Uma chance escrita por The Escapist


Capítulo 5
Capítulo 5




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Yuri cumpriu sua palavra. Ao encontrar Rodrigo no escritório na segunda-feira, agiu como se nada tivesse acontecido. Tampouco comentou com alguém sobre o assunto. Claro que, secretamente, ele não conseguiu evitar julgar Álvaro. Vez por outra ficava olhando para ele, achando-o a pessoa mais hipócrita do mundo por agir como o homem perfeito e trair a mulher e, de quebra, magoar o melhor amigo.

— Com um amigo desses, quem precisa de inimigo?  — resmungou, sem se dar conta que o próprio Álvaro estava perto o suficiente para escutá-lo.

— Algum problema, Yuri?

— Não.

— Ok. Revisa isso aqui pra mim — disse, entregando uma pasta ao estagiário. — E se prepara pra ir comigo pro fórum hoje à tarde.

— Por quê?                                                            

— É a audiência que você queria assistir, esqueceu?

Álvaro estava representando uma cliente que era ex-funcionária de um banco e processava a instituição por assédio moral. Como essa era sua área de estudo no TCC, Yuri tinha bastante interesse no caso, além de estar torcendo para que ela ganhasse a causa — a mulher sofrera tanto abuso que chegara a perder o bebê que esperava, depois de ser ameaçada de demissão por estar grávida.

— A gente sai daqui ao meio-dia — Álvaro acrescentou e deu as costas.

Yuri não estava animado, mas não poderia evitá-lo para sempre, se quisesse continuar trabalhando ali teria que ser tão hipócrita quanto ele. Álvaro era um cafajeste dissimulado, mas também era um excelente advogado, não podia negar que queria vê-lo no tribunal.

Os dias foram passando e Yuri sentia-se incapaz de não prestar mais atenção em Rodrigo do que em qualquer outra pessoa. Nunca mais voltou a falar sobre Álvaro, nem a emitir sua opinião sobre ele quando estavam juntos, mas tentava descobrir se eles ainda estavam ficando. Às vezes era tão fácil perceber essas coisas que ele não entendia como todo mundo no escritório não sabia sobre os dois.

Durante muitos dias, pensou que Rodrigo estivesse mentindo para si mesmo quando disse que as coisas estavam acabadas, pois eles ainda iam almoçar juntos e passava mais de duas horas ausentes do escritório (o que configurava tempo suficiente para uma transa rápida, na opinião de Yuri), sem falar dos olhares e das vezes que um entrava na sala do outro e demorava muitos minutos para sair.

Apesar de ser o mais distante que poderia existir de uma pessoa moralista, Yuri não conseguia achar aquilo certo. Também ficava dizendo a si mesmo que não era problema seu, mas de certa forma, estava envolvido. Se eles se gostavam e queriam ficar juntos, Álvaro deveria se separar da mulher e assumir a relação, não continuar agindo pelas costas dela, usando Rodrigo como brinquedo para satisfazer seus fetiches.

Além disso, tinha que lidar com os próprios sentimentos. Parecia que quanto mais difíceis fossem suas chances com Rodrigo, mais gostava dele. Era aquela velha história de quando uma pessoa evita ao máximo pensar em algo, mais a ideia não saía da sua cabeça. Achava prematuro dizer que estava apaixonado, mas havia um interesse, e acreditava que Rodrigo era alguém por quem poderia vir a se apaixonar, se ao menos tivesse uma chance com ele.

— Você poderia tentar — Luciana incentivava. Yuri balançou a cabeça; seus cabelos que não viam uma tesoura já há alguns meses, ondularam de um lado para o outro e caíram nos olhos. — Desde quando você tem medo de tentar alguma coisa, Yuri?

— Desde que o cara de quem ele gosta é mais bonito do que eu, mais rico, mais forte. Mais tudo.

— Espera, mas você não disse que o Álvaro é um cafajeste?

Sim, havia contado tudo a Luciana. Prometera não contar a ninguém, mas não sabia esconder as coisas de sua amiga, até porque precisava de alguém com quem desabafar.

— Sim, mas parece que os cafajestes sempre levam a melhor. Quer saber, vou me concentrar na droga do TCC que é mais produtivo.

— Uns amassos dentro do carrão importado dele não seriam nada mal também — Luciana sugeriu, com uma risadinha.

— Nem me fala! — Yuri mordeu o lábio e começou a pensar no Vade Mecum, já que um banho frio era impossível naquela hora.

A monografia realmente consumia a maior parte de seu tempo, mas não o impedia de continuar desejando Rodrigo. Às vezes, estava concentrado, escrevendo, e de repente começava a pensar nele, e esse sentimento foi se arrastando pelo resto do ano. Chegou a fazer promessas de que falaria com ele quando terminasse um capítulo, mas escreveu tudo, entregou ao orientador, recebeu de volta com as correções, e nunca teve coragem de se declarar, mesmo quando começou a perceber que as coisas entre ele e Álvaro pareciam ter mesmo acabado, ainda que continuassem amigos.

Não costumava ser tímido ou ter medo de levar um fora, mas sentia que com Rodrigo, as coisas eram um pouco diferentes. Talvez pelo fato de ele estar numa posição hierárquica superior. Mas faltava menos de dois meses para que ele se formasse e seu estágio no escritório terminasse. Era até difícil acreditar que já havia passado quase oito meses desde que começara. Por isso, parou diante da porta da sala de Rodrigo e inflou o peito. Se tinha conseguido terminar de escrever a maldita monografia ainda faltando três semanas para o prazo final, poderia chamar alguém para sair. Bateu à porta e entrou.

— Posso falar com você um instante? — perguntou quando Rodrigo levantou os olhos dos documentos que analisava.

— Claro. Quer sentar?

— Não, prefiro ficar em pé mesmo.

— Ok.

Yuri abriu a boca, mas ao sentir aqueles olhos castanhos fixos nele, se acovardou.

— Hm, terminei minha monografia.

— Parabéns! Sabia que você iria conseguir.

— Bom, não consegui nada, ainda posso ser reprovado.

— Acho pouco provável.

— Sim, mas, enfim, minha defesa será no próximo dia vinte, e... Bom, enfim, pensei que talvez você quisesse ir ver. — Terminou de falar balançando a cabeça, sentindo-se ridículo, covarde e com vontade de sair correndo da sala. — É que você me ajudou pra caramba. — E era verdade, além dos conselhos para que ficasse calmo, Rodrigo também tinha indicado bibliografia e até revisado um dos capítulos do seu trabalho.

— Claro, claro, vou sim, Yuri.

— Ok.

Quando saiu da sala de Rodrigo, Yuri já estava arrependido do convite que fizera. Ninguém em sã consciência chama seu interesse romântico — vulgo crush — para vê-lo passar vergonha. Mais tarde, ao encontrar Luciana na faculdade e contar sobre sua tentativa frustrada de marcar um encontro, teve que aguentar sua amiga rindo da sua cara por quase um minuto. Mas depois do riso, ela tentou relativizar o caso.

— Não vai ser tão ruim, porque você vai arrasar na defesa, e talvez ele goste, smart is the new sexy, né?

— Ei, e como está o seu trabalho?

— Eu, querido, provavelmente serei a primeira estudante a ser presa antes de defender a monografia, porque vou matar meu orientador. Aquele filho de uma puta mandou reescrever um capítulo inteiro.

— Se você quiser ajuda...

— Eu queria era ser inteligente igual a você, mas isso tá mais difícil, não é mesmo?

— Ah, para com isso, Lu.

— Você passou o semestre todo reclamando, no entanto é o único que tá com o trabalho pronto.

— E o único que não transa há meses, também, grandes bostas.

Yuri se esforçou muito para não ficar nervoso antes da apresentação, mas o frio na barrigada era inevitável. Não sabia se o que deixava mais ansioso era a presença de um juiz do trabalho na banca examinadora ou Rodrigo sentado na plateia. Ele viera, como prometido, apertou sua mão e lhe desejou boa sorte e ficou sentado nas fileiras de trás do auditório.

Não foi o pior momento de sua vida. Pelo contrário, parecia fazer jus a ideia de que havia dois momentos felizes na universidade: quando você entra e quando você sai. Aquela apresentação de trinta minutos era a liberdade depois de cinco anos de fins de semana com a cara nos livros, ressaca sem ter bebido nada, vontade de sair, mas tendo que ficar porque tinha prova na segunda, entre outras aventuras. Depois que começou a falar, as palavras vieram até fáceis; ninguém conhecia melhor seu trabalho do que ele mesmo, e se depois de ter passado quase um ano escrevendo-o, não conseguisse apresentá-lo bem, talvez fosse melhor mudar de área.

No final, recebeu os cumprimentos dos professores da banca, em especial de Miguel, seu orgulhoso orientador, que nem sequer conseguia disfarçar a alegria ao anunciar sua nota máxima.

Rodrigo também foi lhe dar parabéns, junto com um abraço e algumas tapinhas nas costas.

— Bom, preciso ir embora, você quer carona?

— Não — respondeu, embora sua vontade fosse dizer que sim. — É que vou sair com a galera pra comemorar nossa liberdade.

— Ok. A gente se vê amanhã, então. — Apertou novamente a mão do estagiário e se virou para sair.

— Rodrigo? — Ele se virou. — Obrigado por ter vindo.

Rodrigo apenas sorriu e assentiu, depois foi embora. Antes mesmo que ele desaparecesse, Yuri sentiu uma mão em seu ombro e o cheiro do perfume de Luciana.

— Não é à toa que você está apaixonado. Que gato, hein! Vamos lá, tomar aquele porre que a gente merece?

— Eu até mereço, mas trabalho amanhã, então acho melhor pegar leve.

Marina, que tinha acabado de se aproximar, protestou:

— Nem vem com essa, Yuri, se eu vou beber, você também vai.

Com a turma toda reunida e todos felizes, Yuri não conseguiu escapar. Começou com uma dose pequena de caipirinha e quando percebeu, estava cantando e dançando funk. Por sorte, os colegas estavam tão ou mais bêbados, de modo que ninguém gravou aquele espetáculo.

Chegou em casa tarde e, como sempre, encontrou a mãe à sua espera. Miriam perguntou como tinha sido a apresentação antes de perceber que ele estava bêbado; quando notou que o filho mal conseguia ficar em pé, esqueceu momentaneamente o orgulho que era vê-lo terminar a faculdade e começou a brigar com ele por causa daquele estado decadente.

— Você prometeu que não ia mais fazer isso, Yuri, e olhe pra você. Deus que me perdoe, mas você tá parecendo seu pai. Jesus, senhor, eu não mereço isso.

— Mãe, você está exagerando, não tô bêbado, só bebi um tiquinho.

— Você nem consegue ficar em pé. Vai logo tomar um banho e dormir, que eu não suporto ver você desse jeito.

Embora sem muita consciência do que estava fazendo, Yuri obedeceu à mãe. Conseguiu tomar uma chuveirada e se jogou na cama sem roupa, o que rendeu algumas reclamações por parte de seu irmão, mas enquanto Thiago resmungava que não era obrigado a ficar vendo macho pelado, o bêbado já estava roncando.

Acordou de manhã com Miriam sacudindo seu ombro e olhando com cara de poucos amigos.

— Você vai se atrasar pro trabalho — disse ela.

— Mãe, por que tá tão brava?

— Você ainda pergunta? — ela rebateu, e saiu do quarto.

Olhou a hora no celular e percebeu que ela estava certa, iria se atrasar muito. Tomou banho e se arrumou correndo, mas ao passar na cozinha e ver que ela ainda estava com a mesma cara, decidiu que poderia se atrasar um dia, mas não poderia deixá-la daquele jeito.

— Mãe, por que você está com raiva de mim?

— Não estou com raiva de você.

— Me desculpe por ter chegado bêbado ontem, é que saí com o pessoal pra comemorar o fim das aulas.

— Eu sei que sou exagerada, meu filho, mas quando vi você daquele jeito... — Ela colocou a mão no peito e o rapaz pôde ver lágrimas em seus olhos. Sentiu-se, de repente, estúpido demais por despertar aqueles pensamentos dolorosos na mãe.

Yuri não se lembrava muito bem do pai, mas as poucas lembranças eram todas ruins e se resumiam nele chegando em casa bêbado e brigando por qualquer bobagem, chegando ao ponto de bater na esposa. Muitas pessoas se ressentem por terem sido abandonas pelo pai; Yuri sentia o contrário, achava que desaparecer de sua vida foi a única coisa boa que o seu fez.

— Mãe, eu nunca vou ser igual ao meu pai, eu juro. — Então ele a abraçou forte e prometeu que nunca mais voltaria para casa bêbado. Era uma promessa vazia, porque ainda iria sair outras vezes, iria beber, mas era o bastante para acalmá-la por enquanto.

Suas aulas tinham acabado, já fizera todas as provas e tinha certeza de que seria aprovado em todas as matérias. Só teria que ir até a faculdade ainda para entregar as cópias da monografia após as considerações da banca e se reunir com os colegas para tratar da festa de formatura.

Quando sentou à sua mesa para trabalhar, sentiu-se um pouco triste. Ficaria ali por mais um mês apenas, pois não poderia continuar com o estágio depois de formado. Sabia que era a ordem natural das coisas, que não poderia ficar para sempre. De todos os lugares onde havia trabalhado, ali fora onde mais tinha criado laços, e apesar do pouco tempo, cada pessoa que conhecera se tornara importante e ele sentiria falta de todos.

— Yuri? — Lúcia chamou, tirando-o de seus pensamentos. — Álvaro tá te chamando na sala dele.

— Ok, já vou, Lúcia, obrigado.

Levantou-se e foi caminhando sem muita coragem. Em sua cabeça, Álvaro talvez fosse cobrar alguma coisa que ele tivesse esquecido de fazer ou feito errado. Para seu alívio, estava enganado.

— Parabéns pela monografia, é o melhor momento da faculdade, não é? — Álvaro perguntou quando ele se sentou à sua frente.

— Sim, obrigado. É um alívio.

— O que você pretende fazer agora?

— Não sei bem ainda. Quer dizer, tem o exame da ordem, e depois vou precisar ganhar dinheiro, acho — disse e deu uma risadinha.

— Você sabe que quase todos os advogados que trabalham aqui foram estagiários antes, não sabe? — Yuri assentiu. — Nós tentamos não perder os melhores talentos.

— Você tá me oferecendo um emprego?

— Mais ou menos. A questão é que nós não podemos te contratar antes de você passar na OAB, e nem pode continuar como estagiário sem vínculo com a universidade.

— Parece que eu tô no limbo.

— O pântano dos recém-formados, todo mundo passa por ele. Mas enfim, como eu disse, nós gostamos de reter os talentos, e você é um desses casos. — Quando Álvaro falou com ar profissional, Yuri até se sentiu culpado pelas vezes que o xingou em pensamento. — Falei com o meu pai, e o convenci a te contratar como trainee até você passar no exame.

Yuri baixou a cabeça um instante, pensativo. Sua mãe costumava dizer que quando a esmola era grande demais o santo deveria desconfiar, mas não conseguia ver nenhuma armadilha na proposta de Álvaro. Talvez a desconfiança fosse apenas um resultado de tantas rasteiras que já havia levado da vida, então quando algo bom acontecia sem motivo parecia inacreditável. Porque terminar a faculdade e já ter um emprego, nos dias atuais, era quase um milagre.

— Não sei o que dizer, Álvaro.

— Se você já tiver outras propostas, eu entenderei, Yuri — Álvaro disse com ar brincalhão.  Quando ele ria daquele jeito dava até para esquecer, ainda que por breves segundos, o que ele tinha feito com Rodrigo.

— Não tenho nenhuma proposta no momento.

Quando voltou à sua mesa, Yuri quase não conseguia conter o riso. Não era apenas porque não ficaria desempregado nas próximas semanas, mas — talvez o mais importante — também porque, continuando a trabalhar ali, teria mais tempo para tomar coragem e se declarar a Rodrigo.


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