Consigo chegar à casa da tia Gi antes de o Bruninho sair. Gi serve um bolo de cenoura para nós antes de irmos à igreja. Ela senta na mureta ao meu lado com rosto triste.

— Oi, Felipe. E o Paulinho? Alguma notícia?

Aqui estamos em família, então não tem porque esconder.

— Nada ainda, tia…

Ela suspira e baixa um pouco a cabeça. Bruninho, com a boca cheia de bolo, franze as sobrancelhas.

— ...mas não se preocupa não, tia. Ih, ele vai aparecer logo.

— Já faz duas semanas, e a polícia não achou nada? — Bruninho diz depois de engolir.

— Que polícia?

— Cara, você não registrou o B.O. ainda?

A tia fica mais encabulada que o Bruno.

— Relaxa, eu vou lá amanhã.

— Felipe, você não tá com medo? — Gi fala com preocupação nos olhos. — Quero dizer, Paulinho é praticamente um bebê. Não pode ter saído andando sem rumo. E se… alguém…

— Não, tá amarrado, tia! Queimado isso aí! Ele deve estar em algum abrigo, tipo... uma carrocinha pra gente.

Tanto Gi quanto Bruno reagem com cara de asco ao meu comentário. Não achei a palavra correta, e isso saiu na hora. Quando preciso falar, eu falo, mesmo sem saber como, mas sai de um jeito ou de outro.

— Perigoso ainda você perder a guarda dele.

— Relaxa, tia! Vai dar certo, vai arrebentar!

Ela não mostra nenhum sorriso, nem quando tento lhe fazer cócegas. Subo com Bruno à igreja rebatendo seus comentários negativos. Sei que o Paulinho está bem, só preciso saber onde está. Não é à toa que pagamos impostos! Polícia, escolas, creches, está tudo aí para garantir a segurança da população, e enquanto temos um bom governo, estou tranquilo. E mesmo que não tenhamos, Deus está no comando. Não tem para ninguém. Paulinho tem que estar em algum abrigo, mas ainda não fiz tempo para visitar cada abrigo da cidade. Vou ver se faço isso amanhã, que não trabalho.

Parece que o mundo todo está cobrando a presença do Paulinho. Na igreja as obreiras perguntam por que não estou levando meu filho para a Escolinha, e só respondo que ele está com a tia Gi. Sorte que o Bruninho nunca está perto para falar a verdade.

Não que esteja mentindo, mas não precisam se preocupar com meus problemas. Está tudo na mão de Deus. Mesmo eu fazendo o B.O. amanhã, continua tudo na mão de Deus.

Tanto que estou vendo lá na frente. Depois de recuperar o Paulinho, vou voltar a estudar. Farei faculdade e serei biólogo! Vou estudar os bichos por dentro, uma vontade que tenho desde sempre.