Iguais, porém opostos escrita por Cellis


Capítulo 20
Como revelar e esconder


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus amores! Demorei um pouco, mas voltei cheia de saudades e com um capítulo beeeem especial (vocês vão entender o porquê quando começarem a ler)!
Espero que gostem e que não tenham desistido de mim.

Boa leitura!

OBS: muito obrigada pelos comentários, e em especial a Ana pela recomendação maravilhosa e tão carinhosa! Você com certeza fez meu dia mais brilhante ♥



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Dizer que eu estava me roendo, mastigando e depois ruminando meu bolo alimentar (sim, estou me comparando a uma vaca; dede já peço desculpas pela imagem não muito agradável que possa ter produzido em sua mente) de curiosidade ainda era muito sutil para descrever o meu estado. Estava até mesmo com vontade de voltar a roer minhas unhas, hábito que felizmente eu fui perdendo conforme os anos passaram, e estava sendo difícil controlar minhas pequenas mãos para que não voassem direto para os meus lábios. Sim, eu sou curioso nesse nível. É algo que eu possivelmente herdei da minha querida mãe, então não é como se eu pudesse controlar essa crescente ansiedade.  

Bem, como ainda não fomos apresentados formalmente, eu serei um menino educado e o farei antes de encher as suas respectivas paciências com o motivo de tamanha curiosidade.

Prazer, me chamo Park Jimin. Dezessete, quase dezoito, anos de pura beleza, fofura e simpatia. Cabelos loiros sedosos, nenhuma ideia do que fazer após o colégio e estatura mediana, sendo bem otimista. Eu poderia adicionar meu estado civil a esta breve apresentação, mas assim a mesma deixaria de ser breve, então vamos deixar esse ponto em aberto para ser discutido alguns parágrafos abaixo.

Pronto, creio que agora somos íntimos. E sabe, há uma coisa em especial que eu adoro fazer junto daqueles que sou mais próximo: fofocar. É claro que eu não me refiro àquele tipo de fofoca maldosa, que geralmente circula pelos corredores do colégio quando alguém que se acha superior se sente no direito de difamar quem acreditar ser inferior, mas sim a algo saudável que acontece entre amigos — no meu caso, eu estou prestes a fofocar sobre minha melhor amiga, então vamos apelidar esse meu monólogo de minhas observações sobre Kang Bo Ra e assim eu poderei evitar futuras confusões.

Bo Ra é uma pessoa simplesmente sensacional, mas igualmente difícil de se lidar. A mesma força e senso de justiça que minha amiga possui, além de jamais hesitar em ajudar quem precisa (como eu mesmo já precisei), ela consegue converter em teimosia. Para que vocês possam me entender melhor, vou resumir nosso primeiro encontro: há alguns anos atrás, eu vim para o Kobe Suwon transferido de Busan, e a primeira coisa que pude notar foi que as pessoas por aqui costumam enxergar os alunos novatos como presas fáceis. Logo no meu primeiro dia de aula, depois de me apresentar na frente da classe, eu notei os sorrisos maliciosos das meninas sobre mim e os não muito receptivos olhares dos rapazes na minha direção, então minha reação imediata fora arrumar um assento próximo de alguém que não estivesse ligando para a minha existência e tentar viver em paz.

E lá estava ela. Na fileira do canto, lá para as últimas carteiras, Bo Ra mal tinha desviado o olhar do livro que lia enquanto eu me apresentava, e assim ela permaneceu quando eu me sentei atrás dela. Eu já estava a julgando como antipática, quando ela olhou de relance para trás e disse:

— Seja bem vindo. E boa sorte.

Ela conseguiu me assustar com apenas um par de frases? Sendo sincero, sim, bastante, mas o que Kang Bo Ra precisa para ser entendida é um pouco de paciência e de um olhar mais atento — assim, naquelas mesmas palavras, eu pude sentir sinceridade e até mesmo um pouco de preocupação.

Custou-me alguma perseverança, mas não demorou muito para nos transformarmos em colegas e, em seguida, amigos. Assim, conforme eu fui conhecendo o restante dos alunos, nenhum deles jamais ousou ser maldoso comigo, porque eu era o novato que andava com Kang Bo Ra. Ridículo, eu sei, mas eu prefiro achar cômico. Por conta da minha personalidade fácil e sempre amigável, não foi muito difícil para mim fazer alguns outros amigos e conhecer mais pessoas, mesmo que, vez ou outra, eu ainda tivesse que ouvir um "Por que você é amigo dela?" ou "Você não sabe quem essa garota realmente é.".

E eis o mais engraçado de toda essa história: eu sempre senti que era o único que realmente conhecia Bo Ra. A garota que aparentava não precisar de mais ninguém além de si própria para viver, realmente não precisava, mas ainda assim sentia falta de um melhor amigo. Infelizmente, ninguém mais chegou a conhecer a Kang divertida, birrenta e forte que eu conheço, e se chegou a conhecer não foi esperto o suficiente para mantê-la por perto. Como Bo Ra também nunca fez questão de ter muitos amigos ou manter uma boa fama pelo colégio, os dois lados da moeda seguiram pelos anos assim, cada um pré-julgando o outro sem realmente conhecê-lo.

O que é uma pena, porque aquele colégio seria muito melhor se realmente tivesse Kang Bo Ra, e não a machucaria em nada se ela viesse a descobrir que nem todos os seus alunos são a escória da sociedade. Alguns, na verdade, são receptivos e tem até mesmo um bom coração, e as vezes eu consigo imaginar Bo Ra se divertindo com eles como se diverte comigo.

Bem, eu disse que ia resumir essa história e falhei miseravelmente, não é mesmo? Mas todas essas palavras foram deixadas aqui com um bom propósito: chegarmos ao agora. Mais especificamente ao ontem, uma noite fria e sem muita graça antes da volta às aulas (pós o incêndio onde eu acreditei que morreria, diga-se de passagem), quando eu estava jogado na minha cama e recebi uma ligação da minha melhor amiga.

Dedinhos, eu preciso lhe avisar uma coisa. — ela disse, e parecia mais travessa do que realmente preocupada.

— Avise. — eu respondi, já curioso.

Eu ainda não sei direito, mas é provável que você tenha uma surpresa amanhã.

Sim, ela teve a coragem de me dizer apenas isso. Quando eu perguntei sobre o que diabos ela estava falando, Bo Ra disse que não era algo para ser contado pelo telefone e que só tinha me ligado porque se sentira na obrigação de pré-avisar seu melhor amigo. Eu teria a achado uma fofa devido a toda aquela consideração, se não tivesse ido dormir curioso e me remoendo de ódio por estar curioso. Acordei cedo e cheguei no colégio antes do despertar das galinhas no campo, tudo por conta de Kang Bo Ra.

Na verdade, eu estava cruzando os portões do Kobe Suwon antes mesmo de um certo alguém.

— Jimin-ssi!

E lá estava toda aquela formalidade que eu detestava quando era anexada ao meu nome, mas que, ao mesmo tempo, era impossível desgostar quando era ele quem a pronunciava. Parei onde estava, logo no começo do gramado, enquanto ouvia passos apressados (corridos, eu poderia dizer) logo atrás de mim. Eu já o conhecia tão bem que sequer precisava me virar para saber que era ele quem vinha ao meu encontro, mas resolvi o fazer apenas para ser presenteado com a visão de ter Jeon Jungkook correndo na minha direção.

E ele vinha com pressa, o vento bagunçando seus fios castanhos, mas nunca o uniforme impecavelmente arrumado.

Maldito seja o meu coração por acelerar feito uma Ferrari sempre que eu ponho meus olhos nesse garoto.

— Eu já disse para você não me chamar assim. — eu resmunguei assim que ele me alcançou.

Ele sequer estava cansado por ter corrido. Parou ao meu lado e sorriu, feito um filhote de coelho.

— Mas eu gosto. — rebateu, mantendo os olhos em mim.

Na contagem de três segundos, minhas bochechas ficarão vermelhas. E isso aconteceu enquanto você lia essa frase.

Pigarreei, fitando o gramado. Nós tínhamos combinado de não fazer aquilo no colégio.

— Você chegou cedo hoje. — ele disse, começando a caminhar.

Eu me movi para o seu lado, pois nada precisava ser dito para que ele me pedisse para acompanhá-lo, nem que fosse apenas por um pouco. Jungkook era uma pessoa extremamente fácil de se ler, inclusive quando ele ficava chateado por eu evitar de fazer coisas como entrelaçar nossas mãos em público. Eu tinha os meus motivos para isso, que não deixavam de ser parecidos com os dele, e por isso ele me entendia; mas isso não o impedia de sentir falta.

Quando estávamos sozinhos, longe de pais rígidos e de pessoas preconceituosas e de mentes fechadas, ele sempre me contava das vezes que sentia saudades do meu carinho ao longo do dia.

O que não era diferente para mim.

— Culpa da Bo Ra. — respondi, caminhando em direção à entrada do prédio principal. Tudo já estava reconstruído e devidamente reformado dentro de pouquíssimos dias, feito mágica. Não havia sequer um rastro das chamas no laboratório de química, nem mesmo no semblante dos funcionários. — Ela me deixou com a pulga atrás da orelha ontem e eu não consegui dormir direito.

— Por que?

— Não sei. — respondi, visivelmente querendo dar um tapa na minha amiga. — Acho que nem ela sabe direito.

Do meu lado, Jungkook riu, atraindo a minha confusa atenção.

— Você fica muito fofo quando está irritado. — confessou, travesso.

Pelos céus, como eu estava apaixonado pelo Jeon. Mesmo com tudo, com a nossa relação incerta e sem nenhum rótulo em específico, eu amava aquele cabelo bem penteado, as covinhas que apareciam somente quando ele sorria sincero e, em especial, os músculos que ele escondia debaixo daquela tonelada de uniformes.

Eu nunca disse que era santo, em minha defesa.

— O que diabos vocês dois tanto fofocam? — a voz sonolenta atrás de nós me fez pular de susto, ao passo que Jungkook mal se moveu.

Bem, já era de se esperar que ele já estivesse familiarizado com a voz de Yoongi, já que os três mosqueteiros viviam juntos.

Por falar nisso, onde estava Kim Taehyung, se não junto desses dois?

— Hyung? — Jungkook indagou, agora surpreso. — O que faz no colégio antes do começo da primeira aula?

Yoongi riu sarcástico, como de costume, e eu pude notar um par de cortes em seus lábios. Olhando com mais cuidado, ele tinha uma pequena mancha roxa no olho direito também, e eu tive que fazer o dobro de esforço para segurar a minha vontade de perguntar o que tinha acontecido — afinal de contas, Min Yoongi era uma pessoa um tanto estranha e sombria, completamente fora dos limites da minha indiscrição.

Pelos céus, eu estou prestes a explodir de tanta curiosidade reprimida!

— Culpa do Taehyung. — ele respondeu, enfiando as mãos nos bolsos da calça social amarrotada. — O maldito insistiu para que eu chegasse cedo hoje.

— Por que? — foi a minha vez de perguntar.

Aquela história me soava familiar demais.

— Não faço a mínima ideia. — deu de ombros. — Ele só disse que tinha algo para mostrar.

As engrenagens do meu cérebro passaram a fazer barulho de tanto que trabalhavam. Estariam Bo Ra e Kim Taehyung aprontando alguma coisa juntos? Ou pior, poderiam ter feito uma aposta maluca nesses dias e o perdedor estava prestes a ser humilhado. Pelos céus, esses dois não vão parar nunca! Eu me sinto um idoso quando tenho que lidar com eles, cansado dessa vida de babá.

É provável que um esteja trazendo o corpo do outro para exibir no meio da praça de alimentação.

O que será uma enorme pena, porque eu torço para que esses dois fiquem juntos antes de se matarem de vez. Ao contrário da grande maioria especuladora e invejosa do colégio, eu vejo nitidamente como minha amiga e Taehyung se sentem. Ele não percebia o quão claro deixava o fato de que se preocupava com ela em vezes como a que ele me ligou lhe procurando, ou quando quase apanhou de dois bombeiros por querer correr na direção de um incêndio por ela; e Bo Ra, claro, não menciona o Kim sempre que pode por puro ódio.

Ela acredita que consegue ler a mente dele, mas quem realmente vê tudo nessa história sou eu, o vidente Park Jimin.

Nós três ficamos ali, parados em algum ponto aleatório do corredor térreo, conversando sobre assuntos ainda mais aleatórios enquanto esperávamos por Deus sabe o quê. Tomara que essa espera venha a valer a pena, porque, caso contrário, esses dois vão ter dificuldade em julgar se o ser humano mais irritado desse planeta sou eu ou Min Yoongi.

E, alguns minutos depois, eu fui bruscamente empurrado por um grupo desgovernado de garotas do primeiro ano. Jungkook me apoiou e me perguntou se eu estava bem, enquanto eu encarava mortalmente as meninas que, na verdade, eram ainda mais novas do que ele. Um murmúrio se transformou numa fala geral embolada e, de repente, todos estavam saindo de suas salas e falando ao mesmo tempo, indo em direção à fachada do colégio.

— O que diabos é isso? Outro incêndio? — Yoongi indagou, irritado por uma garota ter pisado no seu pé. — Pelo menos esse eu vou poder ver.

— Credo, hyung! — Jungkook o repreendeu. — Não deve ser nada demais.

Jeon era fofo quando tentava ser otimista, mas com certeza toda aquela movimentação era mais do que nada demais.

— Disseram que eles chegaram juntos, no carro dele! — um garoto passou por nós conversando com outros dois, praticamente gritando do meu lado. — Ele a ajudou a sair do carro e tudo!

Bem, agora sim o meu cérebro estava explodindo. E onde diabos estava Bo Ra nesse momento, ao invés de estar ao meu lado ordenando que eu deixasse de ser tão fofoqueiro?

Se os meus pensamentos certeiros fossem convertidos em sorte, eu ganharia na loteria sem sequer jogar. Depois do segundo no qual pensei em minha amiga, um par de cabeças surgiu na direção contrária dos muitos alunos no corredor, que começaram a abrir espaço. De repente, os adolescentes se acumulavam perto das paredes, encostados nos armários e cochichando entre si, todos claramente surpresos com algo.

— O que esse povo viu para...

E o meu próprio espanto me impediu de terminar minha fala. A cabeça mais alta trazia consigo cabelos acinzentados, uma postura impecável e um olhar confiante, enquanto a outra, um pouco mais abaixo, tinha longos cabelos castanhos e tentava não demonstrar o fato de que gostaria de estar se enfiando em um buraco debaixo da terra naquele momento.

Essas cabeças pertenciam a Kang Bo Ra e Kim Taehyung.

Juntos.

Lado a lado.

De mãos dadas.

Um incrédulo Jungkook, ao meu lado, coçou os olhos, enquanto Yoongi apenas riu. Eu senti meu queixo caindo até poucos centímetros acima do chão.

O que diabos eles estavam fazendo?

— O que eles estão fazendo? — Jungkook verbalizou meu pensamento, ainda que mais educadamente.

Novamente, pude ouvir a risada irônica de Yoongi.

— Até que enfim. — ele disse, cruzando os braços.

Até que enfim? Até que enfim o quê?

Eu estava com vontade de socar e abraçar Bo Ra ao mesmo tempo — mas creio eu que a parte do socar era unânime entre as meninas, então prefiro ficar com o abraço. Depois de superar o fato de que estava atraindo a atenção do colégio inteiro, minha amiga pareceu finalmente me notar. Tentou vir correndo na minha direção, mas a mão presa a de Taehyung fez com o processo fosse convertido para um caminhada interminável.

Conforme se aproximavam, eu pude capturar os sussurros de discordância dos dois.

— Não precisava disso tudo! — ela dizia, prestes a bater dele. — Se eu soubesse que você estava falando literalmente sério ontem, eu teria fugido de você hoje de manhã.

Taehyung se aproximou do ouvido de Bo Ra, pretendendo sussurrar. O azar dele era que eu tinha uma audição saudável, vulgo fofoqueira, demais.

— Na verdade, eu estava planejando em entrar com essa mão ao redor da sua cintura. Então, de nada. — ele disse, prendendo uma risada.

O que estava acontecendo ali, bem diante dos meus olhos? Mais engasgada e ruborizada do que, só Bo Ra e o seu olhar arregalado depois da frase de Taehyung.

— Bom dia. — o Kim disse naturalmente, assim que nos alcançou.

Não, aquilo já era demais para mim. Dei um par de passos para frente, encarando Taehyung. Se Bo Ra não começasse  a desembuchar exatamente naquele momento, eu teria um ataque no coração no segundo seguinte.

— Licença. — eu disse, audacioso o suficiente para soltar as mãos dos dois.

Bo Ra me encarou, provavelmente já sabendo sobre o que aquela intervenção se tratava, e foi obrigada a me seguir conforme eu a puxava para o mais longe daquela população fofoqueira de adolescentes que ainda sussurrava sobre a cena.

Sim, o sujo está criticando a falta de higiene do mal lavado.

Parei quando alcançamos a sala de reuniões do clube de dança, da qual eu tenho uma cópia da chave por ser o presidente. Entrei, tendo de voltar para puxar Bo Ra comigo, e tranquei a porta.

A encarei, com os olhos semicerrados.

— Pode começar a falar, mocinha. — a intimei.

Tive a impressão de que Bo Ra não sabia se ria ou se tentava sair correndo dali, mas nenhum dos dois a ajudaria naquele momento.

— Bem... — ela iniciou, respirando profundamente. — É melhor você se sentar.

 

***

 

Eu poderia buscar em algum site todos os sinônimos da palavra chocado, com o significado que a mesma ganhou pelos últimos anos, jogá-los todos aqui e, ainda assim, não conseguiria transmitir fielmente o tamanho da minha surpresa. Digamos que torcer para que duas pessoas fiquem juntas não significa necessariamente que elas ficarão, em especial no caso de Kim Taehyung e Kang Bo Ra.

Mas vejam só: eles estão.

— Mas espera... — eu disse, pensativo. Estávamos deitados no chão exatamente no centro da sala de reuniões, ambos olhando para o teto. — Então vocês estão namorando?

Bo Ra pensou durante um par de segundos, seu ombro esbarrando no meu no meio de um longo suspiro.

— Eu não sei. — respondeu. — Nós não chegamos a discutir esses termos.

De repente, eu me sentei, encarando-a. Para que diabos servia uma simples nomenclatura, contanto que minha melhor amiga estivesse feliz assim?

Eu mesmo não poderia falar muito sobre rótulos de relacionamentos, no fim das contas.

— Você está feliz? — perguntei, apenas para ter ainda mais certeza.

Bo Ra sorriu, me fitando. Ainda deitada, respondeu:

— Muito.

Assim, eu fui contagiado por aquele sorriso singelo, capaz de iluminar a noite mais escura, e acabei sorrindo também.  

— Então eu também estou.

Ela se sentou também, ficando de frente para mim. Segurou minha mão, e eu acabei rindo do fato de como nossas mãos eram exatamente do mesmo tamanho.

— Obrigada, dedinhos. — ela disse.

— Eu que deveria lhe agradecer. — rebati no mesmo momento, confundindo-a. — Ver você e o Taehyung finalmente juntos foi como uma recompensa por todos esses meus anos de sofrimento.

— Sofrimento? — indagou. De repente, percebeu que eu me referia às constantes brigas do mais novo casal, e fez aquela expressão de quem estava prestes a me socar. — Park Jimin...

Pelo bem da minha própria vida, eu me levantei e fiz a coisa mais sensata que alguém no meu lugar poderia ter feito: comecei a correr. Por sorte, não havia nenhum inspetor pelos corredores, e nós continuamos a nossa perseguição até nos aproximarmos da nossa sala.

Fui vencido. Ofegante, fui alcançado e levei um beliscão. Resmunguei, mas fui ignorado.

A aula obviamente já havia começado e nós dois estávamos mais do que atrasados. Bo Ra me encarou.

— O que nós vamos fazer? — perguntou, apreensiva. — Nós vamos levar uma advertência, com certeza.

Eu sabia a nerd que Kang Bo Ra era, quase tanto quanto Jungkook (para o meu azar). Sistemática com notas e horários, Bo Ra nunca se atrasava, e parecia estar entrando em desespero por tê-lo feito  — isso tudo mesmo sendo a queridinha dos professores, sempre empatando com Taehyung pela posição número um dos rankings das avaliações bimestrais.

Ah, até nisso aquele casal combinava.

Eu me sinto no direito de ser o padrinho de casamento desses dois, mas talvez seja um pouco precipitado da minha parte mencionar isso agora.

— Calma, espaguete. — eu disse, rindo. Toda vez que pronuncio esse apelido lembro-me da cara de espanto que ela fez quando eu lhe expliquei o seu significado. — A aula de agora é do professor Namjoon, certo?

— Sim.

— Então está tudo bem.

Mais uma vez naquele dia, Bo Ra me encarou confusa. Aquilo era o seu carma lhe punindo e lhe alertando para nunca mais quase matar o seu melhor amigo de curiosidade, isso sim. Eu segui na direção da porta da sala com ela ao meu encalce e dei duas batidas leves, atrapalhando a aula de Namjoon e provavelmente sendo louvado pelo restante dos alunos. Nada contra o pedaço de mau caminho que era Kim Namjoon, mas não entender Física é praticamente uma regra para se entrar no ensino médio.

Pelos céus, que Jungkook nunca leia essa frase. Para ele e a sua paixão estranha por cálculos e teorias, são duas ofensas numa só sentença.

— Licença, professor Kim. Perdão pelo atraso. — eu entrei primeiro, me curvando. O homem me encarava por cima das lentes do óculos e tinha um livro de Física Quântica em mãos. Socorro. — Nós fomos chamados na secretaria e estávamos lá até agora. Podemos entrar?

Sim, mentir é feio e a minha mãe me educou muito bem, mas, para certas coisas na vida, seguir o nosso próprio instinto pode ser o melhor a se fazer. E, na verdade, o meu instinto sabia que Kim Namjoon era inocente o suficiente para se deixar ser atingido pelo meu aegyo, exatamente assim como as funcionárias da secretaria. Se por um acaso ele desconfiasse de mim, o que provavelmente não aconteceria, as secretárias simplesmente confirmariam a minha versão, porque eles gostam demais de mim para não fazê-lo.

Acalmem-se, eu estou rindo, mas sei que é errado. Abusar da boa vontade dos outros utilizando meus charmes não é o correto, mas é que às vezes é preciso.

Só às vezes, eu prometo.

— Eu vou deixar passar dessa vez. — o professor respondeu. — Mas dessa vez, ouviram bem?

Park Jimin, você é demais.

— Sim, professor. — eu e Bo Ra respondemos ao mesmo tempo, entrando na sala.

Todos os cochichos e olhares estavam focados em nós, mas especificamente na minha melhor amiga. Claramente sem dar a mínima para nenhum deles, Bo Ra caminhou até os nossos lugares de sempre, ainda diminuindo a velocidade de suas passadas ao alcançar Taehyung, e eu pude ver por cima do meu ombro ela sorrindo para ele ao passar pela sua carteira.

Aquela fora uma mudança extrema entre a Bo Ra de hoje mais cedo, que quase enfiava a cabeça no chão de tanta vergonha, para a Kang confiante que eu pude vislumbrar agora.

Ah, eu vou explodir com tamanha fofura, mesmo que repentina.

Nos sentamos, eu atrás dela (nós vivíamos invertendo nossos lugares, sabe-se lá o porquê) e nos juntamos ao grupo de adolescentes que fingia entender Física Quântica. Bem, na verdade, Bo Ra realmente entendia, o que fazia com que eu me perguntasse o motivo de ainda sermos amigos.

Mas, naquele momento em específico, algo realmente me impedia de prestar atenção no que o professor Namjoon dizia, ou pelo menos em suas belas covinhas e no seu porte atlético: cochicho. Franzi o cenho, tentando distinguir de onde vinha aquele par de vozes claramente femininas, e fitei de escanteio o restante da sala até finalmente encontrá-las. Três carteiras atrás de mim, porém na fileira ao lado, duas meninas olhavam na minha direção, minha e de Bo Ra, na verdade, sem muita simpatia em suas expressões. De repente, a da frente repassou o cochicho para da sua frente, que fez o mesmo com a que estava na sua frente, até o maldito telefone sem fio chegar na carteira bem ao lado da minha.

Hee Shin, a loira ao meu lado, esticou-se em sua carteira para alcançar o ouvido do garoto ao lado de Bo Ra.

— Você percebeu o que essa biscate está fazendo? — ela indagou, mais alto do que deveria e provavelmente pretendia. — Chegou de mãos dadas com o Taehyung, mas logo depois saiu correndo com o Jimin. Esses dois estavam sozinhos até agora, sabe-se lá fazendo descaradamente o que e onde! Coitado do TaeTae... deve ter sido enfeitiçado por essa daí.

Na minha frente, eu pude notar o tronco de Bo Ra subir e descer. Ela estava respirando fundo, eu só não tinha certeza se era de raiva ou se tentava digerir a maldade nas palavras de Hee Shin, mas uma coisa era certa: ela também tinha escutado. Antes que algo pior viesse a acontecer, e também me sentindo na obrigação de fazer algo — afinal, todo aquele murmúrio estava correndo de boca em boca porque eu tinha puxado Bo Ra comigo até a sala do clube de dança — pendi minha cabeça na direção da loira.

Yah, Lee Hee Shin. — eu a chamei, também em voz baixa. — Ao invés de gastar o seu tempo tomando conta da vida alheia, por que você não faz um melhor uso dele? Por exemplo, esses seus fios desbotados estão precisando de uma hidratação, você não acha?

A garota me encarou com um misto de irritação e surpresa em seu olhar, sendo patético o fato de que ela realmente achou que a fofoca feita com sua voz aguda e irritante não seria ouvida.

Yah! — ela perdeu o controle e exclamou alto, chamando a atenção de todos.

Inclusive de Namjoon, que a fitou com uma expressão não muito feliz.

— Algum problema, senhorita Lee? — indagou o professor.

— Não, professor Kim. — ela respondeu, sem graça. — Desculpe.

O homem a fitou por mais alguns segundos e, em seguida, retomou sua aula. Ignorando o olhar que Hee Shin acreditava ser mortal, eu teria rido descaradamente da garota, mas havia algo que me impedia: quantas outras Hee Shin's estavam cochichando aquelas mesmas palavras pelo colégio, naquele mesmo momento?

A verdade era que os boatos sobre Bo Ra e Taehyung não poderiam ser impedidos, e ambos sabiam disso e aparentemente não ligavam; mas, se eu e a minha maldita curiosidade não tivéssemos sido tão impulsivos, seriam eles tão maldosos?

Agora, todos falariam as coisas mais horríveis sobre Bo Ra, minha melhor amiga, por minha causa.

E isso com certeza era algo grande demais para acabar ali, com uma loira oxigenada sendo chamada atenção diante de uma turma.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Gostaram de ler a história de um ponto de vista um tanto diferente kkkk?
Vamos conversar, eu estou morrendo de saudades de vocês!

Até ♥