A Viagem de Sara escrita por Carol Coelho


Capítulo 5
Parte 5 - Sara Conhece a Loucura


Notas iniciais do capítulo

boa leitura c:



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/754384/chapter/5

(No capítulo anterior...)

Milena a puxou com uma força extraordinária para o mar revolto que as envolveu e puxou para suas profundezas. Sara se sentiu afogar por um segundo breve demais e então estava novamente sentada à copa de uma árvore outrora frondosa. Agora o que lhe restava eram alguns galhos ressequidos e folhas acinzentadas.

Sara suspirou. Era um mundo cinza novamente.

***

Porém não um cinza apático e deprimente. Era só um cinza monótono. Consternada pela realidade, ou a falta dela, Sara seguiu Milena sem proferir ruído e passaram por um caminho estreitíssimo ladeado por paredes de concreto que, ao toque de Sara, pareceram reais novamente. Ela estava confusa e só queria que aquela viagem acabasse logo. Os sons eram calmos e pareciam comedidos pelo ambiente para não assustar. Sara sentia a incerteza pesando em cada passo que dava e não tinha ideia alguma de onde vinha essa sensação, aliás, desde que havia embarcado nessa aventura, não tinha certeza de muita coisa, como por exemplo quanto tempo havia se passado. Logo, o caminho desembocou em um vale rodeado por montanhas rochosas. Vários objetos quebrados estavam espalhados pela trilha que dava em uma casinha de um tom laranja desbotado.

— Eu devo falar oi? — ouviram uma voz perguntar de trás de um arbusto. — Alias, eu devo falar qualquer coisa que seja?

— Pode sair se quiser — disse Sara.

— Eu não quero. Vou estragar tudo — disse a voz com uma risadinha nervosa pontuando a frase.

— Saia daí — disse Sara e ela saiu. Olhou as duas com olhos assustados e cansados e não abriu mais a boca enquanto guiava as duas moças para sua casa simples.

— Espero que vocês não odeiem minha casa — comentou baixinho. — Ou a cor. Vocês gostam da cor? — perguntou preocupada.

— Sim, claro — respondeu Sara. — É adorável.

— Eu pinto dessa cor há anos por medo de não gostar caso eu troque — confessou em um sussurro, como se as paredes a pudessem ouvir e ficar indignadas com o real motivo para serem da cor que eram. Seu corpo rechonchudo e baixinho caminhou entre os móveis simples e de cores opacas enquanto procurava algo para que pudessem comer. — O que vocês gostam de comer? Provavelmente não vai ter nada bom aqui, mas eu posso arrumar, nem que eu...

— Uma água só já está ótimo — a interrompeu Sara. A mulher assentiu e prontamente trouxe dois copos de água. O silêncio era incômodo e a mulher não levantou seus olhos do chão. Sua postura gritava sua insegurança. Sara queria deixá-la mais confortável, só não sabia como.

Uma porta à esquerda fazia uma barulho estranho.

— O que tem naquele quarto? — perguntou Sara.

— É só minha loucura — respondeu a mulher. — Eu não recomendo que vocês queiram a ver. Ela é perigosa.

— Bom, eu quero — respondeu Milena. A mulher a olhou com os olhos arregalados

— Realmente não acho prudente, moça...

Porém Milena já havia levantado. Com medo de desagradar as convidadas, a pequena moça puxou uma chave do bolso e abriu a porta. Assim que a maçaneta girou, o barulho cessou. Curiosa, Sara colocou a cabeça para dentro da sala e viu, acuada em um canto uma mulher com a cabeça nos joelhos. O cabelos tinham galhos e eram bagunçados, ressecados. Seus olhos não piscavam e pareciam brilhar.

— Essa é a Lou — apresentou a dona da casa. — Ela fica feroz as vezes.

Milena, impaciente, jogou uma pedrinha em Lou, que a mirou com olhos brilhantes e emitiu um leve rosnado.

— Você é biruta?! — perguntou a mocinha para Milena. — Ela é praticamente incontrolável!

— Então, essa é sua loucura? — perguntou Sara.

— Sim — disse sem graça a mulher.

Sara não sabia mais o que dizer. Os olhos da mulher encurralada pareciam a chamar para mergulhar em si, e foi o que Sara fez: deu alguns passos na direção de Lou, mesmo sob alguns protestos da mulher. Ao olhar para Milena, esta a instigava a prosseguir com o olhar. Sara esticou a mão para tocá-la, mas antes que o fizesse, uma voz grave preencheu sua cabeça.

"Conheces a sensação de estar em um sonho?"

— Sim — Sara respondeu em alto e bom som.

— Elas estão conversando — disse a mulher ao lado de Milena. — Isso não é bom, Milena, ai meu senhor...

Milena a calou com um olhar e a voz prosseguiu.

"E um sonho... dentro de um sonho?"

Antes que Sara pudesse responder, os olhos da mulher haviam se tornado espirais que a puxavam para dentro cada vez mais. Ela se pegou questionando onde era o chão e para que lado ficava o porte. Não é porte, pensou. É norte. O norte da noite escura e sem fim que se estende à minha frente. É um mar o que ouço?, se questionou. A vista de Sara se turvou e tudo ficou preto. Um ponto branco surgiu e foi se expandindo. No centro desse ponto branco, outro ponto branco a se expandir e outra espiral se formava, a engolindo. Ao seu redor via palmeiras e pinheiros, leões e girafas. Sentiu cheiro de esterco e se viu na savana, montada em um mamute feito de gelo, um gelo que não derretia sob o sol.

À frente, um deserto. No centro, um oásis. Lou estava nesse oasis, presa com correntes que se estendiam até o fundo do lago.

— Liberte.

Libertar o que?, pensou Sara.

— Liberte tudo.

Sara pulou no lago profundo e nadou até encontrar a origem dos grilhões que prendiam loucura no oasis. Loucura não queria um oasis, ela queria queimar o deserto. Assim que Sara tocou o metal, ele se desfez como fumaça e ela foi trazia à realidade de forma bruta quando sua cabeça atingiu o chão sólido da saleta cinza. Lou havia se levantado e agora pulava batendo os pés nas paredes.

Milena agarrou Sara e a puxou para fora rapidamente.

— Ela te machucou?! — exclamou a mulher, batendo a porta da saleta com força e trancando-a com a chave. O animal dentro dela batia na porta repetidas vezes, querendo se libertar. — Mil perdões, mas eu tentei as avisar.

Sara mandou-a se calar com um olhar. Ela não era uma mulher difícil de domar.

— Estou bem — foi tudo o que disse ao se levantar.

— Por que você guarda esse bicho? — perguntou Milena, sentando-se com Sara novamente no sofá.

— Lou é divertida às vezes. Em seus dias bons. Igual a mim, de vez em quando — respondeu.

Sara ainda estava atordoada com a experiência. Milena a encarava, vendo em seus olhos a alucinação que tivera. É o efeito que ela causa nas pessoas, a voz de Milena ecoou em sua mente e foi seguida de uma risada vitoriosa.

Um silêncio preencheu o ambiente.

— Vocês estão morrendo de tédio agora, né? — constatou a moça. — Inevitável. Minha presença realmente é terrível. Ainda mais depois de Lou.

Sara queria tentar explicar que não. Que ela só estava cansada e assustada. Que o dia (ou noite) havia sido muito intenso, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, a mulher havia desaparecido atrás de uma planta grande que sacudia com seus soluços. Sentiu pena e um pouco de desprezo. Sentiu raiva pois aquela mulher era incapaz de conseguir amar em verdade qualquer coisa que pudesse ser relacionada a si. Sentiu ódio do auto ódio da mulher e sentiu-se insuficiente, e isso tudo de uma única vez. Sua cabeça girava e parecia prestes a explodir. Milena, que não havia falado nada desde a chegada naquele território a puxou pela mão para a porta, revirando os olhos.

— Todos se vão sempre! E é só isso que eu sei causar! — a mulher gritou. Sara ouviu o vaso que abrigava a planta se partir. Nessa hora, Milena corria com ela na direção da árvore cinzenta e monótona, deixando para trás o grito que precedeu mais um último suspiro daquela mulher que era a pura insuficiência. Tudo o que se ouviu depois foi uma porta se partindo e o rosnado feroz de um animal enjaulado que finalmente estava livre.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Viagem de Sara" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.