Tarja Preta escrita por Maya


Capítulo 16
Adeus, Smurff.




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— Hoje é um dia, tão especial! Mas em vez de comemorar, eu quero te agradecer! Você é o melhor médico que já tive, é um homem gentil e...

— Daniel, agradeço sua homenagem, mas creio que já está bom. – Anderson falou interrompendo o rapaz. Fazia vinte minutos que Daniel fazia homenagens para ele, apenas porque o garoto descobriu que era seu aniversário.

— Desculpe, mas você é tão... – o homem deu um lenço para ele, que o encheu de meleca. – Parabéns, Paulo!

— Obrigado... – Anderson respondeu. – Mas o meu nome não é Paulo.

— Esse será o nosso segredinho! – Daniel o abraçou. – Já estou pronto para lhe dar qualquer tipo de informação.

— Pode começar por onde quiser.

— Bem, particularmente, eu adorei sua camisa.

— Obrigado, mas não estava me referindo sobre esse tipo de informação, se é que me entende.

— Claro... Mas eu não tenho nada para falar.

— Lembra da nossa ultima consulta? Você disse que não tinha me dito tudo... Então por que não fala o que não me disse? – Daniel suspirou.

— Eu não lembro o que eu queria falar.

— Seus pais me contaram de suas crises de choro, pesadelos...

 

 

— É, mas não foi nada. - ele balançou os ombros. Sua expressão ficou um pouco mais triste.

— Como é o seu relacionamento com seus pais, Daniel?

— Por que quer saber isso?

— Porque sou o seu médico. – Anderson respondeu tentando ficar calmo.

— Ah... – Dani sorriu. – Eu gosto muito deles, mas acho que eles não sentem a mesma coisa em relação a mim.

— Por que acha isso?

— Eu costumava a tirar notas muito altas quando era pequeno, mas eles nunca ficavam surpresos. Então comecei a ir mal na escola de propósito, eles ficaram irritados no inicio, mas depois pararam de implicar. Acabei percebendo que não importa como vou na escola, eles não irão ligar, então resolvi fazer o que acho certo: Estou me dedicando novamente. Te contei que tirei dez em todas as matérias?

— Isso é ótimo! Fico feliz por ter percebido que devemos fazer o que é certo mesmo que ninguém reconheça nossos bons atos.

— Pois é, eles não acreditaram na minha capacidade, pensaram que colei ou que invadi o sistema da escola... Eu fiquei triste, fugi até de casa, mas aí eles me forçaram a vir me consultar com o senhor. Mas não é só isso...

— O que mais?

— Eles tiveram a coragem de me expulsar do funeral de minha avó! Cara, isso me deixou furioso! Eu amava aquela velha... Não poder me despedir direito me deixou muito triste.

— Por que eles expulsaram você?

— Eles não gostam de mim!

— Pode me contar o que aconteceu detalhadamente?

— Coisas normais... Pessoas chorando, velhos, pessoas de preto, um caixão, cemitério, padre, etc. Eu fiz um discurso em homenagem a minha vovó, mas parece que ninguém gostou! Eu tirei uma foto dela no caixão, quer ver? – o rapaz pegou o celular e mostrou ao médico, que franziu a testa tentando entendê-lo.

— O que é isso na testa dela? – perguntou.

— As rugas?

— Não, estou falando sobre esse desenho.

— Ah, eu que fiz! Depois do meu discurso, desenhei isso nela para sermos eternos... Acho que não funcionou, não consigo senti-la mais. Às vezes eu acho que nunca deveria ter feito nada disso... Penso que tudo teria sido melhor se eu ficasse na minha, paradão, ou então apenas chorando. Lembro que fiquei bem confuso nessa hora.

— E por que você não ficou quieto?

— Não sei... Isso acontece sempre. Quando fico muito confuso ou tenho muita pressão, acabo fazendo alguma besteira. Eu me arrependo às vezes, mas acho que não vale apena. Costumo falar sobre isso com meu amigo imaginário.

— Tem um amigo imaginário?

— Sim, o nome dele é Smurff.

— Ah... Não acha que está um pouco grandinho para isso?

— Acho que sim, mas eu preciso do Smurff, ele é o único que me entende, sabe? Ele concorda comigo, nunca ri de mim... Além disso, ele guarda meus segredos!

— Segredos?

— Sim... Droga! – gritou começando a chorar.

— Não chore, está tudo bem. – disse Anderson tentando consolar o garoto. – Não se culpe...

— Só Smurff sabe!

— Daniel, há quanto tempo você convive com o Smurff?

— Desde que minha avó morreu... Ela costumava a ser o meu Smurff, mas como ela se foi, tive de arranjar alguém. – o psicólogo sorriu ao ter uma ideia que talvez mudasse tudo.

— Tenho uma proposta para lhe fazer... – Anderson falou. – Por que não deixa o Smurff ir embora?

— Ir embora? Por que eu faria isso?

— Você não precisa mais dele!

— Claro que preciso, ele é... Ele é ele!

— Olha, vou te contar um segredo... – o homem se aproximou mais do paciente. – Eu conheço o Smurff e ele me pediu para falar com você.

— Você está mentindo! Por que ele falaria com você e não diretamente comigo?           

— Ele não te contou porque ele teve medo...

— Medo de mim? O que eu fiz para ele?

— Nada, você não fez nada. O caso é que ele está velho de mais, anda cansado, com saudade da família... Ele confia em mim, então pediu para que eu cuidasse de você e me tornasse seu novo amigo.

— Como assim? Quer tomar o lugar dele?!

— Nunca! – ele falou rapidamente. – Sabe, você se apegou ao Smurff quando sua avó morreu, talvez seja a hora de se apegar a mim e deixá-lo ir... Ele pediu para que eu te dissesse que foi embora, seu amigo não falou com você antes porque ele não gosta de despedidas! Pode confiar em mim! Eu te entendo, Daniel, pode contar seus segredos para mim, não irei rir de você e nem te julgar! Serei o seu novo amigo!

— Esse papo é serio? – Daniel riu.

— Sim? – aquilo pareceu mais uma pergunta do que uma afirmação.

— Ok... – Dani suspirou. – Promete que vai guardar segredo, Paulo?

— Prometo! – Daniel abraçou o homem.

— Você é o meu mais novo amiguinho!

— Ótimo! – o homem falou, começando a gostar de Daniel. Em toda sua vida, nunca viu um adolescente com sentimentos tão intensos, pensamentos tão complexos e com uma mente tão difícil de desvendar. Anderson via Daniel como um desafio, um desafio impressionante e desequilibrado.

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— Aonde você vai? – Paola perguntou ao filho quando este se levantou da mesa enquanto a família jantava.

— Preciso fazer uma coisa.

— Termine de comer. – Sérgio falou.

— Estou sem fome.

— Daniel, sente-se e coma logo! – Paola disse.

— Mãe, eu preciso ir...

— Você pode se encontrar com seus amigos depois! – Sérgio falou severamente.

— Mas eu não vou sair com eles! 

— Aonde você vai então? – a mãe tornou a perguntar.

— Eu preciso ir! – Daniel gritou, saindo correndo de casa.

Pegou a bicicleta e saiu pedalando até o cemitério onde Dona Conceição foi enterrada. Depois que chegou, deixou a bicicleta encostada no muro e se sentou no chão.

— Oi, eu lhe trouxe flores mesmo sabendo que você é alérgica, mas isso não tem mais importância! Você já está morta mesmo... – ele suspirou enquanto conversava com o túmulo da avó. – Acabei de sair do consultório e até que foi bem legal, sabe? O Smurff se foi, já estava na hora... Ele estava mesmo com uma aparência horrorosa! – ele ficou em silencio por alguns segundos. – Por incrível que pareça, eu sinto a sua falta... - sussurrou por fim. - Você era a única que realmente estava comigo. Sei que tenho a Gabi e o Ed, mas... Eu tenho medo! Medo que eles descubram que sou um mentiroso e parem de falar comigo... Eu não quero perde-los o que faço? – ele começou a chorar e soluçar desesperadamente. – Talvez o Paulo me ajude com tudo isso... Sei que te prometi que deixaria tudo isso para trás, mas acontece que tudo isso ainda me machuca muito. – ele suspirou e se levantou do chão. - Tchau vovó. Sinto sua falta. 


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Notas finais do capítulo

O que vocês acham que aconteceu com Daniel? O que será que ele esconde?



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