É o único que está sendo realmente caçado.
— Eu sei – ele fez uma careta – estou com a cabeça à prêmio, não é?
— Sim.
Eles se entreolharam numa triste confirmação.
— Mas se Bill estiver certo, tudo logo vai se resolver. Não sei o que ele pretende, mas confio nele.
Os olhos de Alex avaliaram Arabella por segundos a fio, vendo-a dirigir.
— Você confia muito nele, não é? No seu avô.
A garota sorriu de lado.
— Agora, sim. Se fosse a algum tempo atrás diria que ele era totalmente fora de cogitação.
Ela trocou a marcha mais uma vez.
— Cresci longe dele e com minha mãe espalhando, para os quarto ventos, que ele era um velho louco. O admirei muito quando mais nova, mas após a saída dele da organização parecia que ele não era nada demais.
Arabella estalou a língua.
— Mais um erro para a minha caixinha.
Alex a observou atento e notou uma mudança no seu tom de voz. Aparentemente aquele assunto mexia muito com ela.
Seus erros.
— Fui adestrada muito bem por minha mãe. E sem nenhum pai, que barrasse suas investidas, o que podia fazer?
Houve um suspiro pesaroso e segundos de silêncio. Alex fitou a garota apreensivo e vendo-a com o olhar distante, se martirizou.
— Não precisa falar sobre isso se não quiser – murmurou.
Arabella olhou para Alex e em seguida para pista, balançando a cabeça negativamente no processo.
— Não, eu quero falar. Quero te contar tudo sobre mim.
O garoto sentiu o coração acelerar e assentiu, com um tímido sorriso.
Queria sim saber mais sobre Arabella, sobre seu passado, sua vida, seus pensamentos e sentimentos, mas não pretendia forçá-la a isso. Ela mentiu no início, sim, mas como ele podia sentir aqueles sentimentos e negar que ali existia amor?
A intensidade com que ela o olhava, que o retribuía, fossem em beijos ou meros apertos de mão, a forma com que o acolhia em seus braços e se mostrava disposta a corrigir seu erro, o impulsionava cada vez mais para ela.
Ela não precisava se forçar a ser verdadeira, ele confiava nela.
— Eu sempre fui a caçula – a voz dela o acordou dos pensamentos – e com minhas irmãs sempre no meu pé tudo parecia ridiculamente claro: eu tinha que ser o que elas queriam que eu fosse.
Ela suspirou.
— E eu fui.
Alex encarou sem propósito o painel do carro, ainda atento as palavras da mesma, sentindo algo pesar sobre seu coração.
— No final, eu não sabia nada sobre meu avô realmente. E acabei nesses últimos dias descobrindo que tudo aquilo que me fazia ter uma imagem distorcida era pura invenção.
Arabella sorriu.
— Ele é um homem bom apesar de tudo. Tem sim uma quedinha pelo exagero e pela adrenalina, tem seus próprios valores, mas não é um louco como minha mãe me fazia crer.
Alex assentiu e por um momento vislumbrou-a quando criança. Sua mini-versão de Arabella parecia letal, ágil, esperta e tão profissional quanto a adulta a sua frente.
Ser criada assim, de forma tão dura, era inconcebível para o jovem. Arabella nunca iria saber a sensação de ter colegas e brincar com eles. Ou o próprio ócio que toda criança tem direito.
O passado dela era pesado demais.
— Sua mãe parece ser realmente uma pessoa difícil.
— E ponha dificuldade nisso – disse num resmungo.
Alex sorriu com a reação roubando um mesmo sorriso da jovem. Por um momento houve silêncio, e quando a escola já se encontrava visível ao longe, o garoto se pronunciou, num tom amargo:
— Nós somos tão opostos, não acha?
As palavras fizeram os olhos esverdeados caírem sobre o mesmo, que tinha a expressão distante encarando a instituição escolar logo a frente.
— Nossos mundos são completamente diferentes – reafirmou.
Arabella assentiu, imperceptivelmente, quase que para si mesma, e deixou o olhar descer sobre o mesmo lugar em que se fixava a atenção do jovem ao seu lado.
Era verdade, eles eram diferentes. A história dos dois, seus passados e, provavelmente, todo o contexto que viveram. Mas havia algo que os ligava e era nisso que Arabella se focou ao voltar-se para ele.
— Sim, são. Mas nem só de semelhanças vivem as pessoas.
Alex sorriu voltando-se a ela.
— Nossas diferenças nos moldaram – o carro foi lentamente parando de frente a escola – isso é um fato. Mas o que vamos fazer com isso depende apenas de nós dois.
Quando o olhar de Arabella encontrou o de Alex, ambos sorriram.
— É verdade – admitiu desafivelando o cinto.
— Não pense demais sobre isso – a garota fez o mesmo, virando para Alex – eu estou aqui com você, não estou?
Alex se inclinou para ela, com os olhos fixos no seu, admirando as orbes esverdeadas e percebendo, finalmente, as cores que se mesclavam em sua íris. De um verde tão claro quanto o das folhas ao escuro das mesmas.
— Está sim – sussurrou de encontro a boca da jovem.
Arabella sorriu, afetada pela proximidade, e o beijou. Uma, duas, três vezes. O oxigênio do carro pedia socorro enquanto eles riam ao perderem o ar de seus pulmões. Poder beijar e tocar Alex, estar ali com ele, era muito significante para Arabella.
E foi transmitindo esses sentimentos que ela o beijou, impedindo-o de sequer sair do seu carro.
Não que Alex fosse reclamar, não mesmo. Ele sentia aquele momento, no pequeno espaço do veículo, com intensa agitação. Seu corpo e sua mente gritavam por Arabella e ele não sabia dizer o que fazer com tantos sentimentos.
E Alex os transmitia beijando-a com tudo que tinha, para dizer a ela, que era apenas ela quem ele amava.
Os olhos chocaram-se uns com os outros confirmando, para si mesmos, que aquilo era real.
Que aquela felicidade era real.
Entre os beijos, algo chamou a atenção da dupla. Batidas no capô do carro fizeram eles se afastarem.
Arabella voltou-se ao barulho e sorriu, rindo em seguida, ao ver Thomas e Henry parados na frente do veículo com sorrisos maliciosos e braços cruzados.
Alex corou ao notar, mas riu junto a jovem.
— A essa hora da manhã? – a voz de Thomas inundou o carro.
A dupla se entreolhou e riu novamente, com Alex fazendo uma careta para os amigos e mandando-os irem embora com um maneio da mão.
Henry riu, audivelmente, e seguiu o caminho para a escola, com Thomas retribuindo a careta de Alex e saindo em seu encalço.
— É melhor ir.
Alex encenou sua melhor expressão de tristeza, fazendo a garota rir.
— Não faça assim – ela puxou um lenço do bolso – estudar é importante, sabia?
Antes que ele pudesse responder Arabella esfregou o pano sobre a boca dele, limpando os resquícios de seu batom.
— Não quero que você vá embora de novo – sussurrou o mesmo após a limpeza.
— Nem eu quero ficar longe de você – ela espalmou as mãos no rosto do mesmo – mas nós precisamos. Prometo compensar depois – piscou.
— Certo, eu consigo suportar.
Arabella riu e lhe deu um beijo rápido.
— Tome cuidado, por favor.
A mão de Alex alcançou a da jovem e puxando-a para os lábios ele beijou seu dorso, olhando para Arabella em seguida. Algo dentro dela remexeu-se e o olhar do garoto pareceu impecavelmente sedutor.
Em que momento ele se tornou tão sexy?
— Quando vamos voltar a nos ver?
Arabella sorriu apertando a mão dele na sua.
— Em breve, não se preocupe.
A careta de Alex a fez rir e sob uma série de beijos e ameaças de sujá-lo de batom o garoto saiu do carro. Ele aprumou a alça da bolsa no ombro e com um último olhar e aceno para a jovem caminhou até a escola.
Antes de alcançar o portão o mesmo foi interceptado por Thomas e Henry que esperavam-no.
— Se Brad visse aquilo... – começou Henry.
— Se Brad visse o que? – a voz do loiro de sobressaiu as demais – O que eu perdi?
Henry e Thomas trocaram olhares brincalhões e enquanto Alex enrubescia tomando a dianteira do grupo contaram tudo ao loiro que riu animado, correndo até Alex em seguida o parabenizando.
Foi com essa animação que o grupo sumiu da vista de Arabella. Ela sorriu vendo-os seguir para dentro da instituição e apertou o lenço sujo de batom em suas mãos. Um suspiro saiu de seus lábios, pesaroso, e os olhos esverdeados pousaram sobre o painel do automóvel.
Novamente um peso enorme caia sobre suas costas. Toda a organização, o perigo que eles representavam, sua mãe e todos os agentes que com certeza se disponibilizariam para a missão de Alex pelo prazer de enfrentarem-na.
Por que tudo tinha que ser tão complicado para eles?
Arabella sorriu sem forças.
Na verdade, quando foi fácil?
O que Alex havia lhe falado era verdade: eles possuíam uma diferença gritante entre si. Mas ela tinha convicção em suas palavras e dando partida no carro repetiu para si mesma:
— Nós que escolhemos o que fazer com nosso futuro. Apenas nós mesmos.
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