Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 25
XXV.




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No dia seguinte Alex acordou sozinho na cama. Ele piscou várias vezes se localizando no espaço-tempo e encarou tristonho a colcha vazia ao seu lado.

Toda a noite anterior passou como um raio por seus pensamentos e ele suspirou.

Havia realmente​ sido um sonho?

— Bom dia.

A voz de Arabella soou, cantarolando. Os olhos castanhos percorreram todo o quarto até caírem sobre a poltrona ao lado de sua cama. E lá estava ela. A garota se encontrava sentada com os pés apoiados no móvel, encolhida, e com um sorriso de lado em seu rosto.

Os cabelos se encontravam tão curtos quanto antes, porém volumosos o suficiente para parecerem desarrumados. Ela tinha uma expressão de sono no rosto que fez Alex sorrir de imediato. Arabella havia dormido ali afinal.

— Faz quanto tempo que está aí? – ele bocejou alongando-se.

— Alguns minutos – mentiu.

Arabella havia acordado de madrugada e com seu organismo acostumado a longas jornadas sem dormir, o sono não veio. Ela continuou nos braços de Alex durante algum tempo, mas logo levantou. 

Vasculhou silenciosa o quarto, em busca de qualquer evidência que pudesse inocentá-lo da missão, mas não obtivera resultados.

Por fim se sentara ali quando o sol começou a surgir no céu sombrio de inverno. Observou o garoto dormir e se deleitou ao sentir o calor que aquele quarto emanava. Era como estar em casa.

— E ficou me observando? – perguntou sentando com um sorriso – É algum tipo de maníaca?

Arabella sorriu em resposta. Ela se lançou sobre o rapaz o derrubando novamente na cama e o segurando com seu corpo.

— Você não escaparia de mim se eu fosse – piscou.

Alex riu e a agarrou, rolando pelo colchão.

— Adoraria ser capturado por você.

O garoto processou suas próprias palavras por breves segundos e sorriu consigo. Nunca havia se imaginado falando aquilo, mas lá estava ele, de mãos atadas a garota deitada em sua cama. 

Arabella sorriu em resposta e antes que pudesse dizer mais alguma coisa, uma voz soou por todo o primeiro andar.

— Alex, hora do colégio.

O garoto fez uma careta, sentindo-se envergonhar. Estava de frente a Arabella e sendo tratado como uma criança pela mãe, aquilo podia piorar?

— Vamos querido, não vá se atrasar.

Podia. O jovem corou e Arabella o observou, rindo em seguida. Alex resmungou algo levantando do colchão enquanto ela sentava.

— Vou me organizar para ir a escola – ele começou – você vai...

— Eu tenho que ir para casa – o interrompeu – nos vemos mais tarde como combinado?

Alex não deixou de sorrir.

— Claro.

Quando o mesmo entrou no banheiro, a garota rumou a saída. Descendo as escadas encontrou Sofia e Clara no andar de baixo. As cumprimentou e declinando o convite para o café, saiu com um breve carinho nos cabelos da pequena.

Em passos rápidos caminhou até seu apartamento e ao abrir a porta e entrar, nada foi mais gratificante que o calor que jazia lá dentro. Ainda que aquele calor não chegasse aos pés do que havia sentido na casa de Alex minutos atrás.

Sem demora ela rumou ao banheiro, afinal, teria um longo dia pela frente.

 

•••

 

— Onde estamos? – perguntou Alex descendo da caminhonete.

Arabella e o garoto saíram do estacionamento da escola no automóvel e seguiram juntos até uma parte da cidade desconhecida pelo garoto. 

Conversaram pouco dentro do veículo, com Arabella fazendo suspense e Alex a ameaçando vez ou outra.

O clima era único.

A dupla carregou pelo trajeto, na traseira do veículo, diversas caixas de alimentos e kits de higiene, separadas em fileiras e amarradas em grossas cordas.

— Aqui é a parte mais esquecida da cidade – comentou a jovem também descendo – conseguimos arrecadar com o projeto itens suficientes para ajudar esses moradores. E você me ajudará a entregá-los – sorriu para ele.

O garoto assentiu olhando ao redor. A paisagem era completamente diferente da que via em seu percurso para casa. As casas eram mais velhas e pareciam apodrecidas pela tinta que jazia borrada pela chuva. As madeiras que completavam as construções eram quebradiças ou já partidas, e boa parte delas ainda não possuía reboco, mostrando claramente os tijolos.

Arabella chamou a atenção de Alex ao lhe dar um beijo rápido. Ele a fitou surpreso, na frente de tantas pessoas que se aproximavam, e corado.

Se ele soubesse o quanto Arabella adorava suas expressões...

Ela entregou ao jovem uma caderneta e no primeiro olhar sobre seu conteúdo o mesmo compreendeu do que se tratava. Era uma lista com o nome das pessoas e suas casas, além dos itens que seriam distribuídos para cada um.

— Cada família vai ter direito a uma caixa de alimentos e de higiene – alertou a jovem, num estranho tom profissional.

Alex a observou por breves segundos e percebeu o quão adulta Arabella parecia. Ela era madura e inteligente, e sempre que falava o garoto podia perceber a autoridade que trazia em sua voz. Era natural dela ser assim. E ele se perguntou o que fazia ao lado dela.

Eles eram tão diferentes.

Ele era um adolescente, imaturo o suficiente para discutir com a mãe sobre aulas de reforço e ficar preso em jogos de computador buscando fugir da realidade ao seu redor.

Enquanto Arabella...

Arabella parecia estar sempre na realidade.

Alex suspirou voltando a observar a planilha.

— Você marca nas famílias que já receberam, tudo bem?

Ele a fitou nos olhos e os verdes dos dela o fizeram ser preenchidos de insegurança. Por que ela havia escolhido ele?

Alex tinha certeza que qualquer homem estaria aos pés dela, assim como ele estava. Ele podia ver no olhar dos poucos moradores que se aproximavam a admiração com que a olhavam. Por que exatamente ele?

— Alex, está me escutando?

O garoto piscou voltando a realidade e assentiu rapidamente. Arabella o observou sem aceitar a resposta, mas explicou novamente o processo de checagem e não demorou muito para iniciarem as entregas.

Logo os moradores fizeram uma fila e pouco a pouco as famílias pegaram os suprimentos. Alex observou o rosto de cada um e sorriu consigo pela felicidade daquelas pessoas. Nunca havia realmente parado para observar as vidas ao redor da sua e o quão desigual poderiam ser as diferenças.

Havia nascido e crescido numa área residencial de classe média, longe de qualquer contato com a pobreza. E ver ali, tantas famílias necessitadas e felizes ao receberem o mínimo, o fazia repensar todas as vezes que reclamou sobre algum almoço e o jogou fora por birra.

Aquelas pessoas eram fortes, determinadas e traziam consigo sorrisos nos rostos, apesar do contexto em que se encontravam. Uma das famílias comentou com o garoto sobre a última vez que receberam tanta comida: fazia mais de um ano.

E o carregamento não trazia nada além do básico.

Alex entendeu, naquele momento, que o mundo ia muito além da sua bolha e talvez fosse isso que seu pai sempre falava. Sobre as pessoas invisíveis a sociedade e que são negadas pelas mesma.

O garoto também observou Arabella.

Ela parecia tão encantada quanto ele, conversando com alguns moradores que lhe agradeciam com fervor. Mas, não admitindo levar os créditos sozinha, sempre o puxava, apresentando-o como seu companheiro e usando o nome da escola como principal patrocinador.

Alex sempre enrubescia e os moradores sorriam.

Ele lhes entregava a caixa e a família saia satisfeita, com pelo menos a certeza de mais algum tempo longe da fome.

Os olhos do garoto sempre que possível o traiam e seguiam até Arabella.

Ele conseguia ver o quão feliz a mesma aparentava estar, pelos sorrisos e o carinho com que acolhia aquelas pessoas.

E ela realmente estava feliz.

Arabella se sentia satisfeita consigo mesma, com suas ações e a sensação que havia se alojado dentro de si.

A verdade era que o projeto não passava de uma maquiagem para a missão. Mas como poderia ela deixar aquelas pessoas desamparadas? Havia visto muita coisa pelas missões que passara, e apesar de durante todas elas se cegar a isso, daquela vez iria ser diferente.

Faria valer seus próprios sentimentos e eles diziam que ela deveria ajudar aquelas pessoas. Foi assim que Arabella, sozinha, se empenhou na horta da escola, conseguindo uma estufa para a horta sobreviver ao frio, e arrecadou esses mantimentos.

E ela só podia apontar uma pessoa como responsável por tudo isso: Alex. 

Depois que o conhecera havia começado a ter esses sentimentos e esses atos, tão únicos e que diziam tanto sobre ela.

Alex, do outro lado da pequena multidão, sorriu consigo vendo a mesma fazer valer seu trabalho. Arabella era realmente uma garota incrível, pensou

Não, garota não. Ela era uma mulher.


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Notas finais do capítulo

Eu não queria dizer não... [cont.]



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