Conte-me uma história escrita por Chão


Capítulo 14
Capitulo 14 - Pistas




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/754934/chapter/14

A luz suave no teto me fez piscar algumas vezes. O constante pip que indicava minhas batidas cardíacas era de certo modo relaxante. Respiro fundo, sentindo o leve cheiro de hospital.
— Você acordou. – a cabeça de Vini surge acima da minha. Seus lábios tocam minha testa.
Seu rosto está coberto com alguns Bandaids. Seu braço dentro de um daquelas faixas para imobilizar.
— Eles o pegaram?
Ele balança a cabeça negativamente.
Tento me sentar, mas a dor em meu ombro me lembra que antes havia uma faca cravada ali.
— Eu devia ter te protegido. – Vini se senta na poltrona.
— Você protegeu. – sorrio. – Talvez eu estivesse morto agora.
— Não, o Zack salvou sua vida. – Vini olha para o lado. – Eu fiquei lá caído, inconsciente.
— Você protegeu. Você literalmente se jogou contra ele.
— E aí ele me fez rolar escada abaixo. – seus olhos encontram os meus.
— Fizemos o nosso melhor. Eu era o mocinho indefesso e você o valentão. Infelizmente sabemos que o vilão sempre vence nos filmes de terror.
— Esse estereótipo está ultrapassado. – e pela primeira vez Vini sorri.
— O que você acha que ele quis dizer com “Mas são o que eu preciso”?
— Não faço a menor ideia. – ele da de ombro.
— Olha só quem acordou. – Zack passa pela porta segurando um copo grande de Frappuccino.
Seu cabelo loiro está cortado curto e seus olhos são tão azuis que chegam a despertar uma pitada de invejinha. Ele abre um largo sorriso, revelando dentes brancos e alinhados por um aparelho azul marinho.
— Eita porra. – o encaro. – Filho de Apolo?
— Não seja modesto. – ele se senta na beira da cama e dá uma piscadela. – Afrodite.
— Notei de onde veio tanta beleza.
— Não seja modesto. Eu e você somos meros mortais com uma genética maravilhosa.
— Vocês podem parar de flertar um com o outro? – Vini revira os olhos.
— Era você que tava sofrendo por aquela garota? – ignoro a dor e me sento.
— Não toque nessa parte sensível da minha alma.
— Desculpa. – Zack e eu nos encaramos. – Obrigado!
— Não agradeça. – ele entrega o copo de Frappuccino para Vini. – Como você consegue beber este treco?
— É bom, ué. – Vini toma um longo gole.
— Me digam, qual o nosso próximo passo?
— Como assim?
— Vocês tem um plano pra parar ele, não tem? – Zack levanta, caminha até a janela e abre ainda mais as cortinas.
— Não! – Vini e eu falamos juntos.
— É admirável como ainda estão vivos. – Zack cruza os braços. – Pelo menos já sabem algum tipo de pista, não é?
— Algumas.
— Já sabem se alguma delas se encaixa aos dois?
“Ele é brilhante.”
— Procuramos tudo, mas nada se encaixa a nós. – responde Vini.
— E aos pais de vocês ou alguém da família?
— Não havíamos pensado nisso. – respondo.
Troco um breve olhar com Vini.
— Então temos trabalho a fazer. – Zack sorri. – Eu já volto.
Ele sai pela porta, a deixando bater com força.
— Eu sei. – Vini me encara. – Ele tirava as melhores nota da sala porque odiava o estereótipo de que os “Bonitos e atletas” devem ser burros.
— Ainda bem, porque nunca pensaríamos nisso. – estendo a mão o convidando a sentar do meu lado. – Pelo menos eu não teria pensado.
Encosto a cabeça no ombro de Vini.
Zack volta vinte minutos depois. Ele equilibra um notebook, um caderno, canetas e um copo grande de refrigerante e um balde de batata com cheedar e Bacon.
— Você vai acabar desidratando com a comida desse lugar.
— Outra qualidade dele é que ele vai se sentir como seu irmão mais velho até o dia da sua morte.
— Precisamos cuidar um do outro, e o Vinicius falava tanto de você que eu literalmente já te conheço a meses.
— Eu não sei se abraço os dois ou fujo de medo. – pego o balde e passo a devorar as batatas.
— Talvez os dois. – Diz Vini pegando algumas batatas. – Mas o abraço é melhor.
— Ei. – faço cara feia enquanto ele ri.
— E então, vamos parar um assassino?
A porta se abre e meus pais, seguidos de Isa, passam por ela.
O cabelo escuro de minha mãe está amarrado em um coque apertado. Seus olhos cor de ameixa me olham com preocupação.
— Ah querido. – diz ela. – Eu sinto muito.
— Eu tô bem mãe. – sorrio.
— Que diabos você está tentando fazer com meu filho? Está tentando matá-lo ou algo do tipo?
Meu pai lança um olhar carrancudo para Vini.
— Nada, senhor. – Vini se levanta. – Eu juro!
— Não é o que está parecendo. – meu pai ajeita a grata. O que é estranho já que ele quase nunca o usa terno.
Seus olhos caramelados olham Vini de cima a baixo. Do mesmo jeito que ele havia feito com Nick em sua primeira visita. Tirando o olhar emburrado, meu pai sempre era divertido e infelizmente costumava ser o tio da piada do Pavê.
— Se você fizer isso comigo de novo. – Isa me lança um olhar irritado. – Eu juro que vou pessoalmente enfiar uma faca em você.
— Também te amo. – sorrio para ela.
— Vamos. – meu pai bate palmas. – Todos pra fora, meu filhote precisa descansar.
— Pai, eu já tô bem. – o encaro. – E quanto mais energia positiva, melhor.
Troco um longo olhar com meu pai. Nossa conversa silenciosa. Então ele suspira e se aproxima mais da cama.
— Irei levar sua mãe para casa, ela passou a noite aqui e não vai admitir que tá morta de cansada. – diz ele em um sussurro. – Você ficou apagado por dois dias.
— Ótima ideia. – sussurro de volta. – E me traz comida de verdade quando voltarem? Não quero morrer desidratado aqui.
Meu pai balança a cabeça confirmando. Então ele lança outro olhar rabugento para Vini.
— Vê se cuida dele direito. – diz ele de modo sério. – Mais um arranhão e eu quebro o seu outro braço.
— Sim, senhor. – Vini se levanta. - Nada mais vai acontecer com ele.
— Acho bom mesmo.
Ambos se encaram por um longo segundo. Então meu pai se inclina e beija minha testa.
— Qualquer coisa liga. – diz minha mãe, me beijando na bochecha. – Voltaremos a noite.
— Pode deixar.
Meus pais saem do quarto mais rápido do que quando entraram.
Zack solta um longo assobio.
— Alguém se queimou com o sogrão.
— Cala a boca. – Vini revira os olhos.
— E então. – Isa fica em pé . – Alguém vai me explicar o que tá rolando?
— Vou resumir pra você.
E meia hora depois eu acabo o resumo. Tá, eu não demorei tanto tempo assim.
— Uau. – Isa senta na beira da cama, então coloca a mão na testa e finge desmaiar. – Vocês estão muito ferrados.
— Obrigado por nos falar o óbvio.
— E agora nós estamos ferrados. – diz ela ainda de olhos fechados. – Eu sou bonita demais para ser assassinada.
— Ela é sempre assim? – Pergunta Zack arqueando as sobrancelhas.
— Não, geralmente ela é a mais durona.
— E ainda sou. – Isa ajeita o cabelo. – E provavelmente vou dar uma porrada nesse cara.
— Em mim por que?
— Em você não, idiota. – ela fuzila Zack com os olhos e então os revira. – No Diabo. Que aliás é um nome horrível.
— Pelo menos faz jus a causa dele. – Zack abre o notebook. – Agora, eu tô ansioso pra brincar de detetive. Então vamos por as mãos na massa.
— Só posso por uma. – Vini sorri e balança a mão boa.
— Olha o tipo de pessoa com quem você se envolve, Matheus. – Isa vem sentar ao meu lado na cama. – Chega pra lá.
— Não tenho culpa. – sorrio.
— Tem sim. – diz ela retribuindo o sorriso.
Zack solta outro longo assobio.
— Vamos ver se estou atualizado.
— Esse garoto tá me irritando. – murmura Isa.
— Pelo que vocês disseram, ele já matou sete pessoas. Cada uma em um dia da semana. – começa Zack.
— Sim. – balanço a cabeça confirmando.
— E os corpos foram achados pendurados em árvores ou com os pedaços desmembrados e espalhado por ai.
— Correto. – diz Vini.
— E vocês não têm noção do motivo?
Vini e eu balançamos a cabeça negativamente.
— Já olharam na Bíblia? Sete pessoas me faz pensar em sete pecados capitais. Já que ele é o Diabo, talvez tenha alguma relação. – Isa desbloqueia o celular e entra no Google.
— Não havíamos pensado nisso. – diz Vini. Ele puxa outra cadeira e senta ao lado de Zack.
— Qual o perfil das vítimas? – Pergunta Zack.
— Pastores em igrejas das zonas carentes da cidade. – responde Vini.
— E o que mais?
— Aham. Eles tiveram um crescimento financeiro muito rápido no último ano. – respondo com a boca cheia de batata.
— Uns corruptos. – diz Isa. – Galera se cansa de ser roubada. Talvez um dos fiéis resolveu se vingar.
Zack rabisca algo no caderno.
— Vamos traçar uma teia e ver se as vítimas tem algum tipo de ligação.
— Eu pesquiso a história deles. – diz Isa.
— Eu vejo se acho fotos das igrejas e algum possível suspeito. – diz Vini.
— E eu como às batatas..
— Você não pode se mexer muito. – Zack me encara, então sorri. – Ajude com seus pensamentos e tenta ligar as informações.
— Ok!
E assim fizemos nas duas horas seguintes. Quando achamos ter informações demais, e papéis suficientes, juntamos tudo em uma pequena pilha.
— Bem, acho que progredimos. – digo.
— Como eu sou a única garota aqui, vou dizer o que achei. – Isa pega duas folhas e as lê. – Minha hipótese sobre os pecados capitais não estava certa, então eu procurei o máximo de informações das vítimas em redes sociais, manchetes de jornais e etc. Quatro das vítimas foram investigados por lavagem de dinheiro, duas já foram presas por delitos menores como roubos a mão a armada, e o último investigado por denúncias de estupro.
— Bem, pelo menos um mereceu morrer. – diz Zack de modo seco.
— Agora sabemos que todos eram criminosos. – diz Vini. – Zack e eu descobrimos que existe apenas três pessoas que já foram nas igrejas de todos os mortos. Um cara chamado Emanuel, uma mulher chamada Jamile e um senhor chamado José. E aparentemente eles são bem devotos já que fazem alguns discursos de ódio por ai.
— Nós eliminamos o senhor porque ele não teria força pra nada. – Jack fecha o notebook. – Descobri que todas as vítimas se conheciam de um lugar. – Jack fica em silêncio por um tempo.
— Que lugar? – Pergunta Vini.
Zack o olha.
— A casa de reabilitação que o seu irmão está.
O trovão soa do lado de fora. O vento agita as cortinas.
— Você acha?
— Não, claro que não. – Zack da leve tapinhas no ombro de Vini. – Seu irmão ainda está lá. E sabemos que ele nunca te faria mal algum.
— O que aconteceu com seu irmão? – Pergunta Isa. Ela se inclina para a frente, colocando os papéis juntos com os outros.
A atmosfera se torna pesada, e tão tensa que seríamos capazes de corta-lá com uma faca.
— Ele se tornou usuário de umas drogas pesadas quando tinha dezesseis. Tentou suicido duas vezes aos dezoito e quase matou um garoto da sala dele. – Vini desvia o olhar, então se levanta e caminha até a janela.
— Eu sinto muito.
— Obrigado!
— Vamos lá, nada de assuntos deprimentes agora. – Zack se levanta.
“Queria poder abraçá-lo agora”
Mordo os lábios enquanto algumas peças se juntam em minha cabeça.
— Galera, eu pensei uma coisa.
— Fala ae! – diz Zack.
— Eu tenho duas teorias. A primeira é que um desses dois fiéis está se vingando, e precisamos descobrir se há mais alguém, mais alguma igreja que eles frequentaram depois da outras e se ha um “falso pregador” nela.
Todos me encaram, o que me faz ficar vermelho.
— E a segunda é; Alguém da clínica que sofreu alguma coisa por parte deles está se vingando. O que me faz pensar, talvez alguém que conheceu seu irmão, Vini.
— Temos que ir até a clínica. – Isa fica de pé também.
— Pra que?
— Precisamos saber o que rola lá dentro, e se for alguém de lá, tentar entender o porquê dele está atrás de vocês dois.
A porta se abre e uma enfermeira passa por ela.
— O horário de visitas acabou. – diz ela. – Preciso que o deixem descansar.
— Não podemos ficar mais um pouco? – Pergunta Isa.
— Sinto muito, querida, mas são as regras do hospital.
— Já vamos sair. – diz Zack. Ele sorri e pisca para a enfermeira. – Cinco minutos.
— Só cinco minutos. – digo, fazendo a minha melhor cara de pidão.
— Tudo bem. – ela revira os olhos. – Cinco minutos e nada mais. – e então a porta se fecha.
— Como vocês não estão muito habilitados para ficar andando por aí, eu e ela – Zack aponta para Isa. – vamos até a clínica.
— Nós vamos? – Isa franzi a testa.
— Sim, amanhã. – Zack a encara. – Temos duas vidas em jogo e provavelmente teremos as nossas para começar a se preocupar também. Não podemos perde muito tempo.
— Vocês podem esperar até nos recuperarmos, não precisam se meter nisso. – diz Vini. – Já tem morte demais nessa história.
— Já estamos metidos. – Zack nos encara. Seus olhos azuis assumindo um tom escuro e gélido. – Irmãos sempre ajudam um ao outro.
— Eu disse que vou dar uma surra nesse cara. – Isa se vira. Então sorri e coloca uma mecha do cabelo loiro para trás da orelha. – Mantemos vocês informados.
Então ela se inclina e beija minha bochecha.
— Tratem de melhorar logo, ou acerto os dois no saco.
— Vocês provavelmente estarão em segurança aqui. Então descansem.
A enfermeira surge novamente na porta, e dessa vez Isa e Zack saem por ela.
— Temos amigos incríveis. – murmuro assim que a porta se fecha.
— Temos. – Vini se senta ao meu lado, de modo que seu braço bom passe por trás de mim. – Só espero que eles não se machuquem por minha causa.
— Nossa causa. E é mais provável o Diabo levar uma surra dos dois. – encosto a cabeça no peito de Vini.
— Seria incrível. – Vini murmura.
O silêncio cai sobre nós.
— Seu irmão está bem. – digo baixinho.
— Assim espero. Se aquele lugar pode ter criado um psicopata, imagina o que pode estar fazendo com o meu irmão.
— Ele vai estar bem.
A chuva volta a cair do lado de fora. A primeira em semanas. Forte e ameaçadora, assim como o nosso inimigo.
...

Seus passos pesados, deixando rastros de lama, ecoam pelo longo corredor. As luzes no teto piscam de forma descompassada, deixando o local mal iluminado. Elas se apagam, deixando apenas a luz passar através da enorme janela no fim do corredor. As portas pintadas de branco aparentam ser velhas e gastas.
Ele para em frente à porta de número 23. Então a abre revelando o quarto de tamanho mediano. As camas de metal, com colchões finos e forrados por um lençol branco, estão postas em lados opostos.
O garoto está deitado, o rosto virado na direção da parede. Sua cabeça pousada suavemente sobre o travesseiro. A respiração suave e lenta. As roupas brancas estão manchadas de sangue, assim como suas mãos.
— Oi, velho amigo. – diz o visitante tirando seu gorro. – Quanto tempo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Perdoa o vacilo dos atrasos e deixa um comentário :)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Conte-me uma história" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.