Além de uma vida escrita por Ania Lupin


Capítulo 4
Reencontros e cartas de tarô




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Ponto de vista de Bella

"Eu sinto muito, Izzy!" Aquela devia ser a quinta desculpa.

Havíamos nos mudados para Manchester, New Hampshire, não havia muito tempo – chegamos no final de agosto, bem no começo do último ano letivo, milagrosamente conseguindo duas matrículas na Manchester High School Central. Não havíamos feito muitos amigos desde então, os cinquenta e poucos que colecionamos ao longo de toda a vida continuaram em Nashua, com planos de se mudarem de suas casas só na semana em que a faculdade para qual fossem aceitos iniciasse - e não, nenhum tinha planos de nos seguir.

"Al, eu realmente não me importo, você sabe." disse, enquanto andávamos escola afora.

Alice e eu estávamos no último ano do colégio, e no início do ano letivo combinamos fazer nossa grade horária o mais separada possível – tanto que só nos encontrávamos em quatro aulas durante toda a semana. Um plano para conhecer pessoa e fazer amigos, um plano que falhou visivelmente para mim: ou eu que não sabia mais criar novos laços, ou era mesmo difícil se relacionar com as pessoas daquela cidade.

Então, como não tinha nenhum verdadeiro amigo por lá, não me sentia exatamente confortável em pedir a alguém uma carona em dias como hoje – por mais que soubesse que a menina que sentava a minha frente na aula de matemática ia para a mesma direção que eu.

"Quer que eu te deixe no ponto de ônibus, ao menos? Está tão frio, e eu vi que poderia nevar até o final do dia-"

"Al, o ponto é na frente da escola," E inclusive, já estávamos quase em frente a ele. "E até o final do dia eu estarei em casa, debaixo das cobertas. Se você se atrasar, sua chefe vai ficar brava. Olha bem a loja fresca pra qual você trabalha!"

A vi suspirar, vencida. Alice trabalhava na Tiffany's, e não era sempre que a ligavam dizendo que teria que chegar mais cedo para cobrir alguém, mas nós duas sabíamos que quando ligavam, ela precisava ir não importava o que. Minha irmã vivia dizendo que quando eu fizesse dezoito anos ano que vem, já tinha minha vaga me esperando ali, mas eu não me imaginava dentro daquela loja caríssima – quebraria metade dela, com certeza. Então, quando alcançasse finalmente minha maioridade, procuraria algum lugar bem mais seguro para trabalhar, sem tantas prateleiras de vidro ou centenas de cristais e joias cujos preços quase sempre ultrapassavam os três dígitos. Uma cafeteria, por exemplo. Com tudo de plástico.

"Vai Al, ela disse meia hora!" apressei mais minha irmã, que continuava no dilema entre me deixar pegar o ônibus ou arriscar um atraso e me levar para casa. Mas eu já havia decidido – sabia que ela gostava demais do emprego para coloca-lo em risco por uma coisa tão pequena. Quando vi o ônibus certo passar, disparei numa corrida para o ponto, milagrosamente não tropeçando em nada.

"Izzy, você nem me deu tchau!"

"Tchau!" gritei por uma das janelas abertas, não me importando com os olhares incomodados que recebia. "Eu passo no mercado, tá?"

E me sentei num banco vazio, vendo minha irmã ficar para trás e voltar ao estacionamento. Coloquei os livros no colo, e logo em cima a mochila e tirei do bolso do meu casaco um IPod cinza, esquecendo do mundo ao meu redor ao colocar os fones no ouvido.

Alice sempre dizia que meu gosto para música era eclético, mas eu costumava ser um pouco mais realista: tinha mesmo era um gosto muito, muito velho. Enquanto todos ao meu redor, inclusive ela, escutavam as músicas que ficavam entre as cem melhores das rádios, eu cantarolava 'I wanna hold your hand' dos Beatles, como fazia agora. Sempre fui ligada a certas coisas do século passado, e não tinha bem uma explicação: eu gostava, só isso. Ao menos para filmes Al compartilhava os mesmos gostos antigos que eu.

Não demorou muito tempo até o mercado surgir no meu campo de visão, me fazendo descer rápido do ônibus. Meus planos eram ir direto para a loja, comprar o quanto de pipoca e chocolate o dinheiro que havia na minha carteira deixasse, e então seguir para casa o mais rápido possível, porque o frio que fazia na rua já era difícil de suportar mesmo com aquele agasalho enorme – talvez estivesse na hora de comprar casacos novos para aguentar as temperaturas de Manchester. Poderia passar em algum shopping no final de semana, se agora estava frio, imaginava apreensiva como estaria no final de dezembro. Alice com certeza não se importaria, pelo contrário, uma companhia para compras era sempre agradável para a baixinha.

Atravessei a rua e sorri ao me lembrar com gosto que nossa casa ficava a apenas um quarteirão de distância - era uma tarde realmente fria, aquela.

Passando ao lado de uma Starbucks, considerei fazer uma parada e pegar um copo de café antes das compras. Parei na frente da fachada de vidro para ver que horas eram no celular, e checando que tinha tempo o suficiente para minha dose de cafeína, coloquei o eletrônico de volta no bolso do casaco e olhei para dentro da loja tentando checar o tamanho da fila. Foi então que meus olhos encontraram uma figura tão, mas tão conhecida, que parei frente a ela e fiquei encarando-a por minutos, tentando descobrir de onde era aquele garoto.

Ele estava de costas para mim, um copo de café esfriando sobre o balcão. O vidro transparente me deixava enxergá-lo sem dificuldade, e em segundos me via quase colar o nariz no mesmo, algo em mim esperando que ele se virasse. De onde eu conhecia esse garoto? E como eu não conseguia me lembrar dele, mas sentia que sabia quem ele era só de vê-lo de costas?

Ele usava um gorro azul escuro, mas mesmo com isso podia ver alguns fios de cabelo bronze escuro que escapavam, e apesar da cabeça baixa, meus olhos pegavam de relance o pouco de pele exposta, que chegava a ser mais branca do que a minha. Mesmo sentado, dava para perceber que era alto, deveria ter pelo menos um metro e oitenta. Quem eu conhecia que passava dessa altura?

Quando dei por mim, meus pés já haviam me levado para a entrada da cafeteria - precisava olhar para a cara dele -, enquanto minha mente trabalhava incessantemente para tentar achar algum nome compatível com a pessoa.

Daniel, Michael, Mike, Lauren, Marco, Gabriel.

Jonas?

Charlie?

Jacob?

Nada.

Entrei, minha pele agradecendo o novo calor que amenizava um pouco os graus negativos de lá de fora, e pude finalmente ver o perfil do rapaz.

E meu Deus, ele era lindo. Na verdade, era difícil achar uma só palavra para descrever o que eu via. Se minha irmã pudesse escutar meus pensamentos agora, me sentiria uma total estúpida por ter pensado em algo tão clichê, mas era verdade: aquela era uma beleza tão diferente da de hoje em dia, que podia se falar que era praticamente antiga. Ele estava de cabeça baixa, uma expressão neutra na face pelo que eu conseguia enxergar. Seus olhos não estavam muito visíveis, mas pareciam ser de um tom escuro.

Eu não conhecia ninguém assim em Nashua. Nem lá, nem em lugar nenhum que pudesse me lembrar agora. Então por que essa sensação dele ser alguém tão próximo?

Estava tão absorta com o moreno, e tão privada de barulhos externos graças aos fones de ouvido que continuavam reproduzindo Beatles, que quase não me surpreendi com o tombo. Prestes a andar até o rapaz, um pouco mais rápido do que deveria, trombei forte demais com uma coisa dura demais. Primeiro meus livros foram para o chão, então os fones acabaram saindo de minhas orelhas, e depois era minha vez.

"Querida, eu sinto muito!" Tive um déjà vu com a frase, provavelmente me lembrando das palavras de minha irmã minutos atrás. Alguma coisa doía, mas não conseguia sentir o cheiro característico de sangue em nenhum lugar, para minha sorte. Segundos depois, um braço forte me levantava, e quando apoiei minha mão esquerda em um banco descobri qual era a fonte da dor.

"Minha culpa, não se preocupe. Eu vivo caindo assim." murmurei, ainda um pouco desorientada por num minuto achar-me no chão, e no outro, sentada.

Quando voltei os olhos para o balcão que observava antes, já não havia mais ninguém. Droga.

"Eu vivo machucando esse pulso, sério, não sei ainda como minha mão não caiu!"

"Deixe-me ajudá-la," senti um toque gelado na mão machucada e me encolhi na mesma hora. Notei as luvas grossas de lã e me perguntei como sua mão conseguia ainda parecer um cubo de gelo.

"De verdade, eu estou bem-"

"Eu sou médico, é o mínimo que posso fazer."

Estava prestes a protestar mais uma vez, quase dizendo que não precisava de ajuda com minha mão e que ele, se quisesse, poderia me ajudar me pagando um café para ver se eu esquentava um pouco nessa cidade congelada, quando vi seus olhos.

Nunca havia visto aquela cor de amarelo na íris de ninguém, era tão... irritantemente familiar, outra vez. Com certeza deveria ter algo de errado comigo hoje, primeiro considero conhecer um garoto que provavelmente deveria ganhar a vida como modelo, e agora acho o médico parado na minha frente familiar. Médico que, por um acaso, poderia ganhar a vida como modelo também. Ele não parecia ter mais do que trinta anos, e seu semblante lembrava aqueles galãs de filmes dos anos oitenta. Bonito, antigo, e tão familiar.

O ouvi pigarrear e fiquei um pouco sem graça quando percebi que o encarava em silêncio.

"É, acho que estou um pouco zonza." tentei justificar, sentindo minhas bochechas corarem. Foco, Isabella. Acomodei-me mais na cadeira, meus olhos indo parar na minha mão que arroxeava um pouco na palma, enquanto o médico recolhia do chão tudo que eu tinha deixado cair na queda. "Olha, isso tudo foi realmente minha culpa-" já me desculpava quando ele sentou-se frente a mim, me interrompendo com um sorriso. Seria o sorriso daquele rapaz tão único quanto esse?

"Eu não estava numa situação melhor que a sua, de verdade. Meu filho me deixa quase louco às vezes." o loiro disse, colocando também sobre a mesa a maleta que levava consigo, a abrindo e retirando algumas coisas. "Nós podemos ir até o hospital se-"

"Hospital não." O cortei na mesma hora. "Odeio hospitais."

Um cappuccino chegou no mesmo instante em que ele puxou sua cadeira para mais perto de mim, pegando com cuidado meu pulso aberto.

"Tome, você parece estar com frio. Peguei para você." Senti o rubor voltar ao meu rosto na hora. Eu esbarro em um estranho, e agora este, além de querer dividir a culpa, examina minha mão e me paga um café. Tomei um gole – quente demais – e coloquei o copo sobre a mesa ao meu lado um segundo antes de quase pular da cadeira.

"Wow!"

"Eu deveria ter avisado, mas quando esperamos pela dor é sempre pior. Você costuma abrir seu pulso com frequência?"

"Uhum." respondi, me recuperando da dor aguda. "Sempre quando me obrigam a jogar vôlei, ou quando esbarro em desconhecidos simpáticos." desviei os olhos para minha mão que ainda era examinada minuciosamente no instante em que o médico soltou uma risada melódica.

"Bem, você não quebrou nada, mas é melhor usar uma munhequeira por alguns dias. Aqui," Ele tocou de leve na parte que estava roxa. "Você machucou um pouco, formou um hematoma. Se quiser, posso te receitar uma pomada para melhorar a dor. Deve desaparecer em uma semana no máximo." E antes de eu poder falar alguma coisa, o homem colocava uma faixa elástica marrom ao redor de minha mão e punho.

"Você sabe que eu vou devolver isso para o senhor, não sabe?" Mais uma vez a risada, perfeitamente afinada. Eu cantava, e minha risada não era assim gostosa de se ouvir - me sentia uma gralha sempre que ria.

"Por favor, senhor não!" ele pediu, fechando sua maleta. "Você faz eu me sentir muito além de minha idade assim. Me chame de Carlisle." o médico terminou, estendendo uma mão para mim. Retribuí com minha mão boa, dando um pequeno sorriso.

Carlisle.

Que nome antigo.

"Isabella Thompson. É um prazer."

"O prazer é meu, Isabella."

Tomei o resto de meu cappuccino, indo em direção ao lixo quando meu copo ficou vazio. Quando voltei, o via remexendo em um dos bolsos de sua calça.

"Muito obrigada pelo café, e pela consulta." agradeci, enquanto arrumava minha mochila nos ombros e pegava com minha mão ilesa os livros sobre a mesa. Olhei para o celular, se me apressasse no mercado, ainda conseguiria chegar em casa antes das cinco.

Saímos da cafeteria, Carlisle segurando a porta aberta para passarmos, e me estendendo um pequeno cartão branco quando cheguei ao lado de fora.

"Para você saber onde me encontrar, caso queira me devolver a munhequeira."

Carlisle Cullen, Ortopedista e Clínico Geral. Logo abaixo, um endereço, que reconheci como sendo do hospital que ficava no centro da cidade, e o número de seu telefone móvel.

"Vou devolver." Afinal, tinha uma boa meia dúzia destas em casa. "Obrigada." Guardei o cartão num dos bolsos, voltando a ajeitar os livros nos meus braços para não ter risco de cair outra vez.

"Se sua mão piorar me procure, ok?" disse que sim, e ele enfiou as mãos nos bolsos do casaco. "Tenha um bom dia, Bella." falou, indo embora antes que eu pudesse dar qualquer resposta.

Era um estranho tão diferente e tão simpático, coisa rara de se ver naquela cidade apressada. Onde será que eu havia visto alguém tão parecido com este médico, para ele me dar essa sensação tão grande de familiaridade? E aquele rapaz? Queria poder ter olhado melhor para os fios quase ruivos, tinha quase certeza que já havíamos nos conhecido em algum lugar. Talvez em uma das festas loucas de Al. Será que ele era da região?

Uma rajada de vento fez eu voltar a me mexer. Olhei para minha mão, que latejava agora no frio: maldito dia para esquecer de colocar luvas na mochila. Ao menos seriam só alguns minutos até chegar em casa. Voltei a colocar os fones de ouvido, dando novamente play no IPod enquanto pensava se já não era hora de trocar estes por fones wireless, e me apressei para o mercado.

...

Ponto de vista de Alice

Estacionei o carro na garagem, exausta, quase sem forças para abrir a porta. Quis gritar quando vi o horário que o relógio marcava: sério que já eram onze e meia da noite? Por mais que eu gostasse do meu trabalho, aquilo já era escravidão! Ao menos teria o final de semana de folga, alguma vantagem por me matar de trabalhar na sexta feira.

Só quando abri a porta do carro depois de um minuto considerando a possibilidade de dormir ali mesmo foi que lembrei o porquê tinha me apressado tanto para chegar em casa. Fechei a garagem com pressa, tremendo com o frio que aumentara consideravelmente naquela noite, quase correndo para a porta de casa. Havia ligado para Bella no pequeno intervalo que tivera para um lanche e ela comentou por cima que sua mão estava um desastre por causa de um tombo – sabia que iria acontecer alguma coisa com ela, sabia que deveria tê-la levado até em casa.

Sempre fui protetora demais em relação à minha irmã – não sabia explicar se isso era coisa de irmã mais velha, ou se era por causa da capacidade dela atrair pequenos desastres por onde quer que passasse. Como na Starbucks, que ela disse estar quando caiu naquela tarde. Por Deus, quem cai numa cafeteria?

"Izzy?" chamei, abrindo a porta e logo sentindo o cheiro da janta: macarrão com queijo, bem coisa de sexta feira. "Sabe que você poderia - deveria - ter pedido uma pizza ao invés de se meter na cozinha com a mão nesse estado."

"E você sabe muito bem que, por algum motivo desconhecido, não temos um telefone de um delivery de pizzas."

"Era só pedir em qualquer pizzaria pelo aplicativo no celular Izzy, não seja uma velha não tecnológica."

"Poderia ser ruim."

"Eu poderia ter comprado algo no caminho em algum lugar conhecido."

"Eu não queria incomodar." Quase bufei, largando minha bolsa no sofá e indo para a cozinha. "E minha mão não está tão ruim assim." A vi revirar os olhos e pegar a panela de macarrão com as duas mãos para provar seu ponto. "Você é muito preocupada, Al, vai ficar com cabelos brancos cedo demais."

"Você é tudo que me resta, eu tenho que me preocupar." Peguei à força a panela que ela segurava, apontando para a cadeira que era onde Izzy sabia muito bem que deveria estar. "E mesmo se não fosse, eu sou a irmã mais velha. Está no contrato que eu tenho que me preocupar e cuidar de você mais ou menos até o resto da minha vida."

Nos servi de macarrão, contente ao ver que minhas palavras haviam lhe arrancado uma boa risada. Bem, o que não arrancava uma risada de Isabella? Minha irmã sempre estava rindo. Não sei o que teria sido de nós – de mim – na época do acidente sem a risada dela.

"O que acha de comermos na frente da TV, debaixo do cobertor?" sugeri, chutando minhas botas e já me dirigindo para a sala.

"Eu pego a coca!" Teimosa.

E segundos depois, estávamos as duas espremidas no sofá, sentadas debaixo de um cobertor de casal, vendo o início de Bonequinha de Luxo. Nem mesmo consigo lembrar de quantas vezes havíamos visto aquele filme, mas por algum motivo ele era um de meus preferidos, e Bella não se importava em re-assistir quantas vezes eu achasse necessário.

"Harry era o outro homem. Eu sou Sid, lembra-se?" Já sabíamos aquelas falas de cor.

"Então, como foi o seu dia?" dei mais uma garfada no macarrão. "Além da mão, claro."

"O médico que me ajudou era realmente simpático." A ouvi abrir a coca-cola e encher nossos copos enquanto dava mais uma garfada na janta. Estava maravilhosa, como sempre. "Carlisle Cullen, esse nome te faz lembrar algo?" Fiz que não, pegando meu copo. "Pareceu tão familiar. Por um momento, foi como se eu já o conhecesse."

"Irmãzinha, você bateu a mão ou a cabeça?" caçoei, esvaziando rápido o copo e o colocando na mesinha de centro. "Deve ter ficado desorientada com a beleza estonteante que você disse que ele tinha." Ela me lançou um olhar um tanto irritado, voltando sua atenção para o filme.

"...nada de mal poderia lhe acontecer ali."

"Vamos, não fique brava." pedi, o macarrão no meu prato quase no fim. Sério, como ela conseguia cozinhar tão bem? "Se for para você sorrir, eu te conto que hoje na loja, um pouco depois que eu te liguei, conheci provavelmente a mulher mais linda do planeta." disse, me lembrando da mulher de cabelos castanhos claros e olhos entre o amarelo e a cor do mel. Era estranho, mas com o comentário de Isabella, descobri finalmente porque tinha gostado dela logo de cara: a mulher parecia estranhamente familiar.

"Conheceu o clone da Angelina Jolie?" Levantei uma sobrancelha. "Deixa pra lá."

"O que importa é que ela fez minha comissão do mês inteiro em um dia, você não tem noção do quanto essa mulher gastou na loja! Ela estava comprando tudo que eu indicava!"

"Aposto que sua chefe ficou impressionada." Impressionado era pouco, ela praticamente ficou em cima de mim tentando arrancar meu segredo de sucesso depois da enorme venda. Mas isso não animou nem um pouco as outras meninas que trabalhavam comigo, claro. Na verdade, durante o resto do tempo em que fiquei na loja tinha até medo de dar as costas para alguma delas. Afinal, não é todo dia que se faz uma comissão de quase três mil dólares. "Acho que vou ver o médico modelo daqui alguns dias." minha irmã disse, apontando para a munhequeira que usava.

"Não vá se apaixonar!" a provoquei, fazendo-a mais uma vez revirar os olhos.

"Você sabe que eu não vou." Izzy voltou seus olhos para o filme. "Isabella Thompson não é adepta a encontros, ainda mais com homens mais velhos."

"Claro, claro." Sempre a mesma coisa. "Mas um dia as coisas vão mudar."

Eu já havia saído com alguns garotos ao longo dos meus dezoito anos e alguns meses, mas Bella, até aonde eu tinha conhecimento, nunca havia sequer beijado um garoto. O que eu achava muito bom, ainda mais agora que tínhamos nos mudado, mas ao mesmo tempo, me deixava preocupada. Minha irmã já tinha quase dezoito anos, já estava na hora de sair com alguém, ter seu coração partido, superar, viver um pouquinho. Jurava, antes de sair de Nashua, que havia algo entre Isabella e aquele garoto - James, argh - acontecendo. Mas quando questionei minha irmã sobre isso a cara de nojo que ela fez foi sua resposta mais sincera. 

Somos só amigos Alice, que horror!

"Mas eu sou louca por Jose. Penso, honestamente, que deixaria de fumar se ele assim me pedisse."

"Sabe, eu estava mexendo no tarô esses dias," Como ela já deveria ter percebido ao ver as cartas na cozinha naquela manhã. "Eu estava mais, na verdade, tentando fuçar um pouquinho no nosso futuro e-"

"E você não viu que eu quase perderia minha mão hoje?" Isabella me cortou, fingindo indignação.

"Eu também cometo erros!" E ela riu, enquanto eu sorria tentando focar no assunto. "Eu vi você conhecendo um rapaz." falei mais séria.

"Agora, isso sim é novidade." Minha irmã se levantou após pausar o filme, levando nossos pratos vazios para a cozinha. "Na verdade, eu quase conheci um garoto hoje, teria conhecido talvez se não fosse pelo meu tombo!" Isabella gritou do outro cômodo, enquanto eu escutava os pratos indo para a cuba da pia. Quando voltou a falar, se enrolava de volta no cobertor ao meu lado. "Você me acharia louca se eu te dissesse que eu sabia que conhecia o garoto que vi, mas não me lembro de onde?"

"Era alguém de Nashua?"

"Não tenho certeza, talvez seja." A vi suspirar, sua mão boa pegando o copo de coca. "Ele não me era estranho, sabe? Aquela pele branca, a cor do seu cabelo, eu já vi em algum lugar. Só preciso me lembrar onde o vi antes."

Bocejei, não conseguindo mais me conter. Mesmo toda aquela cafeína não estava dando jeito no meu sono.

"Mas de qualquer jeito, não é como se eu fosse vê-lo outra vez." Izzy deu os ombros, e por um momento vi uma expressão quase triste em seu rosto. Ou então talvez o excesso de sono já estivesse me fazendo imaginar coisas. Ela havia apertado play, o filme novamente de ruído de fundo.

"Acho que essa coisa de ficar vendo familiaridade onde não existe é falta de café e uma noite bem dormida." Encostei a cabeça no sofá, tentando ficar confortável. Meus olhos estavam tão pesados que tinha certeza de que não duraria até o final do filme. "Se eu cochilar, você me acorda depois?" Mal a ouvi dizer sim antes de cair no sono.

E aquela foi a noite onde meus sonhos começaram.


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Notas finais do capítulo

Eu to é muito contente com todos vcs, seus fofos! Nem acreditei quando vi os comentários, muito obrigada pelo incentivo!

Respondi a todos com carinho ;)
E como sempre, estou aberta a críticas/sugestões/opiniões/o que quiserem me mandar!

Beijão, e espero que tenham gostado do capítulo,
Ania.



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