Tarja Preta escrita por Maya
O fim de semana já estava próximo, assim como as provas finais da primeira unidade. A quinta-feira estava fria e úmida, tinha previsão para chuva, mas até agora nenhuma gota se quer caiu do céu. Gabriela se abraçou quando entrou no quarto de Edgar e percebeu que o ar-condicionado estava ligado.
— Você tem sérios problemas. – disse ela.
— Por quê? – Edgar perguntou terminando de ajeitar a escrivaninha para que eles começassem a estudar.
— Está fazendo um frio danado lá fora e você aqui com o ar ligado e de cueca! Poderia pelo menos ter a decência de colocar uma roupa antes de me receber!
— Você falou igualzinha a sua mãe. – riu ele procurando uma calça na bagunça interminável do pequeno quarto. – Você gosta de suco de limão? Eu fiz uma jarra.
— Não confio sem seus dotes culinários. – respondeu ela sentando-se à mesa de estudos. Depois de algum tempo fazendo com que Edgar decorasse expressões, Gabi começou a desabafar sobre a novidade que seu pai havia lhe contado.
— Só tem uma coisa que eu odeio mais do que verduras... – começou Edgar.
— O quê?
— Irmãos caçulas... Eu tenho três, posso te garantir que não é nada mágico! – respondeu olhando para o livro de matemática. – Tem certeza que precisamos estudar agora?
— Você quer se formar esse ano, não quer? – Gabi pegou o livro e colocou na frente do amigo.
— Apesar de tudo, acho que vai ser legal para o seu pai ter mais um filho... – Edgar falou tentando desconversar. – Mas não posso mentir dizendo que um irmão é uma coisa boa.
— Eu prefiro pensar que seja.
— Eles estão a todo o momento pegando minhas coisas, fazendo queixas de mim para meus pais, querendo o usar meu computador, fuçando o que não devem, comendo a minha comida... Sei lá, eu sou uma pessoa egoísta! Quando eu digo que a empada é minha, a empada é minha, entendeu?
— Não. – respondeu Gabriela na mesma hora em que o celular dela começou a tocar. - Espera um pouco, ok? – Falou pegando o aparelho. – Alô?
— Gabriela? – uma voz sexy e masculina surgiu do outro lado da linha. – Gabriela Bittencourt?
— Sim?
— Que alegria falar com você!
— Desculpa, mas quem está falando? – “Eu conheço alguém com essa voz maravilhosa?”, pensou curiosa e ao mesmo tempo feliz, sentando-se na cama de Edgar.
— Não reconhece minha voz?
— Claro... – mentiu. – Como eu poderia esquecer esse timbre incrivelmente sensual? Mas... Por que me ligou?
— Eu estava procurando o número de meu dentista e acabei achando o seu... Como você está? Estava com saudades.
— Sim, mas... De onde a gente se conhece mesmo?
— Pensei que se lembrasse de mim! A gente estudou junto da alfabetização até a sétima série.
— Oh meu Deus! – Gabriela gritou. – É você, Bimba Bimboso?! – Edgar fez uma careta ao ouvir a conversa.
— Gabi, ninguém mais me chama assim! Por favor, me chama apenas de Cláudio, ok?
— Tudo bem! É que faz tanto tempo que não vejo você!
— Podemos marcar de sair qualquer dia desses, o que acha?
— Ah... – respondeu sem graça. – Por mim tudo bem. Que dia?
- Sábado?
— Já tenho compromisso. Vou ao cinema com meus amigos...
— Que dia fica melhor para você, então?
— Eu não sei... – Gabriela suspirou olhando para Edgar que estava atento na conversa. - Ed, vá fazer a droga da atividade!
— Ed? – Cláudio riu. – Quem é Ed?
— Ninguém interessante... – respondeu ela rindo da cara que o amigo fez. – É só um irmão.
— Irmão? Ana teve outro filho?
— Não!
— Então foi o João?
— Também não, mas ele vai ter... – a garota respondeu.
— Como assim?
— A namorada de meu pai está grávida, mas o Edgar não é meu irmão de verdade. Ele é de consideração mesmo. Para com isso Edgar! – gritou quando o amigo começou a gemer perto do telefone.
— É ele quem está gemendo? – perguntou Cláudio com vergonha.
- Que tal irmos no domingo? – Irritada com Edgar, Gabriela saiu do quarto deixando-o sozinho.
— Domingo está ótimo! – Cláudio respondeu sorridente. – Estou louco para te reencontrar!
— Eu também. – disse ela sem animação, mas Cláudio não percebeu isso. – Como está sua família?
— Mamãe casou novamente.
— Ela se divorciou do Zé? – perguntou Gabi.
— Não. – respondeu Cláudio tristonho. – Meu pai morreu. – Gabriela arregalou os olhos e não falou nada por alguns segundos.
— Sinto muito. – disse por fim.
— Faz dois anos... Acidente de carro.
— Eu não queria... Desculpa, eu não sabia!
— Tudo bem, não estou chateado.
— Seu Zé era uma pessoa muito legal... Ele me dava biscoito recheado.
— Desculpa interromper o momento... – disse Edgar aparecendo no corredor. – Mas eu quero estudar matemática! Da para deixar esse celular e voltar para o quarto?
— Olha Cláudio, pode vir me buscar no domingo, ok? – Gabriela falou rapidamente. - Te mando uma mensagem com o endereço. Preciso desligar, foi um prazer conversar com você de novo!
— Espera, eu...
— Tchau. – então Gabi desligou. – Você é um idiota, sabia? – perguntou olhando para Edgar.
— Eu? Claro que não, idiota são vocês! Pareciam dois adolescentes babacas e apaixonados! – Gabriela ergueu a sobrancelha em desaprovação.
— Como se você fosse um cara maduro.
— Eu tenho 20 anos, sou um jovem adulto! É muito cansativo cuidar de pirralhos como vocês!
— Se fosse tudo isso, não precisaria de reforço em matemática, biologia, física, língua portuguesa, inglês e até educação física! – Edgar fez uma careta.
— Já estava cansado de tanta melação. – respondeu. – Agora você irá me contar tudo sobre esse Cláudio! – ele pegou o braço dela e a puxou para o quarto novamente.
— O Cláudio era o meu melhor amigo quando eu era criança.
- Amigo ou namorado?
- Amigo! Acabei de dizer que eu era criança. – ela resmungou.
— Então por que estava com aquele sorriso bobo?
- Está com ciúmes?
— De você? – ele riu. – Claro que não! Só adoro uma boa fofoca.
— É que eu não lembrava que o Cláudio tinha uma voz tão bonita. – ela suspirou. – Talvez, agora que iremos nos reencontrar, aconteça algo interessante, sabe? Uma atração, quem sabe.
— Acha que vocês podem namorar? – ele fez uma careta. – Não mesmo! Pelo menos não antes de eu conhece-lo!
— Ah, cala a boca e faz sua atividade de matemática. – disse jogando o caderno no rosto do amigo.
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