Victor nunca se importou em ser o patinador com a foto mais comentada nas redes sociais, nem mesmo na época em que patinava.

Era algo muito superficial. Obviamente, milhares de curtidas numa selfie significavam que seus fãs eram dedicados. Mas após um tempo, aquilo perde a importância. Ainda mais quando ele sequer competia mais.

A história muda quando falam de seus filhos.

Ele não gostava de admitir, mas Victor era um pai muito orgulhoso e nada humilde. Seus meninos eram os mais bonitos, talentosos e carinhosos, ponto. Ele não quer saber a opinião alheia sobre o assunto. Nenhuma criança competia com Yuuri e Yuri.

Mas pelo visto, a comunidade da patinação artística queria contestar essa verdade.

Os pais patinadores mais exibidos sempre seriam os Leroy e aquilo não se discutia. Com um casal na dança do gelo e o caçula já interessado no esporte, eles tornaram sua missão pessoal restaurar a honra canadense no gelo com as próprias mãos. Ou melhor, com as próprias crianças.

Amélie e Pierre Leroy não pegaram o auge do Youtube e do Instagram para serem crianças paparicadas por milhões de seguidores, mas vez ou outra a Internet resgatava vídeos infantis dos dois em competições ou simplesmente sendo fofos.

Não era raro Jean-Jacques ser incluído na história.

A última razão para uma crise de fofura no fandom foi um vídeo na conta oficial do Twitter dos irmãos Leroy.

[descrição do vídeo: Jean-Jacques com dois anos em frente à TV dando pulinhos de felicidade quando seus irmãos vão competir]

leroysibs: JJ torcendo pela gente no JGP 2015! Melhor irmãozinho de todos ♡♡ ~A

788 retweets  2.3K curtidas

yuna.queen22: @leroysibs que cuti cuti (ﾉ´ヮ´)ﾉ*: ･ﾟ

kozlevskyfam: @leroysibs a fofura é de família?? *o*

leroy.alain: @leroysibs quando um bebê torce por outro bebê haha'

lazyjames: @leroysibs #CutestBabyOnISU

...

Se perguntassem a qualquer um dentro da comunidade quem começou aquilo, 90% apontaria Cao Bin.

Cao era o patinador chinês mais condecorado da atualidade e todos que acompanhavam suas redes sociais sabiam que ele era um tio babão pelo seu sobrinho Guang-Hong Ji, com pouco mais de um ano. Some a isso uma personalidade naturalmente competitiva e o estrago está feito.

Foi ele quem levou a hashtag "#CutestBabyOnISU" a sério.

Três dias depois da postagem dos Leroy, Cao postou um novo vídeo em seu twitter.

[descrição do vídeo: Cao Bin fazendo flexões no chão com Guang-Hong nas costas. O bebê dá uma risada fofa toda vez que é levantado]

fs_caobin: guang-hong é um treinador muito severo #CutestBabyOnISU

874 retweets 3.8K curtidas

atanihbae66: @fs_caobin asfagdgshsgajdhajshajshsjghdjs;; QUE LINDO

drii.chev:  @fs_caobin pode morder?? *^*

mikamikumei12: @fs_caobin pera, isso virou trend???? #CutestBabyOnISU

...

Victor viu a moda começar e resolveu ficar, sabiamente, em silêncio.

Pouco a pouco, mais patinadores e outros esportistas do gelo entrarem na onda. A proposta era simples e fofa: vídeos ou fotos de crianças pequenas que tinham algum grau de familiaridade com os atletas. Irmãos, primos, afilhados... Qualquer pimpolho valia.

Filhos entravam na conta, obviamente.

Não demorou para seus próprios fãs e alguns amigos o marcarem nas postagens, esperando uma atitude iniciada com 'Y'. Ele resolveu bancar o desentendido.

Eram ocasiões bem raras as que levavam Yuuri e Yuri a aparecerem em fotos na rede, pelo simples fato de que Victor tinha ciúmes. Os bebês eram dele e, por mais que ele tivesse toda a vontade de mostrar pro mundo o quanto ele era um pai sortudo com os melhores filhos do universo, ele ainda tinha vontade de mantê-los guardados num potinho metafórico.

Ele não criticava os pais que não temiam um pouco de exposição, mas ele já tivera problemas demais com a mídia para deixar sua guarda baixa.

— Me empresta um Yuri? - Mila disse um dia no treino, com um bico que já não combinava com uma mulher adulta. - Só vou tirar uma foto.

— Não. - Victor disse fazendo anotações numa planilha enquanto a garota se apoiava no muro do rinque.

— Mas você tem dois! - ela reclamou não segurando um sorriso - Tem que aprender a dividir. Até os seus filhos sabem disso.

— Você disse certo: são meus. - ele levantou o olhar momentaneamente da planilha. - Arranje um só seu, então podemos conversar.

— Não esse ano, infelizmente. - ela suspirou. Casamentos e planejamento familiar eram tarefas tão caras. - Mas você ganharia de lavada naquela tag. Yura e Yurachka são dois pedaços invejáveis de fofura.

— E é por isso que eu não vou entrar nessa. - ele disse apontando para ela com uma caneta. - É dar chance pra colocar quebranto nos meus bebês.

— Quebranto? Tipo mau-olhado? - Mila acabou rindo. - Não sabia que você acreditava em misticismo de avó, Vitya.

— Não é misticismo. Inveja é algo bem real e é sempre bom evitar. - era para soar sério, mas ele abriu um sorriso no final. - Georgi seria o primeiro a me defender se estivesse aqui.

A mais nova estalou os dedos como se tivesse uma ideia.

— Você acaba de me lembrar que eu posso pedir o novo enteado dele emprestado. Obrigada.

— De nada. - ele checou o horário no relógio de pulso. - Acabou o recreio, vamos repassar o seu programa curto algumas vezes e terminar por hoje.

Se tinha alguém em quem ele podia confiar para boicotar aquela campanha com ele, era Minso. As fotos do pequeno Seung-gil eram tão raras quanto as dos Nikiforovs, já que Park era bem reservada sobre sua vida pessoal.

Imagine a decepcionada surpresa quando o perfil de Minso foi atualizado com um vídeo estreando o filho da mesma.

Parecia ter sido gravado num quarto de criança. Seung-gil tinha as mãozinhas seguras atrás de si, parecendo ter todo o controle da situação, enquanto um husky siberiano maior que ele deitava no chão ao lado, oferecendo consolo.

— Seung-gil, por que você deu seus legumes para a Tong-Tong? - Minso perguntou no vídeo em coreano, as legendas em inglês acompanhando.

— Ela pediu. - ele respondeu confiante, mas não ousando olhar nos olhos da mãe. - Tong-Tong gosta de brócolis.

— Ah, ela pediu? - Minso perguntou, não soando nem um pouco surpresa. - E você vai ficar sem?

— Vou. - ele assentiu resoluto. - Porque ela gosta um montão. E eu quero deixar ela feliz.

— Mas se você não comer legumes, você não vai crescer.

Seung-gil levantou a cabeça rapidamente, como se já tivesse pensado num plano para aquele problema.

— Eu vou subir na escada e ficar bem alto! - ele explicou. - Aí não vou precisar crescer!

Com aquilo, sua mãe não aguentou e acabou rindo da situação.

— Oh, Seung...

the_real_minsopark: seung-gil e seu cachorro vegetariano [facepalm emoji] #CutestBabyOnISU

466 retweets   8.2K curtidas

Era fofo? Era. Mas Victor ainda se sentiu particularmente traído. Agora ele era, oficialmente, o único patinador popular a não ter uma participação naquele movimento.

Por isso, ele sentiu a necessidade de incomodá-la no privado.

> você traiu o movimento, park
> éramos só nós dois indo contra a modinha

...

>> a tag tinha crianças mt feias, alguém tinha que jogar na cara
>> meu seung é uma dádiva divina em forma de bebê

Victor arqueou as sobrancelhas para a última mensagem.

> você é uma mãe tão humilde, park

>> como se vc fosse diferente
>> pq tá bancando a mãe gothel com os seus meninos?
>> é a oportunidade perfeita para esfregar na cara de todos o quanto eles são bonitos

> eu não preciso esfregar na cara, eu sei

>> :O
>> ok, né
>> me marca se mudar de ideia

A conversa acabou ali. Com sorte, aquele trend iria acabar rapidamente e o mundo ia parar de incomodá-lo.

Uma das muitas vantagens de ser filho de Victor Nikiforov era ter um rinque de patinação sempre ao seu dispor. Ou quase.

Yuri não fazia aulas no mesmo rinque em que seu pai trabalhava. As turmas mais novas lá tinham a partir de sete anos, então ele usava outro espaço. Modéstia à parte, ele era um patinador muito bom. Mas quando seu pai é um dos treinadores chefes do lugar, você tem algumas regalias.

Elas incluem ter direito a uma enorme pista de gelo completamente vazia no início da noite. Yuri fazia muito bom uso dela.

Ele já estava praticamente do outro lado do rinque quando uma voz fina e muito familiar o fez parar.

— Yura!

Yuuri estava tentando pular o muro do rinque para entrar no gelo. O fato de que a porta estava aberta no canta exatamente oposto só era prova do quanto ele era burro.

— Yuuri! - Yuri ralhou enquanto patinava até onde o mais novo tentava entrar. - Você não pode entrar!

— Eu vou! - foi a resposta teimosa enquanto Yuuri aterrissava não muito estável no gelo, apenas para escorregar logo depois. Yuri não foi rápido o suficiente para impedi-lo.

— Você nem tem patins! - o mais velho reclamou com uma mão sobre o rosto. Estressante. Lidar com Yuuri era estressante. - Você não pode patinar!

— Pa-tins. - Yuuri disse ainda ajoelhado sobre o gelo, dando pequenos tapinhas nos patins do irmão. - Me dá?

— Não. Você vai sair. - Yuri disse sério enquanto segurava a mão dele e o ajudava a levantar.

O problema agora era cruzar um rinque enorme com uma pessoinha de sapatos muito escorregadios.

— Você é muito burro. - Yuri suspirou quando Yuuri quase caiu pela terceira vez em menos de cinco minutos. Eles mal cruzaram dois metros. - A gente só entra num rinque de patins. E é muito, muito difícil patinar.

— Hum. - foi tudo que Yuuri conseguiu dizer, mais concentrado em não cair.

— Quando você crescer mais um pouco, você vai poder patinar também. - ele tentou consolá-lo. - Aí eu posso te ensinar, porque eu já sei um monte de coisa.

Yuuri levantou o olhar por um momento.

— Yura vai brincar comigo?

Yuri revirou os olhos.

— Eu sempre brinco com você, bobo. Eu tô falando de patinação. - ele pensou mais um pouco e teve uma ideia. - Anda mais rápido.

Pareceu uma eternidade até eles alcançarem a entrada e, quando chegaram, Yuri disse:

— Eu vou te mostrar como as crianças grandes patinam e você tem que prestar atenção, tá? - ele secretamente queria exibir tudo que já aprendera. Yuuri era perfeito para o trabalho.

— Tá. - o menor balançou a cabeça concordando.

Yuri sorriu animado e não demorou para deslizar para longe da borda.

Mila e Polina já haviam notado a movimentação há algum tempo, resolvendo observar de longe. Aqueles dois tinham que ser os irmãos mais fofos de São Petersburgo, quem sabe da Rússia inteira! Era muita maldade de Victor guardar tanta doçura só para si.

— Isso é um swizzle! - Yuri disse em alto e bom som, demonstrando o movimento para sua audiência de uma pessoa. - É uma figura básica que todo mundo tem que saber. Eu sei fazer super rápido, olha!

— Super rápido! - Yuuri concordou se segurando à parede enquanto observava o irmão.

Mila percebeu o que estava acontecendo e em meio segundo estava agindo com seu celular.

— Yura está brincando de treinador. - Polina cochichou em voz baixa, antes de notar o que a mais velha estava fazendo. - Mas o que...

— Shh. - a outra reclamou em voz baixa. - É um momento histórico. Victor vai me agradecer depois.

— Esses são bunny hops. - Yuri explicou após demonstrar um salto simples várias vezes em sequência. - Significa "pulinhos de coelho". Eu consegui fazer na minha segunda aula.

— Coelho! - Yuuri gostou justamente por ser um animal que ele conhecia. - Pula, pula!

— É um salto de bebê. Esse aqui... - Yuri disse tomando distância e impulso para executar o seu maior orgulho de só uma rotação. Ele quase se desequilibrou, mas com sorte ninguém percebeu. - ...é de gente grande. É um waltz. Eu sou o único da minha turma que consegue!

Yuuri apenas bateu palminhas para a animação do irmão. Para ele era tudo novo e legal. Yuri parecia Victor quando patinava!

Os dois continuaram com aquele jogo deles, que para Yuri era assunto sério e para Yuuri, um show particular. Eles repassaram twizzles, crossovers, scratch spins e tudo mais que a turma básica podia aprender.

Quando Yuri estava no meio de uma tentativa de Biellman spiral, Mila se aproximou lentamente de Yuuri e perguntou ainda gravando:

— Seu irmão está patinando, Yurachka?

— Sim. - Yuuri disse ainda olhando para a forma do garoto no gelo.

— Você gosta de patinação também?

Yuuri assentiu, resolvendo olhar para Mila pela primeira vez.

— O Yura tem patins. - ele apontou os próprios sapatos como exemplo. - E ele pula. Ele pula que nem o coelho.

O assunto da conversa percebeu que estava sendo ignorado e patinou até eles com cara de poucos amigos.

— Yuuri, você não tá me vendo!

— Você parece ser um professor muito bom, Yura. - Polina disse com um sorriso  se aproximando do grupo. - Vocês vão patinar e ganhar medalhas que nem o seu pai?

— Sim! - Yuri respondeu sem hesitação.

— Tenho certeza que vão. - Mila disse no seu melhor tom de repórter do SportsTV. E como toda repórter, ela queria ser polêmica.  - Yurachka, você já viu seu pai e seu irmão patinando. Quem você acha que patina melhor?

Yuuri pareceu pensar seriamente naquela pergunta, considerando que seu olhar oscilou de Mila para Yuri algumas vezes.

Era algo tão difícil de perguntar quem ele amava mais. Ele já vira Victor patinando na TV e no celular muitas vezes, e sempre gostou muito, mas aquela memória estava pouco a pouco indo embora. De vez em quando, ele via seu pai no gelo com outras pessoas fazendo dezenas de saltos e rodopios. Por mais que fosse legal, ainda parecia algo tão distante. Talvez porque Victor nunca tivera a ideia de quebrar a regra mais básica do rinque de não carregar crianças no colo enquanto patina.

Com Yuri era diferente. Eles estavam mais perto um do outro e seu irmão até o deixou andar no gelo com ele! Tudo bem que ele levou uma bronca no meio do percurso, mas Yuri sempre dava broncas. Ele até ensinou os nomes de todas aquelas coisas que ele fazia! Seu irmão era muito legal. E sabia fazer pulos de coelho.

Por isso, a resposta que ele deu para aquela pergunta tão complicada foi essa:

— Yura. - ele disse timidamente, nem percebendo o som de confusa surpresa emitido por Yuri atrás de si. - Porque ele é meu irmão.

As moças emitiram um "Awn" coletivo enquanto Yuri corava alguns tons em sua bochechas. Yuuri realmente achava que ele era melhor que Victor? Mesmo vendo todos aqueles saltos super legais que o pai deles fazia? Mesmo Victor sendo a pessoa mais legal do mundo inteiro em todos os aspectos para os dois?

Yuri deveria lembrar a si mesmo de que Yuuri era apenas um bebê e que não tinha noção do que dizia, não sendo aquela declaração um motivo para ele ficar se achando. Ao invés disso, ele sorriu abertamente e puxou o menor para um abraço, para o eterno delírio das patinadoras.

— Você tem que crescer rápido pra gente patinar junto. - ele disse bagunçando o cabelo do irmão. - Promete?

— "Pometo"! - Yuuri concordou animado pela súbita demonstração de carinho.

O mundo não perdia por esperar o dia em que aqueles dois definitivamente dominassem o gelo.

Victor acabou concordando em postar o vídeo depois que ele mesmo acabou chorando ao ter sua patinação criticada pelo seu caçula.

Ninguém na comunidade declarou oficialmente Yuuri como o bebê mais fofo da ISU, mas todos concordam que o ouro foi dele.