Café avec un parfum de fleurs. escrita por sea nymph


Capítulo 6
Act VI.




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Sherlock se encontrava nervoso e andando de um lado para o outro aproveitando o calor mínimo que suas roupas lhe davam. Estava em frente ao café fechado, olhando os poucos aglomerados de pessoas que vinham para o festival. O centro da cidade estava escuro, salvo apenas pelo incêndio natalino longe há alguns metros. John não havia aparecido depois do beijo tão involuntário. Seria possível que tivesse feito algo errado? Tinha certeza de que foi retribuído, pelo menos até ontem. Ter ido tantas vezes a Mallorn e voltado sem sequer vislumbrar os olhos cinzentos do mais baixo ainda perturbava os pensamentos frenéticos do moreno, tanto que teve a estúpida audácia de ligar para seu irmão e detalhar os últimos acontecimentos. Estava certo de que não receberia qualquer nuance de empatia com Mycroft, mas não custava muito tentar auxílio já que com Eurus iria ser praticamente inexistente até o mínimo contato.

Era a primeira vez que Holmes se apaixonava e ele sabia exatamente como seu coração e suas entranhas estavam odiando a dependência. Mas, John lhe apareceu como raios de sol frescos naquela cidade tão escura no inverno, como poderia deixar se negar a sensação? Tudo no loiro lhe era atraente demais pra ser despercebido. Seu sorriso quando movia graciosamente as espécies exóticas, ou quando seus dedos tão bem feitos dedilhavam os pequenos arranjos cheios de esmero. Envolto a toda aquela existência, podia se encontrar uma atmosfera cálida e receptiva, tanto, que sua alma pareceu querer se unir em laços eternos sem mesmo gerar o direito da dúvida.

Era assustador também, ele sabia. Sempre tivera poder sobre suas decisões, tudo lhe era racionalmente capaz de ser controlado, porém parecia que sua eficácia dominante havia se esvaído assim que chegou naquele inferno de lugar. Quis culpar cada habitante, quis culpar os meninos cheios de vida que trabalhavam sob seu teto, culpar qualquer ser vivo que respirasse ali banhados de sentimentos bon vivant.

Sacando um cigarro, até então esquecido, Sherlock tragou podendo sentir seus pulmões serem preenchidos com nicotina. Seus lábios esculpidos soltaram a fumaça em espirais que cintilaram sem sucesso no ar frio. Sua atenção focando, apenas, na direção de onde vinham os barulhos alegres daqueles que preferiram banquetear no centro de Esdmound. Deveria ter desistido de sua resposta, talvez ido visitar sua família e ouvir todas as citações dos livros que sua mãe havia lido, ver seu pai abobalhado com a capacidade de Mycroft ou ter que calar os irmãos com seus comentários desgastantes.

Virando as costas para a rua enquanto vasculhava internamente meios para ir a Galaertha, o moreno foi caminhando em direção as portas dos fundos de sua cafeteria vazia para um último café em honra daquela noite tão calamitosa e ridícula.

"Sei que não devia dizer isso, mas...", um sotaque carregado de quem vivia ali tem muito tempo roubou a tranquilidade de seus ouvidos. "Fumar não é um ato covarde contra a saúde?"

Sherlock fechou os olhos quando respirou fundo ao tentar esconder o sorriso de alívio inesperado que lhe cobriu a boca. O ar havia se perfumado com a fragrância que John usava e que lhe arrebatou as memórias, seus músculos responderam àquilo como se tivessem recebido um abraço. Engolindo em seco e deixando que sua cabeça pendesse para um dos lados, tomou coragem para ver o homem às suas costas.

"Não tinha nada melhor que pudesse ocupar minha boca...", dissera lento, radiografando cada vão detalhe que podia embebedar-se. Como poderia ser tão bonito? O loiro mordiscou hesitante o lábio fino, liberando um riso cativante. "Olá, John, boa noite para uma caminhada?"

"Achei que havia recebido um convite.", Watson tirou do bolso um pequeno pedaço de papel, muito conhecido do mais alto, este sentiu suas bochechas esquentarem irritantemente. "Posso ter me enganado..."

"Como estavam os biscoitos?", Sherlock deu um passo, diminuindo ali a distância entre eles e se postando um degrau abaixo do outro. O cigarro queimando esquecido em seus dedos longos.

"Horríveis.", admitiu o loiro, as lumes cinzentas vagando pelos queixo delineado do homem a sua frente, passando tímido pelos lábios que se mantinham entre um sorriso e outro. "Acho bom demitir o confeiteiro antes que caia em desgraça..."

O riso veio numa sincronia perfeita, morrendo aos poucos graças ao silêncio que ficava cada vez mais presente entre eles, salvo apenas pelo barulho sossegado de ambas as respirações. Não havia mais nenhum transeunte naquelas ruas e os dois eram os únicos que teimavam em receber as rajadas fracas de um frio preguiçoso. O corpo masculino estava coberto por uma espécie de cardigã de lã pesado, escuro, juntamente de uma jaqueta alinhada. Seus cabelos de um áureo suave postos obedientes num penteado que apenas o deixou ainda mais bonito. Seu perfume ainda estava ali e, sem que tivesse noção, o tronco do mais alto se inclinou na direção alheia. Era como se existisse algum tipo de magnetismo oculto e mesmo se quisesse resistir, Sherlock se via cada vez mais próximo do outro.

"Eu devia...", começou o loiro, desviando seus olhos que iam dos semelhantes do mais alto até sua boca perfeitamente esculpida. "Devíamos..."

"Tomar um chá?", o sorriso de Sherlock roubou a atenção alheia, que mais uma vez, mordiscou o lábio fino em hesitação.

Como que pra encorajá-lo, o moreno adiantou seus passos e sacou do bolso interno de seu sobretudo o molho de chaves do estabelecimento. Desfez-se do que restara do cigarro na lixeira miúda ao lado do arco que a porta maciça fazia. O aroma que se desprendia da Le Monde vinha das ervas dos diversos chás juntamente de rosas vivas, num tom vermelho-alaranjado, um tom de carmim.

* * *

John, por outro lado, tentava inutilmente dizer alguma coisa. Seus olhos carregavam a sombra da dúvida, mesmo que ele estivesse disposto a estar ali. Na verdade, fora apenas carregado pelo balde de emoções da noite anterior, não tivera sequer dispensado um tempo pra realinhar os pensamentos. Nunca havia ficado com ninguém e seu primeiro beijo tinha sido há dias antes, numa cozinha e envolvido por uma penumbra com cheiro amadeirado.

As luzes fracas e místicas da Le Monde apaziguavam qualquer sentimento desnorteante, pareciam carregadas de algum feitiço que acalmavam até o coração mais rebelde. O moreno, já do outro lado do balcão, tirava duas xícaras de porcelana branquíssima enquanto sua mão livre se detinha em vasculhar o chá que os acompanharia naquela véspera natalina incomum. Não demorou pra que um delicioso cheiro de rosas mornas beijassem suas maçãs do rosto.

"Sherlock...", a voz de Watson saiu rouca e quase inaudível, o mais alto apenas lhe ergueu os olhos em resposta. Malditos azuis translúcidos, emudeciam-no tão rapidamente como se nunca tivesse aprendido a falar. O seco que o loiro engoliu lhe rasgou as entranhas.

Como começaria aquela conversa? Era difícil falar do que sentia, se era somente esse o problema, claro. Com as flores era tão mais fácil, tão tranquilo. Mas suas pétalas não lhe beijavam a boca e nem palpitavam seu coração, certo? Recebendo o líquido róseo e fumegante, John resolveu apenas baixar sua atenção para as mínimas ondas que o chá fazia por culpa de sua mãos trêmulas. Céus! Que infantil!

O corpo esguio de Sherlock se moveu graciosamente até que estivesse sentado ao seu lado. O perfume amadeirado do homem era forte e tinham notas que combinavam com os trejeitos mais íntimos do moreno, era quase uma sinfonia perfeita. John fechou seus olhos permitindo que seus sentidos fossem dominados pelos vestígios do gosto e das lembranças dos lábios esculpidos. Quentes, macios, doces... Se encaixavam tão bem com os seus que ninguém duvidaria que haviam nascidos um para o outro, ou pelo menos algo muito próximo disso.

Mas, aquele silêncio já começava a incomodá-lo, não havia decidido sair de sua casa para que ficasse ocupando o tempo do homem — que poderia ter tantas outras coisas muito mais interessantes pra fazer. Então, bebendo o que lhe era dosado de coragem, o loiro abriu os lábios finos prontos pra proferir a discussão que treinara mentalmente no banho.

"Achei que você não iria vir.", e o timbre ressonante de Sherlock interrompeu-lhe imediatamente. "E, por um momento, quase acreditei nas palavras inúteis de Mycroft."

"Mycroft?", os olhos cinzentos cobriam cada pedaço do corpo alheio, um tanto indiscretos.

"É. O projétil humano que meus pais insistem em dizer que compartilha o mesmo sangue que eu.", os cantos dos lábios de Sherlock encresparam um sorriso irônico.

Silêncio. De novo. Este se arrastou lento e pegajoso entre eles. Cada um lutando internamente pro que deveriam dizer, ou sendo inutilmente polidos esperando inconscientes a vez do outro falar.

"Nunca imaginei que chegaria ao ponto de pedir conselhos românticos a Mycroft.", Sherlock, mais uma vez, como se estivesse retomando uma conversa de horas.

"Espero que ele tenha ajudado bem mais que a minha irmã...", a voz de John escapava de sua boca dona da própria vontade.

"Algo anda perturbando seu coração, florista?"

Sherlock o encarou com um sorriso trêmulo em seus lumes e a atmosfera do lugar mudara ao passar dos minutos, ficando muitas vezes mais íntima e comum ao dia do beijo. Lembrando disso, John desviou o rosto do campo de visão do mais alto, passando a brincar de delinear o desenho da xícara com as pontas dos dedos. Seria agora o momento certo pra iniciar o monólogo do banheiro?

"Até demais.", a ronqueira acompanhava o timbre da voz, tratando aquela simples afirmação com certa agonia. O peito sambava nervoso sob as camadas grossas de roupa, partindo até as pontas das digitais ásperas que se fechavam involuntárias. "Me pergunto quando isso teve o direito de começar..."

"E é um problema grande assim sentir algo por alguém?", indagou Sherlock com o tom grave num sussurro contido. As íris que antes brilhavam intensas, sofriam com a sombra da dúvida e, mesmo conhecendo-o tão pouco, John sentiu sua áurea se mover inquieta.

"Quando você não sabe o que vem da outra pessoa... é quase insuportável.", o mais baixo praguejou silencioso por seu estúpido exagero. Não conseguia sequer se mover e as palpitações do seu peito pareciam aumentar de volume a cada instante.

E, como daquela vez, inesperadamente como sempre parecia ser, sentiu o calor aconchegante vindo de uma derme macia e de toque preciso envolver sua mão. Os orbes acinzentados se ergueram de prontidão pra ver um rosto esculpido, níveo, que se cobria de uma tonalização rosada quase sufocante. Movendo lentamente sua mão, John pôde enroscar seus dedos entre os mais longos, sentindo-os se encaixarem como peças perfeitas. Os nós dos artelhos pressionavam uns contra os outros numa estranha forma de carinho. O florista mal havia percebido que ao soltar o ar dos pulmões um silvo de prazer lhe escapara a boca. Não existia qualquer que fosse a necessidade de dizer uma palavra, seus corpos sabiam exatamente o que fazer.

O perfume amadeirado mesclado com os vestígios de um cigarro já inexistente lhe beijava as maçãs do rosto como um agrado cálido e o barulho do que deveria ser das xícaras que abraçavam o chá frio sequer era ouvido. Até mesmo as respirações que se compassavam ritmadas, combinavam-se numa sinfonia silenciosa. O destino sabia bem como tecer o véu que os cobria e não podia estar mais que satisfeito com o resultado, porque nenhum deles fazia questão de ir contra seus desejos. Como queria sentir o gosto acre que se escondia naquele par de lábios delineados.

"Sherlock...", o nome desceu rasgando o árido de uma boca deserta, sedenta.

"Pare de se questionar, John.", o risco de seu nariz fora delineado pelo do mais alto, enquanto a cabeça alheia descia pra um dos lados, ensaiada, disposta. Numa obediência silenciosa sentiu os próprios epitélios finos se entreabrirem. Ah! Como o queria... "O que ainda lhe provoca receio, me diz...?"

"Esquecer que gosto você tem."

Agora não mais. Talvez mais tarde, quando o toque dos lábios fosse apenas mais uma lembrança, o loiro se questionaria se o que dissera fora uma resposta coesa.

* * *

Sherlock sequer tivera o mérito de hesitar quando finalmente pôde unir mais uma vez as bocas macias no que viria a ser um beijo faminto. Que saudade sentia. Saudade que só lhe veio aparecer no exato momento que conseguiu quitá-la. Sua mão gigante desenhou um caminho torto até poder enroscar as pontas dos dedos nos fios loiros e curtos, arranhando na pele quente as unhas curtas enquanto trazia mais daquele homem pra perto de si. A necessidade de conseguir senti-lo novamente lhe provocava choques de excitação dominados por várias camadas de racionalidade vazia. O florista dominaria-o sem esforço e não existia nenhum problema naquilo, queria até demais.

A atmosfera da Le Monde se mesclava aos movimentos que eles provocavam,  conseguia decorar, se perguntassem, uma boa quantidade dos detalhes daquele corpo masculino. Talvez um tanto mais da textura daquela pele macia, junto das nervuras que se encaixavam entre suas digitais ásperas e habilmente desajeitadas. Não reprimiu o suspiro que entregava o que preenchia seu coração.

Doze foram as badaladas que tiraram os amantes daquela demonstração única de libertação dos sentimentos sufocados, os rostos se permaneceram juntos o suficiente pra que o que restava do beijo não desvanecesse pelo ar. Os olhos se encontraram e recaíram nas cores quentes, berrantes, que ocupavam a brancura das cútis. John sorriu. Um sorriso largo que pegou o moreno desprevenido. Ele não havia fugido dessa vez e seu cheiro ainda continuava a lhe roubar o que fosse de sanidade. 

Era finalmente Natal. E, internamente, seu coração triturava suas entranhas com o melhor dos presentes.


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