Capuz Vermelho - 2ª Temporada escrita por L R Rodrigues


Capítulo 19
Avante, Legião! (Parte 1)


Notas iniciais do capítulo

Capítulo 2x10.

Sobre o que desperta as motivações que nos tornam mais fortes...



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O Guia aparentava estar petrificado diante daquela invasão arruinadora para seus intentos mortais. Apenas as espadas, cobertas em brasas, moviam-se, pendendo quase prestes a cair. Sua face sem rosto mirava naqueles quatro jovens perseverantes que ali estavam, encorajados por uma força de vontade singular. "Maldição!", pensou ele. "Lorde Abamanu havia me garantido que eles ficariam completamente fora do caminho pelo menos até o fim de minha missão! Será que... Ele havia me ocultado algo que eu não deveria saber?". Abamanu, sagazmente, tratou de manter seu sigiloso acordo com os Coletores como uma valiosa joia trancada em uma caixa inacessível e a sete chaves. Era fácil imaginar como seria estressante e desconfiante por boa parte do tempo ver que um subordinado, de uma classe declarada inferior, carregaria na mente uma informação impactante como aquela. Apenas os soldados do alto escalão tinham o digno direito de saber todos os detalhes do acordo. Rememorou, em um transe entorpecente, sua mais recente - e provavelmente derradeira - conversa com o Cavaleiro da Noite Eterna.

                                                                                 ***

Aquela criatura magérrima, esquelética e de pele meio beje estava imersa em um ar pesado naquele espaço escuro. Apenas uma fonte luminosa se fazia existir naquele recinto: Um buraco precisamente circular no teto dava entrada à uma luz embranquecida... banhando aquele corpo fino e flutuante, destacando um certo aspecto solitário. Podia-se ver que as paredes ao redor eram de uma pedra esverdeada escura, podendo-se notar os pilares de sustentação que recebiam mínimos fragmentos da luz que descia no centro. 

— Lorde... - ele tentava vasculhar na mente palavras decentes para proferir aquela dúvida. - Ainda estou intrigado sobre a minha escolha para uma responsabilidade tão árdua como a que me propõe. Por que eu? - ergueu sua cabeça, fitando seu superior, as cicatrizes quase reluzindo à claridade. 

Um silêncio mortal durou alguns minutos. 

Uma voz igualmente cavernosa à do Guia ressoou da escuridão. Uma voz, porém, de tom amedrontador. Entrevia-se contornos cinzentos de um enorme trono... e uma figura imponente sentada nele. 

— Não escolho súditos à missões de força maior à toa, que fique bem claro. Por alguma razão eu vi em você uma inclinação única para conduzir a minha preferida pelo caminho que eu modelei. 

— É apenas uma mortal, senhor. - redarguiu ele. - Qual a razão para insistir com um plano destinado a um ser de tamanha insignificância?

— Suas perguntas são de revirar entranhas, seu verme! - vociferou ele. - Ela possui algo dentro de si mesma que pode decidir o destino de minha guerra com Yuga. 

— E o senhor pretende usar o que há dentro daquele corpo sem saber exatamente do que se trata? 

— O que eu almejo é usar o poder de Yuga contra ele mesmo. 

— Usar a mortal como arma? Fazer o feitiço voltar contra o feiticeiro... é isto? - perguntou, desconfiado. 

— Acaba de adivinhar a premissa de meu plano. Agora vejo que fiz uma excelente escolha. 

— Sei que não sou merecedor de saber tudo, mas... - fez uma pausa, relutante. - Sinto que há mais coisas escondidas... as quais devem ser, obrigatoriamente, colocadas em conspiração secreta. 

— O que está insinuando, Repo? - perguntou Abamanu, em tom severo. 

— Por favor, não me nomeie assim, meu Lorde. - encolheu os ombros, envergonhado - Sinto-me constrangido por ser comparado àqueles fracassados que o senhor deixou para trás já que fui designado a uma tarefa que tenho a honra de cumprir. Presumo que estejam se roendo de inveja agora. Eu apenas quis salientar meu desmérito para com as informações mantidas em segredos. 

— Eu não costumo argumentar sobre isso com meus soldados de menor posto. É uma padrão máximo compartilhar meus intentos secretos com meus privilegiados. - fez uma pausa, soltando um ar pesaroso e ruidoso em um suspiro. - Tendo em vista sua promoção, eu consideraria uma exceção para você. Entretanto, as circunstâncias não exigem isso. O que recentemente foi discutido em segredo deve permanecer como tal. - afirmou categoricamente, destruindo as esperanças do Guia de poder saber das reuniões secretas. 

Cabisbaixo, o Guia curvou-se novamente. 

— Quando devo iniciar minha missão, meu Lorde? 

— Em pouco tempo. O momento decisivo pelo qual tanto esperei está prestes a ocorrer. Esteja pronto. Ela perderá suas memórias, mas os conhecimentos básicos e prévios permanecerão. Os humanos que querem impedir meu retorno estarão focados nisso e serão atrasados quando entrarem em ação. Ficarão desesperados tentando salva-la, enquanto meu nobre receptáculo se fortalece. Eu estou a um passo à frente. Yuga está parado no mesmo lugar de onde ficou desde nosso último encontro... mas é previsível que ele surja no momento que achar conveniente. Ele vai intervir... e competiremos sobre de qual lado a mortal ficará. Eu irei salva-la... salva-la de suas mãos. 

"Salva-la de suas mãos"  

                                                                                     ***

Aquelas últimas palavras de seu encontro com Abamanu ecoaram em sua cabeça e jamais se desafixaram. "Yuga...", pensou. "O maior inimigo de meu Lorde também possui planos para Rosie.". Se desvencilhou de seus devaneios e voltou sua atenção para o grupo que o encarava, especialmente para o cano de um rifle com médio poder destrutivo mirado na sua cabeça por Adam, o líder.

— Eu já vou avisando: Largue as espadas! Acabou! - ordenou o caçador, autoritário.

Rosie observou os quatro jovens. "Vieram para me salvar, com certeza. Mas como e porque?". Reparou em uma jovem de cabelos ruivos alaranjados que a fitava preocupada. os dois olhares azuis se cruzaram. "Rosie... é bom vê-la sã e salva!", pensou Alexia, hesitantemente aliviada. Rosie percebeu o aspecto desesperado da moça. "Quem é ela? Parece aflita. Como se quisesse me dizer algo às pressas.", constatou.

Lester também apontava um rifle na mesma direção.

— Ahn.. Adam, o que você acha de seguirmos um padrão mais radical? Atirar primeiro e perguntar depois. - relanceou a figura de Adam. que não dava a mínima para o que ele dizia. - Estou afim de meter umas balas nessa coisa medonha.

Êmina o repreendeu bruscamente.

— O que nós conversamos sobre pressa mesmo, Lester? - fuzilou-o com o olhar.

— Chega! - disse Adam, por cima do ombro, com a clara intenção de evitar um novo desentendimento entre os dois. - Da próxima vez que brigarem eu vou atirar pra cima! - voltou-se para o Guia. - Muito bem, seu feioso! Nós sabemos exatamente o que você é: Um boneco Repo.

"Boneco Repo? Do que ele está falando?", perguntou-se Rosie, confundindo-se. "Seria este o nome real do Guia?". O Guia estacou, perplexo.

"Sabem até o que sou! Lorde Abamanu poderia, ao menos, ter tido a ideia de me fornecer informações sobre esses humanos enquanto eu observava Rosie concluir os desafios! Um movimento brusco e tudo estará acabado!", pensou ele, sem a mínima ideia de como barrar aquela operação.

Teve de ceder às ordens firmes de Adam. Rapidamente, as espadas foram sumindo, uma à uma, como se ficassem invisíveis, mas pareciam estar se desmaterializando. O Guia abaixou os braços, mas cerrando os punhos e erguendo a coluna para torna-la plenamente retilínea.

— Cometeu um grande erro ao pedir que me desarmasse. - disse o Guia.

— Por que? - perguntou Adam, em profundo estado de alerta, sem tirar a mira da arma.

A resposta para aquela simples pergunta iniciou com o Guia erguendo os quatro braços com os punhos fechados, deixando emanar uma impenetrável aura de energia concentrada. Todos o fitaram atônitos, como se, involuntariamente, sentissem que deveriam esperar um manifesto agressivo por parte daquela criatura robusta de quase dois metros e meio.

Após ter concentrado uma enorme quantidade de energia, o Guia baixara os braços em uma velocidade surpreendente, gerando um intenso impacto no chão de pedra que fez Rosie voar alguns poucos metros quando atingida por uma rajada de poeira. O golpe produzira uma espécie de "onda de pedra" que foi indo na direção do grupo a toda rapidez. O quarteto se jogou para ambos os lados na tentativa de escapar do ataque. A "onda" batera subitamente em uma parede, que se rachara quase que por inteiro, fazendo com que o teto vibrasse e caísse um pouco de pó lá de cima.

O chão ficou severamente destruído, em um rastro de destruição. Lester e Adam, que haviam pulado para a direita, levantaram-se olhando o resultado, estupefatos.

— Viu só? Não era para termos esperado! - disse Lester, em alarde. - Já chega. - carregou seu rifle e o apontou para o Guia.

Adam fizera o mesmo, percebendo que era a hora perfeita para agir em ataque.

Alexia preocupara-se com Rosie, que levantava-se do chão, tirando a poeira das vestes.

— Rosie! - disseram Alexia e Êmina, quase em uníssono.

Os dois caçadores, sem perder mais nenhum segundo, dispararam a toda disposição na criatura. O corpo se Guia se remexeu e se contorceu violentamente enquanto as balas faziam enormes estragos, recuando alguns passos.

Os disparos não cessariam até que o ser que conduzira Rosie àquele suposto fim da linha estivesse completamente caído e agonizando rumo à morte. As balas continuaram sendo disparadas dos dois rifles, os olhares dos caçadores exibindo uma característica vingativa e agressiva. Alexia e Êmina tentavam ajudar Rosie, que tapava os ouvidos devido ao barulho ensurdecedor dos tiros. A levaram para longe da zona de perigo.

Já podia-se ver sangue sendo derramado no chão. O Guia gemia de dor, suportando o máximo que aguentaria, tentando fixar seus pés no solo. Quando deu por si, já se via abatido completamente. Os últimos dois disparos o acertaram bem na cabeça brutalmente. Sentiu suas musculosas pernas ficaram bambas e trêmulas e um calafrio percorreu-lhe o corpo inteiramente baleado. Saía fumaça a partir dos buracos de bala feitos em seu corpo, bem como uma boa dose de sangue. Seu corpo gigante caiu com um baque assustador no chão, levantando a poeira fina. "Acho que quem está vivendo o pesadelo sou eu desta vez.", pensou, sem forças. "Jamais pude imaginar que eu fosse ser tão frágil. Que tipo de criatura eu sou, afinal? Que tipo de criatura é esta que mal conhece a si mesmo!? Eu não me perdoo por isso! Eu me odeio!"

— Fique aqui, Rosie, é bom não se aproximar. - disse Êmina. - Vai se surpreender... de novo. - ela sacou seu giz e olhou para o desfalecente corpo.

Agachou-se e desenhou no chão um símbolo alquímico para realizar transmutação.

Pôs as duas mãos sobre a imagem e uma luz azul emanou com pequenos raios intermitentes. Como se estivessem armazenados debaixo da terra, pontiagudos ferros saíram do chão ao mesmo tempo em diferentes posições - inclinados ou retos -, perfurando o corpo do Guia em todos os pontos, dos pés à cabeça. Tal ação fora pensada como uma maneira mais segura de mantê-lo preso, na falta de algemas, cordas ou correntes.

O Guia tremia e gemia incessantemente, sem conseguir mover nenhum músculo.

— Mas o que é isso!? - exclamou Rosie, aturdida. - Que tipo de pessoa você é? Como fez isso?

— É uma longa história, mas eu tenho certeza que você saberá de tudo e mais um pouco quando voltarmos pra casa. - disse ela, aproximando-se e sorrindo. - Será que eu devo me apresentar?

Alexia a olhou com estranheza.

— Êmina, nós ainda precisamos achar a saída e isso pode levar algum tempo. Ter matado esse monstro não pareceu garantia de que nós nos safamos. - disse ela, mantendo-se preocupada.

— Como assim? Por que você diz isso? - perguntou Rosie, inquieta e curiosa.

Êmina interveio, pondo a mão no ombro da jovem.

— Olha, Rosie, esta é Alexia, ela é vidente, e geralmente não costuma nos contar suas visões. - disparou ela, para o desagrado da companheira.

— Êmina! - protestou a ruiva, olhando-a com reprovação. - Eu faço isso por uma questão de segurança. Não quero deixa-los preocupados. - voltou-se para Rosie. - Veja bem, Rosie: Sabemos que está com várias perguntas na cabeça, mas nós garantimos que todas vão ser respondidas. Vai recuperar suas memórias. - disse, com ar esperançoso.

Um leve sorriso foi deixando se formar no rosto de Rosie lentamente, logo evoluindo para um mais largo e risonho. Esperava ter aquela reação desde muito tempo. Precisava sorrir para o futuro mesmo em meio ao caótico presente. Uma lágrima desceu pela sua alva pele. Olhou para as duas moças à sua frente, também sorrindo, querendo abraça-las, mesmo que não se lembrasse de absolutamente nada em relação à elas. Necessitou sentir aquela confiança em alguém verdadeiramente.

Adam e Lester, após recarregarem suas munições, correram na direção delas.

— Bom trabalho, Êmina. - elogiou Adam. Olhou para Rosie, a expressão alterando-se de séria para uma mais aliviada. Foi até ela.

— E Rosie... - pôs uma mão sobre seu ombro. - É muito bom reencontrar você... viva. Eu sonhei com esse momento todas as noites. Todos nós, eu acho. - sorriu levemente.

— Humm. - gemeu Lester, maliciosamente olhando para Adam.

Êmina, novamente, o repreendeu, desta vez dando um cotovelada em seu braço, sem olhar para ele.

— Au! Isso dói, caramba! - reclamou ele.

Rosie enrubesceu instantaneamente. Assentiu para Adam, agradecendo pelo apoio.

— Eu apenas posso dizer uma só coisa: Obrigada. Todos vocês. - olhou à sua volta, ligeiramente feliz.

Uma poça de sangue se formara no ponto onde o Guia jazia semi-morto, nos últimos instantes de sua vã existência. Se fosse vista de cima, seria entendida como um enorme círculo rubro crescendo vagarosamente, banhando o chão. O ser esquelético entortava o pescoço apenas para observar a breve reunião dos amigos, enraivecido pela derrota. "Malditos sejam!".

O grupo caminhou em direção ao largo corredor, cujo fim abrigava duas portas separadas que levavam para as chamadas Cidade da Mentira e Cidade da Verdade. Mas Rosie sabia que era mais uma enganação. O lugar onde estavam era um castelo, situado em uma época medieval em algum universo alternativo. Sendo assim, as portas, obviamente, levariam para outros corredores e compartimentos da estrutura. Passaram pelo corpo do Guia aprisionado entre aqueles grossos ferros pontudos. Ignoraram-o, como se isto tivesse sido combinado antes de retomarem o caminho.

Ao pisarem no corredor, foram parados pela gutural voz daquele ser.

— Ei! Esperem! A vitória que obtiveram é tristemente efêmera! Não estão livres ainda!

— Você ainda não morreu!? - disse Lester, franzindo a sobrancelha.

Adam voltou-se para ele, logo em seguida se aproximando calmamente.

— Você foi vulnerável demais para nossos padrões. - disse o caçador, friamente. - Com essa aparência de gigante, pensamos que fosse tão imbatível quanto dizia ser. Digo que saímos daqui decepcionados. Mas satisfeitos por termos chegado a nosso objetivo. O seu, pelo visto, desmoronou só com a nossa chegada. Tem o corpo todo feito de pele humana... por isso não está resistindo aos ferimentos.

— É mesmo. - disse Rosie, pondo a mão no queixo, pensando em algo. - Quando eu estava o agredindo, eu pude sentir que a pele dele tinha uma flexibilidade igual a de um ser humano. Nem quero saber porque ele foi criado assim. - afirmou ela, olhando-o com frieza.

— Espera, você bateu nele? - perguntou Lester, incrédulo.

— Sim. Não foi tão difícil. Possuída de raiva, era o mínimo que eu podia fazer. - respondeu ela, com satisfação.

— Você teve sorte, Rosie! - vociferou o Guia, arquejando. - Eu tinha a intenção de facilitar as coisas para você naquele momento, apenas com o fato de eu usar a minha primeira transformação!

Todos o encararam, intrigados.

— Primeira? - perguntou Rosie. - Então quer dizer que...

— Sim! Essa é a primeira de quarenta das transformações! - respondeu ele, sua força de vida esgotando-se. - Eu optei por usar esta porque eu achava que com ela eu a mataria mais rapidamente! Mas não! Se não fosse pela chegada destes humanos miseráveis, você não teria a menor chance contra mim!

— Era uma luta injusta, seu idiota! - disparou Rosie, ríspida. - Quatro espadas pegando fogo contra uma adaga!? Você queria ganhar de modo sujo, mas nós vencemos de modo justo.

— Que seja! Lorde Abamanu irá ressurgir em seu mundo! - disse o Guia, logo chamando a atenção do grupo por definitivo. - Vocês tem um ínfimo tempo! Em apenas duas horas, ele despertará seu novo reinado no lugar onde pisou pela primeira vez naquele mundo!

O quinteto se entreolhou, atônitos. Adam lembrara-se subitamente da conversa que teve com o Coletor. "Controle-se Adam. Você não vai dizer absolutamente nada. Não estamos mais sendo vigiados... ele falou a verdade, parecia sincero. Eu fiz um juramento contra minha vontade para salvar a vida dos meus amigos. Me sinto péssimo por causa disso, mas acho que valerá a pena.".

— Enquanto meu tempo de vida se esvai, o de vocês, automaticamente, também! - disse o Guia.

— O que quer dizer com isso? - perguntou Adam, rigorosamente.

— Nós fomos concebidos para sermos apenas insetos insignificantes. Mas somos os insetos insignificantes mais letais já criados! - fez uma pausa, arquejando mais fortemente. - Em menos de dois minutos, meus irmãos virão aqui para vingar minha morte! É assim com qualquer Repo que morre! Possuímos um mecanismo que é "ativado" quando morre um de nós e nos comanda a fazer uma vingança! - revelou.

— Tipo as formigas - disse Lester -, quando matamos uma delas e toda a colônia fica meio "doida" por causa disso?

O Guia moveu o pescoço esforçadamente para um lado, o sangue ainda escorrendo por todas as partes de seu corpo.

— Isto mesmo. Compare-nos à insetos! - exclamou ele, aborrecido. - Eu, definitivamente, não mereço estar no pedestal em que fui colocado! Mas esta foi a minha vida! Ainda que derrotado, sinto-me orgulhoso, honrado!

— Pouco nos importa sua honra. - afirmou Adam, com o olhar severo. - O seu deus cairá como você, agora, agonizando de dor. Vamos, pessoal. - e caminhou pelo corredor, indo na frente, ajeitando as alças de sua mochila nas costas.

No entanto, o Guia insistira em falar suas últimas palavras, desta vez direcionadas somente à Rosie, repentinamente parada por sua voz exasperada.

— Rosie! Espere, por favor! - pediu ele.

A jovem parou e virou-se lentamente, o encarando com desdém. Êmina, Alexia, Lester e Adam iam devagar na frente, já sabendo que a conversa seria breve. Não pareciam estar preocupados com a chegada dos irmãos do Guia, assumindo a ideia de que seriam tão fracos em suas formas originais quanto o irmão decadente.

— O que é? - perguntou ela, fria como um cubo de gelo.

— Eu tenho plena convicção de que exerci um papel de suma importância para o seu crescimento nesta jornada. - arquejou mais uma vez. - Você redescobriu suas inclinações. Aprendeu com os perigos que passou. - fez uma pausa. - O monstro que habitava a floresta. O assassino do baile. O gigante gladiador. Os pégasos que guardavam o caminho do viajante. Eu... agora, pergunto à você, Rosie: O que conclui a respeito de todo nosso aprendizado?

Os olhos de Rosie se fixaram na deplorável situação em que o Guia se encontrava. Por um lado, sentia-se desiludida e decepcionada, como se fosse a primeira vez que se via mediante àquela experiência. Por outro, restava uma plena e inabalável sensação de liberdade. De alguma forma, ela lhe seria grata se o processo tivesse o fim prometido, não pela recuperação das memórias, mas pelo preenchimento de um vazio que a solidão proporcionaria se caso seguisse sem rumo, sem orientação e sem noção dos perigos e meios de sobreviver às mais diversas situações-problemas que surgiriam pelo caminho. Embora chateada e passando a odiar aquele ser do fundo de seu coração, Rosie enxergou seu enorme papel. Ele fez sua parte. E aquilo bastava.

— O que eu concluo? - perguntou ela, fingindo pensar em algo para responder. - Que você teve o que mereceu. - virou as costas e saiu andando pelo corredor para alcançar os outros. - Adeus. - disse, por fim.

O Guia lançou um rosnado de aborrecimento e passou a esbravejar contra Rosie enquanto a mesma se afastava em direção à saída.

— Eu só queria estar lá para ouvir você e seus amigos gritarem de dor! - vociferou. - Irão vivenciar um castigo que jamais se esquecerão! A tortura é o caminho mais lento para uma morte significante!

— Blá-blá- blá. - resmungou Êmina, andando ao lado de Rosie. - Me pergunto como você conseguiu aguentar.

— Nem me fale. - respondeu ela, andando mais depressa igualmente como os outros.

Enquanto os últimos segundos do Guia estavam sendo contados, naquela sala quadrada alguns seres cinzentos e vestindo armaduras velhas e mal-feitas se materializavam em todos os pontos. Possuíam olhos vermelhos brilhantes, rostos esqueléticos e enrugados e usavam elmos metálicos e negros que reluziam. Surgiam como se inúmeros grãos de pó se unificassem e os criassem ali mesmo. Desembainharam, simultaneamente, suas espadas com dentes nas lâminas e bradando um aterrador grito de guerra, seus olhos irradiando uma luz vermelha como laser. Colocavam-se a postos como elfos em direção ao campo de batalha frente à ao exército do inimigo.

O quinteto, ao perceber a vinda rápida dos seres, se pôs a correr já na metade do longo corredor. Aquele pequeno exército - que nada mais era que uma espécie mais elevada de bonecos Repo - avistou os executores de seu irmão de raça e correram furiosamente. Mais deles surgiam a cada minuto, seguindo a mesma direção.

Lester corria e olhava para trás o tempo todo.

— É meio diferente do que eu esperava! - já estava ofegante demais para falar muito. - Posso atirar?

— Não! - berrou Adam, lá na frente. - Nós ainda temos mais um problema. - fixou seus olhos nas duas portas. - Êmina pode cuidar disso!

O exército arrastava-se como uma multidão em alta velocidade, empunhando suas espadas prontos para perpetrar um golpe. Êmina fora a única a parar a corrida, virando-se para aquela onda de bonecos Repo que se aproximava e aumentava como se estivessem multiplicando-se. Sacou seu giz depressa e desenhou um símbolo alquímico de transmutação. Pôs as duas mãos no chão e, de repente, uma enorme parede se ergueu diante dela, fechando toda a passagem, do chão ao teto, e deixando-os sem saída.

— Foi por pouco. -  disse ela, limpando o suor da testa e, em seguida, voltando a correr.

Batidas vigorosas podiam-se ouvir. A parede tremia incessantemente.

Finalmente, puderam chegar ao "fim do caminho". Pararam abruptamente, ora encarando a parede que vibrava com os baques estrondosos, ora voltando-se para as duas portas. Como Adam dissera, havia mesmo um problema a se solucionar antes... o que levaria tempo para pensar.

— Pessoal - disse Adam. - estas portas... qual delas? - perguntou, recuperando o fôlego.

Alexia, Êmina e Rosie entreolharam-se, indecisas e confusas.

— Aquela parede parece que não vai suportar por muito tempo. - disse Lester, preocupado. - Êmina... o papel... - arqueou as sobrancelhas para lembrar a caçadora das palavras de Charlie.

— Ah sim, bem lembrado. - disse ela, rapidamente, tirando o papel do bolso da calça apertada.

— Espera, Êmina. - interveio Adam. - Ainda não temos certeza sobre qual destas portas é a que nos leva de volta.

— Relaxa, eu aposto que o Charlie, na hora de pronunciar as palavras, imaginou aquela floresta onde estávamos. - deduziu Êmina. - Mas há uma dúvida: Deveríamos sair pela mesma porta?

— Esperem... - disse Rosie, tentando se orientar. - Quem é Charlie? De que floresta falam? - olhou para eles, ávida para saber tudo em detalhes. - Desculpe... É que depois de conhece-los eu fiquei com a sensação de que perdi muita coisa.

— Você não faz ideia. - respondeu Êmina, rindo leve e forçadamente.

Alexia, inconformada por não se ver participante, decidira propor uma ideia rápida.

— Acho que Êmina levantou uma questão interessante. - disse ela, pondo-se ao entre a caçadora e a jovem de capuz. - Digo isso pela ideia de que Rosie só pode reaver suas memórias se conseguir voltar ao seu mundo, mas em um lugar com o qual ela estava familiarizada. - seus claros olhos azuis brilhavam com a promissora solução.

Adam suspirou, um tanto incerto do plano. As fortes batidas na parede elevavam-se em um som de fazer qualquer doente cardíaco ter um ataque fulminante devido a um susto. Já era possível ver protuberâncias e rachaduras consideráveis na muralha. Comum à primeira vista... exceto por um detalhe gritante: Nas rachaduras, tremeluziam fachos de luz branca, em primeiro momento imperceptíveis, mas logo tornariam-se chamativos.

— Alexia, como tem tanta certeza de que isso é possível? - perguntou Adam, curioso e relutante.

— É simples pensar. - disse ela, sorrindo animada. - Se partirmos da ideia de que Charlie, ao pôr a mão sobre o símbolo na porta, como nós vimos, imagina o local que deve aparecer no outro lado...

— Não sei quanto à vocês... - interrompeu Lester, a voz trêmula ao olhar para a parede rachando-se. - ... mas é melhor que decidamos logo o que vai ser. - cutucou Adam e apontou.

— Essa não! - disse o caçador corpulento, olhando atônito para a parede. Voltou-se para Alexia. - Aonde você quer chegar exatamente?

— Eu tenho de confessar algo. - disse ela, denotando insegurança na voz.

— Ah não, lá vem história... - disse Lester, impaciente.

— Fala logo, Alexia. - disse Êmina, curiosa e apressada, relanceando a parede com rachaduras iluminadas.

— Mesmo após Abamanu ter encerrado seu controle sobre minha mente... eu ouvia sussurros recorrentes, não sei bem como explicar... eles diziam: "Ela deve chegar ao lar.". De início eu não entendi, depois eu soube que tinha a ver com Rosie. - disse ela, olhando para a jovem. - Além disso, ele havia ponderado, desde o começo, que reaveria as memórias pouco antes de sua vinda. é exatamente isto que está ocorrendo... o talismã, agora Abamanu está com ele, mas não necessariamente precisaria dele para voltar... foi tudo um jogo, com se ele quisesse ganhar tempo para alguma coisa. - suspirou vagarosamente, sem partilhar da aflição dos demais. - Rosie, o lugar para o qual deve voltar é a sua casa! Eu já vi você em muitas das minhas visões e lembro exatamente de como é o seu antigo quarto!

Êmina aproximou-se das duas, esperançosa.

— E sendo assim, Alexia diz as palavras tocando no símbolo e imaginando o quarto de Rosie! - ela sorriu. - Agora tudo está entendido. - socou de leve a palma da mão.

— E isso explica a sua pergunta, Êmina. - disse Adam, impulsado por uma carga de excitação. - Você deve dizer as palavras na outra porta. De preferência, que voltemos à cabana, para vermos como está Rufus. - idealizou ele, para o ânimo de Alexia.

Um novo estrondo foi ouvido. A parede caíra em ruínas cada vez mais rapidamente, a luz branca do outro lado quase cegante. Viram os olhos vermelhos das criaturas opressoras prestes a avançar. Gostariam de entender aquele fenômeno, de onde provinha tal habilidade daqueles seres, mas não havia mais tempo para discutir ou pensar profundamente, entretanto.

— E o que estamos esperando?! - disse Rosie, sem questionar as enormes dúvidas que cresciam. O motivo era óbvio: Elas sumiriam assim que ultrapassasse a soleira daquela porta.

Lendo as palavras escritas no papel, Alexia pôs a mão direita sobre o símbolo usado pelos magos do tempo que Êmina havia desenhado em ambas as portas. A caçadora também estava proferindo, em voz baixa, o rito de passagem para o outro lado, com a imagem nitida do interior da cabana em Kéup em sua mente. Ambas estavam realizando o surreal feito ao mesmo tempo. A claridade veio com uma tsunami, dando aos exército Repo a oportunidade parar passar com a parede já praticamente rompida, bem como uma atmosfera de puro terror que emanavam.

— Os relógios estão parados. - disse Adam, olhando para seu relógio de pulso. - Parece que neste universo o tempo possui um andamento completamente diferente do nosso.

— Podemos ter perdido a noção do tempo... - disse Lester, extremamente desesperado. - ... mas eles, com certeza, não perderam a vontade de nos esmagar! - encarou com horror a multidão de bonecos Repo vindo aceleradamente. - Estão chegando perto!

Rosie ficara apreensiva a cada segundo que se passava, enquanto tentava não olhar para trás, mesmo os sons das vozes sussurrantes das criaturas ressoando em seus ouvidos.

Os dois símbolos, por fim, brilharam a luz amarela. As portas abriram-se sozinhas, como esperado. Alexia, rapidamente, juntou-se ao trio da Legião. Dois lugares se revelaram. Na porta esquerda estava um dos quartos da cabana. Na da direita um outro quarto, bastante arrumado, que Rosie observara curiosamente.

A jovem virou-se brevemente para o quarteto, com um genuíno olhar de agradecimento, enquanto a claridade alva que vinha arrasando com tudo, juntamente com o exército infame, cintilava seu rosto.

Os quatro olharam de volta, com o cristalino sentimento de missão cumprida.

— Boa sorte pra todos vocês. Obrigada, de coração. - uma lágrima de emoção rolara pela sua bochecha.

— Boa sorte, Rosie. - desejou Adam, falando e assentindo depressa. - Vamos lá! - voltou-se rapidamente para a abertura, entrando primeiro...

                                                                                ***

O pôr-do-sol em Kéup tivera sido demasiadamente efêmero para um dia dito especial. A noite estava prestes a cair com a mesma velocidade com a qual o sol se despedira. Sob os últimos resquícios de luz, através da janela de seu quarto, Rufus estava sentado à uma mesa pequena, de madeira velha, porém ainda utilizável, próxima à única janela do cômodo. Escrevia, tremulamente, com um lápis de grafite negro em uma folha de papel meio amarelada.

"Me perdoe, Alexia. Eu sou o culpado!", pensou ele, enquanto discorria um corajoso desabafo.

Charlie havia ligado para ele, poucas horas de quando havia chegado do centro de Croyton. O homem de 1,90m e pai de família havia revelado sua intenção abaladora ao mago do tempo. O rapaz entendera perfeitamente, sem questionar o porque de tal medida.. aceitando com um implícito pesar. Ou, como termo alternativo, rendição.

Por um longo instante, fitou o céu do fim da tarde já tomando seu tom preto-azulado prenunciando o véu da escuridão cair rápido. Suspirou pesarosamente, voltando os olhos para o papel.

Seu olhar jamais estivera tão tristonho como naquele dia.

Apertou o lápis com uma força intensa... querendo esmaga-lo... enquanto pingos de lágrimas caíam sobre o papel.

CONTINUA... 


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