Reencontro escrita por Lucca


Capítulo 33
Capítulo 33


Notas iniciais do capítulo

Terceiro e último trimestre de gestação e nosso casal se deparou com um enorme problema. Como será que enfrentarão essa nova consequência do envenenamento por ZIP?
Dedico esse capítulo a um casal de amigos muito especial: Vanessa e Odirlei. Ela perdeu a visão e a audição, mas os dois nunca perderam a determinação de serem felizes juntos.
Boa leitura.



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A manhã todo foi extremamente tensa. Hospital. Vários exames. Médicos e equipes de pesquisa reunidos pensando as possibilidades e estratégias. Jane parecia firme, mas todos sabiam que ela só estava tentando se manter forte por Kurt. Ele manteve-se ao seu lado o tempo todo, segurando sua mão, agora que essa era a única forma dela saber que não estava sozinha.

Mesmo em meio àquela tempestade, o casal manteve seu foco numa forma de restabelecer a comunicação. Logo Jane determinou toques que representariam sim, não, espera, exames, resultados. Cinco palavras simples, mas que fariam toda a diferença para sua relação com o mundo escuro e silencioso à sua volta.  

 Os amigos chegaram, demonstraram seu apoio e se revezaram para não deixá-los sozinhos. Sabiam o quanto a situação era delicada e queriam estar presentes ali por eles. 

No início da tarde, a equipe resolveu compartilhar com o casal suas resoluções. Entraram no quarto e rodearam a cama de Jane. Kurt se apressou em ficar em pé para recebe-lo, estendendo a mão para um cumprimento cordial.

— Boa tarde, Sr. Weller. – a obstetra começou – Vamos começar com as boas notícias: o bebê está bem. Todos os exames indicaram que ele não foi afetado por esses novos efeitos do ZIP.

— Mas, como já sabíamos, Jane não está tão bem assim. – disse a neurologista. – A perda da visão e audição foi sim efeito do ZIP. Felizmente, a droga não agiu no córtex cerebral, o que era nosso maior medo. A visão e audição foram afetadas nas partes periféricas do sistema.

— Como o bebê está bem, achamos que não é momento de retirá-lo através de um parto induzido. – continuou a obstetra -  Quanto mais tempo ele ficar na barriga, maiores suas chances de sobreviver aqui fora. Um prematuro de 28 semana é muito pequeno. Mas vamos precisar antecipar o parto se outros sintomas aparecerem. Por exemplo, se ela voltar a convulsionar, será melhor para o bebê estar aqui fora.

Kurt ouvia tudo sem questionamentos, abraçado à Jane, porque estava compenetrado nas informações que recebia.

— Temos doses do antídoto feitas a partir dos bebês Krugers e achamos que utilizá-las é nossa melhor estratégia no momento. Isso pode garantir que o envenenamento não avance e a gravidez possa chegar até as semanas finais, evitando um parto tão prematuro. – foi a vez de Madeline falar – Os bebês não tinham a mesma compatibilidade de Avery, mas achamos que isso pode ser até favorável promovendo um efeito de manutenção que não exigirá muito do organismo de Jane que já está sobrecarregado com o ZIP e a gravidez. Também não exigirá que a coloquemos em coma induzido como foi da outra vez, algo muito arriscado durante a gestação. Nossa expectativa é que doses semanais do antídoto sejam suficientes. E, depois que o bebê nascer, faremos o tratamento intensivo como o antídoto final produzido a partir do sangue do cordão umbilical e da placenta.

— E quando pretendem fazer isso? – Kurt finalmente conseguiu falar.

— Hoje mesmo. Vamos começar daqui a pouco. Ela e o bebê ficarão monitorados o tempo todo. Acreditamos que a infusão durará cerca de 8 horas. Qualquer sinal de alerta e paramos. Se você concordarem com isso, é claro. – a neurologista concluiu.

— Não temos outra opção. Mas vou tentar fazê-la entender o procedimento. Vocês podem nos dar um minuto?

Todos se retiraram. Kurt se posicionou em frente a Jane e segurou suas mãos. Uma delas, levou até seu peito enquanto tocou a palma da outra para os sinais que já tinham combinado anteriormente. Instintivamente, Jane começou a formular suas inquietações de forma que uma resposta simples fosse possível:

— O bebê está bem? – foi a primeira e, para ela, a mais importante questão. Ao sentir Kurt tocá-la confirmando que sim, Jane deixou a cabeça pender para a frente até recostar a testa na do marido e puxou o ar repetidas vezes desfrutando daquela boa notícia. Ele esperou pacientemente que ela retomasse as perguntas, afinal era a única forma de se comunicar com ela.

Assim, pouco a pouco, pergunta após pergunta, ela foi conhecendo o resultado dos exames e o tratamento que faria. Entendeu e concordou com tudo. Kurt, então, pediu que Patterson, que estava no quarto, se aproximasse e segurasse a mão de Jane enquanto ele ia até a equipe autorizar os procedimentos assinando os documentos necessários para isso.

Jane levou a mão até o rosto da amiga para identificar qual delas era. Depois esperou em silêncio por algum tempo. Enfim, perguntou:

— Kurt já saiu?

Patterson já conhecia alguns dos sinais combinados entre o casal e respondeu confirmando a saída dele.

— Patterson, eu preciso que faça algo por mim. Se tudo der errado, cuide de Kurt. Não deixe ele desistir de ser feliz, por favor, me prometa isso.

A loura a envolveu num abraço caloroso que dizia mais que qualquer palavra ou sinal sobre sua determinação e fazer a vontade da amiga.

— Ah, Jane, como eu queria que você pudesse me ouvir dizer que Kurt vai ficar bem porque você também vai ficar bem. – disse ainda agarrada a amiga.

Assim que se separou dela, Patterson bateu o dedo indicador sobre o peito de Jane que compreendeu:

— Eu? – questionou. A loura continuou confirmando. E passou a mão na barriga dela. – E o bebê...- nova confirmação. Então Patterson sorriu e colocou as mãos de Jane sobre seu rosto para ela identificar o sorriso – Você está dizendo que vamos ficar bem?

— Sim! – Patterson se empolgou e falou antes de tocar a mão da amiga confirmando.

— Temos antídoto em quantidade suficiente? – Jane estava porque tinha retirado uma dose para Tasha usá-la como pagamento pela ajuda que teve. Agora, sua ação a sufocava por pensar que aquilo poderia fazer falta para seu bebê nascer saudável.

— Claro que tenho. Tenho muito mais doses do que qualquer um de vocês imagina. – a loura falou e depois procurou uma forma de fazer a amiga entender isso.

Foram repetidas tentativas diferentes até que Jane entendesse. Nessa “conversa”, Patterson confidenciou que havia providenciados doses extras do antídoto em segredo e guardado num lugar seguro para o caso de Jane precisar. Ela ainda não confiava plenamente em Madeline. A morena ficou surpresa, mas agradeceu.

Kurt retornou acompanhado da equipe de enfermagem que preparou Jane para o procedimento que começou poucos minutos depois. Foram oito longas horas, suavizadas pela estabilidade no monitoramento de mãe e bebê que reagiram super bem ao antídoto.

Jane acordou se sentindo muito bem. Na verdade, ela estava carregada de energia e fome. Os médicos a liberaram para comer e andar pelos corredores. Kurt ficou tão feliz por ver a disposição da esposa que sentiu isso aplacar o seu cansaço após o longo dia. Na manhã seguinte, receberam a notícia de que estava liberados para irem pra casa.

O casal entrou numa nova rotina. Kurt se afastou do trabalho para ficar em casa com Jane. Ele estava disposto a passar os dias conectado à ela para não deixá-la se sentir sozinha. Para ele, Jane já tinha pago um preço alto demais ao longo de sua vida. Mesmo sem saber como, ele estava disposto a ajudá-la passar por isso da melhor forma possível.

Sua determinação confrontava com sua frustação e tristeza cada vez que a observava com a respiração ofegante por errar o caminho e acabar encurralada num canto da casa.

Antes de se dar conta, ele estava ao lado dela, procurando suas mãos e colocando-as sobre seu peito para acalmá-la. Ela, então, se jogou no seu abraço e deixou que ele a conduzisse até as cadeiras do balcão da cozinha. Seus dedos correram abaixo dos olhos dela para secar duas lágrimas teimosas que escorreram. Tantas perguntas fervilhavam dentro dele: Por que mais esse problema? Por que justo agora que tinham um bebê a caminho? Por que a vida sempre parecia querer roubar tudo deles? A impotência se abatia sobre ele levando-o a desejar poder arrancar de alguma força sobrenatural a visão e a audição para devolver à ela.

— Eu... eu estou bem. – ela disse ainda um pouco ofegante e tentando passar tranquilidade. E recebeu um beijo na testa. Ela esperou que ele se afastasse e disse: - Sabe, quando a gente não enxerga, - e olhou para o alto fazendo uma expressão inocente: -  beijos na testa não passam tanta segurança quando um beijo na boca.

Kurt riu e roçou o nariz no dela se afastando novamente.

— Aff, você não vai fazer isso comigo, Kurt!

Ele riu e levou a mão até o rosto dela que se entregou ao carinho. Então, os dois decidiram se inclinar na direção um do outro para o beijo, mas sem esperar que o outro também o fizesse, acabaram se encontrando de forma rápida e forte demais. Os lábios de Kurt bateram com tudo na testa de Jane e se cortaram em contato com seus próprios dentes. Em meio aos “ais”, os dois também riram e trocaram apenas selinhos.

Se existia algo que Jane era capaz de fazer era penetrar as muralhas do marido e abalar todas as suas certezas. E dessa vez não foi diferente. Aos poucos, esse seu hábito de observá-la foi fazendo-o entender como Jane encarava sua situação. Ela parecia decidida a não deixar nada, nem mesmo suas novas limitações, afastá-la da felicidade.

Apenas três dias após retornar do hospital, ela já se locomovia pela casa sem sua ajuda e foi ganhando maior independência a cada dia. A comunicação entre eles evoluiu rapidamente com uma série de toques que representavam ideias e palavras. Logo era fácil fazê-la entender uma frase inteira. A elaboração dessa comunicação os divertia e fortalecia o amor que sentiam um pelo outro.

Viver naquele mundo escuro e silencioso trouxe muitos fantasmas de volta. A lembrança do tempo que ficou enterrada era outra coisa que a assombrava. Mas dessa vez, Jane foi salva de seus terrores por quem ela menos esperava: seu bebê. Ele se movia com força e carinho dentro dela fortalecendo os laços com ela que ficava cada vez mais encantada. Logo, sentir-se sozinha era impossível. Mesmo quando ela desejava dormir, ele se fazia presente, participando da escolha da melhor posição para ambos ou a acordando diversas vezes por se incomodar com a quantidade de líquido em sua bexiga.

Perceber e acompanhar essa ligação entre ela e o bebê foi uma fundamental para Kurt superar sua tristeza, deixando a alegria por tudo que ainda tinham guiar seus dias. Era simplesmente perfeito. Ela falava e o bebê respondia se movendo no seu ventre. Para aquele pequenino ser, pouco importava nesse momento se sua mãe ouvia ou enxergava. Ele tinha toda a atenção dela e era só o que precisavam para viver o resto da gestação.

E as atividades não pararam por aí. Poucas visitas de Patterson foram suficientes para Jane decodificar o método brailer que permitiu ler. Além dos romances, ela acabou traduzindo áudios convertidos em textos para o FBI. Essas traduções acabaram sendo fundamentais para solucionar os casos em andamento.

Passeios matinais no parque todas as manhãs atraíram admiradores que logo perceberam a forte ligação do casal. Os velhinhos que jogavam pipocas aos pombos suspiravam e faziam questão de cumprimenta-los todos os dias elogiando o sorriso de Jane. As crianças que brincavam cotidianamente no parquinho também logo começaram a se aproximar questionando sobre o que tinha acontecido com ela e pedindo para dar abraços e beijos encorajadores.

Algo que mudou consideravelmente entre eles foi o contato físico. Jane tinha uma necessidade maior disso agora. Sentir as mãos de Kurt nas suas sempre foi muito importante em momentos muito difíceis para ela, mas agora toda e qualquer percepção de contato com o corpo dele era uma vontade maior e mais frequente. Não só o toque, mas o cheiro do marido que ela aspirava assim que eles se aproximavam. Os beijos se tornaram mais longos e profundos. E fazer amor se tornou ainda mais especial. Explorar sensações novas era a regra e não ter horários pré-determinados para isso os incentivava ainda mais.

A piscina e a banheira também foram fundamentais para trazer momentos de relaxamento e diversão à eles. Teriam que dar o braço a torcer: Avery estava certa quanto à mudança de casa. Esse local fez muito bem para a família. As filhas ficaram afastadas. Um encontro com elas teria uma carga emocional excessiva que Jane não estava decidida a arriscar. Allie foi informada de tudo, Avery não. Jane insistiu que deveriam aguardar até que recebesse o antídoto final para informa-la sobre sua condição definitiva e atrapalhar o mínimo o possível os estudos da garota.

Após a terceira dose do antídoto, Jane descreveu o que pareciam ser flash de luz inundando sua visão ocasionalmente. Ela também passou a perceber diferenças na iluminação do ambiente em que estava, diferenciando claro e escuro. Isso encheu todos com novas esperanças de que tudo se solucionaria com o antídoto definitivo.

Uma consulta obstétrica trouxe algum desconforto. A médica aconselhou que o parto fosse uma cesariana por poderem manter um maior controle sobre a situação. Kurt concordou imediatamente. Parecia seguro e poupava Jane de horas exaustivas em trabalho de parto. Jane discordou. Ela ainda achava que o melhor era um parto natural, mas não insistiu na argumentação, sinalizando para Kurt que queria conversar sobre isso com ele em casa.

Os dois chegaram em casa e uma leve tensão pairava entre eles. A discordância quanto ao parto, apesar de não estar presente nas palavras, dominava seus pensamentos. Mesmo assim, os dois evitaram o assunto. Era a primeira vez que essa sensação de conflito os envolvia desde que Jane perdera a visão e a audição, então nenhum deles queria aprofundar o confronto.

— Kurt, estou com fome. Que tal uma sala de frutas? – Jane disse tentando suavizar a tensão.

Prontamente, ele atendeu. Mas a conversa não fluiu além do trivial deixando os dois ainda mais incomodados. Depois de comerem, Kurt perguntou:

— Você precisa de mais alguma coisa? – ele sempre verbalizava o que estava perguntando à ela com os sinais. Achava que isso era importante, talvez um dia ela o ouvisse. Se nunca acontecesse, pelo menos, ele ouvia e isso fazia tudo entre eles parecer mais normal.

— Hum... – ela respondeu repuxando a boca para o lado como sempre fazia quando estava incomodada com algo. – Sei que deveríamos voltar a falar do parto, esse enorme elefante branco que está nos incomodando agora. Ou te deixar ficar um pouco sozinho para pensar sobre isso. Mas a verdade é que eu não quero nada disso.

— Então, não vamos fazer nada disso. Ainda temos tempo pra pensar nesse assunto. Vamos fazer algo que você realmente queira fazer. _ ele disse enquanto distribuía os sinais para que ela compreendesse. – Aproveite enquanto está grávida.

Jane aproveitou a frase para fazer cara de vítima:

— Uou, então todo esse carinho que você tem comigo é só porque eu estou grávida?

Kurt a abraçou e beijou seu pescoço, tocando no seu braço a mensagem enquanto sussurrava:

— Sim, é.

— Sim?! – Jane fez o beicinho mais fingido da sua vida. – Já que é assim, eu vou abusar da sua benevolência de pai e, portanto, com uma participação ativa nesse meu estado gestacional, Kurt Weller. Eu quero um banho de banheira, com você. E suco integral de uva em taças, pra eu fingir que é vinho. – disse envolvendo os braços ao redor do pescoço dele - Assim, nós dois relaxamos um pouco.

— Seu desejo é uma ordem! – ele respondeu antes de mordiscar a orelha dela.

 Pouco depois, todas as suas vontades estava satisfeitas. Jane estava sentada entre as pernas de Kurt e todas as quatro mãos estavam em sua barriga desfrutando de cada movimento do bebê quando ela finalmente disse:

— É divino sentir o bebê se movendo, não é? – Kurt sinalizou que sim e beijou seu pescoço. Ela continuou – Isso é tudo que eu tenho agora, Kurt: as sensações. Eu posso senti-lo se movendo, eu vou poder sentir as dores do parto, mas eu não vou poder ouvi-lo chorar ao nascer e não ver seu rostinho... – Kurt estreitou o abraço em torno dela e engoliu o nó que se formava em sua garganta – Então, por favor, se não trouxer problemas para o bebê, por favor, não tire isso de mim. Eu preciso senti-lo nascendo e quero poder pegá-lo em meus braços, beijá-lo e sentir você lá com a gente.

O argumento dela fez tudo o que a médica disse parecer pequeno. A menos que houvesse qualquer indicação concreta de risco para eles, esse bebê nasceria da forma mais natural possível.


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Notas finais do capítulo

Estamos a três capítulos do final dessa história. Não percam a fé nas atualizações, por favor.
Estou atendendo as expectativas de vocês? Sugestões e críticas são sempre bem vindas. Por favor, deixem um comentário.
Se alguém se interessar sobre a história real do casal que esse capítulo homenageia, por favor, entrem em contato que mando o link da reportagem sobre eles feita pela Globo.
Muito obrigada pela leitura.



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