Two Shades Of Blue escrita por Mileh Diamond


Capítulo 18
Mikhail (parte I)


Notas iniciais do capítulo

~chega esparramando a poeira que acumulou na fic~

Hey, minhas amoras, tudo bem com vocês? :D
Finalmente capítulo novo nessa joça, já tava com saudades dessa fic lindíssima ♥
Hoje a tão esperada (ou não, né) reunião de família vai acontecer! Espero que gostem do Misha, ele é um amor. E como enrolação é o que tá na moda, eu tive que dividir esse capítulo em dois porque senão ia ficar ridículo de grande, então vai ter mais dessa visita depois, por isso eu coloquei um "parte I" ali em cima.

Sem mais demoras, boa leitura! /O/



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Victor já viu colegas patinadores desmaiarem de ansiedade antes de competições. Ele nunca chegou a esse extremo, mas se lembra de ocasiões em que suas mãos e pernas simplesmente tremiam com a ideia de fazer algo de errado durante um evento tão importante.


Visitar seu pai parecia um daqueles eventos.

Eles haviam discutido o assunto num tom quase profissional no telefone. Contido, comportado, resoluto. A verdade é que Victor estava passando mal com a ideia de ver Mikhail novamente e tudo dar errado.

Ele estava acostumado com as coisas dando errado pra ele, mas com seus filhos a história era bem diferente.

Victor tentou ser bem claro com Yuri quando explicou quem iriam visitar naquele último dia em Moscou. Ainda foi uma tarefa complicada pois, além da história completa ser cheia de detalhes muito complexos para crianças, eles eram um tanto dolorosos.

— Nós vamos visitar o meu pai hoje, Yura. - Victor disse enquanto penteava o cabelo recém lavado do menino ainda no hotel. Era uma atividade terapêutica para quem estava a beira de um colapso. - Você não precisa chamá-lo de avô se quiser, mas acho que ele não veria problema.

"Não ver problema" não parecia próximo o suficiente de "gostar", mas Yuri não focou nesse aspecto. Ele tinha uma vaga memória de um homem que deveria ser o pai de seu pai, o que fazia dele seu avô, mas ele nunca foi presente em suas vidas.

E Yuri queria saber por quê.

— Por que a gente nunca foi ver ele? - ele perguntou virando a cabeça para encarar o pai, apenas para ser gentilmente recolocado na posição anterior.

— Eu e meu pai brigamos há muito tempo. - Victor explicou calmamente. - E ficamos tão tristes que nem queríamos conversar mais. Mas agora nós queremos fazer as pazes. Ele quer conhecer vocês.

— Hum. - foi tudo que ele conseguiu dizer para aquilo.

Yuri imaginou que tipo de briga podia fazer alguém ficar tão bravo pra nunca  mais falar com a pessoa. Ele já brigou com o papai e com Yuuri, mas eles se perdoavam rapidamente e tudo voltava ao normal. Tudo se resolvia com um pedido de desculpas.

Será que Victor pediu desculpas ao pai dele? Ou foi ao contrário?

— A vovó vai tá lá? - ele perguntou momentaneamente se lembrando de que Victor também tinha uma mãe. Uma babushka era algo genuinamente novo pra ele.

— Não. - Victor respondeu interrompendo o penteado para tirar o secador de cabelos do alcance de Yuuri antes que ele ficasse muito criativo. - A minha mãe não mora mais com o meu pai e está viajando. Eu não sei quando ela vai querer receber visitas.

— Você brigou com ela também? - ele não pode evitar o cenho franzido com a pergunta.

— ...É, eu briguei com ela, também. - era mais fácil de dizer do que "Ela não me defendeu e nem procurou consertar as coisas, o que qualifica como algo tão grave quanto o que meu pai fez." - Mas hoje é só sobre o meu pai, ok? E vocês têm que se comportar ainda mais do que fizeram na casa do vovô Kolya, porque o vovô Misha ainda não conhece vocês.


Isso e o fato de que Victor não tinha certeza de que Mikhail teria a paciência típica de avós pro caso de uma bagunça. Ele nunca foi do tipo a gritar com o pequeno Victor quando este mexia em suas configurações de fax e magicamente mandava seus documentos para a Sibéria, mas ele ainda mandava aquele olhar horripilante de quem te colocaria na cadeia sem nenhum esforço.

Aquela memória comicamente infeliz fez Victor temer a chance de Mikhail não sorrir uma única vez naquela tarde. Isso seria muito traumatizante para seus filhos.


Mas isso era problema para outra hora, pois agora ele tinha uma trança pra terminar e um bebê hiperativo que queria usar o telefone do serviço de quarto como brinquedo.

O lado bom dessa bagunça era saber que, não importasse o que acontecesse, ele ainda teria seus meninos para fazê-lo feliz.













O apartamento no centro moscovita era desconhecido para Victor. Provavelmente seu pai se mudara para lá depois do divórcio, abandonando a mansão espaçosa nos subúrbios caros da cidade. Realmente, não tinha por que manter algo tão grande morando sozinho.

 

Fazia-o imaginar, mais uma vez, como estava sua mãe. Quem sabe um dia, quando Victor estivesse com uma estabilidade emocional que possibilitasse aqueles tipos de encontros estressantes diariamente, ele tentaria falar com ela outra vez. Mas isso era para outro momento.

Yuuri decidiu que tornaria aquilo mais difícil pra ele, porque dormiu no meio do trajeto de carro e agora não queria acordar. Victor estava quase desconfiando que ele estava fingindo para ser carregado.


A espera em frente à porta do apartamento pareceu durar uma vida. Yuri ao seu lado era a pessoa mais calma do grupo, considerando os componentes acordados. O pequeno só estava particularmente impressionado com o chão polido do corredor. Era quase um espelho! Por que alguém precisa pisar num espelho?


A porta se abriu e Victor inconscientemente prendeu a respiração.

Mikhail parecia muito mais preparado para o diálogo do que o filho, considerando que não hesitou em cumprimentar:

— Olá, Victor.

Victor, diante daquelas palavras e da realização de que era a primeira vez em um bom tempo que recebia um olhar sem um um pingo de hostilidade do mais velho, disse num suspiro:

— Olá, pai.

Os dois passaram alguns segundos de eternidade encarando um ao outro antes de tomarem qualquer outra atitude. Victor puxara a vaidade de Mikhail, crescendo com a filosofia de que a imagem era a primeira a coisa com que se preocupar, pois livros realmente são julgados por suas capas. Isso resulta num Mikhail com uma aparência muito bem cuidada para os seus sessenta anos. Ele não escapou das rugas nem dos óculos, mas o cabelo preto provavelmente recebia retoques de tinta todo mês e, quem sabe, um implante para calvície. Mikhail não abriu mão da camisa social para um encontro relativamente simples, mas Victor suspeitou que o velho advogado já tinha se esforçado demais ao não usar uma gravata. Considerando que os dois tinham a mesma estatura e porte físico, era como se Victor se olhasse no espelho e visse seu futuro em trinta anos.

Ter Yuuri em seu colo foi a desculpa perfeita para evitar abraços constrangedores, de forma que os dois se contentaram com um aperto de mãos satisfatório e um aceno.

— Desculpe por isso. - ele apontou com um aceno de cabeça a criança em seu colo. - Ele caiu no sono no caminho pra cá.

Mikhail assentiu sem hesitar, provavelmente simpatizando com as inúmeras vezes que Victor simplesmente dormiu no carro após um dia inteiro de bagunça, obrigando o pai a carregá-lo de um lado para o outro.

— Não tem problema. - o mais velho murmurou sem compromisso, olhos recaindo sobre o outro membro infantil do grupo.

Yuri estava meio escondido atrás do pai, mas ainda observava o quase estranho com curiosidade. Não era muito diferente do que ele lembrava, mas os óculos eram novos.

Mikhail parecia um avô, mas não parecia tão avô quanto Nikolai. Talvez por ele parecer mais novo e se vestir de forma tão séria. Ele poderia se passar por pai de alguns colegas seus na escola.

— Você conhece o Yuri. - Victor tratou de quebrar o curto silêncio.

— Oi. - Yuri não precisou de motivação para o cumprimento silencioso, mas ainda não abandonara seu esconderijo.


— Olá. - Mikhail curvou-se levemente, as mãos sobre os joelhos. Ele arriscou um sorriso pequeno. - Você cresceu.

Era verdade. Na ocasião em que ele "conheceu" o primeiro filho de Victor, ele não devia ter mais que três anos. E no susto do momento, ele cogitou a possibilidade de Yuri ser filho biológico de Victor e o patinador ter mentido por razões publicitárias, talvez.

O cabelo loiro lembrava muito sua ex-esposa Lidya.



Os dois adultos aparentemente cansaram do enfrentamento constrangedor à porta, pois Mikhail finalmente abriu espaço para que entrassem no apartamento. Yuri foi o primeiro, olhinhos curiosos enquanto observava tudo ao redor. Vovô Misha gostava de azul, pelo visto. Muito azul e cinza.

— Você pode deixá-lo no quarto, se quiser. - o mais velho apontou a forma adormecida de Yuuri. - Não acho que ele vá acordar tão cedo.

Parte de Victor não queria ficar tão confortável assim, mas ele sabia que seus braços não aguentariam por muito tempo e só irritariam Yuuri pela falta de uma posição melhor.


— Obrigado, eu adoraria. - ele disse em voz baixa, reajustando o menino em seu colo.

Enquanto mostrava o caminho para o quarto de hóspedes, Mikhail se deu conta, em pânico, de que não sabia o nome de seu neto mais novo. Se já ouviu, acabou esquecendo e isso sim era constrangedor.

Bem, ele nunca foi do tipo a esconder as burradas que fez, diferente de Lidya.


— Sinto dizer que eu não lembro o nome do caçula. - ele admitiu com uma gota de culpa na voz, enquanto via Victor acomodar o filho na cama do quarto de hóspedes.

— Oh. - até Victor pareceu surpreso com aquilo. - Eu não acho que acabei falando, também. É Yuuri.


Mikhail franziu o cenho.

— Dois Yuris?

— É, mas esse é com dois "u"s. - Victor acabou sorrindo. - Foi só uma coincidência do destino.


Isso e o fato não confirmado de que aparentemente as mães deles se conheciam, mas Victor não achou interessante adicionar aquilo.


Mikhail o mandou um olhar de silencioso e incorrigível julgamento, típico de quando o mais novo fazia mais um esforço de não parecer normal. Mas foi embora depressa, sendo que o patriarca Nikiforov aparentemente se cansara de questionar todas as peculiaridades do filho. Era melhor apenas aceitar.








Yuri estava esperando pacientemente sentado no sofá cinza (que foi um tanto difícil de subir) balançando os pezinhos entediado. Papai disse que era pra se comportar, então ele não podia se aventurar em muita coisa, apesar da vontade ser grande.


Em sua inspeção superficial, o garoto percebeu que seu avô paterno não era fã de fotografias. A sala tinha pinturas abstratas e vasos sem plantas (qual a utilidade disso?), mas fotos realmente eram uma raridade. Yuri acredita que havia uma no canto de uma prateleira, mas de onde estava não conseguia ver quem era na imagem preta e branca.

Ele imaginou se em algum lugar da casa havia coisas de quando Victor era jovem, como Nikolai fazia com sua mãe. Ele vira fotos na TV e no rinque, mas todas mostravam um Victor adolescente de cabelo comprido. Será que havia alguma coisa de seu pai quando criança?

A única coisa que destoava da decoração entediante eram duas caixas embaladas para presente em cima da prateleira. Elas eram bem coloridas, uma com listras e a outra com estampa de carros. Tinham até fitas! Yuri imaginou para quem seriam.

Finalmente os adultos voltaram à sala depois de sumirem com o irmão dele (Yuri sabe que aquela soneca vai durar no máximo dez minutos até Yuuri acordar chorando). Antes de conversarem como adultos normais, porém, Mikhail resolveu que ele queria procrastinar só mais um pouco.

— Eu comprei umas coisas. - ele disse andando até onde as maravilhosas caixas estavam guardadas. A listrada veio primeiro. - Pra você, Yuri.

O loiro conectou as pistas rapidamente, os olhos brilhando em entendimento.

— Presente?

— Pai... - Victor tentou intervir.

— Não questione. - foi a resposta curta, mas não mal-educada de Mikhail, enquanto colocava a caixa bem ao lado do menor. - Considere um presente de Natal atrasado. Espero que você goste.


"Espero"? É claro que ele gostou, Yuri adorava presentes!

Spasibo! - ele disse animado enquanto desempacotava a caixa apressado, para o constrangimento eterno de seu pai.

— A gente podia ter esperado até chegar em casa, Yura...

— Você também não era muito paciente, Victor. - Mikhail sorriu de lado.

Os sorrisos estavam tão fáceis. Victor não sabia se devia sentir medo ou alívio.


Yuri foi presenteado com um carrinho de polícia de controle remoto e um par de walkie talkies. Ele não esperaria para testá-los.

— Beka tem um igual. - o menino disse ajoelhado no chão apertando todos os tipos de botões no controle. - Eu sei como... Oh!

O dito carro começou a andar e bateu direto na raque com a TV, fazendo os Nikiforovs estremecerem com o impacto.

— Yura, você tem que ter mais cuidado...  - Victor disse parcialmente constrangido. Uma parte inconsciente dele temia ficar de castigo caso Yuri quebrasse alguma coisa.

— Eu já sei! - o loiro disse manobrando o pobre carrinho para longe dos móveis.

Yuri, de fato, era um bom motorista depois de alguns minutos de prática. Nenhum dos adultos mencionou que o uso corrente logo acabaria com a bateria, então ele continuou com seu novo brinquedo por tempo indeterminado.

Mesmo que não tivesse ganhado o carrinho, Yuri teria gostado do vovô Misha. Ele não falava muito, aparentemente. Talvez porque ele ainda precisasse pedir desculpas ao seu pai. Eles vieram aqui para isso, não?

Dando-se conta de que eles nunca teriam aquela conversa de adulto na sua frente, ele teve, quem sabe, a ideia mais madura em toda a sua vida:


— Eu posso brincar em outro lugar? - ele perguntou para Victor. - A sala é muito pequena.


Victor, como sempre, entrou em silencioso pânico por causa da pergunta. Não só Yuri estava sugerindo explorar a casa como se fosse sua, como também deixaria Mikhail e Victor sozinhos no mesmo ambiente. Onde eles teriam que falar. Um com o outro.

Mikhail não era tão covarde quanto o filho e, agradecendo a inocência infantil por ter aquela ideia iluminada, foi o primeiro a responder sem hesitação:


— O corredor está livre e a porta aberta é o quarto onde está seu irmão. Apenas evite as portas fechadas.

Victor ainda não estava completamente de acordo.

— É sério? - ele fez a pergunta a Mikhail, com olhares incertos de quem ainda não tinha certeza de que aquilo tudo era real.

O mais velho assentiu, ainda em silêncio.

Era tudo de que Yuri precisava para manobrar o carrinho em direção ao corredor e deixando a sala a passos apressados de criança, deixando pai e avô sozinhos.



— Eu não me importo com a bagunça, se é o que você está pensando. - Mikhail disse assim que Yuri estava fora de vista. - Ele é bem comportado, até. Mais do que eu esperava para uma criança da mesma idade.


É porque ele deve ter percebido o quão ansioso eu estava com essa visita, Victor pensou, mas novamente, não falou.

— Obrigado. - parecia uma resposta adequada. Sua mente pulou para a próxima pergunta que não parecia tão problemática. - Como vai o trabalho?


Mikhail deu de ombros, um pouco relaxado por se tratar de um assunto que ele dominava.

— Nada de novo. Quase posso dizer que é chato. Mas eu gosto da repetição. - diferente do filho, ele nunca se acostumou com surpresas. - Você está trabalhando como técnico?


Era o tipo de informação que qualquer um que acompanhava as notícias de esporte sabia. Por mais que o senhor tivesse uma certa aversão a patinação artística, Victor suspeitava que ele bancara o stalker nos últimos tempos e já sabia seus últimos passos. Era uma das poucas justificativas para ele ter ligado em seu aniversário já sabendo sobre Yuuri.

— Sim. Eu comecei dando uma assistência para a categoria Júnior e assumi outros mais velhos quando Yakov se aposentou.

O homem assentiu. Essa parte havia lhe passado em branco nas pesquisas.

— E eu achando mais fácil Putin sair do poder do que Feltsman se aposentar. - não foi uma tentativa de piada, apesar do tom leve usado. Após três gerações de alunos, o velho merecia um descanso. - Os meninos gostam de patinação, também?


Victor sentiu a necessidade de ficar na defensiva sobre a pergunta.

Por quê? Vai julgá-los por gostarem disso, também?

 

— Yuuri é muito novo ainda, mas Yuri faz aulas há mais de um ano. - foi a resposta calma e calculadamente despreocupada que ele deu.

Seu pai arqueou as sobrancelhas para a informação. Não era exatamente surpreendente, mas ele não esperava aquela dedicação tão cedo.

— Ele começou mais cedo do que você. - Mikhail comentou, lembrando-se da imagem de Victor aos seis anos em sua primeira aula.

— Sim. Eu achei que ele ia enjoar rápido, mas ele leva tudo muito a sério. - Victor não pôde evitar o sorriso orgulhoso em seus lábios. - Ele diz que quer ganhar muitas medalhas e que vai guardar debaixo da cama pro irmão não pegar.

Mikhail acabou sorrindo com aquilo.

— Eles se dão bem?

— Muito. Foi difícil no começo, mas com o tempo eles passaram a se entender melhor. - ele admitiu. - Sempre há umas briguinhas, mas Yura cuida muito bem do irmão dele.


Mikhail não conseguiu evitar um aperto no peito ao ouvir aquilo. Uma pontada de ciúmes, talvez.

Ele também teve a chance de ser um bom irmão mais velho quando jovem. Teve e desperdiçou, graças à inveja que tinha da irmã que deveria cuidar. Mas é o que acontece quando não se dá amor e carinho de forma igualitária para os filhos. Victor com certeza não tinha esse problema.


Ele já podia ser considerado o melhor pai da família Nikiforov em décadas.

— Eu te admiro muito, Victor. - Mikhail acabou confessando num suspiro. - Você não se importou com o que as pessoas iam dizer e construiu uma família do jeito que você queria. Com dois filhos, ainda por cima. É preciso muita coragem e amor para fazer isso.


O mais novo sentiu um bolo na garganta com aquelas palavras. Ouvir que era admirado por Mikhail era o primeiro elogio que ele ouvira do homem em anos. Ele não sabia o que dizer.


Victor queria poder bancar o clichê e dizer que teve bons exemplos, mas isso só estragaria a atmosfera positiva. Porque Mikhail não foi o bom exemplo. Talvez no início, quando eles ainda pareciam uma família normal e nenhum escândalo havia estourado por causa de intrigas passadas. Mas com o passar dos anos, eles se esqueceram de como uma família normal deveria agir. Mikhail esqueceu que pais devem apoiar seus filhos, mesmo que suas decisões o machuquem. Victor resolveu esquecer que tinha alguém pra chamar de pai.


Por isso, ele optou por uma resposta mais neutra:

— Eu faço o melhor que posso. - não era uma mentira, no final. Mas ele sentia que valia a pena se abrir um pouco mais sobre o assunto. - Cheguei a conclusão de que a fórmula "casamento e depois filhos" não funcionaria bem pra mim. Acho... Acho que eu estava com medo de esperar demais e perder tempo.


— Perder tempo... - Mikhail repetiu levemente intrigado. - Com relacionamentos?

— É. - ele confirmou, pouco a pouco ganhando mais confiança para discutir o tópico. - Eu já tive tantos, com todo tipo de pessoa. Tive experiências horríveis, outras ótimas, mas nenhuma foi longe demais. Eu sempre acabava colocando a patinação acima disso tudo. E quando eu me dei conta disso no final da carreira... Eu não quis esperar pela pessoa certa, se é que ela existe. Eu só queria uma família.

Parecia uma confissão tão séria e covarde. Victor não queria esperar pelo príncipe encantado que não tinha certeza se viria. Mas ele sabia que se tivesse filhos teria alguém para amar e que não o abandonaria depois. Bom, ele faria o possível para isso não acontecer.

O velho advogado assentiu pensativo para a colocação, parecendo dissecá-la minuciosamente para fazer um comentário a altura. Não demorou para vir.

— A primeira coisa que uma pessoa medíocre diria sobre a sua situação é que você secretamente se arrepende de ter dado tanta atenção ao esporte. - ele pendeu a cabeça levemente para o lado, fitando o mais jovem. - Não é verdade, é?

— Não. Claro que não. - Victor balançou a cabeça em negação. Era algo que ele já tinha pensado a respeito certas vezes e, em seus piores momentos, quem sabe tenha acreditado. Mas o que chamou sua atenção na frase do pai foi aquela palavra peculiar. - Por que uma "pessoa medíocre"?

— São as que se contentam em atingir a média, não se esforçam para mudar aquilo e ainda criticam o trabalho dos outros. - Mikhail não pôde evitar o revirar de olhos para a ideia. Aquele tipo de gente era de tirar a paciência. - Um medíocre não leva em consideração que para chegar onde você chegou foi preciso muito sangue e suor, que você teve de abrir mão de coisas básicas, mas importantes para a maioria, como namoros, festas e amigos. Ainda te acusam de não ser feliz, como se eles não estivessem reclamando todos os dias de sua realidade patética sem levantar um dedo para tentar progredir. - ele percebeu talvez tarde demais que aquele discurso de nada valia se Victor não tivesse sido feliz em sua profissão. - Você foi feliz no gelo, não, Victor?


Havia uma urgência velada naquela pergunta. Porque se Victor não foi feliz como patinador, do que valera tudo aquilo? Qual teria sido a necessidade  daquele afastamento, das brigas, da distância?


Se Victor tivera que passar sua juventude longe de casa, com uma relação familiar caótica, o mínimo que ele merecia era ter sido feliz como patinador.

Para o alívio de Mikhail, Victor confirmou suas expectativas.

— Muito. Eu não consigo me imaginar tendo uma vida diferente da de patinador.

Não havia conotações subentendidas naquela frase, apesar de Victor ter todo o direito de colocá-las como quisesse.

Eu não seria feliz se parasse de patinar como você quis.

Eu não seria feliz sendo advogado.


A única coisa que me impediu de ser plenamente feliz durante esses anos foi vocês terem me abandonado.



Ele poderia ter dito tudo isso, mas não o fez. Talvez fosse Mikhail que inconscientemente esperava aquela conversa mais tensa. Era o remorso falando mais alto.


— ...Que bom. - foi tudo que ele conseguiu dizer, a voz quase falhando no caminho. - É muito bom que você tenha conseguido seu lugar no mundo, Victor. Que você foi feliz fazendo o que gosta e que hoje tem a família que tanto queria. Muitos não conseguem esse tipo de realização. Eu... Eu tenho orgulho do homem que você se tornou, filho.

— Pai... - toda a tensão e estresse acumulados daquele dia estavam a um passo de transbordar com aquelas palavras.

— É verdade. Sabe, houve um tempo em que eu tinha chegado onde você está hoje. Eu tinha um trabalho que eu amava e uma família pela qual eu daria o mundo. Era uma vida perfeita, eu estava feliz. - ele falava rápido agora, como se estivesse aproveitando os poucos segundos de coragem que surgiram. O olhar baixo não encarava Victor nos olhos. - Mas eu não consegui manter essa felicidade. Eu cometi erros gravíssimos com a sua mãe, com você... E eu lamento muito por isso. Porque eu sei que se você é essa pessoa forte de hoje, foi por eu ter deixado as coisas muito mais difíceis que o necessário e você ser obrigado a se virar sozinho. Eu espero que um dia...

Mikhail foi interrompido por um soluço contido falhadamente e teve de levantar o olhar para saber do que se tratava.

 

As lágrimas de Victor ainda não estavam rolando, mas seus olhos estavam tão úmidos que não faltava muito para aquilo acontecer. Ele não queria chorar, não queria mesmo. Ele deveria encarar aquela situação como um adulto e não derreter com qualquer tópico minimamente sensível. Ele deveria...

— Oh, Vitka... - Mikhail murmurou sentido e incomodado, sem saber o que fazer. Ele sabia lidar com clientes chorando durante processos, mas não fazia ideia do que fazer com Victor. Ele ainda tinha o direito de abraçá-lo? Segurar sua mão? Qualquer demonstração de carinho normal entre pais e filhos?


— Desculpe. - Victor disse esfregando os olhos. - É que é muita coisa, tudo ao mesmo tempo, eu... Eu não estava preparado, só isso.


— Está bem, está bem. Eu entendo. - Mikhail concordou rapidamente, ansioso em consertar as coisas o quanto antes, com o mínimo de lágrimas possível. - Vamos devagar, então. Temos tempo o suficiente pra isso. Eu só não quero te ver chorando mais.


Mais. Mikhail certamente já vira o filho chorar muitas vezes. Ele evitava pensar em quantas vezes ele chorou fora de sua presença.


— Eu estou bem. - Victor assegurou sem demora, como se isso fosse fazê-lo se acalmar mais rápido. - Ou vou ficar. Desculpe, os meninos me tornaram mais sensível e eu choro com mais facilidade agora. Só isso.

Mikhail sorriu minimamente para a tentativa de piada. O tempo podia tê-los deixado separados por anos, mas ele conhecia Victor o bastante para saber que os filhos não tinham nada a ver com aquilo.


— Eu vou fazer um chá. - o mais velho  disse se levantando e concluindo aquele diálogo ligeiramente deprimente. Mas ele ainda teve coragem de fazer mais um pedido. - Quer me ajudar a escolher?

Victor piscou algumas vezes atordoado pela pergunta, que o jogou pelo menos vinte anos no passado. Mikhail preferia café a chá, mas a esposa e o filho gostavam de experimentar sabores novos sempre e ele entrava na brincadeira. Victor e o pai sempre foram os responsáveis por fazer o chá.

— Sim. - ele respondeu antes que qualquer um dos dois pudesse mudar de ideia. - Obrigado.



Talvez o agradecimento soasse fora de lugar para ouvidos externos, mas era a única coisa que Victor realmente queria: agradecer Mikhail por estar se esforçando.

O mesmo agradecia silenciosamente por ter recebido aquela chance.




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Notas finais do capítulo

Qualquer dúvida sobre o passado do Victor que vocês tiverem, podem perguntar, porque se eu for explicar tudo em notas pode sair maior que o próprio capítulo :'vvv
Não sei quando o próximo cap sai, mas já está em construção! Não vou desapontar vocês òó9
Beijinhos e até a próxima~~

XOXO



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