Iguais, porém opostos escrita por Cellis


Capítulo 19
Como sonho e realidade


Notas iniciais do capítulo

Estou de volta, trazendo um docinho de capítulo para vocês (literalmente)! Obrigada pela paciente espera, como de costume ♥

Boa leitura.



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Quando rolou em sua cama naquela manhã, pela primeira vez levemente desperta, Bo Ra sentiu um peso em suas articulações que a incomodou. Abriu os olhos com certa preguiça, pois os mesmos pareciam indispostos a exercerem suas devidas funções. Na verdade, ela se sentia indisposta, o que lhe era estranho — não costumava acordar feito a pessoa mais ativa do mundo, mas seu corpo também raramente se mostrava relutante com o ato.

Abriu os olhos e, por um momento, todo o incomodo pareceu deixá-la de bom grado. Estrelas. Lá estavam elas, reluzindo prateadas por todo o teto do seu quarto, lhe proporcionando um sentimento reconfortante. Sendo franca consigo mesma, não se tratava apenas das estrelas, mas sim de todo o contexto que envolvia as mesmas.

Tratava-se, na verdade, de quem cada pontinho prata daquele lhe lembrava.

Sorriu. Teria Taehyung dormido bem? Bo Ra admitia que aquele era um pensamento ridiculamente clichê para se ter logo nas primeiras horas da manhã, mas ela não conseguia evitar que a constante insônia do garoto lhe incomodasse vez ou outra. Quem quer que desse uma olhada mais atenta para o Kim poderia perceber o quanto o rapaz aparentava precisar de um descanso, como uma boa noite de sono para aliviar um pouco do enorme peso que ele fazia questão de carregar sozinho. Talvez ela devesse sugerir para sua avó, claro que muito discretamente, que a mulher preparasse vez ou outra algum tipo de chá relaxante para o Kim mais novo.

Pelos céus, em que estava pensando? A Kang que antes praguejava aquela família por fazer sua avó trabalhar tanto, era a mesma que agora cogitava pedir a ela que fizesse um pouco mais. Aquilo com certeza era culpa de Taehyung, seu sorriso quadrado e seu jeito torto de ver as coisas. Além das madeixas acinzentadas, claro — se não fosse por isso, Bo Ra ainda o odiaria, com toda certeza.

Sentou-se sobre a cama, sacudindo a cabeça e sentindo uma leve pontada dolorida dentro da mesma no meio do processo. Ter tantos pensamentos estranhos pela manhã estava fazendo mal ao seu cérebro, definitivamente. De repente, quase que distante, ouviu o toque simples do seu celular e precisou esticar-se para alcançá-lo sobre o criado mudo.

Uma mensagem de Kim Taehyung.

Alguém não morreria nem tão cedo, se o tal ditado fosse de fato uma verdade. Desbloqueou a tela do aparelho, abrindo direto no aplicativo de mensagens. Tratava-se duma foto de uma bela e relativamente grande cesta de madeira, com uma espécie de tampa impedindo que Bo Ra pudesse ver o que havia dentro da mesma. Além disso, a foto estava acompanhada de uma legenda.

Você pode abrir a porta, por favor? Isso está realmente pesado.

Confusa, a Kang retornou à imagem, só então percebendo que a cesta, na verdade, era uma típica cesta de piquenique. Sua curiosidade se aguçou, assim como sua repentina animação. Teria mesmo Kim Taehyung planejado o que ela estava imaginando? Quando percebeu, já estava calçando as confortáveis pantufas azuis. Não desceu as escadas correndo, mas também não se parecia com alguém que tinha todo o tempo do mundo para chegar até a sala. Finalmente diante da porta, já girando a maçaneta da mesma, Bo Ra deu-se conta de que sequer havia lavado o rosto. A cena que se seguiu passou a ser um tanto cômica: enquanto ela abria a porta com uma mão, usava a outra para ajeitar loucamente o cabelo bagunçado e o pijama meio torto. Se a Kang de algumas semanas atrás se deparasse com aquilo, com certeza trataria de dar uma longa bronca na Kang do presente e acharia, no mínimo, patética.

Mas a Kang do passado não tinha a menor consciência do que um futuro travesso lhe reservava.

— Bom dia. — foi a primeira coisa que Taehyung disse, com um sorriso singelo no rosto. Ele não fazia ideia de como Bo Ra admirava aquele sorriso, em especial pelo fato dela ser a causa do mesmo. — Dormiu bem?

— Sim. — a Kang respondeu, sem se preocupar em reprimir um sorriso no seu rosto. — E você?

O Kim suspirou num misto de pensamentos e leveza.

— Muito bem.

Afinal, agora ele tinha um motivo para dormir tranquilamente. E, de bônus, a Kang conseguia ser um motivo muito maior e mais forte do que todas as suas preocupações rotineiras.

Por um momento, os dois apenas se encaram em silêncio. Taehyung quis verbalizar como Bo Ra estava engraçada com o pijama lilás bagunçado e o rosto levemente inchado devido a uma longa noite de sono, mas guardar aquele segredo para si próprio aquecia o seu coração de um jeito travesso pelo qual ele já havia tomado gosto. Bo Ra fitava o cabelo bem penteado do Kim e o modo como a calça preta e o moletom da mesma cor lhe caíam perfeitamente bem, e teve de segurar um suspiro ao pensar nisso.

De repente, ele riu. Considerando o histórico dos dois, aquela cena de novelas adolescentes era um tanto cômica. Pigarreando, ergueu a cesta de piquenique até o campo de visão dela para chamar sua atenção.

— O que me diz de um café da manhã ao ar livre?

A parte favorita de Bo Ra naquela versão gentil e cavalheira do Kim era, sem sombra de dúvidas, o fato de que ele aparentemente jamais pararia de surpreendê-la. Ela nunca poderia imaginar Kim Taehyung planejando, logo nas primeiras horas da manhã, todos os detalhes de um piquenique a dois — mas lá estava ele, pronto para superar suas pobres expectativas e pegá-la de surpresa mais uma vez.

— Eu acho...

Ela começou a fala, mas não conseguiu terminar. Foi interrompida por uma coceira repentina e incontrolável no nariz, além de uma pressão estranha na cabeça. Um maldito de um espirro. Depois outro e, para finalizar, mais um. Fungou, sentindo todas as possíveis vias respiratórias do seu corpo entupidas. Ótimo, tinha espirrado três vezes na cara de Taehyung e ainda fungado o que parecia ser uma boa quantidade de catarro.

A Bo Ra do passado ficaria orgulhosa diante daquela cena.

— Você está bem? — o Kim perguntou e, quando Bo Ra percebeu, ele já estava dentro da casa e fechando a porta da frente. — Eu disse que você poderia ficar doente com todas aquelas roupas encharcadas.

— Eu achei que ficaríamos doentes juntos. — ela brincou, irônica.

Contudo, Taehyung não riu. Colocou a cesta de piquenique no chão e levou a mão recém livre até a testa dela. Bo Ra se assustou e só percebeu do que aquele contato repentino se tratava quando ele colocou sua outra na mão na própria testa, comparando as temperaturas dos dois. Permaneceu um par de segundos assim, até fitá-la preocupado.

— Acho que você está com febre.

— Eu estou bem, Taehyung. — Bo Ra rebateu, rindo. Taehyung com certeza estava fazendo uma tempestade numa tampinha d'água. — Espera só eu trocar de roupa e nós poderemos...

A Kang, que já começava a seguir seu caminho de volta para o quarto e planejava vestir uma roupa confortável para desfrutar de um delicioso piquenique, teve seu braço gentilmente segurado. Taehyung havia a parado e puxado de volta, dessa vez para mais perto de si.

— Nós não vamos a lugar nenhum hoje. — ele disse firme, mas ao mesmo tempo lhe mostrando um tom que possuía um resquício de um pedido.

— Mas e o piquenique? — ela indagou, quase revoltada. Bateu os pés firmemente. — Eu já disse que estou... — brutalmente interrompida por um espirro, de novo. — bem.

— Nós ainda teremos muito tempo pela frente para fazer um piquenique. Nosso colégio pegou fogo, lembra? Aulas suspensas. — Taehyung argumentava e, no meio do processo, a conduzia pela sala de sua própria casa. — O que não pode esperar é a sua saúde.

— Pelos céus, Kim. Isso é no máximo um resfriado. — ela retrucou. — Tem um remédio logo ali na cozinha que faz efeito em poucas horas.

— Onde? Eu pego enquanto você deita para descansar.

Bo Ra precisou de um segundo para encará-lo, perguntando-se quando havia esquecido o quanto Taehyung poderia ser persistente. Ele não daria o braço a torcer e, sinceramente, ela se sentia indispostas demais para não fazê-lo. Acabou jogando-se sentada no sofá, planejando deitar-se por ali mesmo.

— Segunda gaveta do armário de madeira. — disse sem muito ânimo, dando-se por vencida.

Taehyung não tardou em ir até a cozinha e procurar pelo tal remédio de efeito rápido, enquanto Bo Ra o observava de escanteio. Àquela altura, nenhum dos dois se lembrava mais da cesta de piquenique deixada ao lado da porta da frente. Depois de revirar algumas cartelas de comprimidos, o Kim encontrou um pequeno vidro de um xarope para resfriado e tratou de logo separar uma dose para a Kang. Voltou para a sala de estar e entregou o copinho com o líquido turvo para ela, que o tomou em um gole desagradável. Taehyung riu da careta que ela fez ao ingerir o xarope, achando-a fofa.

— Pronto. — Bo Ra disse, cruzando as pernas sobre o sofá. — Satisfeito?

— Parcialmente. — ele respondeu, pensativo. Bo Ra franziu o cenho, perguntando-se o que diabos mais Taehyung teria em mente. — Agora você precisa de um café da manhã reforçado.

— Bem, isso você trouxe. — ela riu, lembrando-se da cesta e apontando para a mesma.

— Não, não isso. — Taehyung emendou no mesmo instante, de pé de frente para ela. Bo Ra tinha que olhar para cima para fitá-lo, o que não era muito confortável mas, ainda assim, era engraçado de se ver. — Algo como... uma sopa.

— Sopa? — ela indagou, perplexa. — Você insiste que eu estou doente e do nada quer que eu faça uma sopa?

— O seu problema é que às vezes você é muito imediatista, Kang. — ele brincou, agachando-se de frente para ela. Teve de apoiar-se no sofá, e aproveitou para colocar um braço de cada lado do corpo relaxado dela, prendendo-a bem perto de si. Bo Ra sequer percebeu, mas agora eles estavam da mesma altura e perigosamente perto. — Quem lhe disse que é você que vai cozinhar?

Taehyung tinha um sorriso travesso no rosto e, vez ou outra, seu olhar revezava entre a expressão confusa da garota e os seus lábios tão convidativos.

— Você vai comprar a sopa, então? — ela perguntou, alheia aos pensamentos do Kim. Ele negou com a cabeça, rindo. — Pedir para uma empregada cozinhar? — novamente, a cabeça dele balançou de um lado para o outro. — Já sei. Você já trouxe um pouco de sopa na cesta?

— Pelos céus, Kang! Esse remédio tem algum efeito colateral de retraso? — ele indagou. — Eu vou cozinhar.

Um segundo de silêncio se passou. Dois. Por fim, mais um, até Bo Ra explodir em risadas até quase engasgar-se no meio do processo. Quando o riso lhe roubou o ar e suas forças, ela precisou apoiar-se na primeira coisa que viu para não despencar do sofá.

Ironicamente, seu apoio acabou sendo os braços do Kim. Ela segurava a região acima dos cotovelos dele e, quando deu-se conta disso, parou de gargalhar no mesmo instante e sentiu-se ruborizar.

Ainda assim, suas mãos não se moveram.

— Você não sabe cozinhar. — ela constatou, num tom mais baixo. Era difícil continuar o assunto quando tinha os olhos de Taehyung tão fixos nos seus.

O que estava acontecendo com Kang Bo Ra?

Taehyung riu, por fim. Ele sentia como se tivesse Bo Ra só para si, no sentido mais terno e aconchegante da palavra; aquilo lhe proporcionava uma felicidade que ele ainda não conhecia, mas que estava adorando experimentar.

— Você tem razão, eu não sei. — o Kim respondeu, ainda travesso. — Mas tenho a melhor professora para me ensinar bem aqui, nos meus braços.

Bo Ra agradeceu mentalmente por já ter atingido sua cota de engasgos naquele dia pois, caso contrário, estaria o fazendo de novo naquele exato momento. Quem era aquele Kim Taehyung e o que ele fizera com o outro, robótico e cauteloso? Ela o fitou e só então percebeu que já deveria tê-lo soltado, o fazendo às pressas. O Kim riu novamente e colocou-se de pé, estendendo uma mão na direção dela.

Pela primeira vez em toda sua vida havia deixado Bo Ra sem palavras, o que lhe proporcionava uma ótima sensação e, quem sabe, até mesmo viciante. Ele sabia que estava prestes a passar uma boa vergonha diante dela, visto o seu histórico e simpatia nulos para com a cozinha, mas nada daquilo lhe importava.

Estava fazendo aquilo por ela.

— Você me concede a honra de receber ordens suas na cozinha, Kang Bo Ra? — perguntou, tentando utilizar um tom mais sério.

Bo Ra riu, pois não tinha encarado a ideia absurda dele com aqueles olhos. Seria uma baita de uma aventura tentar ensinar Taehyung a cozinhar, mas ela sentia que também poderia ser algo divertido.

— Eu jamais lhe negaria essa oportunidade. — ela respondeu, aceitando a mão dele.

 

***

 

Para Bo Ra, o fato de acordar duas vezes no mesmo dia era um tanto inusitado. Pela segunda vez naquele que deveria ser um dia letivo, ela despertou por livre e espontânea vontade, ainda que um pouco sonolenta por conta do remédio que tomara. Remexeu-se antes de abrir os olhos e quando sentiu que, apesar de extremamente confortável, não estava em sua cama, decidiu o fazer de vez. Ainda estava em seu sofá, o que era algo bom de se perceber. Na televisão de frente para ela passava um filme de ação de um ator que ela gostava e, por isso, ela lembrou-se de como havia cochilado.

Depois do episódio um tanto único que fora ensinar Taehyung a fazer uma sopa — desde cortar os legumes, cozinhar a carne e temperar tudo — ele fizera questão de servi-la. Eles quase brigaram algumas (muitas) vezes e, para compensar por sua teimosia, o Kim pediu para que Bo Ra se acomodasse no sofá e escolhesse um filme de que gostava enquanto ele lhe servia uma generosa tigela de sopa. Ela o fez e, enquanto provava o caldo pela primeira vez, percebeu o olhar ansioso dele sobre si.

No final das contas, o prato tinha um gosto excepcionalmente bom para um cozinheiro de primeira viagem.

Claro que ela não o elogiou com aquelas palavras, pois o mesmo se sentiria insuperável caso ela o fizesse, mas fez questão de deixar claro que a sopa estava gostosa. Eles se acomodaram, e Taehyung comentou que até simpatizava com o ator protagonista do filme que ela escolhera.

O filme começou, Bo Ra tomou toda a sua sopa e deixou a tigela sobre a mesa de centro da sala, acomodando-se confortavelmente ao lado do Kim. Era uma história interessante e que tinha tudo para prendê-la do início ao fim, mas o efeito colateral mais potente do remédio para resfriado era o sono excessivo — e, antes do meio do filme, ela já estava cochilando. Agora, as últimas cenas já estavam passando, e Bo Ra se praguejou mentalmente por ter sido tão fraca diante de um xarope.

Remexeu-se novamente, sentindo algo diferente. Ela costumava dormir abraçada a um travesseiro mais velho e meio molenga, um hábito que desenvolvera ainda criança, mas desta vez encontrou-se abraçada a algo que lhe transmitia igual conforto, porém extremamente diferente de seu antigo companheiro de sono.

Kim Taehyung era o seu nome.

Bo Ra se assustou quando flagrou-se recostada nas almofadas do sofá e com os braços ao redor do Kim, mas instintivamente não se mexeu, com receio de acordá-lo. Aquele era um sofá cama e, em algum momento depois que ela pegara no sono, Taehyung havia puxado a parte de baixo para que eles esticassem as pernas — além disso, havia um cobertor sobre ela que não estava ali quando o filme começou. Ele dormia com o pescoço virado para o outro lado e a cabeça caída numa posição que não parecia muito confortável, uma mão repousada sobre as de Bo Ra e o outro braço ao redor dela, servindo de apoio para a cabeça da garota. Sua respiração era calma e ele parecia em paz, como se estivesse tendo o sonho feliz que há muito tempo não sonhava.

Ele era como um sonho, uma figura um tanto mística diante dos olhos observadores de Bo Ra. Ela havia se afastado dele apenas o suficiente para admirar a beleza serena do rapaz, achando incrível o fato de que ele não precisava fazer absolutamente nada para ter tais traços — a mandíbula suficientemente quadrada, o nariz de medida certa e as bochechas igualmente, tudo natural e, ao mesmo tempo, exclusivamente dele. Até a cor de sua pele, um bronzeado muito leve lhe dado pelo Sol, era algo que ela não se lembrava de ter visto antes.

Mas ele não era um sonho. Kim Taehyung estava ali diante dela, com todas as suas peculiaridades, defeitos e qualidades, adaptando-se a uma posição torta apenas para que ela pudesse dormir confortavelmente.  Bo Ra perguntava-se como poderia existir uma peça tão rara como ele na natureza, alguém capaz de lidar com os mais sujos problemas corporativos, mas sem nenhuma ideia de como cozinhar um legume. Um garoto que, apesar de demonstrar de menos, sentia demais e guardava aquilo somente para si.

O sonho mais real que Bo Ra já conhecera.

— Você pode acabar se apaixonando se olhar demais. — ele sussurrou com a voz arranhada de quem acabara de acordar, ainda de olhos fechados.

Bo Ra se surpreendeu, mas não fez menção de tirar os braços envolta dele.

— Você deveria ter me contado isso antes. — ela brincou, ainda que aquela não fosse de fato uma brincadeira.

A quem diabos queria enganar? Estava apaixonada por Kim Taehyung, sem tirar e nem por nada do sentido da palavra. Ainda era algo novo demais para ser dito em voz alta, mas seu subconsciente não era o de nenhuma criança de cinco anos e entendia muito bem o que o seu coração sentia.

Por fim, Taehyung abriu os olhos. Ele ainda parecia sonolento, porém extremamente descansado e relaxado. Fitou Bo Ra com a intensidade com a qual ela jurava que jamais iria se acostumar e, aos poucos, endireitou-se no sofá — seu pescoço estava dolorido, mas o fato dela aparentar alguma melhora após ter dormido um pouco o fez ficar prazerosamente em silêncio. A Kang finalmente tentou puxar seus braços de volta para si e liberar o Kim, mas o fato era que ele não queria ser liberado; usou a mão que estava sobre as dela para exercer uma leve pressão naquele local, um pedido silencioso para que ela não desfizesse aquele abraço torto, porém extremamente confortável. Bo Ra o compreendeu, deixando seus braços exatamente onde estavam, ambos formando um círculo envolta do tronco dele.

— Como você está se sentindo? — ele perguntou, ainda que já soubesse qual resposta estava prestes a ouvir.

— Bem. Não sinto mais nada, na verdade. — ela disse, confirmando as expectativas dele. — Acho que lhe treinei realmente muito bem na cozinha.

Aquela brincadeira servia como um disfarce para o fato de que, na verdade, Bo Ra ainda sentia a presença de um resquício de coriza e vez ou outra uma estranha vontade de tossir — e ele sabia disso. A verdade era que, não importava o quão bem os dois se conheciam e qual fosse o grau de intimidade que eles poderiam alcançar, sempre haveria coisas sobre as coisas eles simplesmente não falariam apenas por serem orgulhosos demais, mas que o outro não necessitava de palavras para tomar conhecimento. Mesmo que não quisessem preocupar o outro, eles acabariam o fazendo.

Mas aquilo era bom. Era algo instintivo e que só os dois entediam, como um peculiar segredo ou uma possível leitura de mentes.

Irreal para quem via de fora, mas uma realidade perfeitamente normal para ambos.

De repente, Taehyung delicadamente puxou Bo Ra para ainda mais perto, dessa vez entrelaçando os próprios braços ao redor dela. A televisão exibia os créditos do filme o qual ele só assistira metade, enquanto Bo Ra aconchegava-se sobre o peito de Taehyung mesmo sem saber o porquê.

— Nunca pare de me ensinar coisas, Kang Bo Ra. — o Kim disse, seu tom soando como uma estranha súplica.

Ela franziu o cenho, mas, mesmo estranhando o pedido, tentou amenizar o clima.

— Eu sou uma professora tão boa assim?

Taehyung deixou escapar uma risada fraca, sentindo cada vez mais a necessidade de ter Bo Ra dentro do seu abraço, protegida de tudo e todos, e tendo um tempo difícil em controlá-la.

— Sim. — ele respondeu com um sorriso pequeno, ainda que aquela não fosse a verdade. — Você é.

Sempre haveriam coisas sobre as coisas eles não falariam, mas que o outro não necessitava de palavras para tomar conhecimento.

Bo Ra são sabia do detalhe de que, ao contrário do que ela imaginava e o Kim aparentava, ele não tivera um sono tranquilo — dormira profundamente, mas tivera um péssimo e angustiante sonho. Ela não fazia ideia de que, ao despertar  e vê-la ao seu lado, em seus braços, ele desejou que aquela cena se repetisse para sempre e que perdê-la fosse apenas um fruto de sua consciência de auto sabotagem, nunca a realidade. Ela não sabia sobre o pesadelo dele e ele não estava disposto a contar, mas, ainda assim, a Kang tinha conhecimento de que algo não estava certo. Havia alguma coisa o incomodando, mas ela sabia que fazia parte da regra silenciosa de respeito mútuo deles não perguntar o que era; por isso, ela apenas desejou que fosse o suficiente para confortá-lo apertar ainda mais aquele abraço.

E era. Taehyung respirou fundo e depositou um singelo beijo no topo da cabeça dela, um agradecimento tímido no meio do silêncio. A verdade era que não importava o quanto sua imaginação tentasse assustá-lo, porque ele sabia que sempre poderia olhar para o lado e vê-la lá.

Porque Kang Bo Ra era o seu porto seguro.

— O que você planeja fazer sobre nós? — ele indagou de repente, disposto a transforma a atmosfera sobre a qual ele mesmo adicionara certo peso.

Bo Ra franziu o cenho e quis encará-lo, mas sentia-se incapaz de desfazer aquele abraço.

— Como assim? — ela respondeu com outra pergunta, mas àquela altura nenhum dos dois se importava mais com isso.

— Sabe, eu não estou disposto a esconder nós dois de ninguém. — Taehyung afirmou. — Eu quero andar de mãos dadas, almoçar com você e aprender a fazer todas aquelas outras coisas clichês.

Bo Ra não conseguiu segurar uma risada diante da versão cafona de Kim Taehyung, o que fez com que ele acreditasse que estava prestes a ser zombado. Contudo, Bo Ra respirou fundo e, mesmo que ele não pudesse vê-la, exibiu um sorriso doce.

— Façamos as coisas clichês, então. — ela respondeu, sincera. — Vamos aprender a fazer isso juntos.

— Sério? — ele contestou no mesmo instante, surpreso com a resposta dela.

Na verdade, nenhum dos dois tinha nada de clichê e ambos sabiam disso, mas Bo Ra achava curioso o desejo de Taehyung — além disso, depois de tudo que ele já havia feito por ela e ainda se mostrara disposto a fazer sempre que ela precisasse, o mínimo que a Kang poderia fazer era retribuí-lo. Isso, claro, implicava no fato de que todo o Kobe Suwon acabaria sabendo sobre os dois e as fofocas correriam loucamente soltas pelos corredores do colégio, mas não era como se Bo Ra tivesse se importado com o que os outros diziam sobre ela alguma vez na vida.

— Sério.

Taehyung sorriu quando ouviu a resposta de Bo Ra em meio a uma risada. Ele estava fazendo aquilo por ela. Conhecia a Kang bem o suficiente para saber que, por baixo de toda aquela casca e sob a espessa camada de gelo, ela gostava de coisas como mãos dadas e almoços no horário do intervalo. Já que ela jamais admitiria tal coisa, ele estava disposto a fazê-lo por ela, ainda que isso significasse que Bo Ra passaria acreditar que ele secretamente estava assistindo a filmes adolescentes demais.

Você é estranho, Kim Taehyung. — ela disse, preenchendo o breve silêncio entre os dois. — Não faz muito tempo que eu lhe disse isso, mas volto a repetir.

— Eu me lembro desse dia. — ele afirmou, mal humorado. — Você tinha acabado de ser suspensa e estava esperando o Hoseok no portão do colégio. À propósito, o que vocês fizeram naquela tarde?

De repente, contra alguns de seus instintos, Bo Ra obrigou-se a afastar-se um pouco de Taehyung com o intuito de encará-lo.

— Que tom de voz é esse, Kim? — indagou, maldosa.

— O tom de quem tem o direito de saber dessa informação. — foi o que ele respondeu, falsamente dando de ombros.

Bo Ra segurou uma risada, disposta a brincar um pouco mais com aquele Taehyung emburrado.

— Você está sentindo esse cheiro? — a Kang perguntou enquanto fungava algumas vezes.

— Que cheiro?

— De ciúmes. — ela respondeu, por fim caindo na gargalhada.

As pontas das orelhas de Taehyung estavam vermelhas, ele só não sabia se era de raiva ou de vergonha.

— Ciúmes? Eu não vejo nada que o Jung tenha que eu não tenho, então não há motivos para ter ciúmes. — ele afirmou, e ela conseguiu ver escrito com letras vermelhas fluorescentes na testa dele a palavra mentira.

— Bem... — ela fitou a parede atrás dele, como se estivesse fazendo uma lista mental de todas as qualidades de Hoseok.

Que na verdade não existiam, mas um Kim enciumado era cego demais para perceber tal coisa.

— Não me diga que você...

Antes que pudesse verbalizar alguma besteira, Taehyung foi interrompido por um selinho. Um estalar de lábios que durou alguns breves segundos, mas que fora surpreendente e bom demais para que ele continuasse dizendo qualquer coisa. Bo Ra o encarou travessa, afastando-se um pouco dele para poder visualizar sua face paralisada.

— Você tem tudo que eu preciso, Kim. — disse. — Com os seus clichês, singularidades e tudo mais.

Taehyung não conseguiu evitar um sorriso, mas não era como se quisesse. Puxou Bo Ra para perto, desta vez para algo mais demorado do que um estalar de lábios.

Era como se ela fosse um sonho, mas extremamente real.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam desse capítulo que só teve esse casal que vocês tanto amam (e pediram, mais do que merecido)? Vamos conversar!

Até ♥