Diário de um Mordomo escrita por The Mistoclis


Capítulo 2
Solitude interrompida




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Já devem ser aproximadamente 2 horas da tarde. Tiro meu relógio de bolso para verificar. São exatamente 2:07. A cozinheira terminou de lavar as louças do almoço e guardar no freezer as sobras e ingredientes não usados. Hoje tivemos peixe e batatas. É engraçado como ingleses acham um prato tão simples algo terrivelmente apreciável. No centro eles vendem o mesmo prato por 10 Euros. Como se não bastasse este preço absurdo para comida de rua, ainda vem enrolado em jornal. Quanta falta de classe.

O jardineiro trabalha apenas na parte da manha uma vez por semana, mantendo os arbustos bodados e cortando a grama uma vez por mês. Neste dia sim ele ocupa o dia todo limpando o jardim. Esta mansão não é muito grande, por isso não contratam uma equipe inteira.

A faxineira também trabalha apenas na parte da manhã, o que deixa a casa apenas comigo e com o senhor Greenfield. Sophie volta da escola as 6 horas. Verifico se toda a casa está em ordem. Como de se esperar, não está. Uma das colheres estava junto dos garfos. Um erro comum por aqui. Tiro minha luva branca e passo o dedo por cima da mesa de jantar, percebendo que não tem um simples grão de pó com um leve sorriso de satisfação em meu rosto.

Coloco a luva novamente e me direciono para o salão de jogos. No salão de jogos tem a mesa de bilhar, uma mesa de poker, um lustre e um pequeno bar no canto mais interno. Quando o senhor Greenfield deseja usar o salão com seus convidados, minha função deixa de ser ficar parado de pé em um canto para ficar parado de pé atrás do bar preparando drinks. Aprendi apenas os que mais são pedidos, não quero gastar recursos aprendendo a ser barman, até por que a maioria das vezes pedem apenas Whisky puro ou com gelo. Eu poderia beber algo daqui se quisesse, mas prefiro o ambiente do bar no fim da rua.

Tiro minhas luvas brancas e as coloco no bolso da calça. Preparo as bolas na mesa. Ah, aqui na Inglaterra o jogo de bilhar é diferente do qual você deve estar acostumado... Ou... acostumada... Não tenho certeza de quem está lendo agora, mas isso não vem ao caso. Aqui usamos 15 bolas vermelhas arrumadas em um triangulo, cada uma vale um ponto, e outras 6 bolas de cores variadas, estas valem mais pontos e são distribuídas em outros pontos da mesa. Se as bolas vermelhas ainda estiverem em jogo, as coloridas voltam para a mesa. O jogo acaba quando se derrubam todas as vermelhas e depois as coloridas em sequencia, terminando pela bola preta. Ganha quem somar mais pontos. Recomendo que procure videos sobre no youtube. Pesquise por "Snooker", garanto que irá gostar. 

Acho que vou ouvir uma musica enquanto jogo hoje. Gosta de Frank Sinatra? Espero que não se importe. 'Strangers in the night', uma belíssima musica, com certeza. Eu a tenho no celular, mas não posso usar fones de ouvido. Devo estar sempre atento caso seja chamado.

Pessoalmente, não diria que sou bom comparado com os jogadores profissionais, mas já ganhei alguns jogos em bares pela cidade. Pego o taco mais leve, acho mais fácil de controlar a força da tacada com ele. Coloco a bola branca na mesa, miro sem muito esforço e dou a primeira tacada.

Duas bolas vermelhas estão próximas das caçapas. Se eu estivesse jogando contra alguém, as duas seriam dele. Como estou sozinho, eu mesmo as derrubo. Vou até a estante, abro uma pequena caixa de madeira e retiro um pequeno bloco de giz. O passo na ponta do taco e o guardo no bolso para continuar usando.

Tem outra bola vermelha na caçapa mais ao fundo. Uso muita força ao tentar acerta-la e a branca cai junto. Retiro a bola branca da caçapa e a recoloco na mesa, preciso aprender a controlar a força em uma tacada dessas. Ouço alguém entrando na sala e prontamente me viro. 

—Wallace. - Diz senhor Greenfield

—Sim.

—Se importa se eu jogar uma?

—Não senhor. - Digo entregando-lhe o taco.

—Não precisa, rapaz. Vamos jogar um amistoso.

—Como desejar.

Ele pega duas partes de um taco personalizado de dentro de uma pequena, mas comprida maleta guardada atrás do bar. Junta as duas partes, apoia uma mão na mesa e experimenta o taco para ver se ainda está liso. Pelo jeito está. Eu abro a gaveta e começo a despejar as bolas na mesa novamente. Pego o triangulo de plastico e rearranjo as bolas vermelhas. Posiciono as bolas coloridas em seus respectivos lugares e ofereço a primeira tacada ao senhor Greenfield.

Ele se posiciona na mesa e começa a mirar, sendo interrompido por um pequeno devaneio.

—É Frank Sinatra?

—Sim senhor.

—Grande cantor.

Ao dar a primeira tacada, percebo que ele não tem muito mais experiencia do que eu. As bolas simplesmente se espalharam de forma aleatória. 

Me ajeito para dar uma tacada e vejo uma jogada similar a que me fez derrubar a bola branca novamente. Desta vez tento maneirar na força o que faz a bola entrar na caçapa e a branca se manter na mesa. Mesmo essa sendo uma jogada tão simples, me preencho de animo ao conseguir realiza-la.

Começa a tocar "Fly me to the moon". Senhor Greenfield começa a cantarolar a letra enquanto analisa a mesa. Me preparo para derrubar uma das bolas coloridas, o que me dá mais pontos. Recoloco a bola na mesa e me preparo para uma terceira tacada, mas erro. 

Enquanto o senhor Greenfield anda ao redor da mesa para dar sua tacada, ele me questiona:

—Wall, você está de olha em alguem?

—Não senhor.

—As musicas que escuta são para um homem apaixonado.

—Sou apaixonado pelo meu trabalho.

Enquanto dava sua tacada, continuou a falar.

—Mas você ainda é jovem, sai bastante a noite, deve conhecer gente. Como foi sua juventude na escócia?

—Sempre me mantive longe de problemas. 

—Não é esse o tipo de resposta que se espera de um garoto.

—Mas é o tipo que um mordomo deve dar.

—Verdade, verdade - Disse rindo.


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