Além de uma vida escrita por Ania Lupin


Capítulo 3
Renascendo




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Ponto de vista de Bella

As lágrimas já corriam por muito tempo agora, por tanto tempo que havia perdido totalmente a noção. Dias? Semanas? Anos? Quando foi mesmo aquele dia em Volterra? Sentia que poderiam muito bem ter se passado séculos, e ainda assim, não conseguia imaginar uma razão suficientemente ruim para ter sido mandada para um lugar assim. Eu tinha quase certeza que não havia sido uma filha tão má, não havia feito nada tão ruim ou tratado alguém tão mal para merecer ficar onde estava agora.

Porque ver aquilo todos os segundos que se passavam era horrível. Vê-lo assim, dia após dia, me fazia ter certeza do local onde estava.

Eu estava no inferno.

Olhei a lua cheia gigante que se mostrava do lado de fora da janela – já era noite, e por mais vinte e quatro horas Edward permanecera imóvel, olhos abertos encarando o nada. Ele, na minha ilusão, ficava mais pálido a cada dia. Até mesmo seus ossos se mostravam mais proeminentes. Suas olheiras, mais fundas do que alguma vez eu já vira. Será que um vampiro podia morrer de fome? Será que seria essa minha sina, observa-lo definhar perante meus olhos, dia após dia, por toda a eternidade?

Talvez então, meu castigo fosse por querer isto mesmo, ao lado dele – a eternidade. Desejar tê-lo para sempre pode ter sido uma forma de pecado que desconhecia e agora eu estivesse o pagando. Desejar me transformar naquela espécie sendo que eu ainda tinha tanta vida em mim.

Fechei meus olhos, desabando ao lado dele. Sempre que fechava os olhos tudo piorava, mas já estava convencida que eu merecia tudo o que estava a passar. Sempre que a escuridão me dava boas vindas, as memórias da vida que me tinha sido tirada voltavam fortes demais. Todas as memórias passadas com ele, memórias de um tempo feliz, memórias que ficariam para sempre presas em minha mente.

A primeira vez que nos vimos. A primeira vez que nos beijamos, quando eu conheci sua família. A primeira vez que vi e falei com Alice. Quando ele conheceu meu pai, quando pela primeira vez estive frente ao perigo, e ele me salvou, me pegando nos braços e prometendo que nunca mais precisaria me preocupar com nada. Que ele sempre me protegeria.

Minha cabeça encostou-se em seu ombro, mas não conseguia sentir a pele fria. Esme estava outra vez ao seu lado, e ele continuava tão imóvel quanto uma estátua de pedra. Meu Edward. O que estaria passando em sua cabeça agora? Na do meu Edward de verdade.

Daria tudo para poder ler seus pensamentos, do mesmo jeito que ele sempre tanto quis ler os meus, daria tudo para poder ajudá-lo de alguma forma. Ele deveria estar se sentindo culpado. Eu o conhecia bem, o conhecia melhor do que achava que conhecia, segundo Alice, na viagem para Volterra. Ele não merece a culpa. Ele não merece afundar-se dia após dia, como no meu inferno. Eu não queria mais aquilo, queria fazer tudo o que estava acontecendo melhorar, eu precisava melhorar. Queria que tudo ficasse bom novamente. Eu estava tão cansada. Não tinha mais uma fagulha de energia para continuar daquele jeito, vivendo aqueles dias.

"Finalmente." Foi a primeira vez que notei a presença de alguém ao lado de Esme, e isso muito bem faria meu coração acelerar a mil – se ainda houvesse algum batendo. "Não tenha medo, criança. Minha única intenção é a de ajudar."

"Você é um anjo?" Vi um sorriso, há quanto tempo não via um? "Você veio me tirar daqui?"

"Acho que você pode me chamar assim, se quiser. Eu vou te ajudar, querida." A vi dar um passo para mais perto de mim, seus olhos lentamente deixando a vampira, parecendo estar tentando se certificar que esta ficaria bem. "Antes que me pergunte – porque eu sei que vai perguntar -, aqui não é o inferno, não o inferno das teorias dos humanos. O seu sofrimento, e a culpa que você não conseguia deixar de sentir, transformaram isso aqui no seu próprio inferno."

"Quer dizer que eu estou criando isso, na minha mente, dia após dia?"

"Isso aqui é real, Isabella." Como assim, real? "Ele é real. E o seu sofrimento inconscientemente está o fazendo afundar cada dia mais."

As lágrimas voltaram – pareciam queimar meus olhos agora. Isso era real? Todo esse tempo que se passou, e todo esse inferno era real? E eu era a culpada de tudo isso?

"Claro que não criança, pare de pensar tantas besteiras." A mulher pousou uma mão sob meu ombro, e seu toque conseguiu me acalmar um pouco. Era um toque bom, quente, que possuía a ternura do toque de uma mãe. "Eu entendo que é difícil se separar dele, ainda mais depois de tanto tempo." ela disse com um sorriso quase triste. "Mas você ficando ao lado dele e lamentando não vai ajudá-lo. Você tem outros meios, Isabella. Deixe-me ajudar vocês dois."

Suspirei, me movendo um pouco para longe do meu vampiro. Era quase doloroso, mas se fosse para o bem dele, por mais que me angustiasse, eu nunca mais ficaria perto. Ele tinha uma eternidade inteira pela frente, precisava sair daquele estado por toda sua família, precisava se recompor antes que qualquer pensamento suicida se passe por sua cabeça.

"Talvez seja um pouco tarde para isso." Rachel falou, de repente. Tarde?

"O que?" Um suspiro.

"Vai ser mais fácil se você mesma o ouvir." E eu a vi colocar uma mão na testa do meu vampiro, e logo após sua outra mão na minha. "Fique em silêncio. Se concentre." Tudo ficou quieto no primeiro instante, e então, uma voz sofrida parecia falar dentro de minha mente.

Eu prometi a ela. Prometi que nunca colocaria meus pés em Volterra, e até agora não desonrei essa promessa por nem um segundo.

Edward! Oh meu Deus, Edward!

Mas a simples possibilidade de eu poder voltar a vê-la indo para lá é tentadora demais. Por mais horrível que eu seja, eu posso ter a chance de ter uma alma. E ela não poderia ficar brava comigo por muito tempo se eu desistisse de tudo.

"Não Edward, não! Como você pode pensar nisso?"

Então duas coisas aconteceram: a mulher de branco me deu um sorriso, sua expressão satisfeita, e Edward abriu os olhos. Ele olhava direto para mim, e por um momento iria perguntar se ele podia me ver, mas então seus olhos negros voltaram a vagar pelo quarto, como se procurassem algo.

Bella?

Ah, a voz dele...

"Edward, eu não quero que você pense nessa possibilidade nunca mais. Você não tem que fazer isso." Tentei falar o mais seriamente possível. Será que ele me escutaria? Será que ele compreenderia o que está acontecendo ou acharia que sou apenas algum delírio de sua mente? Eu mesma estava tendo tanta dificuldade em entender, que não me surpreenderia ele ignorar meu pedido.

Não, eu não tenho: eu preciso. Eu te disse, não consigo nem nunca vou conseguir sobreviver num mundo sem você, meu amor.

"Edward, por favor." disse, tentando controlar um soluço.

Não, meu amor, não chore! Ah, tão perto e ao mesmo tempo tão longe! Vou estar com você em pouco tempo, então por favor, não chore.

"Não! Pense em Esme!" Por um momento o argumento pareceu funcionar. "Ela já está sofrendo demais, você não vê? Tudo que ela perdeu!" Jasper, indo embora. Rose, Emmett, tudo tão diferente.

Eu sou uma criatura egoísta, amor. Nem sempre faço a coisa certa. Eu estava perdendo a batalha. Eu não aguento mais, não consigo mais existir. Dói demais. Talvez não houvesse como ganha-la, talvez ela fosse uma guerra perdida desde o início.

Não. Não podia pensar assim. Eu tentaria, até o fim, até o último segundo de sua vida ficaria ao seu lado e falaria para ele permanecer vivo. Vivo, nesse mundo. Vivo, para sempre.

"Não faça isso. Por mim."

Tudo que eu faço, eu faço por você, meu amor. Ninguém é mais importante que você. Nada é mais importante do que você.

Como eu queria poder toca-lo! Quem sabe, se eu tentasse, tentasse de verdade, minha mão conseguiria se manter um pouco em sua pele fria. Alcancei seu rosto hesitante, com uma de minhas mãos. Precisava tanto estar viva agora!

Bella, você está mesmo aqui? Sua mão é tão quente-

"Edward, você tem que viver. Viva, fique vivo por mim!" Olhar para ele estava se mostrando ser mais difícil do que a minutos atrás. O feixe de esperança naqueles olhos, que surgiu no instante que sua bochecha foi tocada pela ponta de meus dedos, parecia dilacerar algo dentro de mim.

Fique vivo, mas como? O que eu faria para deixá-lo melhor? Ficaria para sempre, nessa forma não corpórea, ao seu lado? Sinceramente, não me importaria em passar a eternidade assim se isso o fizesse mudar de ideia. Mas o quão egoísta seria isso de minha parte? Prendê-lo para sempre - literalmente - nesse inferno?

"Tem certeza?" Certeza do que? "Você quer voltar. Ainda é cedo, mas sua irmã já está novamente no mundo dos vivos."

"Minha irmã?"

"Alice." Então era realmente verdade? Sim, eles tinham almas, sim! "Duas bobas, em pensar que algo pode continuar nesse mundo sem ter uma essência." Sorri.

Ele iria me esperar. Ele tinha que me esperar.

"Edward, eu vou voltar para você. E provavelmente vai demorar, décadas talvez, mas você tem que me prometer que vai me esperar." Olhei fundo naqueles olhos tristes, mesmo sabendo que ele não conseguiria me ver. "Preciso que você me dê essa certeza. Preciso que você me espere, Edward."

Eu esperaria uma eternidade, se tivesse a certeza de que te acharia outra vez.

"Então me espere, meu amor." Separei minha mão dele, vendo seus olhos se fecharem logo após. "Eu estou pronta."

...

O despertador tocava ensurdecedoramente ao lado de minha cama. Só mais cinco minutinhos meu Deus, eu não pedia muito!

"Izzy, sete e meia!" escutei Alice gritar de seu quarto, com sua voz bem humorada. Como ela conseguia acordar tão cedo?

Resmunguei mais um pouco e reuni coragem o suficiente para estapear o relógio e sair de debaixo das cobertas tão quentes. Qual era mesmo o bom motivo que me fazia levantar naquele mês frio de novembro? Ah, provas semestrais. Ok, era um motivo digno.

"Al, me diga que você não fez o café!", quase berrei, enquanto jogava um roupão por cima do pijama e abria a porta do quarto, agradecendo aos céus por Alice já estar fora do banheiro. "Como você consegue acordar tão cedo?", perguntei, minha voz saindo totalmente rabugenta, antes de bater a porta.

"Bom dia pra você também!"

Tirei o pijama a contragosto e abri o chuveiro - e felizmente ainda havia água quente. Fechei a porta do box, não sem antes notar minha roupa da manhã repousando sobre a bancada da pia: jeans, camiseta, meias, um gorro forrado e um casaco extraquente. Coisa da ´mãe´ Alice.

Alice era pouco mais de nove meses mais velha que eu, e tinha acabado de completar dezoito anos há alguns meses. Uma grande festa, como era de costume em Nashua: enchemos a casa com exatamente cinquenta e três pessoas – o que foi praticamente um milagre, considerando o tamanho humilde do imóvel.

Crescemos praticamente sem nossos pais – eu lembrava um pouco de mamãe, mas quem tinha mais memórias de nossos pais – que se foram cedo demais num acidente de carro - era Al. Sobre o acidente, morte instantânea era o que eu lembro que diziam as notícias. Só depois dos meus dez anos que entendi que isso significava que os dois morreram rápido demais para sentir qualquer dor – e por aquilo eu era muito grata. Logo após o acidente, fomos viver com nossos avós maternos, a única família que nos restava - e por aquilo, também era por demais agradecida.

Já estava com saudades da vovó. No dia trinta de agosto – três dias depois do aniversário da minha irmã – nos mudamos para essa casa, alegando que ano que vem já começaríamos a nos preocupar com a faculdade. Também agora que finalmente tínhamos acesso à herança deixada para nós, era bom termos a responsabilidade de uma casa.

Mas a verdade era que duas adolescentes vivendo no mesmo espaço onde também moravam duas pessoas já na terceira idade não era nem um pouco agradável – para eles. Por mais que nossos avós nunca reclamassem, sabíamos que incomodava ter que lidar com nosso rádio alto demais, com nossas pequenas brigas e com os amigos que de vez em quase sempre surgiam sem avisar. Acabamos comprando a pequena casa – era melhor assim.

Fechei o registro, logo me enrolando na toalha. Desejava saber se ainda tinha tempo para preparar algo para o café da manhã. Bem, chegar um pouco atrasada na primeira aula não seria o fim do mundo, seria? Coloquei rapidamente as roupas e tentei dar um jeito no cabelo molhado – por que mesmo o havia lavado sabendo que não teria tempo de seca-lo e iria congelar lá fora?

Oh droga, ele literalmente corria risco de congelar lá fora, segundo a previsão do tempo.

"Eu não fiz o café – mas fiz um café." Foi a primeira coisa que ouvi quando pisei na cozinha. "Na verdade, dois." Alice apontou para a caneca sobre a mesa.

"Hum, um mocaccino vai bem a essa hora da manhã." disse ao sentir o aroma de café e chocolate. "Valeu, Al." Tomei um gole, aprovando a mistura, e me apressei em fazer algumas panquecas, contente ao ver um pote novo de mel no armário.

Podia dizer que cozinhar era meu forte – vovó sempre me dizia que havia herdado aquele dom de minha mãe Elizabeth; tudo que eu fazia ficava tão saboroso quanto o que ela preparava antigamente. Não era preciso dizer quem cozinhava na casa, tanto agora, quanto até mesmo algumas vezes na residência antiga.

"Vai sair tarde da loja hoje?" Coloquei duas panquecas no prato para Alice, derrubando um pouco de mel sobre elas, logo depois me servindo  e sentando à mesa. Vi Al dar os ombros, sua boca cheia demais para conseguir pronunciar alguma coisa. "Para uma pessoa pequenininha como você," a provoquei, logo recebendo um olhar aborrecido – minha irmã era um pouco sensível com seu um metro e quase sessenta centímetros de altura. "É incrível como tanta comida cabe nesse corpo, e como ele continua assim pequeno."

Ouvi algo que traduzi como 'metabolismo rápido', e meio prato depois, reparei no monte de cartas que repousavam perto do fogão. As cartas de tarô de Alice. Lindas e antigas, compradas em um mercado de pulgas por um preço menor do que provavelmente valiam. O porquê de toda aquela curiosidade – obsessão, como eu chamava e ela odiava – de tentar ver o futuro, nunca entendi, e talvez nunca vá entender.

O mais engraçado - e bizarro - eram os acertos que saíam dali de vez em quando. Como a vez em que vovô quebrou a perna, ou a outra em que ela evitou que eu sofresse um acidente - por menor que tenha sido a batida - no ônibus da escola, me impedindo de sair por ter visto nas cartas que era um mau dia.

E naquele sábado, eu teria ido junto com nossos pais. Como seria nossa vida agora se eles tivessem escutado aquela criança de cinco anos?

"Acho que vou conseguir chegar para a janta, apesar de ser sexta-feira." Ela disse, enfim colocando o prato vazio na pia. "Netflix e gordices hoje de noite? Podemos estourar uma pipoca, comer várias barras de chocolate e acabar com dois litros de coca-cola light debaixo de um cobertor quentinho."

"E ver um clássico dos clássicos como Bonequinha de Luxo?" Terminei o café da manhã e também abandonei meu prato na pia – lidaria com a louça suja quando chegasse da escola. "Eles tem isso no catálogo, certo?"

"E o que eles não tem hoje em dia? Estamos em 2025, não é como vinte anos atrás." Alice deu um último gole no café, antes de colocar a caneca junto ao prato sujo. "Realmente sabemos como fazer uma sexta-feira fria e deprimente ficar perfeita. Como estou?" a pequena deu uma voltinha, mostrando seu vestido de lã e meias grossas antes de colocar o casaco duplamente forrado, cachecol e bota.

"Tá linda, Al," Peguei minha mochila. "Mas continua pequena!" E saí rápido pela porta da frente, correndo direção ao carro, enquanto ouvia Alice gritar um rosário de palavrões antes de trancar a casa.


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Notas finais do capítulo

Gente, muito obrigada pelos comentários! Respondi cada um de vcs ;)
E obrigada a todos que estão acompanhando! Críticas/sugestões são sempre muito bem vindas!

beijão,
Ania.



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