Tarja Preta escrita por Maya
Gabriela abriu os olhos sabendo que o dia seria muito chato. Teria aula de historia logo no primeiro horário e não teria ninguém para fazer a Dona Miranda enfartar, já que o Daniel foi suspenso por três dias.
— Gabriela! – berrou novamente Ana – Você vai se atrasar para escola!
— Que droga! – murmurou a menina se levantando tentando unir toda sobriedade para evitar bater o dedo mindinho em algum objeto. Ela se olhou no espelho e gostando do modo como seu cabelo amanheceu, escovou os dentes e vestiu a farda.
— Você tomou banho?! – perguntou Ana quando a menina apareceu na cozinha para o desjejum.
— Claro, mãe. – mentiu.
— Não ouvi o barulho! - Gabriela fez cara de magoada e sua mãe decidiu acreditar nela. – Então tem dinheiro para o lanche?!
— Não. – Mentiu novamente. Seu pai tinha dado trinta reais a mais na mesada como bonificação por ela ter ido ao aniversário da madrasta. Dando um longo suspiro, Ana abriu a carteira e entregou dez reais para a filha. – Só isso?
— É o suficiente.
— Então estamos falindo! O que tem feito com a minha pensão?! Gastou no cabelo?! – Ana abriu a carteira e deu mais cinco reais para a menina.
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— Gabi! – Edgar chegou correndo.
— Por que toda essa felicidade matinal? – perguntou de mau humor.
— Você tomou banho? – Edgar fez uma careta ao cheirar a amiga.
— Isso não importa! – Miranda, professora de história, entrou na sala de aula e se sentou em sua cadeira.
— Bom dia. – a velha falou. – Estarei fazendo a chamada.
— Dá para acreditar que essa caquética namora um cara bonitão? – Gabi sussurrou para Edgar. – Ela nem é rica!
— Pelo que sei, ela não está mais com o galã de novela... Acho que ela terminou depois que pegou ele a traindo! Parece que a dona Miranda está saindo com o porteiro Caio.
— Quem disse isso a você? – Gabi perguntou impressionada.
— A Heloá. – respondeu ele. – Estive com ela ontem!
— Edgar. – a professora chamou.
— PRESENTE! – berrou o menino. – Continuando, você quer algum chiclete? – Gabi respondeu que sim com a cabeça. – Toma.
— Valeu! – ela sorriu. – Sinto a falta do Dan aqui... Não posso acreditar que aquele miserável foi suspenso!
— Cara, ele bateu em um garoto sem motivos! Sabia que o menino que foi agredido quebrou o maxilar apenas com o soco que o Daniel deu?!
— Por que diabos ele fez isso?
— Eu desisti de entender o Daniel há muito tempo, ele sempre está mudando de humor e ontem nem sei o que aconteceu... Só lembro-me dele gritar com você e depois dar um murro no garoto.
— O menino que apanhou é do primeiro ano, né? – Edgar fez que sim com a cabeça. – Eu não entendo... Não teve motivo algum para o Daniel ter feito isso.
— Notei que o Dani tem andado meio triste.
— Sei, também achei isso.
— GABRIELA! – a professora berrou pela terceira vez.
— ESTOU AQUI! – respondeu ela levantando a mão. – Odeio essa velha e a aula ainda está apenas começando! Raiva!
— Nem me diga...
— Eu quase não vinha para a escola hoje, sabia? Minha mãe me forçou.
— Eu também, hoje de manhã foi um inferno em minha casa! Sabia que a Janaina já tem peitos?
— Normal, sua irmã é mulher. – resmungou Gabriela.
— Mas ela já tem peitos! Tenho de me preocupar?
— Está se referindo ao quê, exatamente? A sua irmã ou ao peito dela?
— Não sei... Estou com medo de que ela arranje um namoradinho.
— Ed, ponha uma coisa em sua cabeça... – ela começou tocando no ombro do amigo. – Tudo, tudinho, tudo mesmo, tudo o que você fez com as irmãs dos outros, irão fazer com sua irmã. – ele abriu a boca.
— Eu não irei admitir!
— Chega de conversa paralela! – Miranda falou.
— O sonífero vai começar... – sussurrou Gabriela, deitando em seu próprio braço.
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— Bom dia! – disse Anderson assim que Daniel entrou na sala, mas o menino apenas suspirou e se deitou no divã. – Então, como está se sentindo essa manhã?! - O menino pegou o celular e digitou por alguns instantes, depois o entregou ao seu psicólogo, que ficou confuso, mas acabou lendo o texto: “Mamãe me proibiu de falar com meus amigos... Então não podemos conversar hoje, Paulo.” – Por que sua mãe te castigou, Daniel?! – O menino deu de ombros. – Sabe que pode falar comigo se quiser... Eu não contarei a ela! – O menino pegou o celular da mão do medico e tornou a escrever, entregando-lhe em seguida. “É errado desobedecer e eu vou saber que menti...”- Hora, não seja bobo! Sua mãe não te proibiu de falar com seu melhor amigo, apenas com seus amigos.
— É verdade! – disse o rapaz depois de pensar por um tempo. - Meus pais me odeiam, Paulo... Acredita que me colocaram de castigo por um mês só porque fui suspenso?!
— E o que você fez?!
— Nada de mais, apenas bati em um garoto!
— E porque bateu no garoto?! Ele te ofendeu? Magoou?!
— Não, eu nunca vi aquele menino antes... – respondeu ele dando de ombros. – Mas eu estava com muita raiva.
— Por quê?!
— Não quero falar sobre isso. – ele suspirou. - Ah Paulo, estou tão confuso...
— Você precisa ser mais claro comigo.
— O que faria se quisesse muito uma coisa?
— Do que exatamente estamos falando?
— De uma coisa que fosse realmente importante para você... O que faria se as pessoas tentassem impedir?!
— É uma coisa ruim?!
— Não... – ele pareceu reconsiderar - Talvez para os sapatos!
— Fará mal a alguém?!
— Não exatamente... – murmurou.
— Fará bem a mais alguém além de você?! – ele parou para pensar.
— Sim... – disse por fim.
— Então eu conseguiria essa coisa! – respondeu Anderson.
— Isso! Você é o melhor Smuff que já tive! – ele se levantou do divã e saiu correndo do consultório antes que o seu tempo se esgotasse. Ele tinha apenas uma certeza: Adotaria um cachorro mesmo que seu pai fosse alérgico.
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— Não acredito que ainda estamos no segundo horário! – disse Gabi assim que acabou a aula de historia. – Tenho certeza que toda terça feira as horas são maiores do que o normal!
— Esse satanás. – murmurou Edgar – Eu juro que quando essa velha morrer, vou dar uma festa de comemoração! Como ela pode dizer que tenho algum problema mental só porque perguntei se Tiradentes era banguelo?!
— Ah, cala a boca. – rebateu Gabriela. – O dia sem o Dani é muito chato...
— Podíamos filar a aula e ir visitá-lo!
— Nem pense nisso, queridinho... – uma garota loira e magrela apareceu do nada. – Você prometeu que iria sair comigo depois da aula!
— Quem é essa? – Gabriela perguntou fazendo uma careta.
— Meu nome é Heloá. – a menina respondeu sorrindo. – E então, querido? Você não vai me abandonar, vai?
— Eu volto para lhe buscar... – Ed falou alegremente, fazendo Gabriela simular um vomito.
— Ah... – Heloá se virou para Gabi e se inclinou para ela, deixando seus peitos amostra. – Você também pode vir, se quiser... – falou tentando parecer sexy. Gabriela forçou um sorriso enquanto Edgar ria. – Qual a graça?
— Nada! – Respondeu Edgar prendendo o riso. Heloá revirou os olhos e olhou novamente para Gabriela. Todos da escola chamavam Ed, Dani e Gabi de “Trio dos Esquisitos”. Achavam Daniel maluco de mais, Edgar burro de mais e pensavam que Gabriela era lésbica.
— Vejo vocês depois então... – disse ela piscando o olho para a garota.
— Que horror! – Gabi disse assim que Heloá sumiu de vista.
— Ela é gostosa... – Edgar respondeu dando de ombros.
— Eu não entendo porque acham que sou lésbica! – resmungou Gabriela.
— Sabe, talvez seja porque você... Bem...
— Eu o que, Edgar? – perguntou ela irritada.
— Você nunca fica com ninguém da escola. Acho que acabam pensando que você gosta de mulheres.
— Mas eu também nunca fiquei com mulheres. – Gabriela riu. – Isso não tem lógica nenhuma!
— Eu sei, mas as pessoas são idiotas.
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— Eu não acredito que te encontrei! – disse Daniel olhando para um cachorro muito magro e sem uma das patas. Mesmo o animal estando muito sujo e mal cuidado, o garoto ajoelhou no chão e o abraçou sem medo de ser mordido. – Tripé, por onde você andou? Eu já não disse que ninguém pode saber que você mora comigo?! O que minha mãe vai achar quando ver o lixo revirado? Provavelmente vai me colocar de castigo... Droga! Agora terei de limpar sua sujeira! E não me olhe assim! Não cola! Você sabe que fez coisa errada, então já para o castigo!
O menino passou boa parte da manhã arrumando a bagunça do seu novo amigo com pelos. Tripé fora brutalmente maltratado pelo seu antigo dono, assim disse a cuidadora do canil onde Daniel o achou. Claro que tinha bichos em melhores condições, mas nenhum chamou tanta atenção do rapaz como aquele cachorrinho aleijado e arteiro. Foi amor à primeira vista, e mesmo sabendo que o animal teria suas limitações, Daniel achou justo dar a ele a oportunidade de viver em um ambiente saudável e amoroso.
— Não Tripé! – disse ele enquanto o cachorro se debatia na banheira – Você tem que ficar bonito, o que as pessoas vão dizer se te virem na rua assim? Basta o desgosto que a Rafina já me deu por ter engravidado daquele desalmado do Teobaldo... Pobre Rafina. – o menino fungou quando a campainha tocou. – Vai se ensaboando, ta bom?
— Fala, pivete! – disse Edgar entrando assim que Daniel abriu a porta, sendo seguido por Gabriela.
— O que estão fazendo aqui?
— Viemos dar uma olhada em você! – respondeu Gabriela.
— Já olharam. – disse ele apontando para a porta.
— Está nos expulsando?! – perguntou Edgar se jogando no sofá. – A cada dia que passa, te acho mais parecido com a Gabriela.
— O que deu em você? – perguntou Gabriela ignorando Edgar e dando um beijo na bochecha de Daniel.
— Não adianta me comprar com seus beijos nojentos, Gabriela Bittencourt! – rebateu ele.
— Isso é amor reprimido! – disse Edgar fazendo Gabriela rir e Daniel dá um muxoxo.
— AU! – Tripé latiu do banheiro.
— Já to levando a toalha! – berrou Daniel saindo e deixando os amigos confusos.
— Isso foi um latido? – perguntou Edgar - Caraca, isso foi um latido! – O rapaz saiu correndo para ver o novo integrante da família Vasconcelos enrolado em uma tolha felpuda. – Você adotou um pulguento!
— Não, Tripé não tem pulgas. – disse Daniel dando de ombros. – Só algumas, mas são filhotinhas...
— Achei que seu pai tinha proibido a entrada de cães nessa casa! – disse Edgar.
— Hum, meu psicólogo disse que era para eu adotar um cãozinho... E o Paulo sempre tem razão.
— Sérgio concordou?
— Claro que não! Isso que eu chamo de viver intensamente!
— Claro, estou sentindo a adrenalina daqui... – ironizou Edgar. Daniel carregou Tripé, que rosnou quando Edgar se aproximou do amigo.
— Não seja malcriado! – Resmungou Daniel. - Eu sei que ele tem um cheiro estranho, mas ele é uma boa pessoa! – Edgar fez uma careta.
— Há quanto tempo está cuidando desse animal? – perguntou Edgar.
— Tripé me conheceu hoje de manhã. – disse Daniel – Mas ele tem feito um bom trabalho... Ele conseguiu abocanhar uma barata hoje, e me salvou de ter de ficar o dia todo em cima da cama. Onde está a ruiva beijoqueira?
— Ela disse que ia cozinhar alguma coisa... – resmungou Edgar. – Seja o que for, não olhe para o prato com cara feia e force um sorriso. Sempre funciona quando ela faz algum prato incrivelmente sem sabor lá em casa.
— Você gosta muito dela, não é?! – Daniel riu. – Dá ultima vez que a Gabi assou uns biscoitos para mim fiquei com uma baita dor de barriga!
— Pense no ponto positivo, agora temos o Tripé para comer por nós... – disse Edgar esperançoso.
— Nem pensar, meu filho não come porcaria!
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