Além de uma vida escrita por Ania Lupin


Capítulo 17
Biscoitos da sorte




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/752976/chapter/17

Ponto de vista de Bella

O celular tocando era o que tinha me acordado naquela manhã – e a vontade de jogá-lo contra a parede quase superou meu autocontrole. No quinto toque, tateei as cegas meu criado mudo, xingando alto quando não achei nada. Ter que levantar para atender a um telefonema às dez e meia da manhã de um domingo não melhorava muito meu humor – maldita pessoa insistente do outro lado da linha.

Quando achei o celular dentro da bolsa nem me preocupei em checar quem era pelo visor – a única pessoa que merecia minha educação naquele momento certamente não me ligaria àquela hora de um domingo. Às vezes era surpreendente – e assustador – o quão bem Edward já me conhecia em tão pouco tempo.

"Quem é você e o que quer a essa hora?", perguntei meio rabugenta, me jogando de volta na cama. A voz que veio do outro lado da linha foi completamente inesperada.

"Feliz ano novo pra você também, Bells!"

"Jamie?" Por que ele estaria me ligando tão cedo? Justo ele, que pelo que eu bem lembrava, tinha um caso com sua cama ainda maior que o meu. "Acho que você está um pouco atrasado para me desejar isso, já que estamos quase no final de Janeiro de dois mil e vinte e sete."

"Mas o que vale é a intenção, não?", ele disse, dando risada.

"Claro, Jamie, claro." Bocejei, olhando inconformada mais uma vez para o relógio. "Aconteceu alguma coisa para você me ligar a essa hora? Você nunca liga. E você sumiu!"

"Esse último mês foi uma loucura, Bells. Vim resolver umas coisas em Manchester," Em pleno final de semana? "E já que tive que madrugar, estava com esse desejo de acordar mais alguém. E também queria companhia para o almoço, se você não tiver algum outro plano para o domingo." Uma risada. "Afinal, eu realmente dei uma sumida."

Mais um bocejo. Bem, não era como se eu tivesse alguma coisa já marcada naquele dia, poderia muito bem aceitar o convite.

"Você conhece o Mr. Wong, um restaurante chinês que fica perto do centro da cidade?" Fiquei mais animada quando recebi um sim. "Te encontro lá por volta da uma da tarde, está bom para você?"

"Não prefere que eu passe aí?"

"Já sou uma menina crescida, Jamie, sei me virar, sabia?"

"Vai levar o seu namoradinho?" ele provocou.

Ignorei e me virei na cama, um pouco frustrada por saber que não conseguiria mais pegar no sono – nem teria mais tempo direito para algo além de um pequeno cochilo. "Te vejo em algumas horas." E desliguei, sem esperar uma resposta.

...

Ponto de vista de Edward

"Obrigada." Isabella disse quando abri a porta do Volvo para que ela saísse.

A ligação dela havia me surpreendido naquele domingo – o convite só aumentava a surpresa. Havia dado a desculpa de ser vegano para conseguir pular qualquer convite de almoço ou jantar que havia acontecido durante aquele mês de janeiro, e por enquanto havia funcionado perfeitamente - pois graças a algum Deus Isabella ainda não havia pensado em começar a cozinhar comidas que eu podia comer. E eu teria passado o convite para um almoço num restaurante chinês - que imaginei que fosse ser com Alice, humana que andava muito mais tagarela sobre minha alimentação -, se não fosse sua última frase.

James quem me convidou, o garoto do parque, você lembra?

Perfeitamente. Minha última vontade era deixá-la sozinha com aquele psicopata reencarnado – por mais que ele parecesse ser uma pessoa normal, e por mais que ele não parecesse passar realmente de apenas um amigo. Ciúmes de um humano Edward, aquilo beirava o ridículo.

"E obrigada pela carona." Tive que conter o impulso de revirar os olhos – como se eu não fosse buscá-la, ainda mais com o rumo que estávamos tomando. Nunca mais a deixaria sozinha. "Aqui deve haver algum prato vegano, com certeza-"

"Eu já comi, querida.", respondi de imediato, recebendo um olhar surpreso. "Quando você me ligou, estávamos acabando de almoçar." Envolvi um de meus braços ao redor de sua cintura quando entramos, meus olhos imediatamente procurando o loiro que estaria nos esperando.

"Você não precisava ter aceitado meu convite, sabe disso não?"

"Eu não aceito nenhum convite seu porque preciso, e sim porque adoro sua companhia." Lhe dei um beijo estalado na bochecha, a fazendo aumentar o sorriso. "Sabe disso, não?"

"Acho que sei, mas é sempre bom ouvir."

"Posso repetir o que você quiser," Mais um beijo. "Por toda a eternidade, se você desejar."

"A eternidade é muito tempo.", ela disse, mas sorria enquanto me olhava, e seus olhos brilhavam, lindos. Não, não era muito tempo. Às vezes sentia que uma eternidade com ela não seria o suficiente.

Foi um chamado alegre que interrompeu nosso momento.

"James!" Vi minha Bella ir até o homem loiro – alto, mas não tanto quanto eu, que deveria beirar os vinte anos – e abraçá-lo. Tive que conter meus instintos protetores para não arrancá-la daqueles braços que já foram tão perigosos um dia. A semelhança entre os dois James era perturbadora demais. "James, você se lembra de Edward, não é mesmo?" Meu braço voltou quase que automaticamente para sua cintura, enquanto o cumprimentava com minha mão livre.

"Então, você realmente está com um namoradinho?" o rapaz disse após nos sentarmos, fazendo Isabella corar em cinquenta tons de vermelho diferentes. "Velho, cuida bem da nossa Izzy, viu?" ele continuou, apontando um dedo para mim. "Ela é mais sua responsabilidade do que minha, agora!"

O almoço correra bem, sem nenhum desagrado de nenhuma das partes. Na verdade, era ótimo escutar as lembranças dos tempos de criança que os dois dividiam, alegres, durante a refeição. Ela parecia ter sido uma criança adorável, como antes, como da primeira vez. Eram tantas memórias felizes - e ele fazia parte de tantas, que minha paranoia quanto ao passado tinha ido quase totalmente embora.

A conta fora paga – a parte de Bella ficando aos meus cuidados após alguma insistência –, e o garçom voltava com os dois cartões de débito, junto de três biscoitos da sorte.

"Você realmente não precisava." Ela ainda estava envergonhada, aquele rubor adorável em suas bochechas.

"É para você se acostumar. São poucos os restaurantes em que eu como, devido a minha opção, mas não quero negar a você as comidas que gosta – então quando te levar para sair à noite-"

"Eu vou comer e você vai tomar uma coca?", ela me cortou, quebrando seu biscoito. De canto de olho, podia ver James fazendo o mesmo, revirando os olhos ao ler sua frase.

"Não compense na ira o que lhe falta na razão." Sério que não tinha nada melhor?

Contive um riso: aquela era a frase ideal para ele - pelo menos para seu eu antigo. Bella também leu a sua, e minha curiosidade não me deixou não perguntar qual era.

"Sua visão se tornará clara apenas quando você puder olhar dentro de seu coração." Ela leu em voz alta. "Não sei se fez muito sentido para mim. Bem." A vi dar os ombros – para mim, a frase era tão clara. Ela comeu a casca crocante, e eu já empurrava o meu, ainda fechado, para ela quando Bella me parou. "Você tem que abrir, ao menos. É seu." E quando que poderia deixar de fazer algo que essa jovem me pedisse?

Crack.

"As pessoas se esquecerão do que você disse e do que você fez, mas nunca se esquecerão de como você as fez sentir."

"Fez sentido?" Tive que sorrir.

"Todo o sentido."

—____

Ponto de vista de Jasper

Não tinha outra conclusão possível: Alice estava abertamente fugindo de mim – nem ao menos tentava esconder o fato. Nas aulas, ela era a primeira a sair, e quando eu pedia – nas duas vezes que pedi – para ficar até mais tarde, era como se não tivesse falado nada. Sempre que eu surgia no corredor, ela dava um jeito de desaparecer, e quando me via no estacionamento, praticamente corria para seu carro.

Era frustrante.

E era por isso que, naquele domingo, eu havia criado coragem suficiente para bater naquela porta. Não tinha como Alice não estar em casa – o carro estacionado na garagem aberta a denunciava.

Bati uma vez. Bati duas. Três.

Esperei um, dois, cinco minutos. Dez.

Até que ouvi um som vindo de dentro da casa, e por um momento, achei que finalmente seria atendido. Mas a pessoa aparentemente parou na frente da porta, e não fez mais som nenhum. Estava a ponto de começar a gritar.

Bati outra vez, e pude ouvi-la prender a respiração. Mas, além disso, não foi feito mais nenhum movimento.

"Alice, eu sei que você está aí atrás."

Nenhuma resposta.

"Me desculpe se fiz algo de errado."

Silêncio.

"Eu sei que não fui a melhor das pessoas no dia 31. Sei que te machuquei, mas Alice..."

Outra vez minha única resposta foi a mistura de sentimentos que sempre sentia junto a ela.

"Alice, abre a porta." Seria tão fácil derrubar aquele pedaço de madeira e entrar. "Por favor."

Minha mão mais uma vez parou na porta, e me custou todo meu autocontrole para não fazer o que tanto me tentava – só precisava dar um empurrãozinho para abrir. Mas não, ela estava ali atrás. E o que acharia de alguém que, além de lhe deixar uma enorme marca roxa, quebra sua fechadura apenas com as mãos?

"Al." A ouvi prender a respiração mais uma vez. "Al, por favor, abre." Um soluço. Não, tudo menos isso. "Você está chorando?" Outro. "Não querida, não chore." O que eu havia feito para ela ficar daquele jeito?

Ficar ali começava a ser angustiante.

"Quer que eu vá embora?" Minha resposta foi somente o silêncio de palavras, acompanhado do choro.

Tudo que queria era pega-la nos meus braços e embala-la, dizer que estava tudo bem. Que o que quer que eu tenha feito, iria consertar. Que nós começaríamos outra vez, que ela precisava me dar aquela chance. Mas no segundo seguinte, eu dava a partida no carro.

—____

Ponto de vista de Edward

"And if you left I would be two-foot small, and every tear would be a waterfall." Guiava quieto, olhando para frente enquanto a ouvia cantar.

Após nos despedirmos de seu amigo, passamos no cinema – onde tinha estreado um filme que ela comentara querer ver semana passada –, e na saída a levei para tomar um café. E aquelas pequenas coisas haviam gastado nossa tarde inteira – já eram quase sete horas da noite da noite, e eu dirigia meu Volvo de volta a casa de Isabella.

Virei meu rosto para a jovem mais uma vez quando a vi olhar para fora da janela, parecendo tentar enxergar algo em sua garagem. Estacionei na frente da casa de nossas duas meninas humanas sem precisar desviar minha atenção de Bella.

"Soundless, boundless I surround you,I didn't know I was looking for love until I found you..."

A voz dela era simplesmente linda, como não havia percebido aquilo da primeira vez? Como não a fiz cantar para mim? Ouvi-la cantando era tão bom, tão real – ela não era mais uma fantasia de minha mente, minha Isabella estava realmente ali. Desliguei o rádio sem que ela percebesse, e por alguns segundos foi somente a voz doce e afinada que ouvi.

"I just didn't know." Mas Bella percebeu cantar sozinha logo no instante seguinte, e a timidez tomou conta, a fazendo parar. "Ei!"

"Prefiro muito mais ouvir só a sua voz.", disse, sincero, a puxando para perto.

Desde nosso segundo primeiro beijo, era quase impossível para mim ficar longe daqueles lábios. E ela não objetava nunca, não se importava em quantas vezes nossos lábios se encontravam – parecia os querer sempre tanto quanto eu.

"Você ainda tem que cantar para mim.", ela disse, quando nos separamos. "Não me importa se você der a desculpa de ser desafinado – quero ouvir de qualquer jeito." Não, longe de desafinado, meu amor. "Eu cantei para você."

E ela me deu aquele olhar – aquele com o qual sabia que Bella conseguiria o que quisesse de mim. O que ela queria, uma pedaço de mim, meu coração? Venha, o pegue, pegue tudo que tenho – eu sou seu, e somente seu.

"Como posso negar algo quando você me olha assim?" Não conseguia me manter longe dela, um dos braços ainda a tinha envolvida pela cintura. "Você me tem aqui.", falei, mostrando a palma de minha mão livre.

Suas próximas palavras quase me fizeram rir. Se ela ao menos soubesse! Soubesse o quanto esperei para tê-la ali comigo outra vez.

"Eu não quero aqui.", ela falou, pegando na palma de minha mão. "Eu quero aqui." E no instante seguinte, levou essa mesma mão para meu peito – meu coração.

"Quem disse que você não tem?" Você já está ali, Bella. Já tomou cada molécula, há tantos anos – não tem espaço para mais ninguém.

E então, ela riu. Não contive minha pergunta – por mais que já tivesse quase total certeza da resposta que viria.

"Do que você ri?"

"Disso!" Ela apontou para nós dois, desviando o olhar para fora do carro. "Quero dizer, é tão improvável. Você, eu." A vi dar os ombros, uma expressão triste tomando conta de seu rosto. Como ela sempre, sempre, pensava assim – como conseguia? "Edward, olhe para você. Você pode conseguir quem bem qui-"

"Não." A silenciei com um dedo, minha outra mão deixando sua cintura e colocando alguns fios de cabelo que insistiam em cair para trás de sua orelha. Bella, a bobinha. "Pare. Olhe para você. Uma jovem maravilhosa. Linda, inteligente, que tem o sorriso mais perfeito quando fica envergonhada, e a voz mais doce que já escutei. Que me faz sorrir, rir. Me faz sentir bem, aqui." Minha mão voltou com a dela para meu peito – mas o olhar incrédulo continuava ali.

Por que era sempre tão difícil para Isabella acreditar que era ela a única coisa que eu precisava para viver?

"Bem demais. Às vezes, sinto que meu coração vai explodir." Ao menos havia arrancado uma quase risada dela – não consegui conter a minha própria com isso. "É bem clichê, eu sei."

"Não." O sorriso estava de volta. "Eu gostei de ouvir isso. É bom saber que você sente o mesmo."

Mais uma vez não consegui não beija-la – meus lábios estavam nos dela antes que me desse conta, uma mão na sua cintura a puxando para mais perto, a outra se perdendo no contorno de suas costas. Real, ela era real. A beijava com muito menos controle do que algum dia a beijara no passado, e logo os lábios vagavam pelas suas bochechas, seu queixo, o lóbulo de sua orelha. Seu pescoço – o lugar onde eu a sentia viva de verdade.

"Deus, Bella." A beijei ali, e pude sentir um arrepio percorrer o corpo que segurava em meus braços, os sons que saíam de seus lábios partidos me deixando à beira do descontrole.

Mas de um instante para o outro tudo ficou diferente. Não passou despercebido por mim o fato de suas mãos – tão frenéticas pelo toque quanto as minhas –, de repente pararem nos meus ombros, e não se mexerem mais. Ela ficara estática, e por um segundo meu desespero tomou conta – eu a havia machucado?

As palavras seguintes juntas com o olhar perdido explicaram tudo.

"Não. Não me afaste, por favor," Mais uma vez. "Eu preciso tanto disso." Bella se lembrava de mais alguma coisa, mais uma vez, e eu sabia exatamente qual memória era aquela.

Bella, é demais.

Havia sido na semana de seu aniversário de dezoito anos, depois do acidente, e eu simplesmente não conseguia tocá-la sem sentir nojo de mim mesmo. Era tão errado, como poderia merecer aquele toque algum dia? A afastava, dia após dia, sempre morrendo por dentro ao ver nos olhos castanhos o sofrimento que a rejeição lhe causava.

Chega, Isabella.

Chega.

Não iria mais afasta-la, nunca mais.

Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa meus lábios estavam nos dela. Isabella pareceu sair de seu transe no instante seguinte, e correspondeu o beijo com uma nova urgência – num segundo estava sentada no banco de passageiro, no outro, sentada no meu colo, as mãos se prendendo em meu cabelo. E meus braços não a afastaram daquela vez, mas sim a puxaram para mais perto, o mais perto possível, modelando aquele corpo no meu.

"Bella," sussurrei quando ambos nos separamos, a jovem em cima de mim completamente sem ar. Sua boca não ficou tanto tempo longe de mim – me senti tremer por inteiro quando a ponta de sua língua traçou meu pescoço, como antes eu havia feito. Só percebi o que tinha feito quando a escutei – minhas mãos foram para seu quadril, puxando-o contra mim, e eu ouvi o som mais sensual que já escutara nesse mais de um século de vida. E mais uma vez ela levava seus lábios para os meus.

Fui pego de surpresa – e foi tão difícil não ceder as minhas vontades – com o que Isabella disse quando quebrou o beijo para tomar fôlego.

"Alice não está, você quer-"

"Por Deus, não me convide para entrar." O olhar que encontrei me fez lembrar o que eu prometera em silêncio minutos atrás: nunca mais afasta-la por medo. "Porque eu vou." Ela tinha que saber daquilo, tinha que saber que não era a única que sentia aquilo. "Eu te quero tanto.", falei, afundando meu rosto na curva de seu pescoço. "Você acredita em mim, não acredita?" Um beijo naquela pele tão fina, tão delicada.

"Edward?" A voz veio depois de um minuto inteiro de silêncio.

"Sim?" Nenhuma resposta. "Bella?"

Ouvir aquilo de novo, depois de tanto tempo... Não existiam palavras para descrever o que sentia.

"Eu acho que te amo."


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Mais um! Espero que tenham gostado ;)
Opiniões, críticas, dúvidas: podem sempre falar!

beijo grande,
ania



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Além de uma vida" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.