Como Domar o seu Eu Interior escrita por Tyr


Capítulo 12
Tomo I - A Clareira




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O sol despontava no horizonte, clareando lentamente tudo o que os olhos podem contemplar, banhando à todos no mais belo tom avermelhado que na natureza se é possível testemunhar. Seu calor muito bem vindo aquecia os corpos de todos que já se encontravam de pé, antes do próprio astro solar indicar que mais um dia começava.

Essa luz que provinha da estrela mais grandiosa que reinava nos céus, atravessava os vãos pequeninos que se encontravam nos cantos de toda janela por mais bem fechada que estivesse. Atravessavam os vãos e iluminavam fracamente o rosto de uma jovem viking que ainda se encontrava estendida sobre sua cama, em meio de cobertas de lã muito espessas, que em breve seriam guardadas de novo, como no fim de cada inverno, no grande baú antigo que logo aos pés da viking deitada se localizava.

A luz incidia diretamente sobre seus olhos abertos, refletindo o belo e profundo tom azulado que de longe lembrava a imensidão do mar azul misturada com flocos de neve de cor mais clara que se espalhavam ao redor. Tão fácil é de se ver a beleza da coloração desses olhos como é de se notar a força e energia contida naquela pessoa.

Uma guerreira, diriam, apenas pelo olhar.

De pouco em pouco, a luz que atravessava as frestas da janela passava a avançar cada vez mais, incidindo não só sobre seus olhos, mas começando a iluminar seus longos cabelos dourados, que brilhavam sob a luz solar como se tivesse luz própria, ressaltando a beleza que coroava a dona daquele par de olhos de personalidade tão forte e determinada.

Banhado pelo sol estava agora seu rosto inteiro, no momento a jovem quase que completamente desperta devido à iluminação que não havia sido convidada mas entrava em seu quarto da mesma maneira. Essas frestas eram impossíveis de se consertar, resmungou ela.

Se o sol havia iluminado as feições de seu rosto, e ressaltado sua beleza natural, tinha também iluminado a preocupação que estava mais que aparente em seu rosto. Astrid era uma guerreira, estava pronta para se bater de frente contra qualquer que fosse a situação que se apresentasse!

Ao menos era isso que queria que as pessoas vissem nela, um porto seguro, alguém que poderiam contar em todas as circunstâncias. E afinal, não era assim que todos acabavam vendo ela? Pensou a jovem, com um leve sorriso.

Mas mesmo a imbatível e invencível guerreira pronta enfrentar tudo e todos, tem seus momentos de incerteza.

Sentando em sua cama, os pensamentos que haviam feito com que ela ficasse acordada até muito mais tarde que o normal na noite passada, voltavam à sua consciência completamente, trazendo junto com eles, o peso que normalmente carregam, se instalando no coração e se fazendo sentir como se fossem algo real, palpável.

A preocupação que sufocava parcialmente sua respiração, tornando cada arfado de seu pulmão quase que um movimento sob pedras invisíveis, se estendia não só sobre a situação da ilha mas como a situação que ela estava agora no meio de todo esse barulho político e quase literal.

Na verdade, bem literal, corrigiu ela, levemente incomodada com a lembrança da noite interior, onde a gritaria e agitação depois do que tinha acontecido haviam se estendido até a alta madrugada.

Suspirando fundo, levantou-se de uma vez, ela não era do tipo de pessoa que costumava gastar mais do que estritamente necessário dormindo, isso significava ficar em pé até quando fosse preciso, e se levantar assim que o sol raiar.

x

Seu café da manhã geralmente era reforçado, mas simples, ela não dispensaria nunca somas de energias extra das frutas que se encontravam sobre a mesa de frente para ela, os pães recentemente feitos e o leite de iaque fervendo em suas mãos, para fazer seja lá o que precisava ser feito, mas também não fazia parte do seu costume diário comer três vezes só pela parte da manhã.

Seu lábio quase que involuntariamente se levantou levemente com um sorriso, algumas memórias cômicas vindo a mente, lembrando-se do Perna de Peixe, que no passado, quando ainda eram bem jovens, dizia frequentemente 'Mas eu ainda nem tomei meu terceiro café da manhã', como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Sorriso esse que durou apenas alguns segundos, às memórias só se tem o passado, pensou Astrid, dando lugar novamente para a feição preocupada e fechada que ocupava seu semblante desde a noite passada. Que fazer? Havia muito na cabeça da jovem, muito mais do que ela tinha capacidade de raciocinar, e a preocupação parecia tomar conta dela inteira.

Suas mãos se seguravam tão firmemente sobre o copo de leite que suas palmas haviam adquirido um tom escarlate por segurar por tanto tempo algo tão quente, sem nem ao menos se dar conta.

"Idiota", murmurou, com raiva, sem um alvo aparente.

"Filha?", disse uma voz que vinha de trás dela, voz essa que acabava de descer as escadas que levavam aos quartos, sem mesmo a jovem viking perceber.

"Mãe? Já está acordada?", Astrid disse, enquanto se virava com um sorriso forçado, para encará-la.

A mãe de Astrid era uma mulher de estatura mediana de meia idade, passando dos quarenta anos, um pouco mais baixa que a própria filha, cabelos longos louros, e olhos claros verdes como uma esmeralda.

Solveig Hofferson era uma pessoa encantadora, tanto quanto a sua filha, diriam as vozes. Era a única família que a jovem possuía, seu pai morrera durante as inúmeras guerras na época que ainda se travavam as batalhas com os dragões, logo após veio morrer seu tio Finn Hofferson de motivos que não ficaram claros, o que restava de família eram seus primos, mas nunca conversava ou se quer via eles, então, para ela, sua família era apenas sua mãe.

"Sua angústia e aflição me acordaram", disse tranquilamente enquanto passava pela filha indo em direção ao que pode ser chamado de cozinha.

"Eu...", Astrid foi tomada de surpresa. "Eu não entendo".

"Ora minha querida, se não desse para perceber pela sua cara que você não está bem, os instintos de mãe me confirmariam", explicou Solveig com o sorriso amável que era característico seu, e quase sempre presente.

Surpresa novamente, a jovem não sabia o que responder por alguns momentos, até que recapitulou suas ideias para firmemente negar o que sua mãe acabava de lhe dizer. "Ora mãe, estamos todos preocupados não é mesmo? Muitas mudanças, muitas coisas acontecendo por todo o lado", enrolou enquanto se levantava da mesa. "Com certeza eu não tenho espaço para preocupações no momento", pausou procurando por mais coisas para dizer, enquanto que sua mãe, de costas, fazia qualquer coisa na cozinha. "Seus instintos dessa vez se enganaram, afinal sou uma guerreira!".

"Minha filha...", começou Solveig num tom quase de súplica.

"Não mãe, não precisa se preocupar", disse Astrid se dirigindo à porta. "Está tudo na mais perfeita ordem".

A mãe não respondeu, mas dava-se para ouvir de longe o longo suspiro triste que escapava de seus lábios, enquanto que a jovem general parava de frente à porta, olhava mais uma vez para trás, como que para confirmar de que sua mãe não iria fazer nenhuma outra tentativa para que ela falasse, pois sabia, que se ela fizesse, todos os muros que havia erguido ao redor de si ruiriam como um muro de pedra instável prestes a desabar.

Mas aos seus ouvidos não veio nenhuma outra palavra, apenas o silêncio, e o barulho de talheres e louças indistintas.

Com um aceno de cabeça à si mesma, Astrid saiu, de cabeça erguida, como se nada tivesse acontecido, afinal, nada havia acontecido.

Se ela demonstrava à tudo e todos de que daria conta de tudo, de que era a pessoa mais forte que poderiam contar, não seria à sua mãe, agora em idade já avançada, que deixaria de dar esse suporte.

Seria para ela também, um porto seguro, sempre que precisasse.

O sol do lado de fora brilhava forte, mesmo nas horas iniciais da manhã, e nessa época do ano começava a brilhar cada vez mais, quanto mais próximo da primavera chegavam. Tempestade se encontrava deitada tranquilamente à alguns metros longe da porta da casa, recebendo diretamente o calor sobre suas escamas azuis.

Mas mesmo com o sol brilhando sem nuvens, depois de muito tempo de dias nublados, o calor dele era apenas algo para compensar o vento frio que ainda insistia em soprar. O que tornava quase impossível de se dizer que a atmosfera estava 'quente', palavra essa que faz parte muito pouco do vocabulário dos vikings quando o assunto é o clima.

Mas o que chamava a atenção de Astrid do lado de fora não era o quão brilhante estava o sol naquele dia, ou quão sem nuvens estava o céu azul acima dela. Seus passos por alguns momentos incertos começaram a se mover em direção ao Grande Salão, parecia estar delirando ou vendo errado, mas havia uma multidão enorme de gente se amontoando nas portas da entrada, não só nas portas como por toda a escadaria.

Seus olhos incrédulos se voltaram momentaneamente para o seu dragão, deitada, não dando a mínima atenção para toda a bagunça ou até mesmo à ela que saía de casa.

Revirando os olhos e ignorando Tempestade, se pôs a andar rapidamente até os primeiros degraus das escadarias do Salão, olhando para cima, ficou surpresa ao ver que realmente não era apenas uma reunião comum acontecendo, havia gritaria no ar, berros, o que tornava tudo um caldeirão de palavras impossíveis de se decifrar.

'Soluço', pensou imediatamente. Correu rapidamente escada acima, se acotovelando com as diversas pessoas meio atordoadas ou assustadas que se encontravam ou paradas ou indo na direção contrária dela, não era uma tarefa fácil, mas ninguém nega que sua força era superior do que a da maioria das pessoas que estavam por ali, o que fez com que ela conseguisse chegar sem nenhum incidente até a plataforma em frente as gigantescas portas do Salão, e ela pôde assim se dar conta de quantas pessoas realmente tinham ali.

Ela não ia conseguir entrar.

Por mais que acotovelasse todos que encontrasse pela frente, por mais que chamasse Tempestade, não era humanamente possível passar por essa multidão de gente que gritava coisas incógnitas e aparentemente aleatórias do lado de fora e do lado de dentro, sem motivo algum, mas com força e ardor no seu objetivo. Seus olhos, quase que num reflexo se voltaram para a parte inferior da escada, quando viu que na parte debaixo da escadaria alguns guardas estavam se reunindo para tentar colocar alguma ordem na situação.

Desceu degrau por degrau mais rápido do que havia conseguido subi-los, com o cuidado máximo para não tropeçar e cair indefinidamente pela escadaria gigantesca de pedra. Enquanto descia na velocidade vertiginosa, avistou Spitelout no meio dos guardas. Não teve tempo para pensar qualquer coisa que fosse, apenas se dirigiu à ele.

"SPITELOUT!", gritou, o que fez o Conselheiro e os guardas se virarem imediatamente. "O que está acontecendo?"

"Olá Astrid", respondeu Spitelout de maneira despreocupada e calma, o que em apenas alguns segundos conseguiu enfurecer a jovem general. "Todo aquele pessoal que chegou ontem se juntou com o pessoal da ilha e agora parece que estão disputando pra ver quem vai ter mais poder na direção do reino, gritando ordens aos conselheiros e mensageiros", ele explicava dando à Astrid a ideia de que era uma situação onde estava tudo sob seu controle, o que à ela as vezes realmente parecia. "Tolos", continuou, com uma meia risada. "Mas pode ficar tranquila General Astrid, pois está tudo sob controle".

"Por que eu não fui chamada ou avisada disso? Onde está Soluço?"

"Ora, eu lhe disse, está tudo sob controle", disse enquanto subia os poucos degraus que os separavam, batendo de leve no ombro da jovem, enquanto que ela apenas o observava, impassível, e ainda furiosa. "Não sei de Soluço", disse simplesmente.

A jovem, bufando e se virando para sair, foi impedida por Spitelout que segurou a mão em seu ombro.

"Astrid...", disse ele. O que, por alguns instantes, talvez imperceptível à observação comum, tenha passado nos olhos dela como algo totalmente inesperado e até mesmo, em algum lugar do seu ser, inspirado uma pontada de medo misturado de surpresa.

Mas tudo isso que se passou em uma fração de segundo foi rapidamente sufocado, dando lugar a um olhar mais que possuído de fúria, que jogado instantaneamente na face do velho Conselheiro, o fez rapidamente retirar a mão de seu ombro, levantando e mostrando suas palmas à jovem como num sinal de paz. "Apenas quero conversar".

Astrid não disse nada, apenas se manteve no lugar em que estava, seu olhos indicariam à qualquer um que desse ouvido ao bom senso que se mantivesse o mais afastado possível. E Spitelout o fez, quase que inconscientemente se dirigia para trás.

"Escute, apenas digo isso por que sou seu amigo, e de Soluço também," fez uma pausa procurando por palavras enquanto que seu sorriso voltava à seu rosto que ficara ligeiramente pálido alguns instantes atrás. A jovem continuava em silêncio, furiosa por certo, mas em silêncio. Ele tomou esse sinal como que ela o escutaria. "Como vão as preparações para o casamento de vocês?"

Ela não entendeu primeiramente o porquê da pergunta, mas diminuiu a dose de fúria, queria ver onde essa conversa os levaria. "Não é da sua conta senhor Conselheiro", que preparações? Pensou ela, estavam juntos havia um bom tempo sim, mas nada que indicasse que iriam casar em breve. Após a morte de Stoico e as complicações todas que seguiram, eles continuaram oficialmente juntos, embora um pouco distanciados um do outro.

"Você acha que o novo conselho do reino vai aprovar o casamento de vocês?", o sorriso estampado em seu rosto se tornava cada vez mais largo.

"Do que está falando?", Astrid perguntou, levemente intrigada.

"Ora essa Astrid, não seja tão ingênua, se o Soluço será nosso novo rei, não precisa de muita inteligência para descobrir qual será sua posição..."

Foi quando a jovem general, de súbito, entendeu o que ele queria dizer, foi como que um baque de uma onda gelada acertando com toda sua força o rosto de alguém que estivesse miseravelmente doente. Como poderia ela ter ignorado que a sua posição não seria mais de uma General no novo reino, ou da esposa do chefe da tribo, mas se acabasse realmente casando com Soluço sob essa nova situação, seria RAINHA! Pelos deuses! Por Thor, Odin e Freyja! Como pude ser tão burra? Pensou ela. Se sentia o peso do cargo cair sobre seus ombros e esmagá-los antes, nesse momento pareciam ter jogado uma montanha inteira sobre eles ou todos as pedras do reino. Reino! Agora até ela se acostumava a falar reino!

Spitelout, contente com o resultado, embora sabia que ela não mais prestava atenção nele, apenas olhou mais uma vez para a jovem general e talvez futura rainha e subiu a escadaria em direção as portas do grande Salão, seguido pelo seu pequeno destacamento de soldados.

Astrid, por sua vez, havia mergulhado em seu pequeno tormento interno como se o mundo houvesse sido apagado e só voltaria suas luzes quando ela conseguisse raciocinar e colocar as coisas no lugar. E tal qual uma cereja sobre um bolo, para piorar ainda mais suas dúvidas nessa situação, ninguém sabia onde estava Soluço.

"SOLUÇO ONDE VOCÊ ESTÁ?", berrou subitamente a jovem, de punhos cerrados, saindo de seu pequeno momento de crise. Atraindo olhares das muitas pessoas que estavam em volta, ela, por alguns instantes havia ignorado onde estava, e se arrependeu profundamente de ter gritado, enquanto descia definitivamente e miseravelmente o resto da escada.

Tempestade se encontrava distante à algumas dezenas de metros, não mais dormindo enquanto ignorava todo o mundo ao seu redor, afinal, quem não teria ouvido aquele grito? Estava com seus grandes olhos amarelos preocupados voltados em direção à sua dona. Ao olhar distraidamente para a Nadder Mortal que a fitava de longe, se lembrou que apenas ela mesma poderia saber onde o Soluço estava. É claro! Como que não pôde ter pensado nisso antes?

Correu até Tempestade que se levantou rapidamente, subiu sobre suas costas, e juntas voaram sob o sol que continuava a brilhar lindamente no horizonte, apesar de que, se toda a confusão do dia pudesse ser transformada em nuvens reais, o seu brilho estaria completamente ofuscado.

Mas ele, como que com um lembrete à todos, continuava ali, independente de tudo.

Voaram por alguns minutos, planando sobre o ar da manhã, com a brisa ainda gelada batendo-se de frente com seu rosto, gerando uma sensação de alívio, sem saber dizer a razão. Voaram para longe de toda essa confusão da vila, de toda essa política suja e confusa, para onde apenas a natureza tinha voz, num lugar onde apenas ela, a vários metros do chão, e a natureza abaixo, coexistiam em silêncio.

Foi quando em meio ao grande mar de copas verdes escuras, pode avistar um pequeno lugar onde estava livre de qualquer árvore que fosse. 'É ali' pensou ela, 'A clareira'. E seu coração palpitando rapidamente só pode desejar que ela estivesse realmente certa na hora de imaginar onde Soluço estaria.

Sua dúvida e leve ansiedade foram respondidas em poucos segundos, ao abaixarem a altura do voo e passarem perto do ponto mais alto dos pinheiros ao redor, puderam avistar um grande dragão negro deitado preguiçosamente perto de um lago de águas límpidas e profundas, enquanto que seu jovem dono se recostava distraído à uma pedra no canto da cena.

Astrid não pode conter o sorriso, e o ar que exalou nesse instante levou consigo toda a preocupação e ansiedade, dando lugar à um sentimento que poucos em vida conseguem explicar ou até mesmo experienciar.

Quase que por instinto, Soluço olhou para cima e a avistou, sorrindo também.


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Notas finais do capítulo

Olá, peço desculpas pela demora, esse capítulo acabou ficando um pouco maior que o comum, mas espero que não tenha ficado massante.
Espero que gostem :)



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