Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 17
XVII.




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Quando Arabella entrou no apartamento, depois de Alex, compras e sorvete, aquele lugar imenso pareceu extremamente vazio, apenas com seus passos ecoando pelo piso liso. 

Ela depositou, cansada, o calçado e o sobretudo na entrada e se jogou sem cerimônia no sofá.

O acolchoado a acolheu e a mesma permaneceu ali, parada, encarando o teto sem cor de sua residência. 

Muitas coisas passavam por seus pensamentos e no emaranhado deles a única coisa que parecia sempre se sobressair era o garoto, que a acompanhou durante o dia.

Há quantos dias não tinha mais nenhum progresso na missão? Quantas horas passou junto de Alex e sequer se aproveitou para extrair qualquer informação?

Arabella suspirou pesarosa no sofá.

Ela sempre, desde a infância, se preocupou com missões e resultados, alvos e métodos. Mas ali, deitada no sofá e encarando o teto depois de um dia cansativo e divertido, ela não sentia qualquer pressão cair sobre seus ombros.

Nem sobre a missão, nem sobre seu alvo, muito menos sobre resultados.

Um novo suspiro escapou de seus lábios.

Nada parecia certo ali. O que havia mudado?

Entre a confortável acolhida do sofá e os pensamentos agitados, um passado distante se fez vívido. Sua infância. Sua vida antes daquilo tudo.

 

•••

 

Arabella, pequena, corria de um lado para o outro dentro de um apartamento pequeno e apertado. Era baixinha e magra, com seus seis anos de idade, e possuía os cabelos negros já lhe alcançando os ombros.

Ela era rápida, desviando dos móveis, em direção ao seu quarto: um vão minúsculo no final do corredor estreito. As paredes de todo o apartamento eram cobertas por papéis de parede avermelhados, assemelhando-se a tijolos sobrepostos.

Os móveis eram velhos e entre um sofá limpinho e mesinhas de madeira sem poeira, se encontravam alguns poucos que ainda demonstravam sua idade: como a cristaleira próxima a pequena mesa de jantar a poucos passos do sofá, ou a estante no canto da sala, ao lado da televisão antiga.

O espaço era pequeno demais para se notar a pequena nuance da transição entre a sala e a cozinha, e o fogão jazia ao lado de um jarro de flores enquanto a geladeira se colocava ao alcance de um palmo do sofá.

Houve um gritinho animado, ecoando pelo apartamento, e em seguida Arabella se lançou em sua cama, gargalhando dentro do minúsculo quarto.

Dentro do cômodo o ar era pesado e escuro, não havia janelas, e os poucos móveis presentes eram uma cama velha e uma cômoda, coberta pelo desgaste do tempo.

O som de batidas na porta gerou mais uma série de risos na pequena, que se escondeu debaixo do fino lençol sobre a cama, emaranhando seu vestido florido com a colcha. 

Passos se aproximaram e Arabella tapou a boca, contendo a risada. Alguém puxou a coberta e a pequena irrompeu em risos.

— Peguei você.

 

•••

 

A voz era grossa, rouca, distante. Era a voz de seu pai.

Aquela era a única lembrança que ela mantinha dele.

Arabella revirou-se, agora de volta ao presente, no sofá de seu luxuoso apartamento. Tinha poucas memórias da época em que conviveu com seu pai, antes de sua mãe ficar em definitivo com sua guarda.

Eles brigaram tanto por ela. Onde ele poderia estar agora? E o que acontecia depois daquela lembrança?

Seu passado se resumia as missões que havia feito. Sem dificuldade ela se lembrava de flashs de sua infância, quando era treinada por sua mãe, na sala de treino da organização, ou quando suas irmãs a ensinavam, usando livros grossos e pesados, sobre as matérias escolares.

Mas seu pai não.

Ela só lembrava simplesmente daquele breve momento, que parecia feliz e alegre, e lhe aquecia o coração, como numa calorosa manhã de primavera.

Com mais um suspiro ela fechou os olhos. 

Alex parecia revirar essas lembranças, atiçando-as com a aura familiar que trazia consigo. Ou simplesmente com a forma destoante que ele a fazia agir.

Arabella sentou no sofá, com os olhos fixos no centro disposto na sala, e suspirou uma vez mais. Não era só questão de estar agindo diferente, ela estava se sentindo diferente.

— O que diabos está acontecendo?

Ela se levantou preguiçosa e em passos lentos rumou a geladeira, tirando de dentro uma das muitas caixas de suco. Abriu vagarosamente a embalagem e no primeiro gole sentiu o doce do suco lhe arder na garganta seca.

De repente, suas últimas missões fervilharam em sua mente. E cada alvo, fosse homem ou mulher, se fez mais significante para ela.

Como Carl, por exemplo, de quem ela extraiu informações para uma famosa indústria e sequer se importou com as consequências do mesmo perder o emprego. Ou Ana e Vitória, irmãs que tiveram a infelicidade de ter Arabella em sua vida, pondo seu pai atrás das grades.

Ou como seu trabalho mais recente: Simon. Sócio de uma empresa automobilística que acabou na mira dos concorrentes nada satisfeitos com seus bons resultados no mercado.

Com ele Arabella teve que ser como uma cobra, indo lenta e gradualmente se instalando na empresa e no dia-a-dia do homem. De codinome Mônica, a jovem não demorou muito para que, com as informações da empresa na palma da mão, descobrisse o ponto fraco do mesmo: um cassino clandestino, regado de mulheres e bebida.

Arabella se apropriou muito bem do fato e sem demora começou a também frequentar o lugar, estudando Simon de longe. Suas jogadas, seus lances, suas atitudes com as pessoas, suas manias e sua forma escrota de flertar com todas as mulheres que via.

No dia calculado, ela atacou. O homem estava sentado próximo a mesa de apostas, frustrado com mais uma derrota, e bebia lentamente seu último copo de whisky encarando desafiador seus companheiros, sequer abalados com seu olhar.

Arabella se aproximou rindo explicitamente de sua situação e ele a fuzilou com o olhar, pronto para cuspir-lhe uma afronta, mas parou momentaneamente, a reconhecendo.

A jovem se aproveitou do breve instante e sentou ao seu lado, mostrando com clareza as curvas acentuadas pela roupa.

Ele a olhou de cima a baixo, mas nada disse, voltando a bebericar de seu whisky.

— Qual foi essa? – manifestou-se a jovem – A centésima derrota do dia?

Ela riu novamente e Simon fez uma careta, resmungando, baixo e sozinho, algo incompreensível. Parecia estar mais frustrado com a perca do dinheiro do que com as palavras da garota ao seu lado.

— O que você está fazendo aqui afinal? – soltou por fim – Não deveria estar fazendo ligações e marcando reuniões para mim?

As mãos de Arabella envolveram o copo pela metade do homem e ela bebeu todo líquido, deixando-o perplexo.

— Você ainda tem alguma coisa pra apostar?

O olhar do homem demonstrou dúvida e confusão, mas ainda que contrariado ele tirou do bolso duas notas. Arabella não precisou de muito para saber que qualquer valor que possuíssem eram bastante altos.

Em sua melhor atuação ela se levantou, contornou o mesmo e pegou as notas da sua mão. Simon quase caiu da cadeira ao vê-la se afastar com seus últimos trocados da noite, mas a jovem riu e balançando as notas no ar, piscou para o mesmo.

— Veja como é que se faz.

Arabella pôde vê-lo encara-la com desdém e pelo resto da noite ela ganhou todas as apostas, triplicando e quadruplicando o dinheiro do empresário. Ele quase não conseguiu acreditar, mas ria descontrolado quando a via derrubar os adversários.

A relação deles começou assim, num cassino. Eles beberam o resto da noite e depois de vários copos Arabella não precisou de muito para saber o que estava buscando: um microchip com o novo modelo de carro que seria lançado na semana seguinte.

A jovem fez uma careta bebendo o suco, retornando a consciência ao seu apartamento. Era uma lembrança tão recente que ela ainda conseguia sentir o calor daquele lugar, ver as luzes e sentir o cheiro de whisky gritante.

Mas acima de tudo aquela lembrança a fazia se sentir horrível.

Ter matado Simon pelo microchip, agora, parecia ter sido extremamente cruel.

Mas era seu trabalho, não era?

Ela havia nascido para aquilo. Para ser uma espiã, uma agente, a melhor no seu ramo.

Arabella cresceu naquele mundo, entre sua mãe e irmãs sendo as profissionais renomadas que eram. Aprendeu, desde criancinha, com elas como agir, atuar e racionalizar, como enganar as pessoas e influencia-las, aprendeu a ser meticulosa e persuasiva.

Aquele sentimentalismo barato não fazia parte do pacote.

Mas quando ele havia chegado?

Com um sorriso de lado Arabella soube a resposta exata para sua pergunta.

Alex. Ele havia vindo junto com Alex, Sofia e Clara. Com tudo que envolvia aquela família e aquele garoto.

Suspirando uma última vez Arabella se sentou no sofá e fitou a televisão a sua frente, com a caixinha já vazia em mãos. 

Depois daquele dia cansativo tudo que ela precisava era de um banho, não de uma reflexão sobre sua vida e profissão.

Levantando ela se alongou precariamente e rumou ao banheiro do seu quarto, com cada passo ecoando no silêncio. Quando debaixo da água quente ela se permitiu relaxar outros pensamentos se fizeram presentes.

E seguindo o percurso sinuoso da água em seu corpo eles passaram bem longe da sua missão ou seu trabalho, parando mais especificamente na ereção de Alex durante o seu passeio.

Sozinha ela riu e balançou negativamente a cabeça.

Já não bastava pensar em Alex o dia inteiro, tinha que começar a fantasiar com ele?


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Notas finais do capítulo

Essa última frase me lembra alguma coisa... não sei o quê... hihi



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