Quantas dúvidas escrita por DiHen Gomes
Acho que cheguei muito cedo. São cinco e vinte e ninguém chegou ainda para o ensaio do teatro. Estou um pouco nervoso, pois o teatro é muito diferente do que sempre fiz. No Mídia sempre fiquei escondido atrás das câmeras. Se eu apresentar alguma peça, estarei do outro lado da lente! E na frente dos jovens!
— Olha só quem veio! — diz a obreira Bia, que entra na igreja junto com os demais jovens do teatro, todos bastante casuais. Pensei que, sendo dia da Terapia, pelo menos as meninas estariam bem-arrumadas. Não que eu queria vê-las bem-arrumadas, apenas pensei que era assim. — Hoje a gente ensaia o Vai valer a pena!
— Mas precisa de seis, obreira — diz Duda, a jovem magrinha de cabelos enrolados. — Falta um.
— A gente faz com cinco. Quem podemos tirar?
Enquanto a obreira Bia e a Duda discutem a alteração na peça, Lyvia, a jovem que toca teclado e canta no Conexão, abre a sala do FJ, onde fica o armário com tudo que já foi usado em teatros anteriores. Não tem muita coisa, pois até hoje só tivemos peças simples, com no máximo quatro personagens. Na mesma sala reparo a mesa vazia. Onde está o notebook da FJ? Poxa, o pastor poderia comprar um para a Escolinha; tenho certeza de que foi o pessoal de lá que encheu o sistema de vírus.
Lyvia pega dois vestidos brancos bem grandes. Chamo de vestidos porque não sei o nome correto. Seria vestes, como está na Bíblia? Ninguém fala vestes hoje em dia. Lyvia entrega um deles para mim, dizendo que farei o papel de Deus. Nossa, que responsabilidade! Mas é também para isso que estou aqui: para ser mais corajoso.
Em poucos minutos a Duda passa o teatro para nós e começamos o ensaio, cena por cena. Porém ninguém trocou de roupa.
— Obreira, no ensaio vocês não usam a roupa certa já? Por que vai que dá diferença? Tipo eu, nesse vestido meus passos vão ficar mais curtos.
Bia arregala os olhos para mim, e Duda solta uma risada.
— Vestido, Meck? Isso é um roupão! E não vai te atrapalhar dando passos de moça, não!
Finjo rir bem fraco, e as meninas voltam ao ensaio, enquanto seguro o roupão pendurado no braço. Chega minha parte e demoro tantas tentativas para pegar que o tempo do ensaio termina e apenas eu fico em dúvida se minha parte ficou boa.
— Ficou bom sim, Meck — diz a obreira ao formarmos a roda para fazer uma oração de entrega. — Qualquer coisa, sábado venha uma hora antes do Conexão para repassarmos.
— Legal — respondo com pouco ânimo. Ainda não estou muito preparado para usar aquele vestido na frente dos outros. Dá uma mistura de medo com adrenalina que até fraqueja minha voz. — Mas e… a… foto… grafia? A-hem! A senhora fica com a…?
— Eu mesma tiro algumas fotos do teatro pra você — Bia responde suavemente.
Após a oração todos vão para os primeiros bancos, e eu dou alguns passos para a porta. Espero que aquela confusão com o nome da peça de roupa não deixe uma má impressão de mim.
— Meck, Meck!
Não sou adivinho, mas aposto que a obreira Bia vai me chamar para a…
— Terapia!
— Não, obreira, eu não gosto disso.
Na verdade eu até gosto, mas me sinto mal nessa reunião. Vejo as meninas todas ajeitadas (não tanto quanto domingo), mas nunca dão bola para mim, e isso faz parecer que nunca vou conseguir ninguém aqui.
— Meck, você precisa ficar. Posso ver em seus olhos que você não está contente com sua vida sentimental.
Minha vida sentimental? Nem sei o que é isso!
— Não, não quero ninguém, obreira. Nem posso, preciso me preparar ainda. Faltam algumas coisas pra eu ficar pronto…
Uma condição econômica melhor.
— É pra isso mesmo a Terapia, pra você se preparar.
Como a única coisa que eu farei hoje em casa é dormir mais cedo, resolvo dar ouvidos à obreira. É difícil resistir à voz de uma mulher, ainda mais quando ela, mesmo sendo alguém totalmente fora do meu alcance, é tão interessante e atenciosa. Fico na palestra, mas não darei muita atenção. É só para não ser mais importunado.
Pensando bem, vou participar com atenção. Preciso.
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