Como Domar o seu Eu Interior escrita por Tyr


Capítulo 17
Tomo I - O Rei




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/754454/chapter/17

 

"Soluço, tem certeza de que está pronto para voltar?", Astrid perguntou, tentando transparecer uma calma forçada em sua voz, mas sendo traída pelo timbre preocupado que chegava aos ouvidos de Soluço.

"Sim Astrid", respondeu, olhando para trás de relance, enquanto os dois se encontravam na sela de um dos mais belos dragões que o mundo antigo conhecia, centenas de metros acima do chão. "Não foi uma decisão... É algo, que... Não sei explicar e você pode até achar que estou louco", as risadas leves de sua namorada indicavam que ela estava pronta para ouvir o conteúdo da loucura.

"Astrid, eu vi meu pai em meu sonho, e... Era tudo muito estranho, eu não consegui entendê-lo propriamente dito, mas cada situação do sonho meio que se encaixou perfeitamente de uma maneira não dita", Soluço olhou para trás procurando um sinal para que continuasse. Astrid apenas assentiu, com um aceno de cabeça.

"O sonho quis me mostrar que o lugar que eu tenho estado, não só em relação à Berk, mas em relação à mim mesmo, só tem obscurecido os meus arredores. Eu deixei que a escuridão tomasse conta de mim enquanto eu ficava parado diante dela sem fazer nada! E eu sinto que essa escuridão tomou conta de Berk também... Ou está prestes a tomar", o vento acariciava seus rostos como que numa forma de mostrar presença. "E eu preciso voltar à vila e assumir meu posto, proteger àqueles que amo, como fez meu pai".

Astrid estava em silêncio, eram muitos detalhes para se tomar conhecimento. O único som presente seria o de suas respirações se o vento quase ensurdecedor não os envolvesse.

"E quanto à seu pai?", perguntou ela, ainda processando as informações e tentando imaginar o futuro batendo às suas portas.

Soluço suspirou, não era algo que quis falar abertamente até o momento, tanto quanto reassumir o posto do chefe de Berk, ou futuro rei, mas estava teimosamente decidido à não mais compactuar com a escuridão interna que parecia calar sua vontade de falar, de gritar até que toda a dor que o apunhalava se esvanecesse no ar.

"Bem...", começou ele, tentando não umedecer os olhos. "Ele apenas apareceu para me dizer que eu tinha de caminhar...", realmente, deixá-los secos não seria fácil. "Exatamente o que eu... estou tentando fazer agora".
Um par de mãos enluvadas sobre seus ombros deram sinal de que não era necessário continuar no tópico doloroso naquele momento. Astrid era o símbolo mais vivo da força e do arquétipo de guerreira que conheciam, mas era incrível também como ela transbordava empatia, alguém diria.

A contemplação do silêncio sobre um dragão era a melhor terapia, aparentemente.

"E o que pretende fazer agora? Caminhar pra onde?", indagou ela, suas mãos quase que institivamente procurando seu machado.

Soluço, virado pra frente, franziu o cenho, adquirindo a seriedade que a situação exigia, "você sabe que eu não comprei o discurso desses estrangeiros vindo me oferecer uma coroa em troca de nada. Ninguém é tão generoso assim, principalmente na política, ainda mais na política viking. Se eles quiserem juntar o arquipélago em uma só unidade, um só país, como o velho Império Romano, não seria mal não é? Quer dizer, mais unidade significa menos guerras e mais comércio certo?".

Astrid apenas anuiu com a cabeça, sempre atenta.

"Ora, se é pelo bem do povo de Berk", continuou ele. "E não só pelo nosso povo, mas por todo povo do arquipélago, então, por que não devemos tentar? Independente da intenção deles, a gente pode utilizar a semente que já foi plantada e germinou sem a gente saber, depois que a planta brotar, as ervas daninhas a gente arranca aos poucos".

O calmo silêncio advindo como resposta quase emanava que Astrid estava pensativa. Bastante pensativa. Parecia uma decisão de uma vida sendo tomada numa fração de segundos.

"O que acha?", insistiu ele.

"Eu acho que a gente já não tem mais a opção de voltar atrás", respondeu ela, depois de alguns minutos de silêncio que pareciam uma eternidade para um jovem garoto ansioso. "O pomo já está maduro", metaforizou. "Agora, tudo isso não vai ser nada fácil né?".

"Não será", apenas concordou, com um suspiro já cansado.

"Mas..." disse ela, apertando gentilmente os seus ombros, como que para indicar que ainda estava ali e sempre estaria. "Eu estarei do seu lado Soluço, para o que der e vier, até o fim", sua voz agora, não mais preocupada, vibrava no timbre do amor verdadeiro.

Um par de olhos verdes apenas se virou para trás em direção ao oceano azul que coloria a íris de sua parceira, numa conexão profunda que não necessitava de palavras. Apenas de olhares.

Com um aceno de cabeça encorajador, o jovem chefe de Berk se virou e conduziu Banguela em direção ao Grande Salão.

***

Com a velocidade assombrosa que o Fúria da Noite naturalmente atingia em apenas alguns minutos, não havia distância que ousava se tornar empecilho à quem tivesse tido a coragem monumental de domar o dragão mais temido de todo o mundo conhecido. O Grande Salão não tardou em se tornar visível, e com a visão deste, o caos e a confusão entravam em cena.

Tempestade, voando sozinha, por milagre conseguia acompanhá-los, e chegava logo atrás.

As gigantescas portas do Salão estavam escancaradas, tumultuadas de gente que, quase literalmente, subiam uns sobre os outros para gritar algo ininteligível para dentro. As pessoas que diariamente se ocupavam do comércio de rua que se fazia presente em frente às portas do centro do poder de Berk, se preocupavam em tirar suas mercadorias do local o mais rápido possível, com medo de ter tudo estragado e pisoteado pela multidão de gente se aglomerava das escadas até as portas, sem regra nem lei. Em grande parte estrangeiros, pequena parte cidadãos de Berk.

Onde estava o Conselho no meio disso? Onde estava academia de Dragões de Astrid? Alguém perguntaria indignadíssimo.

Melequento, os gêmeos e Perna de Peixe voavam em círculos sem saber o que fazer exatamente. Não podiam atirar, e gritar não adiantaria muito, pois a quantidade de gritos que estavam sendo jogados ao ar abafaria qualquer grito que soasse um pouco mais silencioso que uma explosão. Eles eram Vikings, ora.

Soluço e Astrid assistiam àquilo tudo em silêncio, tomados por surpresa.

"Por que você não me disse que situação estava nesse nível?" Soluço perguntou, sua voz atingida sem dúvida pela surpresa e pelo medo.

"Eu não sabia!", a viking realmente não tinha noção que a situação iria escalar tons até chegar num estado pré-apocalíptico. "O que está acontecendo lá embaixo afinal?"

Soluço não teve tempo de responder, os outros integrantes históricos da academia de dragões vieram voando à eles, gritando pedindo para que ele os ajudasse.

"SOLUÇO!", gritou Melequento. "Eles sequestraram meu pai! Ele está lá dentro no meio dessa confusão toda, junto com Bocão, e os outros conselheiros", Melequento parecia que estar tão desesperado que alguém julgaria que o mundo já estivesse acabado.

"O que aconteceu?", Soluço realmente percebera naquele instante, que havia se colocado completamente de lado na direção de Berk.

"O Conselho resolveu começar a criar as tábuas das regras para serem seguidas pelos representantes das ilhas e pelo Rei", começou Perna de Peixe, sempre tão atento à todo detalhe, o que normalmente poderia incomodar alguém, no momento era muito bem vinda característica. "Os estrangeiros perceberam e começaram a querer ditar as regras, e o Conselho, achando que tinham algum poder, não concordou de imediato, mas depois que aquela turba de gente entrou no Grande Salão eles não tinham mais como reagir. A Guarda de Berk está sem saber o que fazer."

"E que permaneçam como estão", afirmou Soluço com firmeza. "Não precisamos de derramamento de sangue", ao que todos anuíram veementemente com a cabeça, inclusive os gêmeos.

"E então, qual é o plano?", questionou Melequento, extremamente ansioso.

"O plano é eu recuperar o que é meu por direito", vociferou Soluço, o que traria surpresa tal comportamento do jovem chefe à todos, se não estivessem na situação em que estavam.

No fundo do seu íntimo, o chefe da ilha de Berk tinha consciência que não havia tido punho firme para fazer valer sua vontade, para fazer o que tinha certeza que era certo. E precisava invocar do fundo do seu ser a força que sabia que tinha. Que já tinha demonstrado, mas que parecia ter sido encurralada pelos traumas recentes. Era como se tivesse erguido um muro entre ele e sua própria força! Ora! Nada melhor que o próprio construtor do muro para derrubá-lo.

Soluço mergulhou com Banguela, Astrid logo atrás, numa velocidade estonteante. O típico som mais que temido que emitia o Fúria da Noite, no auge da sua força, no auge da sua precisão, ecoou por todas as montanhas e reverberou por todas as paredes de madeira das casas que pacificamente assistiam o desenrolar do destino da ilha. A bola de fogo e de energia bruta se formava em uma fração de segundos na garganta do dragão, sendo atirada à uma velocidade quase maior a que ele se encontrava no momento.

E no espaço de alguns segundos, a ilha conheceu o poder de um Fúria da Noite enfurecido. A bola de fogo foi de encontro à lateral de uma montanha próxima, engolindo a encosta em chamas e destruição, estremecendo e arrepiando cada um que, mergulhado em terror, observava a cena do dragão mais temido surgindo sabe-se lá de onde, mas que não hesitava em deixar claro que estava ali para que sua presença demonstrasse respeito.

Era o Rei dos Dragões, afinal, que carregava em suas costas o Rei de Berk.

Um tiro de aviso. Um tiro de alerta. Um tiro demonstrando que não teria espadas o suficiente para ceifar a ira de um dragão daquele porte. Banguela sabia do seu poder e sabia demonstrá-lo.

Silêncio.

O dragão que carregava a cor da noite pousou em frente às escadas, logo atrás pousando os quatro dragões. Nenhum dos que gritavam desordenadamente tinha coragem de encarar o seu olhar por mais de alguns segundos sem estremecer até o último fio de cabelo.

Silêncio.

Soluço, majestosamente incorporando o porte de seu pai, utilizando seu uniforme escuro e carregando a capa que pertencia à Stoico, parecia fazer jus aos diversos nomes que se daria ao conquistador de um dragão de tal periculosidade. Seja por estarem atirando a ilha de seu pai e de seus avós no caos, seja por estarem encurralando as pessoas por quem ele devia proteger, seu olhar sombrio emanava apenas uma coisa.

Força.

E nem mesmo ele sabia de onde saía toda essa força naquele momento. Ele apenas estava fazendo o seu dever.

Sob o olhar calado de uma multidão que há segundos atrás estava no auge da desordem e da bagunça, ele saltou do Fúria da Noite e caminhou tranquilamente escada acima. Ninguém tinha coragem ou vontade de ficar em seu caminho. A multidão se acotovelava para abrir a fila do meio para que o jovem chefe da ilha de Berk, passasse sem ser incomodado, Astrid logo atrás, e Banguela os seguindo, sem se importar em esmagar alguns vikings no caminho.

"Saiam", disse Soluço ao chegar ao topo da escada, com a voz mais parecendo um aviso, sua voz baixa e calma, sem transparecer nenhuma emoção em sua voz.

Apenas, autoridade.

A turba de gente que se amontoava com espadas podia muito bem se tacar sobre Soluço, ceifando a vida dele no processo, ceifando o fúria da noite e Astrid. Mas parecia até que todos vigiavam seus pensamentos obscuros, pois temiam até que o Fúria da Noite pudesse senti-los e atacar no menor sinal de agressividade.

As pessoas pouco a pouco saíam, ainda imersas em torpor, quase correndo pelas suas vidas, com medo de que o trio pudesse de alguma formar derrubar todo o Salão sobre suas cabeças, assim que quisessem.

A maioria dos que invadiram o Salão nem ao menos de Berk eram.

Soluço esperou, pacientemente, para que os vikings que se acotovelaram para estar ali, agora saíssem também de forma desastrada, com o medo sincero de estar sob a mira daquele dragão que mais parecia uma sombra.

"As coisas não serão feitas assim!", berrou ele.

"Se o Reino é do arquipélago inteiro, nenhuma lei será feita sob a pressão de uma espada!", as pessoas que passavam por ele abaixavam a cabeça em vergonha. Eram em sua maioria, vikings das altas sociedades, instruídos, dominados pela ganância pelo poder e da dominação, mas tinham noção do que estavam tentando fazer. "Que sejamos um exemplo para os outros impérios, para o continente, para fazermos tudo de forma justa e ordenada. O Império Romano há séculos atrás o fez de maneira mais exemplar que nós!", era certo que viking e cultura não era lá uma boa combinação, mas não faria mal tentar.

"Que sejamos o exemplo da justiça, da unidade, da paz e estabilidade, e não do caos sem sentido e do derramamento de sangue motivado pelo egoísmo!", bradou, finalizando seu discurso.

O silêncio reinante ecoava cada palavra de seu discurso pelas paredes do salão, reverberavam escada abaixo e se tornavam audíveis à todos aqueles que tentavam correr, à todos aqueles que ouviam atentamente. A mensagem estava dada.

Mãos tímidas ensaiaram algumas palmas, seguidas de outras, e mais outras e outras, até que como numa avalanche o que parecia ser insignificante tomava proporções assombrosas. As palmas e os gritos de júbilo tomaram o lugar do silêncio e o lugar do caos que se anunciava havia apenas alguns minutos.

Sob aquele júbilo e aquela quantidade gigantesca de palmas e apoio, alguns estremeceram de medo. Medo do que teriam que enfrentar para fazer valer seus fins nada inocentes. Mesmo àqueles mais inescrupulosos o temor foi visível pois quando o terreno é a força bruta, dificilmente alguém se torna páreo à demonstração de força que acabam de ver e ouvir.

Estava claro que o Conselho não mais regia coisa nenhuma. Estava claro que Soluço acabava de tomar o lugar que era seu por direito.

E não o deixaria mais de lado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Olá! Espero que todos estejam bem e seguros! Peço desculpas àqueles que acompanhavam a minha história pela demora, mas prometo me dedicar à ela!
Espero que gostem, e se possível que demonstrem de alguma forma! A comunidade infelizmente está beeem parada e é uma pena, porque esse filme realmente fez parte de uma boa parte da minha vida.
Enfim, olá novamente e espero que tenham gostado.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Como Domar o seu Eu Interior" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.