Diário de um Mordomo escrita por The Mistoclis


Capítulo 1
Wallace




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Acordei as 4 horas. Sempre acordo antes de todos. Do jardineiro, do cozinheiro, da faxineira. Tem detalhes na mansão que apenas eu consigo perceber. Eu sou bom nisso. Se não fosse, como conseguiria o emprego com apenas 17 anos? Como pode perceber minha humildade escocesa foi embora a muito tempo.

Onde estão meus modos? Wallace Chrisholm, ao seu dispor. Sou o mordomo da mansão Greenfield. Já faz dois anos, mais precisamente. Vim da escócia para cá após terminar o melhor curso de mordomo do país. Me escolheram pois, mesmo sem quererem admitir, não tinham condições de contratar um legitimo mordomo inglês. Os greenfield, permita-me dizer, gostam de parecer que tem mais dinheiro do que realmente tem. Mas enquanto isso não me afetar, não é um problema.

Se importa se eu me trocar enquanto conversamos? Preciso me apressar. Logo mais o jornal vai ser entregue e a água para o chá ainda não está fervendo. Uso colete hoje? Acho que não... Hoje não... Muito bem. Meus sapatos não estão muito bem lustrados mas não há tempo para isso! Pode me acompanhar até a cozinha se quiser. 

Após colocar a água na chaleira, me dirijo para a porta da mansão, onde o jornal já se encontra jogado no chão. Esses entregadores poderiam ter um pouco mais de consideração, francamente. Não costumo ler o jornal, sabe? Já tenho problemas demais para resolver na mansão. Deixo o jornal ao lado da bandeja, sirvo uma xícara de chá verde, duas colheres de açúcar (Meu mestre gosta do seu chá bem doce), faço ovos mexidos e uma torrada tostada de um lado (ingleses tem uns gostos bem peculiares). 

Coloco o jornal em baixo do braço e levo a bandeja até o quarto no segundo andar. O quarto fica no fim do corredor, ou seja, sempre tenho que passar pelo quarto de Sophie. Uma pirralha de 16 anos que não para de me importunar desde que cheguei. Eu sei que tenho 19, não precisa ficar me lembrando. Voltando, achei que ingleses fossem mais fechados, mas essa garota parece uma criança irlandesa, por Deus!

Bato na porta calmamente.

— Mestre, cinco horas em ponto!

Ouço uns grunhidos que interpreto como permissão para entrar. Abrindo a porta do quarto, vejo que tem uma mulher na cama. Não é nenhuma surpresa. Não é nem mesmo a primeira mulher que ele trás na semana, e ainda é quarta-feira. 

—Perdão mestre. Deseja que eu faça uma refeição para a senhorita...

—Rose! Pode me chamar de Rose - Diz a mulher em um meio sorriso cobrindo os seios com a coberta. Sua cara de sono era terrivelmente evidente. O senhor Greenfield nem se deu ao trabalho de abrir os olhos.

—Não será necessário, Wall. Não estou com fome. De a comida a ela.

—Como desejar.

—Não, obrigada! Eu estou de dieta.

—O pão é integral e os ovos são excelente fonte de proteína.

—E a manteiga?

—Completamente natural

—Tem certeza de quem não compraram um bloco de gordura e usam como manteiga? 

—Eu pessoalmente cuido das compras da casa, senhorita.

—Uau! E quantos anos você tem? - Disse Rose pegando a bandeja e provando a torrada.

—Dezenove.

—Muito impressionante, garoto.

—Obrigado, senhora.

—Ok, ok! - Disse o senhor Greenfield levantando-se e me levando para fora do quarto- já chega desse papo, se quiser roubar ela, tenta longe de mim. Já pode se retirar, Wall. 

—Mas mestre!

—Eu disse, pode se retirar! - E bateu a porta na minha cara.

Após um minuto parado em frente a porta pensando se devo abrir novamente, desisto de avisar a senhorita Rose que o chá tem açúcar. Sinto muito que você tenha que ter visto isso, mas não se preocupe. Eles não conseguem te ver. Nem eu deveria conseguir te ver, mas o escritor gosta de quebrar a quarta parede.

Quando me viro, vejo um rostinho sorridente, como se nem tivesse acabado de acordar. Sophie Greenfield em seu pijama rosa e cabelo com cachos loiros. Deve ter puxado a mãe, já que não se parece em nada com o pai. Ela se aproxima e me abraça. Mantenho meu queixo erguido e os braços rente ao corpo.

—Meu pai está com outra mulher ai dentro, não é?

—Sim senhorita.

—Você não vai baixar a guarda, não é?

—Não senhorita.

—Você deveria arranjar uma namorada.

—Não tenho tempo pra isso.

—Mas tem tempo pra ficar jogando bilhar e sair pra beber a noite.

—E isso te incomoda, senhorita?

—Só por que você fica longe de mim.

Após ficar ligeiramente vermelho com este ultimo comentário, me recuperei. 

—A senhorita deve se arrumar para a escola. Seu café da manha está na mesa da sala de jantar.

Ela se solta de mim e faz uma cara emburrada.

—E por que não me serve igual faz com o papai?

 

—Tenho ordens para não entrar no seu quarto.

—Nem imagino o por que.

Eu imagino

—Eu vou para a sala de estar. Tenho muito o que limpar da social que seu pai fez ontem.

—Ele trouxe amigos de novo?

—Sim, senhorita.

—Eu queria poder participar...

—Confie em mim, você não gostaria.

—Por que não?

—Tudo que eles fazem é falar de economia, crise, politica e exibir suas coisas.

—Pelo menos eu teria alguém pra conversar.

—Não acho que dariam atenção para uma criança.

—Nem eu.

—Seus amigos da escola não conversam com você?

—Naquela escola ninguém é amigo de ninguém. Se acham bons demais pra isso. Alguns clubes andam juntos as vezes, mas geralmente são pra ficar badernando.

—De qualquer forma, está ficando tarde. Você deve se apressar.

—Tudo bem, tudo bem. Já entendi. Estou indo.

 


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