“Kentin!?” Samuel cobriu o ouvidos com um timing perfeito quando seu irmão gritou o nome do rapaz, claramente já esperando essa reação há algum tempo. A expressão de Cédric não era nem um pouco amigável. Ele quase parecia querer enterrar Kentin vivo.

“Sim, Kentin. Por favor, não grite o nome dele assim. Você sabe que nossos pais também não gostam dele, e eu... Não quero ter que mudar de colégio de novo tão cedo.” Sam tentou acalmá-lo, apesar de não ter certeza se estava tendo tanto sucesso assim. Cédric respirou fundo.

“Eu sei! Ninguém que goste de você e saiba o que ele fez poderia gostar daquele cara!” Respondeu, ainda meio agitado. Sam colocou a mão em seu ombro para tranquiliza-lo.

“Eu também sei disso. Eu preferiria passar o resto da minha vida sem nunca mais vê-lo. Mas, sério, não quero mudar de novo. Não agora. Eu quero... Pelo menos tentar fazer amigos por lá.”

“Certo, certo... Me fale mais sobre as pessoas legais. Talvez isso me ajude a ficar mais calmo.”

Sam então decidiu lhe falar sobre as pessoas gentis que havia conhecido até agora, dando uma ênfase em Nathaniel mesmo que sem perceber. Mencionou sobre a garota Kymo, que aparentemente era reconhecida no colégio por ter uma natureza gentil e disposta a ajudar, apesar de carregar um taco de baseball por ai.

“Faça amizade com ela.” Cédric sugeriu com um meio sorriso. “É sempre bom ter uma guarda pronta para atacar ex-estudantes do colégio militar sem respeito por garotos muito mais incríveis do que eles.”

“Obrigado, mas... Eles são amigos, eu acho? Kymo parecia um pouco desconfiada quando Kentin mencionou que nos conhecia, como se tivesse tido alguma experiência anterior ruim com isso. Não sei se especificamente com Kentin, entretanto.”

“Oh, isso é normal.” Ele deu de ombros, como se já tivesse lidado com isso múltiplas vezes, e Sam sabia que era verdade. “Ainda assim, ela provavelmente poderia acabar sendo uma boa amiga, se estiverem certos sobre ela. Além disso, se ela for amiga dele mesmo, quem sabe finalmente Kentin possa mudar um pouco com a ajuda certa?”

Sam hesitou, provavelmente não confiando muito na ideia. Cédric suspirou profundamente.

“É, eu também não tenho muita certeza disso. Mas vale a pena tentar.”

Decidiu continuar falando.

Falou um pouco sobre Castiel, mencionando que ele parecia um tanto quanto intimidador e que Nathaniel — alguém que claramente já havia recebido o Selo de Aprovação de Cédric — não gostava dele. Entretanto, ao ver a expressão do irmão mudar novamente, Samuel fez questão de dizer que talvez ele não fosse tão ruim assim. Afinal, havia visto ele no parque hoje mais cedo e ele não parecia exatamente intimidador nem odiável pelos padrões de Nathaniel. Consideraria a expressão neutra de Cédric como um “OK, prossiga.”

Esperava não ter se empolgado demais ao falar de Lysandre. Sim, achava ele atraente, e talvez estivesse realmente procurando por algumas desculpas para falar com ele, mas certamente que era apenas uma pequena paixonite. Não tinha ainda como ter certeza se aquele sentimento seria duradouro ou simplesmente passageiro.

Após alguns minutos, Cédric levantou-se de onde estava, checando a hora em seu celular:

“Hm. Já está bem tarde.”

“O-oh! Isso... Isso significa que você tem que voltar, certo?”

“Infelizmente, sim. Mas não se preocupe, Sammy. Farei minhas provas finais do semestre essa semana, então, daqui a uma semana, quando eu voltar, você vai ter que me aturar por duas semanas inteiras!”

“Oh não, que pesadelo!” Samuel respondeu, de brincadeira. Cédric bagunçou o seu cabelo mais uma vez, como se eles já não estivessem desarrumados o bastante.

“Bom, espero que fique bem durante essa semana. E se Kentin ao menos tentar fazer qualquer coisa contigo... Deixa que eu lido com isso.”

Nada de realmente especial aconteceu depois que Cédric voltou ao campus da universidade, além do fato de que Sam ficou assistindo desenho animado até tarde no sábado (e chorou algumas várias vezes). Por outro lado, domingos estão fadados a serem chatos.

Então, começamos agora uma nova semana, é segunda-feira.

Samuel estava no pátio, tentando pensar em alguma desculpa para falar com Nathaniel — insistir naquela história dele parecer muito cansado certamente não seria nada eficiente, especialmente numa segunda-feira onde ele poderia argumentar que o início da semana faz isso com todo mundo. Estava bastante distraído, até que a voz de Kymo o tirou de seus pensamentos.

“Hey, projeto de Bad Boy!” A garota gritou. Estava bem próxima do portão, ao lado do rapaz de cabelos negros que tinha quase certeza já ter visto antes, apesar de não saber o nome dele. Claramente os dois haviam acabado de chegar juntos, mas Kymo parecia estar falando com Castiel, do outro lado do pátio, que havia interrompido sua conversa com Lysandre para responde-la.

“Oras se não é a minha tábua favorita. Me diz, você toma banho de braços abertos pra não ter perigo de entrar pelo ralo?” Ele respondeu, apesar de que seu tom era mais de brincadeira do que realmente algo feito para ofender. Samuel decidiu que estava curioso e continuou ouvindo — algo não muito difícil, porque da forma que estavam falando, era quase como se eles quisessem ser ouvidos por todos.

“Só se você me contar se é verdade aquilo que me disseram sobre você ter chorado por mais de uma hora quando uma das cordas da sua guitarra arrebentou.”

“Eu não sei, porque você não vem aqui e diz na minha cara quem foi que te disse isso?”

“OK, então!” Ela respondeu, com um largo sorriso no rosto.

Kymo entregou o taco de baseball para o rapaz ao seu lado, logo em seguida correndo em direção de Castiel com uma confiança extrema para uma garota tão baixa ‘confrontando’ um rapaz tão alto. Castiel, que até o momento estava de braços cruzados, abriu os braços no último segundo, abraçando a garota com força e talvez até a levantando do chão alguns centímetros, ambos começando a rir quase que imediatamente.

“Foi Iris que me contou aliás. Ela me disse que você ligou pra ela às dez da noite ainda chorando pela corda.”

“Iris, sua traidora, como pôde?” Os dois voltando a rir novamente.

Lysandre parecia ter uma expressão levemente julgadora, apesar de também aparentar estar se divertindo com aquilo. Enquanto isso, o rapaz de cabelos negros se aproximava calmamente da cena, ainda com o taco de baseball em mãos, como se já estivesse bastante acostumado com aquilo, e juntando-se a Lysandre, como se ambos estivessem apenas esperando o pequeno show de afeto em público deles acabar para que pudessem voltar às suas respectivas conversas.

“Eles fazem isso todo dia.” Ouviu a voz ao seu lado. Sam levou um leve susto antes de perceber que Nathaniel havia sentado ao seu lado enquanto se distraia com Castiel e Kymo.

“Eles são namorados ou algo assim?” Samuel perguntou, sem conseguir conter a curiosidade.

“Kym e Castiel? Não, não. Eu acho que eles só realmente apreciam a companhia um do outro.” O tom de Nathaniel não parecia muito agradável. “As segundas-feiras são os piores dias. Eles passam dois dias sem se ver e agem como estivessem se reencontrando depois de meses. Mas, não. Na verdade, se me lembro bem, já faz mais de um mês que Kymo está namorando Armin.” Ele apontou discretamente para o rapaz de cabelos negros, que no momento parecia estar tentando manter uma pequena conversa com Lysandre enquanto Castiel literalmente dava giros com Kymo.

Sentia uma certa vontade de perguntar mais, mas decidiu que não era apropriado ficar perguntando do relacionamento alheio para alguém que nem ao menos estava envolvido — especialmente considerando que Nathaniel também não parecia muito confortável com aquilo.

Decidiu que iria tentar puxar assunto:

“Hum, bem... Como foi o seu final de semana?” Sam perguntou, sem ter muito mais ideia do que poderia dizer.

“Hm... Bem, normal, eu diria? Eu comecei a ler um livro novo-”

“Oh, que livro?” Sam o interrompeu, com certa empolgação na voz, mas cobrindo a boca logo em seguida. “Desculpa... Hã... Pode continuar.”

“Sem problemas.” Ele deu uma risada leve. “Me agrada saber que se interessa em leitura. Estou lendo ‘O Assassinato de Roger Ackroyd’, é um romance policial.”

“Devo dizer que costumo me interessar mais por fantasia, mas estaria mentindo se dissesse que não achei interessante. Como está indo?”

“Ótimo! Eu realmente adoro romances policiais. Acho divertido tentar descobrir a solução do mistério junto com o livro, quem sabe até mesmo desvendar tudo antes de ser revelado. Dá uma certa satisfação...” Nathaniel fez uma pequena pausa, como se hesitando se deveria continuar naquele assunto ou não. “Então... Como foi o seu final de semana?”

“Eu não diria que foi ‘ótimo’, mas decididamente não foi nada ruim. Apesar de que comecei mal o meu sábado. Estava com planos de correr um pouco pelo parque aqui perto, mas meu corpo ainda estava bastante dolorido da corrida de resistência na sexta-feira.”

“É, eu tinha notado que você parecia bastante desconfortável depois daquilo... Especialmente sua respiração. Ela estava bem desregular... Você está se sentindo melhor agora?”

“É claro, sem problemas!” Samuel sorriu, apesar de na verdade ainda ter acordado hoje com leves dores em sua coluna. “Eu só precisava descansar um pouco. Ah! E meu irmão veio nos visitar também. Você provavelmente gostaria dele. Antes dele sair para a faculdade, o que eu mais via pela casa eram livros que não cabiam mais nas estantes dele.” Riu levemente.

“Oh, não acho que você já tivesse mencionado ter um irmão.”

“É... Eu não vejo ele frequentemente, então não costumo menciona-lo bastante, mas ele é realmente uma boa pessoa.” Sam começou a brincar com uma das mechas do próprio cabelo, em seguida voltando a falar em um tom consideravelmente animado. “Ah! Daqui a uma semana ele vai voltar aqui, e vai passar duas semanas inteiras na cidade! Talvez eu possa lhe apresentar a ele, já que nós somos-” Interrompeu-se, ficando em total silêncio por alguns instantes.

“Hm?” Nathaniel parecia consideravelmente curioso com o motivo da pausa, aproximando-se levemente.

“Hã... Isso pode parecer um pouco rápido demais, já que nos conhecemos... Há uma semana, mas... Nós somos amigos?” A voz de Sam foi ficando cada vez mais baixa de acordo com as palavras iam sendo ditas, como se sentisse extremamente envergonhado de ter que fazer aquela pergunta.

“Ah, bem...” Nathaniel desviou o olhar, o rosto levemente mais rosado do que o normal. “Eu diria que sim?”

O sinal tocou quase que imediatamente, como se ele estivesse apenas esperando por esse timing perfeito. Ambos Sam e Nathaniel estavam consideravelmente vermelhos, como se amizade fosse um passo gigantesco no atual relacionamento deles.

Nath foi o primeiro a finalmente levantar-se do banco, tentando disfarçar o tom levemente vacilante em sua voz.

“Bem, devemos ir para a aula logo. Não queremos nos atrasar certo?”

Sam apenas assentiu com a cabeça, levantando-se em seguida, e andando ao seu lado em direção à sala. Antes que pudesse entrar, Nathaniel parou próximo à porta, girando seu corpo para ficar novamente de frente a Samuel.

“Hm... Eu gostaria de perguntar, o que acharia de nos encontrarmos na biblioteca durante o intervalo? Eu poderia lhe mostrar alguns livros que eu gosto e poderíamos passar um tempo juntos... Como amigos fazem, é claro.”

“Eu adoraria.” Sam respondeu, com um sorriso no rosto. Nathaniel devolveu o sorriso, antes de então abrir a porta da sala para que ambos pudessem entrar e tomar as suas cadeiras.

Samuel tinha um amigo agora.