Iguais, porém opostos escrita por Cellis


Capítulo 18
Como protegido e vulnerável


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus queridos! Espero que estejam todos bem, lê-se "eu tentando amenizar o fato de que demorei duas semanas para dar as caras por aqui".
Mil perdões, de verdade. Eu estava louca para escrever e postar logo, mas alguns problemas me impediram de fazer isso.
Mas agora estou aqui.

Espero que gostem do capítulo ♥



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A curiosidade matou o gato.

A verdade era que, apesar daquele ditado popular soar um tanto infantil e já desgastado pelas repetições do dia a dia, não deixava de ser uma frase que carregava certa honestidade consigo. Se Bo Ra fosse o tal felino do dito, provavelmente já estaria correndo perigo eminente ou até mesmo à beira da morte, ainda que não houvesse a necessidade literal de ser um gato para morrer de curiosidade.

E Bo Ra mal conseguia mais segurar a sua.

Depois dos bombeiros conseguirem controlar o incêndio no laboratório de química e se certificarem de que o mesmo não havia abalado a integridade dos outros prédios, os alunos foram permitidos de voltar para as suas respectivas salas de aula para apanharem seus materiais e, então, irem para casa. Bo Ra retornara quase colada a Jimin para não voltar a perdê-lo de vista, enquanto Taehyung acompanhava os dois a alguns passos atrás, em silêncio e com os olhos fixos naquela que ele não permitiria que sumisse novamente. A garota havia notado a presença forte do Kim sempre ao seu redor, mas não chegou a se incomodar com isso — na verdade, sentia-se mais segura assim e, consequentemente, agradecida a ele — e justamente por isso não disse nada.

Assim, enquanto ela guardava seus pertences de volta na mochila, notou algo sobre a mesa que roubou-lhe a atenção.

O trabalho de Taehyung

Os papéis ainda estavam lá, intactos como se aquela confusão nunca tivesse existido, no mesmo lugar em que Bo Ra os havia deixado. A Kang ergueu o olhar e, de escanteio, fitou o Kim. O garoto acabara se distraindo por um breve momento com suas próprias coisas, e fora justamente esse o instante necessário para que Bo Ra guardasse o trabalho em sua mochila sem que ele percebesse. Por fim, quando pendurou a alça da mesma em seu ombro, deparou-se com Taehyung mais próximo do que ela esperava, fitando-a com certa intensidade.

— Vou levá-la para casa.

Apesar de não soar como uma ordem, a frase também não era um simples pedido. Tratava-se de um aviso, na verdade, o qual Bo Ra não chegou a ignorar ou contestar. Depois de se certificar de que Jimin estava bem e de que não voltaria para casa sozinho (afinal, ainda lhe restava Jungkook, felizmente), ela seguiu o Kim em silêncio até o carro do rapaz, onde seu motorista já o esperava. Entraram, cada um de um lado do veículo, e Taehyung não precisou dizer nada para que o homem começasse a seguir o caminho de volta para a mansão dos Kim.

Silêncio. Não do tipo que os dois haviam aprendido a aproveitar e respeitar quando um deles precisava, mas daqueles incômodos que há tempos não aparecia. Claro que não fazia muito tempo desde que eles haviam começado a se acostumar um com o outro, ou até mesmo a manter algum tipo de relacionamento mais saudável, mas aquelas poucas semanas já eram sentidas como se fossem anos.

E, de repente, era como se uma intimidade conquistada na infância estivesse em risco ou desaparecido.

Não era como se um não tivesse nada a dizer para o outro, pelo contrário: tinham tanto para verbalizar, que sequer sabiam por onde começar. Nenhum dos dois jamais poderia ter imaginado ou esperado por um beijo, o que tornava toda aquela situação confusa e constrangedora demais. Além, claro, dos sentimentos que lhes rodeavam.

Por fim, Bo Ra pigarreou. Apesar de tudo, aquele silêncio absoluto nunca fora o seu forte.

— O que você acha que aconteceu? — ela indagou repentinamente e, quando recebeu sobrancelhas franzidas em confusão como resposta, percebeu que sua pergunta havia sido ampla demais. — No laboratório de química, eu quero dizer.

O semblante do garoto se esclareceu e ele voltou a fitá-la, tentando manter a conversa num nível normal.

— Não tenho certeza, mas ouvi o professor que estava com a turma no laboratório dizer que foi um acidente. — ele respondeu. — Parece que um aluno esbarrou em alguma substância inflamável.

— Entendi. — Bo Ra concordou, até que interessada no assunto. Na verdade, aquele não deixava de ser um tópico que lhe desrespeitava também. — Isso deve ser melhor esclarecido depois.

E, novamente, o silêncio voltou a imperar entre os dois. Por fim, Taehyung sentiu-se incomodado ao ponto de permitir-se bufar, o que Bo Ra achou engraçado. Não era sempre que ganhava a visão de um Kim Taehyung frustrado feito o adolescente que realmente era, então, apesar situação em que se encontravam, ela permitiu-se fitá-lo com um sorriso restrito aos seus olhos. 

— Bo Ra, eu...

— Desculpe. — ela o interrompeu, de repente. Confuso, Taehyung a encarou. — Eu não deveria ter ido embora quando você me pediu para ficar. Eu só precisava de um pouco de tempo, entende?

Taehyung não esperava uma sinceridade tão repentina e direta da parte de Bo Ra, mas, no fundo, sentiu-se feliz em recebê-la. Mesmo assim, e mesmo que a Kang estivesse disposta a falar sobre aquele assunto, ele não pode evitar de exibir um sorriso triste, tentando disfarçar ao desviar o olhar do dela.

—Eu é que peço desculpa. Não deveria ter lhe pressionado assim. — Taehyung disse e, por um breve momento, os dois ficaram em silêncio. Ele voltou a erguer a cabeça e, fitando-a, não conseguiu esconder um breve sorriso em seus lábios. — Eu prometo que vou lhe dar todo o espaço e tempo que você precisar.

Apesar de tudo, Bo Ra jamais poderia ter imaginado que iria, um dia, vislumbrar um Taehyung tão compreensível e pacífico. Era como se ele tivesse se transformado por completo em outra pessoa. Agora, ao invés de ter na ponta da língua uma resposta ainda mais afiada do que as provocações do Kim, ela se encontrava muda e sem saber como reagir diante de tamanha naturalidade. Por um momento, chegou a pensar que, talvez, nunca fosse se acostumar a essa versão tão humana e inegavelmente mais vulnerável do Kim.

Não que ela fosse ruim, claro. Muito pelo contrário.

— Obrigada, Kim Taehyung. — ela disse, por fim, sem saber ao certo se ele conhecia todos os motivos pelos quais ela estava lhe agradecendo.

Por um breve instante, Taehyung apenas se perdeu no quão inebriante era a sensação de ter Bo Ra pronunciando seu nome completo daquele modo tão simples e leve, como se cada sílaba dançasse pelos ares ao deixar seus lábios. O que para alguns era algo apenas corriqueiro e até mesmo irrelevante, para ele fora o bastante para mantê-lo calado pelo breve restante do trajeto. Na verdade, de repente, Taehyung viu-se assustado com algo que por si só já era inesperado, mas que agora começava a ganhar intensidade e, pelo o que podia notar, até mesmo profundidade.

O que de fato ele sentia por Bo Ra? E o quanto sentia, francamente?

O carro estacionou na frente da mansão Kim e, quando Taehyung percebeu, Bo Ra já não estava mais ao seu lado. De fora do veículo, ainda com a porta aberta, ela o encarava com uma interrogação no rosto.

— Você não vem? — indagou, por conta da demora do garoto.

E, então, ele se lembrou da promessa que havia feito para si mesmo naquele dia, mais cedo. Procurar a última pessoa na Terra que gostaria de vê-lo naquele momento, muito provavelmente. Min Yoongi havia se tornado mais uma fonte de alimento para a insônia de Taehyung, e ele não podia mais permitir que isso continuasse acontecendo.

— Na verdade, eu tenho que resolver uma coisa. — ele respondeu, ainda que Bo Ra continuasse mantendo a expressão intrigada. — Você deveria entrar e descansar um pouco.

Com um aceno de cabeça, por fim, Bo Ra apenas concordou. Não era como se não estivesse precisando e merecendo um belo descanso.

Mas também não significava que ela o conseguiria.

Uma hora mais tarde, depois de um longo banho quente e uma refeição bem preparada por sua avó, Bo Ra fitava o teto branco de seu quarto. Na verdade, nunca gostara muito daquela cor, mas o fato de ter um teto colorido não lhe agradava muito. Aquele teto, aquele simples pedaço de construção, sempre fora um impasse em sua vida, um problema mal resolvido que constantemente incomodava a garota até que ela pegasse no sono — exatamente como Kim Taehyung. Ambos os problemas possuíam soluções um tanto óbvias, mas que assustavam Bo Ra por consistirem em fazê-la sair de sua zona de conforto.

Então, aquele era o verdadeiro problema.

De repente, levantou-se da cama num pulo. Não ficaria mais encarando aquele teto branco e se perguntando onde estaria Taehyung, o que estaria fazendo ou pensando — ou até mesmo o que ela deveria estar fazendo — mas tomaria uma atitude. Resolveria, pelo menos, um de seus problemas.

Por sorte, ela ainda tinha alguns materiais que costumava usar nas suas aulas de artes e, em uma espécie de quarto do lado de fora da mansão, onde tudo aquilo que os Kim não usavam mais era guardado, havia uma pequena lata de tinta prateada. Lembrou-se da época em que a senhora Kim teimara em pintar uma das paredes da sala com aquela cor e chegara a ordenar que comprassem a tinta, mas seu marido vetara a decisão por achá-la extravagante e ridícula demais. Ninguém lembrava mais da existência daquela lata. Bo Ra vestiu a peça de roupa mais antiga que encontrara em seu guarda roupa, um macacão jeans, apanhou uma escada para auxiliar seu trabalho e mais alguns materiais, como um molde para desenhar estrelas, e forrou o chão do seu quarto com todos os tipos de papéis.

E começou a pintar. Era uma atividade um tanto desconfortável e, vez ou outra, ela tinha que parar o que fazia por ter gotas de tinta quase pingando em seus olhos, mas em questão de um par de horas seu trabalho estava pronto: seu teto branco, incômodo e sem graça havia ganhado vida. Chegava perto de parecer com um céu estrelado, e Bo Ra adorava estrelas.

Então, quando ela voltou a se sentar em sua cama sem sequer limpar a bagunça que estava o seu quarto, ela fitou o teto recém-pintado e pensou consigo mesma: por que diabos eu nunca havia dado um jeito nisso antes? Claro que não tinha sido uma tarefa fácil e, vez ou outra, ela encontrou-se a um fio de despencar da escada antiga que trouxera do mesmo quarto onde estava a tinta, mas o resultado era simplesmente bonito e satisfatório demais para que essas pequenas coisas a incomodassem. Seu rosto estava sujo, o quarto fora de ordem tinha um cheiro de tinta forte o suficiente para queimar suas narinas e ela sentia dores no pescoço, mas nada era maior do que o significado daquelas estrelas — um problema de anos estava ali, belamente resolvido.

E, assim como aquele teto, era Kim Taehyung: um problema que tinha uma solução relativamente simples, bastava Bo Ra colocá-la em prática.

Alcançou a mochila que estava ao seu lado, também sobre a cama. De lá, tirou o trabalho que o Kim havia escrito sobre ela e que agora tinha as bordas amassadas por ter sido guardado com pressa. Pulou a capa e respirou fundo, o cheiro de tinta como um lembrete do que era o certo a se fazer.

Tópico número um: sinceridade. Exatamente como ele dissera que escrevera. Nele, Taehyung praticamente havia narrado a importância da verdade para Bo Ra, estivesse ela a contando ou ouvindo. Por suas próprias razões e convicções, Kang Bo Ra aprecia a verdade e, ainda que a mesma doa, ela se sente feliz em poder conhecê-la — eram essas as palavras finais do parágrafo, o que resumia com perfeição a pessoa que Bo Ra era.

Tópico número dois: princípios. Para Taehyung, os princípios de Bo Ra eram tão concretos e transparentes que nada a impedia de defender o que ela acreditava ser o certo, muito menos ninguém. O Kim a chamara de peça rara, já que ele nunca havia conhecido alguém tão capaz de lutar com tanto fervor por aquilo que segue e acredita, sendo Bo Ra capaz de sacudir toda aquela sociedade frágil em que viviam, caso quisesse.

Tópico número três: força. Afinal, para possuir os dois primeiros tópicos, este último deveria ser a sua base. Taehyung achava admirável o fato de como Bo Ra era forte em qualquer ocasião, fosse para cuidar de alguém que amava, para lidar com a pior das notícias ou, ainda, para simplesmente não desistir de ser quem ela era. Apesar de tudo, mesmo abalada vez ou outra, a força de Bo Ra era incontestável e provavelmente aquilo que fazia dela Kang Bo Ra.

Assim, depois de mais algumas folhas, Taehyung finalizara seu trabalho. Se o Sr. Do o tivesse lido, o Kim com certeza ganharia nota máxima; mas não era ele quem precisava ler. Bo Ra sentia uma certa dificuldade para controlar sua respiração, os pensamentos a mil por hora. Então era aquilo que estava na mente de Taehyung? Para ele, Bo Ra era sincera, capaz de defender seus princípios e extremamente forte para fazê-lo, e Taehyung expusera isso em algumas folhas brancas sem medo de quem viesse a lê-las.

Aquela era a Bo Ra que ele conhecia e, há um par de dias atrás, admirava o suficiente para beijá-la.

Quando deu-se conta do que estava fazendo, o telefone já chamava no ouvido de Bo Ra. Chegou a assustar-se quando, logo nos primeiros toques, Taehyung atendeu a chamada.

Bo Ra? — ele atendeu, parecendo surpreso também.

— Taehyung. — ela pronunciou seu nome pois, inconscientemente, estava começando a pegar gosto por fazê-lo. — Nós precisamos conversar.

O Kim não manteve sequer um segundo de silêncio, já emendando preocupado:

Aconteceu alguma coisa?

Como Bo Ra poderia explicar o que havia acontecido? Aquela chamada não terminaria no mesmo dia se ela tivesse que contar como, de repente, sentiu-se extremamente idiota por nunca ter pintado o teto do seu quarto ou visto o verdadeiro Kim Taehyung.

— Eu preciso que você venha para casa.

A urgência era quase palpável em sua voz, coisa que Bo Ra não havia notado até a palavra precisar ser dita entre o peso de sua respiração e a resposta imediata de Taehyung.

Estou indo.

Nada mais foi dito e eles poderiam jurar que tinham encerrado a ligação ao mesmo tempo, ainda que nenhum dos dois quisesse fazê-lo. Bo Ra apertou o telefone em suas mãos até as pontas de seus dedos ficarem brancas e, ao olhar pela janela de seu quarto, reparou que as primeiras gotas de chuva já cortavam o céu nublado e molhavam o gramado dos Kim.

Cinco minutos se passaram. Dez. Quinze. As gotículas de água transformaram-se num temporal e, lá fora, quase nada era visível através da chuva espessa. Bo Ra cansou de esperar, andando de um lado para o outro sobre os papéis respigados com tinta prata. Já havia esperado demais. Faria algo, ainda que não soubesse o que.

Desceu as escadas com pressa e atravessou a sala de estar no mesmo ritmo. Talvez devesse ter considerado pegar um guarda-chuva, mas, quando abriu a porta da frente, qualquer hesitação por conta do temporal desmanchou-se junto da água: lá fora, Taehyung corria pelo gramado tentando inutilmente proteger os olhos das gotas pesadas. Por algum motivo, ele sentiu a necessidade de erguer a cabeça quando já estava ao lado da piscina, e foi quando se deparou com Bo Ra. Ela estava na soleira da porta com os cabelos presos numa só bagunça, um macacão velho todo respingado de tinta e um olhar que cortava mais do que a densa chuva, e o Kim sentiu como se nunca tivesse visto algo tão belo e tranquilizante em toda sua vida.

Ela estava lá, segura.

Ele já não tinha mais fôlego para continuar, pois havia corrido o caminho inteiro debaixo de chuva, e seu cérebro ordenou que seu corpo parasse ali mesmo, no meio do gramado — praticamente no mesmo instante que o dela gritara para que ela começasse a correr. Ela sequer sentiu a chuva molhar sua pele e todas as suas roupas quando pôs os pés no gramado, apressada na direção dele. Taehyung estava parado e ela corria descalça pelas poças de água. Nada foi exatamente sentido ou dito, mas sim sentido.

Diferente da primeira vez em que haviam se beijado, divergindo de toda aquela calmaria e dos atos singelos, Bo Ra sequer parou para analisar o rosto do garoto quando o alcançou e ergueu as mãos até a altura da parte de trás do pescoço e da cabeça dele. Taehyung já estava com os braços ao redor dela e, com a mesma rapidez com que se alcançaram, os dois uniram seus lábios.

Necessidade. Como se um fosse o único medicamente capaz de manter o outro vivo. Se o mundo acabasse em um dilúvio naquele momento, de nada importaria para o casal de jovens, pois eles ainda teriam o calor daquele momento para viverem por mais longas décadas. A chuva os ensopava, mas eles não estavam dispostos a diminuir a intensidade daquele beijo — não conseguiam.

Assim, Bo Ra resolvera dois problemas extremamente incômodos no mesmo dia, um graças ao outro.

Agora, ela tinha um céu estrelado no teto do seu quarto e Kim Taehyung ao seu lado.

 

***

 

— Você deveria trocar essa roupa. — disse o Kim, fitando as gotículas de água que pingavam do macacão dela. — Pode acabar ficando doente.

Da cozinha, separada da sala de estar apenas por uma bancada de mármore, Bo Ra não se impediu de sorrir. Kim Taehyung estava cuidando dela, preocupado. Era engraçado mas, ao mesmo tempo, uma sensação extremamente reconfortante. Ele estava sentado sobre o tapete da sala envolto em uma coberta grossa, e a única parte de seu corpo que se encontrava seca era o seu rosto. Em silêncio, Taehyung observou Bo Ra retornando para a sala com duas canecas de algo quente em mãos, também enrolada em uma coberta tão grossa quanto a dele.

— Ficaremos doentes juntos, então. — ela respondeu e sentou-se de frente para ele, lhe entregando uma das canecas.

Na mesma, havia um chá de ervas que ela acabara de preparar, forte o suficiente para mantê-los saudáveis e aquecidos. Bo Ra tentou beber o líquido mas, ao perceber que provavelmente queimaria os lábios se o fizesse, achou melhor esperar mais um pouco.

— É uma péssima ideia. — Taehyung rebateu, pela primeira vez dizendo aquelas palavras em um tom de brincadeira.

— Está dizendo isso só por que é a minha ideia? — ela indagou no mesmo tom, pois chegava a ser cômico o fato de que já haviam começado uma discussão antes exatamente daquele jeito.

Por um breve momento, ficaram em silêncio. Depois de interromperem o beijo, ainda na chuva, tinham feito o mesmo — ficaram lá, sob as densas gotas de chuva, apenas recuperando suas respirações ofegantes e encarando as feições um do outro sem dizer nada. Até que, num ato quase que instintivo, Bo Ra correu sua mão pousada nos fios de cabelo de Taehyung até alcançar a mão do garoto, entrelaçando seus dedos nos dele. Conduziu com certa pressa o Kim até a casa anexa e, ainda num completo silêncio cheio de significado, buscara algo para aquecê-los. E permaneceram assim, com seus próprios pensamentos, até Taehyung finalmente quebrar o silêncio para sugerir que ela trocasse suas roupas ensopadas por algo seco e mais confortável.

— O que aconteceu? — ele perguntou, por fim, interrompendo o silêncio como fizera antes. Fitava Bo Ra com uma intensidade que não conseguia controlar. — Eu pensei que você fosse precisar de um pouco mais de tempo.

— Era o que eu achava, mas a verdade é que eu já tive tempo demais. — ela lhe respondeu, fitando o líquido distorcido em sua caneca. Não conseguia ver sua imagem refletida ali, o que significava que o chá deveria estar no ponto certo. — Eu li o seu trabalho.

Taehyung não conseguiu segurar um riso nasalado, sacudindo a cabeça.

— Acho que fiz um ótimo trabalho, então. — brincou.

— Taehyung, eu...

— Posso isso fazer isso primeiro? — o Kim a interrompeu gentilmente, num tom mais sério. — Tem uma coisa que não está naqueles papéis, mas que eu gostaria que você soubesse.

Por um momento, Bo Ra apenas o encarou. A verdade era que, o que quer que precisasse ser dito, ela acreditava que Taehyung tinha mais do que conquistado o direito de fazê-lo.

— Vá em frente.

Taehyung pigarreou e, antes de começar, bebericou um pouco do seu chá. O líquido tinha um gosto forte, mas não mais do que o modo como seu coração pulava em seu peito.

— Você disse uma vez que eu sou adaptável e que, para cada pessoa ao meu redor, há um Taehyung diferente. A verdade é que você não poderia estar mais certa. — pausou, fitando-a com atenção. — A versão de mim que eu decido mostrar depende de quem eu falo, convivo ou lido. Sempre foi assim, mesmo quando eu não percebia que era. E, então, você apareceu. — viu os olhos dela se arregalarem levemente, um incentivo para que ele continuasse. — Quando estou com você, eu encontro a minha melhor versão. A única que eu realmente gosto, na verdade. Por isso, independente de como as coisas serão de agora em diante, eu quero que você saiba que tê-la ao meu lado não é mais uma questão de capricho ou vontade; é uma necessidade. Eu nunca pensei que fosse admitir isso, mas eu preciso de você, Kang Bo Ra.

O peito de Taehyung subia e descia num ritmo ofegante, como se ele acabara de correr uma maratona. Dizer a verdade exigia até mesmo esforço físico, ao que lhe parecia. Contudo, se sentia mais leve e, independente de qual fosse a resposta que estava prestes a receber de Bo Ra, estava satisfeito consigo mesmo.

Diferente do que costumava fazer, havia apenas contado aquilo que há tempos exigia de si mesmo guardar em silêncio absoluto.

— Eu... — ela pausou e, de repente, passou a fitá-lo com certa calma. — Eu não sei como fazer isso. Na verdade, eu sequer sei direito o que estou sentindo... mas uma certeza eu tenho, pelo menos. Eu quero tentar. Assim como você, eu preciso tentar.

Voltaram a ficar em silêncio. Nenhum dos dois era o melhor com as palavras, muito menos com seus sentimentos, mas a única coisa de que necessitavam era um troca de olhares — a qual expunha toda a tempestade de emoções que sentiam naquele momento. Nos olhos de Taehyung havia um tipo de felicidade que ele jamais tinha experimentado antes, um misto de satisfação e tranquilidade que escorriam pelo sorriso quadrangular e sincero em seus lábios. Já nos da Kang, em suas grandes orbes castanho-claro, estava a surpresa de quem não se imaginava suficiente para passar por aquilo, muito menos ao lado do Kim.

Com ele.

Taehyung sorriu e, naquele momento, Bo Ra prometeu para si mesma que passaria a ser uma prioridade para ela acostumá-lo a sorrir tão singelamente como estava o fazendo; afinal, ela adorava aquele sorriso.

— Isso quer dizer que...?

O Kim não quis terminar sua fala, fosse pela euforia que sentia ou por simplesmente não saber como fazê-lo. Bo Ra riu do modo como ele agia pois, mesmo que já estivesse acostumada a ver Taehyung como alguém um tanto infantil, era a sua primeira vez percebendo que ele poderia também encaixar-se na versão inocente da palavra. Sua aura parecia diferente, como se, agora, ele pudesse finalmente espantar a tempestade dentro de si e começar a viver um dia de verão mais limpo.

Bo Ra colocou a caneca quase vazia no chão ao lado de sua perna e, em seguida, fez o mesmo com a dele, com o Kim apenas observando-a pegar delicadamente o objeto de sua mão para afastá-lo dos dois. Como eles já estavam próximos e ambos com as pernas cruzadas, tudo o que ela precisou fazer foi inclinar-se um pouco para frente para alcançá-lo. Taehyung sentiu os braços da Kang envolvendo o seu tronco por baixo de sua coberta e, de repente, ela recostou a cabeça no peito dele, sobre a blusa ainda molhada.

Um abraço.

Taehyung demorou para processar o que aquele gesto aparentemente simples e delicado significava: vulnerabilidade. Bo Ra estava abrindo passagem para ele, permitindo que o Kim entrasse em sua vida e, caso quisesse, se acomodasse por lá.

Envolveu-a em seus braços, uma mão repousando em suas costas e a outra acariciando a parte de trás de sua cabeça. Não havia mais frio e, na verdade, mais nada que pudesse atrapalhar aquele momento. Por fim, Taehyung depositou um beijo no topo da cabeça de Bo Ra, um gesto de quem apreciava a hospitalidade.

— Obrigado, Kang Bo Ra. — disse, pois aquela era a única coisa que se sentia capaz de dizer. — Por tudo.

Por um par de segundos, Bo Ra riu. Ainda que aquela não fosse a resposta que Taehyung esperava, ele não conseguiu se irritar — afinal, ele adorava aquela risada.

— Seu coração está batendo muito rápido. — ela contou.

— Bem, isso é culpa sua.

De repente, Bo Ra quebrou o abraço para fitá-lo diretamente. Parecia levemente geniosa, como sempre fora.

— Você não pode me culpar por...

Sem permitir que ela terminasse, Taehyung a puxou de volta para os seus braços. Já estava começando a sentir frio por tê-la longe de si e, de bônus, a Kang havia ficado surpresa demais para continuar com seu protesto.

— Isso foi um elogio, Kang. — ele explicou, rindo.

Eles permaneceram naquela posição por um longo tempo. Nada mais importava, além do fato de quem agora tinham um ao outro, especialmente como abrigo e apoio.

Afinal, Bo Ra agora tinha as estrelas no teto do seu quarto para admirar de noite, até cair num sono tranquilo e profundo, e também Taehyung para protegê-la durante o dia.

 


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Vamos conversar, estou morrendo de saudades de vocês!

Até ♥