Quantas dúvidas escrita por DiHen Gomes


Capítulo 20
20 - Bia




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Senhor, tudo que quero é ser usada para salvar almas. Sei que sou imperfeita, pois mesmo quando não vejo meus defeitos, ainda os tenho. Mas, meu Deus, me limpa para que eu possa dar frutos. Oh, Deus, conta comigo, eis-me aqui. Usa-me, minha vida é tua.

Após a oração final termina a reunião da liderança e voltamos cada um para sua casa: eu para um lado e Meck para outro.

*

Parece uma provação! Hoje avisei bem cedo que iríamos evangelizar com toda força, e ninguém apareceu na igreja ainda. Pelo jeito vou sozinha, mesmo que o pastor Carlos fique bravo comigo. Não posso ficar aqui parada quando tem tantos jovens precisando de Deus lá fora. Pego meu monte de jornais e vou para o bairro atrás do quarteirão da igreja, sozinha mesmo. Além de ser parte da minha oferta de sacrifício.

Passo por algumas casas onde ninguém atende. Passo por alguns homens desrespeitosos que só devo ignorar. Cansada de andar sem conseguir levar a Palavra nem uma única pessoa, insisto por quase dois minutos batendo palmas na mesma casa laranja.

Meu Deus, eu não estou pedindo uma bênção na vida financeira ou sentimental, nem nada material; só quero ser usada por Teu Espírito. Meu pai, conta comigo!

— Oi. — Alguém diz no cantinho da cortina da janela da frente, quase imperceptível daqui do portão.

— Oi, senhora, a senhora pode vir aqui? Queria te fazer um convite.

— Não! Vai embora, moça. Não quero nada hoje.

A voz daquela senhora fraqueja na frase final. Como se estivesse chorando. Posso não enxergar direito de longe, mas percebo que ela está precisando de apoio neste momento.

— Dona, tá tudo bem?

— Não é ninguém, não — ela grita para alguém dentro da casa. — Moça, eu agradeço, mas não quero nada.

— Então vou deixar pra senhora o convite, tá?

Meu Deus, me inspira, pois eu não aceito perder essa alma. Estou percebendo que tem um mal aí, e não saio daqui até esse bicho…

Enquanto falo com Deus em pensamento, a porta da se abre.

— Obrigada — a senhora diz enquanto pega o jornal direto de minhas mãos. Seu rosto avermelhado combina com os olhos cheios de veias e brilhantes. Ela funga algumas vezes, e seu rosto parece apertado.

— Dona, aconteceu alguma coisa? Posso ajudá-la em algo?

Por cima do portão baixo eu estendo o braço para apoiar a mão no ombro dela. Em resposta, seu rosto se ilumina e seus olhos vêm à minha direção. Ela pensa por alguns instantes, e não recua o passo.

— Moça, não sei o que fazer. Minha filha não quer sair do quarto, já faz três dias. Ela não come, não vai no banheiro, e… eu… não sei… o que fazer.

A senhora leva uma das mãos ao rosto abaixado para secar mais lágrimas. Ela respira fundo e engole seco, apertando ainda mais a expressão dolorida na face.

— O que faço, moça? Não sei como… quem…

— Ei, senhora, eu posso entrar pra conhecer sua filha?

— Ela não vai te ver.

— Posso ao menos tentar?

— Não, moça, não adianta. Ela não quer ver ninguém. Ela precisa de ajuda…

— Eu posso ajudá-la. Com certeza posso.

— Não, eu agradeço, moça, mas preciso entrar.

Fico só na frente portão, ainda com o braço estendido, quando a senhora volta atrás e se fecha na casa. Mais um quase.

Oh, Deus, ela quase aceitou pelo menos ouvir. Por quê?

Mas não é com Deus que eu preciso falar agora.

Bicho desgraçado, saia dessa casa agora! O que estiver na cabeça daquela menina, saia de lá agora!

Deixo a casa na certeza de que voltarei no outro dia para receber uma boa notícia, e parto para a próxima, pois ainda tenho praticamente todos os jornais com os quais saí da igreja.

Coloco os jornais embaixo do braço com dificuldade para conseguir as mãos livres para bater palmas na casa seguinte, e ouço um grito.

— MOÇA! Minha filha, ela tá te chamando! — Quando me aproximo ela continua: — Você já conhece a Thalia?

Esse nome não me é estranho, mas não sei se conheço alguma Thalia. Não importa, atendo ao clamor dessa mãe e vou até sua filha. Uma jovem de cabelos ruivos bagunçados, com rosto amarrotado e olhos profundos. O quarto está cheio de bonecas desfiguradas, caixinhas de maquiagem abertas e pedaços de pano espalhados. Thalia se senta na cama quando eu me aproximo. Ela olha para sua mãe.

— Acho que, por você ser menina, ela quis te atender.

Thalia enxuga o rosto com a manga da blusa azul-bebê cheia de corujinhas brancas desenhadas. Tento puxar assunto com ela, mas Thalia não responde. Não entendo por que ela me chamou se não quer conversar. Trago à tona tudo que consigo lembrar que as meninas do mundo gostam. Maquiagens, roupas, músicas românticas… Não sei muito bem o que mais posso dizer, pois nunca fui do mundo. Nada que digo provoca uma reação em Thalia.

Parto para outra direção. Direto ao ponto, convido-a para o Conexão, e peço à sua mãe que me permita vir buscá-la e trazê-la de volta no sábado a tarde. Thalia ergue o rosto alguns milímetros, e sua mãe repete minha pergunta para que Thalia responda.

— Vamos, o que você tem a perder?

Após alguns minutos, Thalia acena positivamente com a cabeça. Fecho o dia contente, e contagio até a mãe de Thalia, que me acompanha ao portão falando de como Thalia não se abria com ninguém há dias, e me agradecendo.

Não é a mim que você deve agradecer, penso quando caminho para a casa seguinte. Eu também devo agradecer. Obrigada por contar comigo, meu Pai querido, te adoro.


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