Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 33
XXXIII.




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Naquela noite de terça-feira, após o banho, Alex se sentou de frente ao computador e o encarou num desafio. Os acontecimentos da tarde ainda se processavam em sua cabeça e em meio a uma conversa com Thomas, sobre a prova de biologia da sexta e o jogo que ele havia comprado, o garoto soltou um longo suspiro.

E então, vai jogar ou não?

Alex observou ligeiramente seu quarto, aparentemente tão vazio, e encarou o teto. 

Estava sem ânimo para jogos, para provas, para biologia. Arabella continuava ali, uma sementinha brotando em seus pensamentos, e ele não conseguia impedi-la.

A visão que ele tivera dela durante a tarde o inquietou. Ela estava mais do que cansada estava visivelmente a beira de um colapso. As palavras que ela dissera vez ou outra o faziam se sentir um idiota, desconfiando da autenticidade dos sentimentos que ele sentiu na pele.

Com mais um suspiro ele digitou:

Não vai dar, estou cheio de coisa pra fazer. Amanhã pode ser?

Em segundos a mensagem foi visualizada.

Você negando um jogo?! O que fizeram com meu amigo? Devolvam!

Alex sorriu.

É sério, vou sair agora, para estudar biologia, até mais.

Até amanhã companheiro, boa batalha.

Alex fechou a aba em um só clique e desligou rapidamente seu notebook. Levantando ele se alongou e catou na bolsa o livro de biologia, abrindo inconscientemente um sorriso. 

Biologia o lembrava Arabella.

Abrindo e folheando o livro ele parou na página de genética e lendo em voz alta para si mesmo caminhou despretensiosamente pelo quarto. O assunto parecia fácil e passando para o próximo ele se aproximou da janela.

A cada parágrafo que ele conseguia entender seus pensamentos voltavam a jovem, no momento em que ela havia lhe explicado o assunto. Na sua inclinação sobre ele, com os cabelos lhe caindo no rosto enquanto ela inutilmente o puxava trás, no tom de voz que o incentivava a querer acertar sempre e no sorriso ao final de suas respostas, ainda que essas estivessem erradas.

Debruçado no parapeito da janela Alex encarou a rua vazia com a fraca luz dos postes clareando o caminho. Onde ela poderia estar?

O garoto se aventurou a ir no apartamento da jovem durante a semana, mas além dele se encontrar vago, não havia nenhum registro da passagem dela por lá. Nem seu nome ou qualquer identificação sua.

E o telefone sequer discou.

Segundo os homens de mais cedo ela havia saído da organização em que trabalhava e isso fez Alex se questionar se todas as destituições, em relação a escola, ao apartamento e as aulas de reforço vieram realmente dela. Ou se eram apenas consequências da escolha que ela fez.

Com um suspiro Alex voltou seu olhar ao livro em suas mãos. Ele recitou, com maestria, boa parte de citologia, errando em muitas e resmungando sobre o resto. Arabella fazia o assunto parecer tão fácil que ele havia esquecido porque mandava tão mal em biologia.

Mais uma vez o olhar caiu para fora da janela, desta vez no céu noturno, e seus olhos lá se fixaram, na lua que iluminava com dificuldade aquela noite. Ele queria poder ver Arabella novamente, mas não sabia se iria se acovardar mais uma vez.

Acima de tudo, ele conseguiria vê-la novamente?

No final, ele era realmente patético.

 

••

 

Arabella pousou silenciosa sobre o telhado rubro da casa de Alex naquela noite. Depois do acontecido de mais cedo, com o garoto quase sendo atacado, ela cedeu ao charme de seu avô para reforçar a segurança, mas se prontificou a si mesma a ir lá, conferir como ele se encontrava. Mesmo que escondida de Bill.

Uma bela desculpa para matar as saudades.

Com passos quase flutuantes ela se deslocou até próximo a janela do garoto e quando se acomodou notou a mesma abrir. Alex suspirou pesaroso nela, se debruçando e encarando a rua tristonho com um livro velho em mãos.

De repente, surpreendendo Arabella, o mesmo começou a recitar sobre as células, suas fases, seus componentes. Ela tapou a boca antes que algum som se sobressaísse e chamasse atenção, sentindo os olhos encherem-se de lágrimas.

Inconscientemente, junto ao garoto, ela começou a o acompanhar, baixinho, rindo para si mesma quando ele errava uma palavra ou se esquecia de outra, e se xingava por isso. Durante toda a noite ambos permaneceram juntos ali, na janela, sem realmente trocarem uma só palavra, tendo apenas a lua como plateia.

Foi uma das únicas noites, depois que se separou de Alex, que Arabella conseguiu sorrir e rir genuinamente. Ainda que não tivesse tido qualquer contato direto com ele. Encolhida no telhado e ouvindo a voz do garoto, ela sorriu.

Era inegável, no final seus sentimentos eram mais fortes do que toda aquela distância.

 

•••

 

Quando o sono chegou para Alex ele não esperou um só minuto para se deitar, desabando de cansaço na cama macia. Os livros e cadernos que usara para estudar biologia se encontravam espalhados pelo chão, por sobre a escrivaninha e até mesmo ao seu lado na cama.

Arabella pisou cautelosa no recinto, depois de entrar pela janela utilizando um de seus apetrechos. Ela encarou nostálgica o quarto do garoto com um sorriso tímido no rosto.

Parecia maior do que quando entrara pela primeira vez. Fazia quanto tempo desde que pisara ali?

Um ronco baixinho soou, despertando a jovem, que se esgueirou silenciosa em direção ao garoto. Alex dormia pesadamente, com o rosto amassado no travesseiro e encolhido de frio, com o lençol bem acessível a seus pés.

Arabella o cobriu lentamente e sorriu consigo ao vê-lo murmurar algo, revirando na cama. Os olhos da mesma pareciam memorizar cada milímetro de Alex, mantendo-o avidamente em sua memória.

Há quanto tempo não o via de tão perto? Não sentia seu cheiro, seu calor?

Prostrada ao lado da cama e observando, inclinada sobre o jovem, os traços únicos de seu rosto ela desejou que a manhã não viesse e que fosse noite para sempre, para que pudesse continuar ali.

Estar ali com ele mais um vez.

As lembranças a torturaram e com tristeza ela se lembrou dos risos, das conversas, das partidas no vídeo game, dos beijos e dos abraços. Com um suspiro ela recordou da tristeza estampada no rosto dele, da raiva, amargura, decepção.

Pareciam séculos de distância que se impunham entre eles e esse tempo só parecia aumentar para Arabella. Ela o amava e estava disposta a dar tudo por ele, mas não podia negar os seus próprios desejos, seu próprio egoísmo em querer continuar ao lado dele o máximo que conseguisse.

Mas ela já não tinha muito tempo.

O celular em seu bolso vibrou e ela atendeu, sorrindo de lado com a bronca estrondosa que veio do outro lado da linha.

— Onde diabos você está garota?!

A voz de Bill saiu revoltada.

— Ligou para que?

O homem do outro lado bufou.

— Acabei de receber uma informação dos meus agentes infiltrados.

Os olhos esverdeados caíram sobre o garoto sereno na cama, se adaptando ao calor do lençol.

— O caso do garoto acabou de passar de ranking B para ranking SS. Você está me ouvindo? Ranking SS! – exclamou estupefato.

Essa troca de ranking tão repentina não era uma surpresa para Arabella, ela tinha certeza de que viria. Com um sorriso melancólico a mesma deslizou seus dedos pelos cabelos do garoto, afastando-os de seu rosto.

— Entendido, estou voltando imediatamente.

— Você ainda me mata garota! – resmungou Bill, bufando e desligando.

Arabella afastou lentamente o aparelho da orelha, ainda com o olhar triste sobre Alex. A mudança abrupta de ranking acarretaria em muito mais perigo e ela sabia que já não podia mantê-lo seguro com tão pouca energia.

A jovem agachou-se ao lado da cama e beijou o topo da cabeça de Alex, vendo-o resmungar e se remexer. Um novo sorriso, mais melancólico do que antes, lhe invadiu as feições.

— Eu te amo – ela sussurrou puxando o lençol para cobrir-lhe perfeitamente – ainda que você não acredite mais em mim.

Com um novo beijo na testa ela se afastou lentamente em direção a janela.

— Adeus Alex.

No mesmo movimento sutil de entrada Arabella saiu do recinto, fechando a janela no processo. Estava deixando para trás a coisa mais importante que possuía, mas sabia que era necessário. Ao menos sua consciência sabia, seu coração não.

 

•••

 

— É um absurdo! – exclamou Bill pouco depois da chegada da jovem.

Ambos estavam na sala reservada para a garota e enquanto Arabella jazia sentada no sofá Bill andava de um lado para o outro, num discurso hediondo sobre como sua filha conseguia ser tão imprudente.

— A missão foi de B para SS, você entende a sandice nisso?

A garota suspirou se inclinando para frente.

— Sim.

— Então fale alguma coisa! Não quero acreditar que só eu estou indignado com isso.

— Com certeza não, mas não tenho muito o que falar, eu já previa isso.

O velho riu com desdém acendendo um dos charutos dispersos na estante próxima, usados como decoração. Ele tragou duas vezes o mesmo, soltando de uma só vez a fumaça.

— Você sabe que missões SS requerem profissionais bem mais qualificados, não sabe?

Arabella fitou o homem em silêncio, suspirando pesarosa em seguida. Era claro que ela sabia.

— O perigo vai triplicar, não, não, quintuplicar...

Bill parou e se escorou na mesa grande da sala, que agora se encontrava com dois fuzis montados e polidos em sua superfície. Arabella se levantou devagar e caminhou em mesmo ritmo até a mesa, ao lado do velho, esmurrando-a ao se aproximar.

Os olhos analíticos do homem pousaram sobre ela, vendo-a transtornada por dentro, mas excessivamente controlada por fora. A quem aquela garota havia puxado afinal? Ele era daquele jeito, a mãe do outro, e o pai...

— Ele não se encaixa em ranking SS – murmurou com os olhos fixos nos fuzis – e ela sabe disso, está me provocando.

— Vai ficar ainda pior, quer continuar?

Arabella fechou os olhos e respirou fundo. Desistir para ela, ali, naquele momento, não era opção. Não quando a vida de Alex correria perigo em qualquer escolha tomada por ela. 

Arabella simplesmente só podia continuar lutando para defendê-lo.

— Eu vou continuar.

Bill sorriu, pondo o charuto na boca novamente.

— Aquela desgraçada – ralhou a jovem virando de costas para a mesa e se apoiando igual ao homem – fez tudo isso para me atingir.

— E aparentemente está conseguindo – comentou o velho.

Arabella suspirou de novo.

— Nós vamos lutar – disse cruzando os braços, com o olhar fixo na parede – e nós vamos acabar com todos.

— É assim que se diz! – comemorou o homem apagando o charuto.

— Deixe tudo pronto para os próximos dias – ela descruzou os braços fitando as orbes do avô – nós vamos com tudo.

Bill sorriu abertamente. Aquela era uma língua que ele gostava de ouvir.


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Notas finais do capítulo

Tão melancólico né? Essa distância... Às vezes me pego pensando o que faria se estivesse no lugar deles. E vocês? O que fariam?



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