Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 15
XV.




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No dia seguinte depois de rir junto com Thomas de um Brad revoltado e nervoso, que cortou com afinco o assunto Arabella entre seus amigos, Alex teve que explicar, em segredo, para Thomas o que estava conversando com Arabella quando ele os interrompeu.

O castanho riu animado enquanto recebia xingamentos do amigo pela comoção que fazia.

No final, sentados no fundo da sala, no intervalo entre uma atividade e outra, Thomas debruçou-se sobre a banca chamando a atenção de Alex, que jazia ao seu lado.

— Ela parece ser uma pessoa legal.

O garoto ergueu a sobrancelha.

— O que quer dizer com isso?

— Qual é, ela é bonita – levou os dedos na contagem – bem humorada e legal. É normal que você esteja gostando dela.

O rosto de Alex tomou-se de rubor e ele fez sua melhor expressão de ofendido.

— Eu nunca disse que estava gostando dela.

Thomas abriu um sorriso afetado que desarmou o amigo.

— Você nem precisa. Está na sua cara.

Por longos segundos Alex negou com a cabeça sem nada dizer. O castanho permaneceu apoiado com o rosto na banca, observando o garoto até o mesmo soltar um suspiro, fazendo Thomas rir.

— Eu não disse?

— Não sei se gosto dela – deu de ombros – só que é tão natural estar com ela, não vou confundir essas coisas Thomas.

Thomas sentou-se novamente a banca, desta vez na postura correta.

— Você a conhece faz quanto tempo?

— Uma semana.

O amigo não deixou de sorrir.

— Não se preocupe – pousou sua mão no ombro de Alex – vai passar.

Com um maneio da cabeça a dupla voltou a mergulhar no silêncio, prestando uma precária atenção a aula.

Alex tinha os pensamentos agitados e seus sentidos pareciam dormentes sem conseguir captar nada além do eco na sua cabeça.

As palavras de Thomas pareciam o ferir. Vai passar, ele havia dito. Por que parecia estranhamente doloroso crer naquelas palavras?

 

•••

 

Quando o sinal da última aula tocou Alex seguiu até o segundo andar, contando com Thomas para arranjar uma boa desculpa para ele.

Subindo as escadas todo seu corpo pareceu encher-se de alegria e quando finalmente se encontrava a poucos passos da sala de Arabella, tudo pareceu mais vivo.

Isso era gostar de alguém?

— Você não muda nunca Miguel – Arabella riu.

A risada da mesma ecoou no corredor e Alex estancou de frente a porta de madeira. Todas as possibilidades do que deveria estar acontecendo lá dentro cruzaram a mente do garoto e antes que pudesse finalmente descobrir ele bateu na porta.

Ouviram-se palmas animadas.

— Meu convidado chegou!

— Quem você trouxe para atrapalhar a gente?

Arabella riu e seus passos aproximaram-se da porta. Alex encarava a mesma prestando atenção a toda movimentação lá dentro sentindo o peito apertar pelas palavras do homem.

— Não viaja Miguel, estou saindo, nos vemos amanhã.

Quando a porta abriu Alex não sabia se ficava triste ou animado. Não havia visto a garota desde que saíra daquela sala e ali, naquela pobre iluminação do corredor, ela parecia mais bonita do que antes. 

Sua roupa não diferia muito do dia anterior, com blusa social e calça jeans, mas o diferencial parecia estar presente em seus cabelos que jaziam presos num rabo de cavalo, caindo desajeitados por um de seus ombros.

Arabella sorriu de imediato ao ver o garoto à porta e ele a retribuiu abrindo espaço para ela sair. Envolvendo o ombro da mesma se encontrava uma bolsa fina e apoiado em seu braço jazia seu sobretudo.

— Pontual, hein? – brincou.

Os olhos de Alex encararam o espaço atrás da jovem, vendo Miguel sentado na ponta da mesa de Arabella, com os braços cruzados e um claro olhar de curiosidade para além da jovem.

Quando seus olhos se chocaram algo como um sorriso de desdém surgiu no homem, mas logo foi encoberto pela porta que fechava.

— Alô?

Alex voltou-se a Arabella e deu de ombros.

— Eu sou o próprio relógio.

Ambos riram e com um maneio iniciaram sua saída. O percurso até a entrada foi silencioso e quando pisaram na fria calçada Arabella de imediato pôs seu sobretudo. O céu estava nublado, denunciando o frio, e a dupla se apressou.

A paisagem daquela cidade agitada ficava cada vez mais sombria com o começo do inverno. O bairro altivo onde se encontrava a escola, com seus prédios e edifícios empresariais, parecia ter bem menos movimento, ainda que nas ruas várias pessoas andassem de um lado a outro.

O caminho fora da escola, com a dupla, foi tomado de boas conversas. Arabella explicou sobre o projeto que há muito estava sendo elaborado e que devido a ela havia finalmente saído do papel.

Falou também sobre sua relação com a escola Junípero Serra, afinal ela havia sido indicada por eles e consagrada como coordenadora por eles. Tudo isso numa perspectiva que não a fizesse parecer uma perseguidora.

Alex em contra partida contou aos risos a reação de Brad pelo acontecido no dia anterior, gerando boas gargalhadas. Comentou sobre as aulas que tivera durante a semana, a pedido da jovem, e também sobre os jogos que haviam lançado e vinha lhe tomando as noites de sono.

Em nenhum momento a festa foi citada por alguma das partes, ainda que sempre esta lhes voltassem a memória.

Próximo ao final do percurso, chegando a área residencial, na qual a predominância era de casas, e onde a sensação térmica parecia diminuir de um frio absurdo para algo mais ameno, eles ficaram em silêncio.

Depois de tantas idas e vindas da casa de Alex até seu apartamento a jovem notou a mudança de coloração nas árvores. O verde que perdia espaço para o alaranjado nas folhas, que vez ou outra caíam dos galhos altos direto nas calçadas ao longo das ruas.

Por um momento um pequeno grupo destas folhas secas rodopiou no ar ao redor do garoto, que seguia um pouco mais a frente, guiando Arabella. Aquela visão fez um breve sorriso surgir na jovem e numa simulação de corrida ela ficou lado a lado ao mesmo.

Era a primeira vez que iam juntos para a casa de Alex e Arabella notou que parte dos moradores da rua, ou a maioria deles pelo menos, cumprimentava o garoto com animação.

A percepção dele ser querido por aquelas pessoas comprimiu ainda mais o coração da jovem.

Por um momento ela se perguntou se já havia se sentido assim por algum de seus alvos, mas logo esse questionamento pareceu sem fundamento. Era mais do que óbvio que Alex era diferente dos outros, pelo menos para ela.

Aquela aula seguiu normal, assim como a da quarta e a da quinta-feira. O ritual do garoto, que antes se resumia a jogar a bolsa sobre a poltrona e se lançar na cama, havia se tornado buscar Arabella na sala dela. Ou melhor, na sala que ela dividia com Miguel.

Depois do primeiro dia o garoto não ouviu mais nenhum comentário de duplo sentido vindo do homem e notou a rapidez com que Arabella saia da sala em sua chegada. O caminho era sempre o mesmo e juntos eles o passavam numa conversa animada sobre os temas que tinham em comum.

Era sempre um momento leve e confortável, e pouco a pouco Arabella se deixou levar por Alex, em suas risadas e na forma com que, ocasionalmente, seus ombros e mãos se batiam e ele demorava a se afastar.

 

•••

 

Na quinta-feira, ao final da aula de reforço, com os dois se encontrando lado a lado, deitados no chão e recitando, sem apoio do livro, os reinos e suas características a porta abriu com tudo.

Clara entrou correndo animada e se lançou em cima do irmão. Alex resmungou pela dor, mas a retribuiu num abraço em seguida.

— Cheguei cedo! Quero brincar!

— Agora não posso.

— Mas eu quero!

A pequena cruzou os braços, emburrada, e Arabella riu.

— Brinque um pouco com ela. Vou aproveitar e ir ao banheiro.

Clara comemorou animada e Alex a puxou para si, enchendo-a de cócegas. O garoto depositou de lado seus cadernos e livros enquanto a pequena corria para buscar seus brinquedos. Arabella observou a cena com um sorriso.

— Ela é realmente uma gracinha.

— Até você contraria-la – comentou o mesmo levantando e se alongando.

— Já que não sou da família acho que posso estragar ela um pouquinho – brincou imitando o rapaz.

Após a breve sessão de alongamento a dupla se entreolhou em silêncio. Não estavam tão próximos, mas tão pouco estavam distantes. 

Arabella pôde ver com perfeição todo o cabelo desarrumado do garoto, com o gel já quase sem utilidade, e Alex viu as finas linhas das olheiras que tomavam o rosto da jovem, denunciando um sono precário.

A voz de ambos minguou e eles sorriram tímidos.

O breve momento se acabou tão logo Clara chegou e, literalmente, jogou os brinquedos no chão do quarto. Alex a repreendeu, juntando as peças que se dispersaram para muito longe, enquanto Arabella riu saindo do cômodo.

Em passos lentos ela desceu as escadas encontrando Sofia deitada no sofá com a mão sobre a cabeça, numa clara postura de dor.

— Algo errado? – perguntou aproximando-se.

Sofia sorriu, ainda com os olhos fechados, e sentou-se lentamente.

— Só uma enxaqueca.

A jovem soltou um chiado de concordância e sentou na parte vaga do sofá.

— Eu costumava ter muita, até começar a tomar um chá que me indicaram, na próxima vez trago se quiser.

Sofia abriu lentamente os olhos e um sorriso.

— Muito obrigada, vou realmente precisar. Ando tendo essas dores mais do que deveria.

— Muitos problemas?

— Sim – suspirou – minha irmã ficou doente e agora estou cheia de coisas pra fazer sem a ajuda dela.

— Eu posso ajudar se precisar – falou impulsivamente.

Os olhos tomados de dor de Sofia caíram sobre Arabella que lhe lançou um sorriso gentil.

— Alex está me ajudando, não quero incomodar.

— Não vai. Moro sozinha e não tem muito o que fazer no meu apartamento.

Sofia novamente sorriu, desta vez mais afetada pela dor.

— Você é inacreditável.

— Gosto de pensar nisso como um elogio – piscou para a mulher.

Sofia riu e desabafou com Arabella a sobrecarga de cuidar de dois filhos sozinha, sobre seu trabalho, sobre os afazeres domésticos e os não domésticos. A jovem se prontificou de ajudar e Sofia lhe encheu de agradecimentos. 

Quando subiu novamente, Arabella se sentia estranhamente satisfeita. Não com seu trabalho em espionar, mas consigo mesma. Algo havia mudado em sua forma de agir. Ela tinha consciência que jamais, em nenhum trabalho seu, se prontificaria em ajudar alguém sem pensar muito antes.

O que estava acontecendo?

Ao abrir a porta do quarto ela viu Alex jogado no chão com diversos brinquedos ao seu redor, formando um estranho círculo. Imediatamente Arabella riu baixo, fazendo os olhos, antes fechados, de Alex abrirem-se para ela.

— Ela está praticando um ritual com você?

A dupla riu e sentando-se o garoto afastou os brinquedos.

— Por que demorou tanto?

— Fiquei conversando com sua mãe.
 

Alex fez uma expressão de compreensão.

— Ela é uma mulher muito forte.

— Sim – um sorriso de canto surgiu no rosto do garoto – ela é.

Arabella sentou na cadeira do computador e observou.

— Às vezes acho que ela se sobrecarrega demais com a gente – suspirou o mesmo – mas não tenho muito o que fazer, não sou muito bom em fazer coisas sozinho. Escolher roupas é meu maior exemplo.

A garota riu.

— Não sabe escolher roupas? Que desculpa é essa?

Alex sorriu.

— Se você olhar meu guarda-roupa vai entender bem a definição de não saber escolher roupas.

— Se quiser, nesse ponto, posso ajudar.

O garoto ergueu a sobrancelha para Arabella com um sorriso divertido. A mesma riu e lançou sobre ele um dos bonecos espalhados pelo quarto.

— É sério. Não sou uma estilista, mas me dou bem com o mundo das roupas. Vejo muitos sites, lembra?

Alex deitou novamente no chão rindo, mas concordando com a cabeça.

— Então estamos combinados?

— Combinados com o que? – ele apoiou os cotovelos no chão elevando o tronco para encarar a jovem.

Os olhos de Arabella acompanharam cada movimento dos seus músculos e antes que conseguisse tirar o foco deles, seu relógio soou o alarme. Ela, após o encarar quase incrédula por breves segundos, levantou apressada, recolhendo sua bolsa.

— Amanhã depois das aulas nos encontramos no estacionamento, certo?

— Ei, o que...

Arabella parou na porta e sorriu dispersando qualquer continuação da fala do garoto.

— Até amanhã Alex.

Sem direito a resposta Alex observou a garota encostar a porta e sumir pelo corredor.

Processando lentamente os últimos segundos ele sorriu deitando preguiçosamente no chão. Amanhã seria sexta-feira. Nas sextas não havia aula. Ver Arabella fora daquele estrito quadro de horários era deliciosamente empolgante.

 

•••

 

Arabella entrou com tudo em seu apartamento lançando o sobretudo em cima do sofá junto a sua bolsa.

O alarme de seu relógio não havia sido programado. Pelo contrário, o alarme do mesmo estava vinculado a seu computador e quando ela o abriu, sentando com o mesmo no sofá, um suspiro de alívio escapou de seus lábios.

Na tela se encontrava:

Alex Martin — Status: vistoria do aparelho 50% completa, total de 0 resquícios de atividade suspeita.

Arabella depositou o laptop no centro sentindo o corpo inteiro dormente pela dispersão da adrenalina. 

O computador de Alex estava na metade da inspeção por meio do aplicativo que ela havia instalado nele e até o momento nenhum sinal de atividade hacker tinha sido encontrada.

Ela não conseguiu conter o sorriso.


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Notas finais do capítulo

Arabella se oferecendo para ajudar Sofia? Uma ida às compras? Vistoria em andamento?

Hehe, o que será que nos espera nos próximos capítulos?



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