Sonhos de Grãos de Areia escrita por LaviniaCrist


Capítulo 1
Vazio


Notas iniciais do capítulo

Eu aconselho para lerem enquanto ouvem a música Moonlight Sonata de Beethoven (tem o link dela nas notas finais).



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Uma criança ruiva olhava apavorada para um corpo caído no chão, cujo sangue que pintava as paredes ainda estava quente. Se fosse um desconhecido Gaara não iria ligar tanto, como nas várias vezes em que já havia perdido o controle sobre sua areia e gerado estes “acidentes”, mas aquela pessoa era diferente ao ponto de fazer morrer um pedaço do pequeno Sabaku junto a si...

— YASHAMARU...!

O grito estridente era digno de um filme de horror.

Foi o suficiente não só para cortar o silencio da noite gélida do deserto, como também para acordar o pequeno Gaara de um de seus pesadelos.

— Yasha... Maru...?

Ele olhava em volta atordoado, tudo parecia como de costume e ele estava deitado em sua cama. A criança sorriu aliviada ao notar que havia sido apenas um sonho ruim e que ficaria tudo bem, bastava apenas pegar no sono novamente, apesar de não ser fácil assim.

A noite estava fria, como sempre. Estava tudo silencioso, como sempre. Gaara estava em sua cama, como sempre. Se era tudo como sempre, então por que Yashamaru não entrou no quarto ao notar que o sobrinho havia tido um pesadelo? Este pensamento fez com que a criança se levantasse, respirasse fundo e fosse atrás do tio.

As mãos estavam frias, a pele levemente mais pálida, as olheiras pareciam bem mais profundas do que o normal. Gaara sabia disso porque de frente para sua cama havia um espelho grande o suficiente para ele se ver de corpo inteiro, e a criança, por algum motivo, sentiu vontade de procurar algo fora do normal em si mesma.

Não foi uma boa ideia.

Amor. Esta foi a única diferença que ele notou.

Com aquela maldita palavra gravada na testa, que poderia significar tudo menos realmente o amor, Gaara teve a certeza de que não havia sido apenas um sonho ruim, mas sim uma das lembranças mais dolorosas que ele carregaria consigo.

Ele deu um grito mudo, perdendo todo o ar e se deixando cair de joelhos no chão. As mãos pequenas reviravam e puxavam os fios vermelhos, como se ele tentasse a todo custo acordar novamente e saber que era apenas mais um pesadelo.

Passaram-se segundos.

Passaram-se minutos.

Talvez até mesmo horas houvessem se passado.

A criança continuava no mesmo lugar, derramando suas lagrimas no chão frio, sem força ou animo o suficiente para sair dali, afinal de contas, que motivos teria para se levantar e tentar fugir?

A mãe não o amava.

O tio não o amava.

O pai não o amava.

Quem poderia ama-lo além de si mesmo?

Ele ergueu lentamente a cabeça, encarando o reflexo no espelho mais uma vez e se perguntando mentalmente: “Quem poderia me amar além de mim? ”. Era uma pergunta triste, com uma resposta ainda mais: “Ninguém...”.

Pensar desse jeito, somente para si e por si, fez com que o pequeno Gaara finalmente se levantasse e respirasse fundo. As lagrimas pararam de escorrer pela tez branca e a expressão de pânico estampada nele se transformou em indiferença.

O nervosismo exagerado fazia com que cada pequeno e lento passo que a criança desse pelo corredor fosse carregado de medo e aflição. O sono já havia ido embora e ficar naquele quarto, se encarando no espelho, não o deixaria mais calmo e muito menos traria o sono de volta.

Os olhos verdes estavam inquietos, focando em cada detalhe ao seu redor, até reparar uma coisa incomum: uma porta entreaberta. Se fosse qualquer porta, seria apenas um descuido motivado pelo sono, mas aquela era diferente...

O Kazekage jamais teria um descuido como este!

Talvez o vento tivesse aberto... ou alguém. Talvez Rasa apenas tivesse ido tomar um copo de água... ou ter aproveitado a noite para dar um fim ao problema de Suna com a “arma defeituosa”.

O pequeno Sabaku engoliu o seco, se aproximando um pouco mais da entrada do quarto do pai. Os pensamentos oscilavam desde causas simples para a porta estar aberta, até chegar em planos bem elaborados onde aquilo era uma armadilha feita para atrair Gaara até ali.

Se fosse, estava funcionando...

A curiosidade já havia superado qualquer vestígio de medo; as mãos empurravam cuidadosamente a porta, para acabar de abri-la; os pés davam alguns passos mais curtos e silenciosos para dentro do cômodo.

— Gaara?

Aquela voz fria e imponente fez com que o folego da criança se esvaísse, os olhos se encheram de lagrimas novamente e o corpo miúdo perdeu as forças. Dos pensamentos que oscilavam entre simplicidade e crueldade, sobraram apenas estes últimos, dos piores modos que a criatividade do ruivo conseguia produzi-los em alta velocidade.

— Gaara, o que quer?

A voz continuava tão gélida e seca quanto a madrugada do deserto. Como se apenas a fala do pai não fosse assustadora o suficiente, o pequeno viu perfeitamente uma silhueta se sentar na cama. Mesmo sem ver os olhos, ele conseguia se sentir que o olhar irritado estava o fitando.

— E-Eu...

Os fios de voz eram falhados. A respiração era falha. A razão na mente daquela pequena criança também estava falhando. Mesmo sem motivos exatos, Gaara começou a chorar novamente.

— Foi mais um pesadelo, querido?

Aquelas palavras pareceram tão familiares, mesmo que nunca tivessem sido ouvidas antes, a voz suave e um tanto arrastada pelo sono também. Esta pequena frase, mesmo que reconfortante, fez com que ainda mais lagrimas escorressem pelo rosto do ruivo.

— Vem aqui.

A mesma voz fez o pedido com tanta tranquilidade que parecia algo incogitável de se recusar, enquanto os olhos verdes olhavam fixamente mais uma silhueta se sentando na cama. Aquelas formas também pareciam familiares para ele, mas por que motivo ele não conseguia ver quem era?

A curiosidade em saber quem era aquela pessoa fez com que alguns passos fossem dados. Agora, Gaara já estivesse ao lado da cama, encarando aquelas duas silhuetas. De perto elas pareciam bem menos assustadoras e mais fáceis de reconhecer.

Rasa era a silhueta que havia se sentado primeiro, ele ainda encarava o filho, mas não parecia irritado. A segunda silhueta parecia tanto com Yashamaru e, ao mesmo tempo, era tão diferente.

— Vai ficar tudo bem, filho...

Um pequeno estalo limpou todos os pensamentos da mente do Sabaku mais novo e um pequeno sorriso se formou entre as lagrimas que ainda escorriam. Tudo o que Gaara poderia fazer neste momento, era se abraçar à aquela mulher tão amada por ele, e assim o fez.

— Você não está sozinho.

A voz tão melodiosa de Karura tentava aconchegar a criança para acalma-la. Do abraço, ela puxou o filho delicadamente para cima da cama, o colocando entre ela e o marido. As lagrimas cessaram rapidamente enquanto o pequeno era abraçado pelos pais.

Não demorou muito até que Gaara estivesse de olhos fechados, ainda sorrindo, tentando pegar no sono outra vez. Apesar do receio de ter outro pesadelo, ele se sentia tão calmo e protegido. Ficaria tudo bem, era apenas questão de tempo até o sono vir... certo?

Errado.

Ele estava começando a sentir como se algo o impedisse de abrir os olhos ou se mover, um sentimento angustiante que tomava conta de seu pequeno corpo, enquanto a vontade de chorar surgia novamente. No fundo, bem lá no fundo, o ruivo sabia que a morte de Yashamaru poderia ter sido apenas um pesadelo, mas a mãe ainda estar viva era um sonho inatingível no mundo real.

Aquela angustia o fazia querer chorar; o choro fazia com que ele perdesse o ar; a falta de folego o fazia querer descansar; mas, estar deitado ali, entre aquelas duas ilusões só o causava mais angustia por ser algo vazio. Era um ciclo interminavelmente doloroso.

Horas se passaram.

Os raios de sol começavam a entrar pela janela do quarto e iluminar a face de Gaara que, lentamente, abriu os olhos e encarou o teto.

Tudo não havia passado de um pesadelo. Um sonho tão ruim que o gosto amargo ainda continuava em sua boa, as mãos ainda estavam frias, o sentimento de vazio ainda o fazia ter lagrimas escorrendo pelo rosto.

Ele sabia que o tio não iria entrar no quarto, chamando-o para o café da manhã, tão pouco o pai iria bater na porta para que ele levantasse.... Quanto à mãe: ele jamais saberia dizer de que jeito ela o acordaria. De qualquer forma, ele precisava se levantar e começar seu dia.

Em frente à cama, ainda havia o enorme espelho no qual Gaara conseguia se ver de corpo inteiro. Ele pode notar os cabelos mais bagunçados que o normal, a pele um pouco mais pálida, as olheiras ainda mais profundas...

A Idade estava chegando para o quarto Kazekage, mas, por dentro, ele continuava sendo aquela pequena criança assustada de seu pesadelo. A diferença era bem clara: ele jamais teria seus pais para reconforta-lo e, devido ao tamanho, agora o sentimento de vazio dentro de si era ainda maior.


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Notas finais do capítulo

Link da música: https://www.youtube.com/watch?v=oKPhGHAdqk0
Espero que tenham gostado!
Sugestões, dicas, críticas e observações são muito bem-vindas.
Quem se interessar em ler mais de minha autoria enquanto não posto o próximo capítulo, tenho outras fanfics: Gaara Chibi, Crime das Flores e Guia Gejimayu: como viver em tempos de paz!



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