Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 26
XXVI.




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Quando a última caixa foi entregue Alex suspirou satisfeito, dando uma última conferida na ata. Arabella estava ao seu lado, acenando para a família que se afastava. Os olhos esverdeados caíram sobre os cabelos negros do garoto e em seguida desceram para sua face.

Alex estava tão concentrado que a fez abrir um pequeno sorriso.

— E então, o que achou?

— Diferente – comentou abaixando a prancheta – no mínimo.

— Por que?

— Nunca parei para perceber essas pessoas ao meu redor.

— E elas literalmente estão ao redor – murmurou a mesma – quase metade dessas pessoas trabalha lá no colégio, mas ganham tão pouco...

— Sério? – ele encarou as casas.

Arabella assentiu o imitando, com os olhos cortando as sacadas ao redor. Em seguida seus olhos pousaram sobre Alex e ela deixou um sorriso escapar.

Ela também nunca havia percebido pessoas como Alex. Ele era, no mínimo, o tipo que ela nunca havia encontrado na vida. Seria por isso que aquele garoto havia lhe interessado tanto? Sua singularidade?

Arabella abraçou o garoto, que surpreso, lentamente a acolheu.

Sim, havia sido a singularidade dele que lhe chamou a atenção. Mas de uma coisa ela tinha certeza: nada além dele mesmo a fez gostar dele. Nenhuma singularidade a envolveria tanto quanto o caloroso abraço daquele garoto ao seu lado.

Arabella o amava tanto...

 

•••

 

Quando o sol cedeu e Arabella voltou ao volante eles seguiram até a casa de Alex. Durante o caminho a conversa sobre experiências desastrosas da garota no trânsito gerou boas risadas, mas nada que tirasse a atenção da jovem de uma coisa que a havia incomodado desde a entrega.

O olhar cabisbaixo de Alex.

A poucos quarteirões da casa do garoto Arabella diminuiu a velocidade, chamando a atenção do mesmo.

— Algo aconteceu?

As sobrancelhas dele se elevaram confusas.

— Como assim?

Os olhos esverdeados desceram sobre o jovem que estremeceu com a sombra de preocupação sobre eles.

— Enquanto entregavamos as caixas – explicou – você parecia...

Ela olhou do garoto para a estrada, da mesma para o volante, procurando a palavra que se negava a sair de sua boca.

— Parecia...?

Arabella respirou fundo abaixando a cabeça.

— Triste.

Alex a observou quieto, mas gentilmente puxou sua cabeça, depositando um beijo singelo nas madeixas curtas da garota.

— Eu fiz alguma coisa? – perguntou baixinho.

Alex sorriu.

— Não, você não fez nada.

— Então você não gostou de ir lá? Só achei que seria interessante se...

— Eu gostei de ir lá.

Ela se calou com o olhar fixo na estrada. Por que aquilo parecia tão difícil? Nenhum missão parecia tão complicada perto daquilo. Alex era mais complexo do que ela imaginava.

— A verdade é que não sou muito bom em lidar com o mundo real.

Arabella o olhou, mas nada disse.

— Desde que meu pai morreu tenho afundado nos jogos. É um lugar bom, entende? Para fugir das coisas. Lá você pode ser quem você quiser, você tem poderes, pode correr, lutar, brigar, perder e vencer sem nenhuma consequência real.

Os olhos tristonhos do garoto encararam suas mãos.

— Eu fugi para lá por tempo demais – murmurou fechando-as.

Uma das mãos da jovem envolveram as de Alex que sorriu sem força, ainda com os olhos sobre elas.

— Desde que você apareceu eu tenho sido forçado a sair desse lugar de conforto. E quanto mais eu saio e mais olho para você aqui fora, mais me sinto patético.

Uma risada forçada saiu de seus lábios.

— Eu sou um adolescente estúpido que é viciado em vídeo games e é ruim em biologia.

— Isso não é verdade.

Alex negou com a cabeça.

— É sim. Meu pai sempre me dizia que queria me ver crescer e me tornar um grande homem. Estou com dezessete anos e pareço diminuir cada dia mais.

— Ei...

— E aí vem você – os olhos dele chocaram-se com os dela, fazendo-a se calar – você apareceu do nada na minha vida e fez tudo ficar de cabeça para baixo.

Ele apertou a mão dela nas suas.

— Arabella, você faz parte da realidade que eu sempre fugi. Mas eu não quero fugir de você.

Um sorri tímido surgiu no rosto da mesma.

— Mas pra estar com você do jeito que quero, eu tenho que sair desse lugar de conforto em que estou. E tenho tanto medo disso.

As mãos dele tremeram e Arabella novamente as apertou.

— Por que eu? Por que você me escolheu?

Ela piscou aturdida.

— Por que, exatamente, eu?

Arabella endireitou-se no banco do motorista e fitou a mudança de pistas a sua frente.

— Por que você gosta de mim Alex?

A pergunta pegou o garoto de surpresa e ele, ainda que tenha aberto a boca para falar, não conseguiu responder.

— Eu não sei.

— E como eu saberia o porquê de gostar de você? – retrucou a mesma.

Ele a fitou e pôde perceber a expressão de ofensa.

— Eu não sei – disse pausadamente.

Ela suspirou.

— Sabe porque nem eu sei, nem você sabe?

Alex negou com a cabeça.

— Porque nós não escolhemos isso, entende?

Arabella trocou a marcha.

— Nós não escolhemos de quem vamos gostar ou quem vamos odiar. Simplesmente acontece e quando você vê, está lá.

A mão de Arabella voltou às mãos do garoto, entrelaçando-as.

— Em algum momento comecei a gostar de estar com você. Porque a sua companhia me fazia sentir bem. Quando olhava para você me sentia bem. Quando olho para você, agora, do meu lado, me sinto bem. Eu me sinto extremamente feliz. Isso é gostar de alguém.

Alex assentiu calado.

— E é por isso que é você Alex, não outra pessoa.

O carro foi lentamente parando na frente da casa do garoto. Alex encarou a frente dela por longos segundos enquanto Arabella desligava o motor.

No breu do veículo a dupla se entreolhou. A mão da mesma suavemente deslizou pelo rosto do rapaz e um breve sorriso surgiu em seu próprio.

— Você não precisa vir inteiramente para essa realidade de que fala. Eu estou aqui, é verdade, mas vou estar onde você estiver também. Não precisa ter medo porque eu estou com você.

Por um momento Alex sorriu deleitando-se com o toque macio da mão dela em seu rosto.

— Me sinto ainda mais patético agora que te contei tudo isso.

Arabella riu e puxou o jovem para um abraço.

— Não, você não é patético. Todos temos nossas sombras Alex, uns mais outros menos, e isso não tira a importância delas. Fico feliz que tenha se aberto comigo dessa forma, fico muito feliz.

— Eu gosto tanto de você – ele sussurrou afundando o rosto no abraço da jovem sentindo o cheiro dela o confortar.

Arabella sorriu e o apertou mais contra si.

— Eu também gosto muito de você – disse entre os fios do cabelo do mesmo.

Eles ficaram ali por longos segundos. 

Era o momento que precisavam para si. Para mergulharem um no outro, com seus medos e inseguranças. Era um espaço de verdade, nua e crua.

Quando o aperto se afrouxou e Arabella o permitiu sair, ele a beijou. E foi um toque cheio de sentimentos, por parte dos dois.

Assim que se separaram os olhos mesclaram-se um no outro e um sorriso surgiu em ambos. Arabella selou seus lábios uma última vez antes dele destravar a porta do carona.

— Nos vemos amanhã? – perguntou Arabella quando ele já se encontrava fora do veículo.

— Se você ainda quiser me ver – brincou.

Ela se inclinou até o banco do passageiro e apertou com força uma das bochechas do garoto, fazendo-o chiar de dor.

— Eu sempre vou querer ver você, Alex.

O mesmo sorriu com as maçãs do rosto se tornando suavemente avermelhadas, fazendo um sorriso também surgir no rosto de Arabella.

— Então até amanhã.

— Até amanhã, Arabella.

Alex lhe deu um último beijo e quase correu até a porta de sua casa, com um sorriso no rosto. Ela o observou se afastar e não controlou o enorme sorriso também em seu rosto.

Arabella sabia, dentro de seu peito, sem necessidade de qualquer confirmação, que o amava.

Vê-lo se abrir com ela preencheu seu coração de uma nova energia. Ela sentia-se mais próxima e mais íntima. Alex realmente a fazia sentir-se diferente. Mais feliz. Mais em casa.

Mais ela mesma.

Por fim, ela deu partida na caminhonete.

 

•••

 

Assim que abriu a porta Arabella trotou cambaleando para dentro do apartamento enquanto tentava tirar o sobretudo e o sapatos num mesmo movimento. Após a breve luta ela rumou a cozinha se munindo de um quente café e torradas prontas.

Quando sentou ao sofá e abriu o notebook Arabella assoprou a caneca com um sorriso enorme no rosto. A tela anunciava a falta de apenas dois por cento da vistoria ao computador do garoto.

Logo tudo teria acabado.

Sem pressa ela bebericou do líquido e dedilhou os canais da televisão, parando na câmera da sala da casa. Sofia brincava com Clara no tapete enquanto riam e corriam pelo cômodo. A garota sorriu de imediato.

Clara e Sofia eram especiais para Arabella, que com o tempo percebeu-as como sendo a irmã e a mãe que nunca tivera. Sua mãe sempre foi presente em sua vida, porém tão distante emocionalmente que qualquer contato era preenchido de uma grossa camada de “só fale comigo o necessário”.

Suas irmãs, por outro lado, quase nunca a viam. Eram separadas pelas missões desde muito cedo e o teor profissional sempre rondava suas conversas. 

Arabella nunca teve uma relação de irmandade com nenhuma das irmãs e a única memória próxima a isso que guardava delas, foi quando se machucou, bem pequena, e sua irmã mais velha prontamente lhe ajudou com o ferimento. Ainda que rindo de sua situação.

Minutos depois de assistir, sem ânimo, a programação da televisão a jovem depositou a caneca na pia e se encaminhou para o banheiro, tomando uma demorada ducha quente.

Por entre seus pensamentos, debaixo da água, passaram-se várias coisas.

Seu trabalho. As pessoas que havia matado. Alex. Sofia. Clara. Sua mãe. Sua última missão. Miguel. Samuel. Steve.

E no meio do furacão em sua cabeça um alarme soou na sala, vindo direto do computador. 

Com calma ela se enxugou e vestiu uma toalha. 

Quando os pés quentes percorreram o chão gélido do apartamento em direção a sala, seu celular tocou. No meio do caminho ela o atendeu e ao parar de frente ao monitor todo seu corpo envolto a água quente pareceu gelar.

A tela piscava agitada e o chiado do seu celular a deixou surda por breves segundos. Todo o corpo de Arabella estremeceu.

— Mudança de planos. Elimine Alex Martin imediatamente.

Na tela do notebook a seguinte mensagem piscava:

Alerta de atividade detectada18:47.


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Notas finais do capítulo

...mas deu ruim, hein?



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