Como Domar o seu Eu Interior escrita por Tyr


Capítulo 18
Tomo II - Como Criar um Reino




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Astrid estava entediada.

Se havia algum adjetivo certeiro, que pudesse denominar corretamente o que Astrid sentia emanar de todos os cantos do salão, então esse adjetivo era o completo tédio. Não é segredo para ninguém que discussões políticas são um verdadeiro jogo maçante e infinito de palavras, muitas vezes sem sentido, que trazem um significado oculto por trás de cada verbo proferido diante dos seus interlocutores, não sendo divertido ou agradável à ninguém, provavelmente nem mesmo aos que falam.

A emoção e a força que haviam sido necessárias para tornar essa reunião possível e pacífica, desapareceram e deram lugar à um verdadeiro teatro de palavras vazias. Astrid chegou até mesmo a desejar secretamente que algo de extraordinário acontecesse lá fora, para que pudesse sair correndo de onde estava sentada, com a desculpa de salvar o dia, ou algo assim.

Mas nada. Nada acontecia naquele dia, a monotonia parecia se refletir do salão em direção à toda a vila. Indo de encontro com toda a agitação do dia anterior, todos os representantes das ilhas de Driva, Bera, Eira, os Bog Burglars, entre outras, haviam se reunido no salão com Soluço e o Conselho, para discutirem toda a organização que teria o reino de Berk. Logo após o início da reunião, com todos sentados relativamente próximos do grande fogo central que ardia na mesa principal, parcialmente redonda, quase elíptica, as discussões eram parcialmente suportáveis, para Astrid e seu espírito, de aturar.

Isso não seria verdade após cinco horas de reunião, sem pausas. A jovem viking bufava quase que audivelmente sem se importar com os olhares de reprovação vindo de Soluço e Bocão, que imploravam com os olhos para que ela ao menos parecesse estar interessada.

Coitados, riu ela, internamente.

Soluço, ao contrário das outras vezes que estava diante do Conselho, ou dos mensageiros, agora tomava parte ativa na discussão, notou ela. De repente não parecia mais um pequeno garotinho, mas sim um homem seguindo os passos trilhados pelo seu pai.

Mesmo que ele não entendesse nada de política, ele mostrava que estava ali, como o líder que fizeram ele ser. Ela também não entendia muita coisa, não podia culpá-lo.

Astrid não tinha que estar ali oficialmente, como não era casada com Soluço ainda, sua única posição na ilha era como general da academia de dragões, logo, como general, ela não tinha lugar ali numa discussão daquele tipo, puramente política, que não envolvia nada de militar. Mas eles a deixaram permanecer no agradável recinto, para acompanhar a ainda mais agradável discussão. Grande bondade da parte deles.

Tudo aquilo que discutiam parecia ter sua devida importância, mas a jovem guerreira não entendia como alguém poderia ter algo ainda dentro de suas mentes para dizer depois de se digladiarem com palavras por mais de cinco horas seguidas. Ainda estava claro quando entraram no salão, não tinha mais nenhuma indicação de luz solar do lado de fora!

Astrid não estava mais apenas entediada, estava indignada com o sol que havia se retirado muito cedo.

Precisava de atirar seu machado em algumas árvores, pensou ela, precisava também controlar seus pensamentos para não atirá-lo, em pensamento, nos próximos levantariam para discursar.

"Mas ainda vamos governar Berk! Se não a gente, quem vai fazer isso?", Astrid percebeu uma voz numa oitava acima das outras, era Bocão, levemente indignado, que agora prendia sua atenção.

"Você ainda não entendeu, meu caro ferreiro", respondia um dos nobres mensageiros, que tomava sua parte importante na formação do novo Reino. "O Conselho não será apenas responsável por governar Berk, mas todo o Reino de Berk, todas as decisões sobre as outras ilhas partirão de vocês, enquanto que os representantes irão vigiá-los de perto...", continuou ele num discurso muito específico para que Astrid pudesse ter vontade o suficiente para acompanhar, mas Bocão parecia um tanto ofendido com o fato de ter destacado que era um ferreiro, enquanto que o mensageiro, um verdadeiro nobre.

Eles pareciam homens de muita instrução, aqueles nobres. Não eram poucas as referências que faziam à administração de grandes Impérios, ou de formas de governar muito específicas dos quais os vikings ali de Berk nunca nem tinham ouvido falar. Obviamente, conheciam o Império Romano, mas seus conhecimentos não iam muito além disso. Não eram versados em ciências políticas ou na arte de governar, a política de Berk sempre havia sido apenas... Stoico mandar e à todo mundo caber obediência, pois ele sempre sabia o que fazer. O Conselho nunca teve lá tanta importância porque, no fundo, cabia sempre ao chefe da ilha.

Astrid sentia uma pontada de vergonha em frente àqueles mensageiros que pareciam ser enciclopédias ambulantes.

"Enquanto que, vocês, do Conselho", continuou o mesmo mensageiro. "Serão escolhidos por Soluço, nosso rei, para governar o Reino de Berk, não apenas a ilha como faziam até agora, mas sim todas as ilhas que se juntarem ao nosso mais novo país e reíno. E também poderão ser substituídos quando sua majestade quiser", Astrid sentia uma pontada de repugnância cada vez que mencionavam o nome de Soluço com pompas majestáticas, tinha certeza de que ele sentia o mesmo pelo olhar que lançava à ela de relance.

"Ou quando a galeria dos representantes estiver contra a política que vocês estiverem fazendo..."

"Mas isso é um absurdo", exclamou Sven, levemente indignado. "Quer dizer então que podemos ser removidos do governo a todo instante?"

"Ora, meu caro fazendeiro", ele parecia sempre colocar a profissão acima do nome, notou Astrid. "Isso pode acontecer a qualquer instante não é? Afinal, cabe a Soluço quem vai fazer parte do Conselho ou não, mesmo nas regras antigas de Berk. Qualquer um pode ser removido do cargo, menos o nosso Rei."

Milhares de pensamentos passaram na cabeça da jovem viking naquele instante, que estava muito cansada para organizá-los coerentemente, mas já acendia uma luz vermelha ao longe, de que provavelmente o Conselho de agora jamais seria composto pelos que o compõem agora. Sven parece ter tido o mesmo pensamento e se sentou, completamente em silêncio.

O mesmo mensageiro, num discurso que chegava às beiradas do enfadonho, começava agora a discursar sobre comércio e tarifas que cada um pagaria, algo que nem tinha em Berk até aquele momento, tarifas. Se eles eram aliados, então faziam trocas, ora, era assim que funcionava não era? As vezes a complicação política só serve para atrapalhar a vida das pessoas, pensou Astrid bufando novamente.

Soluço nem ao menos olhava mais pra ela com reprovação, pois provavelmente estava fazendo o mesmo internamente.

Estavam todos dispostos em círculos, todos os que faziam parte do conselho se sentavam num lado da mesa principal, com a fogueira acesa na parte do meio, enquanto que os mensageiros, os nobres estrangeiros e outros representantes se sentavam nas cadeiras que sobravam da mesa quase redonda e nas mesinhas ao redor que haviam sido puxadas para perto da principal, trazendo uma proximidade não muito desejada. Astrid e Soluço estavam, naturalmente, na ponta da mesa, lado a lado, sendo a representação máxima de Berk e do próprio reino que estava sendo criado.

Bem... Soluço era a representação máxima, Astrid ainda não era, mas estava lá de qualquer jeito.

A jovem viking havia tomado uma decisão, não prestaria mais atenção em nenhum discurso, apenas no majestoso fogo que crepitava sobre as toras de madeira no centro, dançando sob o soprar do vento que insistia em passar pelas frestas das portas do Grande Salão.

Os arredores, e todas as falas carregadas de tédio, pareciam se fundir ao fogo e desaparecer sob seu jugo inquebrantável.

Às vezes, principalmente quando a interação humana ficava por demais enfadonha, o espírito guerreiro e bruto que pulsava em Astrid parecia surgir como que no desabrochar repentino de uma flor, que à medida que o dia vai e volta, ela murcha e desabrocha novamente, nunca morrendo totalmente.

Esse espírito guerreiro não era necessariamente ruim, ou violento, era apenas uma representação do quanto ela se sentia inadequada em todo esse meio de falsa majestade e robustez. Sentia falta da floresta, mesmo que houvesse estado lá pela manhã, já sentia falta de estar com Soluço e Banguela na clareira, mesmo estando lá no dia anterior.

Era uma sensação um bocado estranha, parecia que podia sentir mais claramente o que havia feito Soluço correr de Berk e ir pra floresta, era como se pulsasse e vibrasse no timbre de voz daqueles homens, políticos por natureza, algo que fosse repugnante àqueles que queriam a simplicidade da vida e a bondade no coração.

E causava um pouco de medo pensar que eram eles que mudaram tanto os seus destinos.

Que Freyja possa proteger o povo de Berk, murmurou.


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Notas finais do capítulo

Olá, espero que estejam todos bem e que gostem! :)



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