Hart escrita por Ste
Aart estava sentado numa cadeira na cozinha enquanto olhava a janela que dava para o rio. Com os cotovelos apoiados na mesa e a cabeça apoiada nestes, sua expressão de tédio demonstrava perfeitamente o quão descontente estava. Aquela casa era imensa, linda, elegante. Possuía jardins, quatro suítes, uma sala com lareira, a sala de jantar, a cozinha, o hall de entrada, uma ante sala, dois banheiros sociais e mais alguns cômodos. E apenas dois empregados. Que na verdade nem eram empregados, vinham limpar a casa vez ou outra - o próprio Aart tinha presenciado isso apenas uma vez. As visitas da sua médica estavam se tornando escassas e Berg (era esse o nome, acertou de segunda) aparecia de vez em quando para informar sua melhora (como se o próprio não estivesse sentindo) e reduzir os analgésicos, anti-inflamatórios e antibacterianos.
Nem o dono ficava nela. Ele não parecia gostar de estar lá e nunca mais tinha aparecido desde que mostrou a casa para Aart.
E ao pensar nele, Aart percebeu que mesmo que muitas das suas memórias tenham voltado, suas lembranças dele se recusavam a socializar com as demais. Sua médica tinha uma teoria sobre isso, ela dizia que provavelmente ele estava bloqueando o Senhor - como ela chamava - por alguma razão traumática. Além de lidar com a amnésia consequente da batida na cabeça ainda precisava se preocupar com sua mente plantando bloqueios. Palhaçada.
O garoto pulou da cadeira quando as chaves de um carro foram jogadas na mesa a sua frente. Ele levantou a cabeça para olhar o dono da casa.
— Como você está? – o homem perguntou ao sentar-se na cadeira.
— Começando a odiar essa casa.
O homem quase sorriu, mas sua cara de preocupação não deixou.
— Eu me lembro de muitas coisas... mas não me lembro de você. – admitiu, já cansado.
Ele assentiu e o encarou por um minuto.
— Em três dias – ele começou, pondo toda sua atenção no garoto. – eu vou poder te deixar em casa.
Aart engoliu a seco. Apesar de ter insistido que queria voltar pro seu apartamento, não sabia o que pensar, exatamente. Ele obviamente queria voltar para sua casa, para seu mestrado, para os seus amigos e tudo mais. Só que... havia alguma coisa dentro dele que murmurava "mas, mas, mas".
— Mas eu ainda não me lembro de você. – o garoto externou.
— O importante é que está se recuperando, e bem. É só com isso que eu me preocupo.
O garoto puxou o ar e o deixou sair lentamente, tentando entender.
— Então... não quer que eu lembre?
O homem levantou-se, coçou a cabeça e agiu como se não soubesse bem explicar seus pensamentos.
— Eu não disse isso. – murmurou, por fim.
— Você me confunde. – Aart franziu o cenho. – Olha, – ele também se levantou. – a minha médica disse que muitas coisas podem trazer à tona as lembranças, como cores, vozes, cheiros...
— Cheiros? – o homem o interrompeu, subitamente interessado. Ficou pensativo.
— Alguma ideia? – Aart questionou esperançoso.
— Talvez... – articulou lentamente.
— Então vamos tentar.
— Eu não acho que...
— Por favor. – pediu sincero. – São as minhas memórias.
Sendo assim, o homem assentiu e subiu as escadas.
— Amanhã. – ele respondeu antes de sumir completamente.
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