Além de uma vida escrita por Ania Lupin


Capítulo 18
Primeiro de Fevereiro


Notas iniciais do capítulo

Gente, mais um!
Quero agradecer a Helen, fofa que começou a acompanhar e comentou capítulo por capítulo! Um beijão pra ti ;)

E agora, enjoy ;)



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Ponto de vista de Alice

Minha vontade, aquele dia, era de matar todas as aulas – no trabalho, a folga já estava garantida, aquela segunda-feira alegremente trocada pelo sábado –, mas deixar Bella sozinha naquela escola pareceu injusto demais. Ou talvez fosse eu que precisasse ficar rodeada de pessoas naquela primeira parte do dia – longo demais.

A aula de história – a pior que sempre tinha que aguentar naquele primeiro dia da semana – passava ainda mais devagar hoje. Mas daquela vez o fato não se atribuía ao professor, pela primeira vez, tinha algo além de Jasper nos meus pensamentos durante a Guerra Civil.

Jasper. Desde o dia em que ele surgira na minha porta, nunca mais trocamos uma palavra. Ele não procurava me manter pós-aula, e eu nunca mais o vira nos corredores quando não estava dentro da sala – e eu também tentava me manter o mais distante possível. Era melhor assim, por mais que tivesse ficado tentada a abrir a porta naquele domingo, era simplesmente melhor não me envolver com ninguém, a última coisa que queria era fazer o outro lado sofrer, se algum dia...

Além do mais, como alguém como ele poderia querer qualquer coisa séria comigo?

O sinal tocou depois do que pareceu uma eternidade, e não me atrevi a levantar o olhar antes de sair da sala. Quando cheguei ao refeitório, minha irmã estava tão perdida em pensamentos quanto eu, sentada sozinha na mesa de sempre. Como eu, ela havia pegado uma fruta qualquer para lhe servir de almoço, percebi quando me sentei frente a ela.

"As aulas estão demorando para passar só para mim, ou você sente o tempo estupidamente mais devagar hoje também?", perguntei, e a única resposta que obtive foi um sorriso simpático. "O que você vai fazer depois da aula hoje?"

"Nada planejado." Mas eu tinha algo planejado – como sempre tinha, naquele particular dia do ano – e perguntar se ela viria comigo não era uma coisa que tinha em mente.

"Acha que pode passar à tarde com Edward?" A vi suspirar, a pera que iria morder voltando para cima da mesa.

"Alice, você sabe que não precisa-"

"Eu sei que não preciso, mas eu quero. Você vai ficar bem com ele?" Para meu alívio, Isabella fez que sim, mas não se esforçou nem um pouco para sorrir desta vez. "Bom. Temos que fazer os exames outra vez, não se esqueça. Quer que eu os marque?"

"Eu ligo para Ronald, não se preocupe." Graças a Deus.

Me atrevi a dar uma mordida na maçã – a primeira coisa que colocava na boca naquela manhã – e imediatamente me arrependi. Como sempre, nada descia muito bem pela minha garganta no dia primeiro de fevereiro. No dia de aniversário da morte de nossos pais.

Senti que iria gritar ao ver o rosto tão conhecido no refeitório – por que, de todos os dias que tinha, era justo no pior que ele aparecia? Lembrar de sua existência já era tão doloroso hoje!

Tentei desviar meus olhos, mas observá-lo era como uma droga – Jasper era tão lindo! E era tão irritante que eu não era a única a olhá-lo dentro daquele lugar. Meus olhos castanhos sem graça disputavam com outras dezenas de pares naquele almoço, enquanto ele pegava uma coisa qualquer para comer, seu olhar não desviando de sua bandeja uma vez sequer.

"Estamos nos últimos anos para isso se manifestar, você deveria dar uma chance, Al." Afinal, alguém notara onde meus olhos estavam. Bella sabia o que estava acontecendo – era impossível esconder o motivo de meu humor tão ruim durante algumas noites – e tinha uma opinião totalmente diferente da minha.

"Você sabe que a chance de uma de nós duas sair sem isso é pequena. E se for para uma de nós duas ter-"

"Não é como se você pudesse controlar isso.", ela disse o que eu odiava admitir, acabando rapidamente com o pouco resto de bom humor que me restava. Não tinha como eu continuar sentada numa sala naquela segunda.

Estava de pé no segundo seguinte.

"Acho que vou matar o resto das aulas."

"Al-" Não poderia dar tempo para minha irmã responder aquilo.

"Te vejo depois, Bells!" Agarrei minha mochila, rumando para longe dali, para perto do carro.

Mas quando cheguei ao lado da Nissan vermelha, simplesmente não conseguia achar a droga da chave do carro dentro da mochila bagunçada – cadernos, canetas e mais canetas, balas, lápis, dinheiro, carteira...Onde estava a droga da chave?

Encostei-me no veículo, fechando os olhos, e só quando a mochila quase escorregou dos meus dedos que percebi que minhas mãos tremiam – eu inteira tremia. Odiava aquele dia, quase mais do que tudo na vida, e a cada instante que passava amaldiçoava o fato de não ter ficado deitada na cama, fingindo estar com algum resfriado.

E claro que o pior dia do ano sempre tendia a piorar – isso foi comprovado quando meus olhos, que encaravam o chão após terem desistido de achar a chave, viram um par de pés além dos meus. Quando senti o cheiro que me rodeava, não precisei levantar a cabeça para saber quem era.

"Não, hoje não-"

"Alice-"

"Por favor.", respirei fundo, e meu olhar voltou para dentro da mochila, minhas mãos procurando freneticamente a chave do carro. Precisava sair dali, precisava sair dali agora!

A última coisa que queria era desabar na frente dele... E aquilo quase aconteceu quando senti um par de mãos frias me segurarem – nem mesmo pensei antes de quase gritar as próximas palavras.

"Eu não posso conversar hoje, que saco!" Ah, a chave!

Me livrei das mãos, e apertei o botão que destravava as portas logo abrindo a do lado do motorista. Mas aparentemente, Jasper não havia escutado – ou havia ignorado totalmente – o que eu acabara de dizer. Minha porta nunca se fechou. Ele estava com a chave nas mãos no segundo seguinte.

Mordi meu lábio inferior para tentar conter minha frustração, assim como fechei minhas mãos em punhos.

"Professor Halle-"

"Você não vai dirigir nesse estado." A voz dele praticamente havia me ordenado, seu rosto me desafiando a pegar a chave de suas mãos.

"Agora, quem é você para me dizer em qual estado eu posso ou não dirigir?" Mas ele não deu atenção para minhas reclamações – começou a andar para longe do carro, tirando um celular de um dos bolsos.

Quando saí, fechando a porta, esta foi imediatamente trancada, e pude vê-lo discando um número em frente a um Porche. Um Porche amarelo, do qual ele provavelmente era dono, pois enquanto minhas chaves eram escondidas, novas surgiam para destrancar o outro veículo.

"Ei!" Sério que ele iria embora e me deixaria sem meio de transporte?

Me aproximei rapidamente, meus saltos quase afundando no concreto de tanta raiva, e me amaldiçoei mais uma vez por não ter permanecido na cama – o dia teria sido tão mais fácil. Mais alguns passos e conseguia ouvir que ele falava com seu irmão do outro lado da linha.

"Edward? Você pode buscar Isabella na escola hoje?" O que?

"O que você está fazendo?" Parei na frente dele, e Edward, pelas suas palavras, pareceu concordar com o requisitado. Jasper ainda falava com ele como se eu não estivesse ali. "Sério? Eu estou falando com você!"

Mas bater no braço dele não foi uma ação muito esperta de minha parte.

"Aw!" Minha mão esquerda foi forte para a junção do seu braço com seu ombro, mas ele nem ao menos se mexeu – parecia que eu tinha socado uma pedra. Senti em segundos que onde eu tinha batido começava a latejar – só esperava não ficar com a mão igual à Bella, meses atrás.

Mãos frias a envolviam no momento seguinte – elas poderiam muito bem estar envolvidas em uma bolsa de gelo. Fiz uma careta quando o ponto de dor foi pressionado um pouco mais forte, mas pouco tempo depois, mal sentia a dor, sentia minha mão anestesiada.

"Para onde você vai?"

"Para lugar nenhum, de acordo com você." Claramente não era a resposta que Jasper esperava.

"Alice," Ele começou, me guiando para o outro lado – para a porta do lado do passageiro, a abrindo para mim. Ele falava sério? "Eu vou te levar, ou vou chamar um táxi para te levar, mas definitivamente você não vai tocar no volante. Outra vez, para onde você vai?"

Ok, Jasper enfim havia vencido. Mas ele tinha alguma idéia da distância que iria percorrer?

Suspirei, indo me sentar no banco de couro.

"Providence."

—_________

Ponto de vista de Bella

Sabia imediatamente para onde Alice havia ido quando vi o Volvo preto parado na frente da escola, o rapaz de cabelos cor de bronze me esperando, encostado no carro. Pela primeira vez, não fiquei feliz ao vê-lo – minha irmã conseguia sempre me deixar maluca naquela data, e eram poucas coisas que melhoravam meu humor.

Tentei meu melhor para dar um sorriso enquanto conversávamos, rumo a um restaurante, de acordo com ele, mas meus lábios mal se ergueram. Estava triste pelo dia de hoje, estava irritada por Alice ter ido embora sem me dar explicação, e definitivamente queria ter passado à tarde sozinha, e não com Edward ao meu lado.

Era só que, eu não queria desabar na frente dele – não queria desabar na frente de ninguém. Mas ao voltarmos para o carro, após meu almoço, não tive a coragem de dizer que queria ficar só, quando o ouvi me perguntar se queria ir para sua casa. Ele só queria ajudar, só queria tentar fazer eu me sentir melhor – mas aquela definitivamente não era uma tarefa fácil em nenhum primeiro de Fevereiro.

"Você está quieta hoje." Ele observou o óbvio – acho que não dissera mais de cinco frases desde que o vira – enquanto uma de suas mãos brincava com alguns fios do meu cabelo. "Quer comer alguma coisa?" Quase revirei os olhos.

"Você acabou de me levar para comer.", respondi, trocando mais uma vez de canal – nada parecia prestar na TV hoje.

Estávamos no quarto de Edward, nós dois sentados no sofá de casal que havia em um dos cantos junto ao aparelho de televisão. Só agora que uma coisa me vinha a cabeça: aquela era a segunda vez em que entrava naquele quarto tão bem decorado. Mas enquanto era para eu estar com vergonha de permanecer ali com ele, nós dois tendo hoje a casa vazia, o que poderíamos fazer em uma casa sem ninguém não se passava pela minha mente naquela tarde.

"Você não comeu muito." E Edward, tão preocupado, como sempre. E eu, o tratando tão friamente desde o primeiro minuto que o vira hoje – realizar aquilo estava me fazendo sentir uma pontada de culpa, como se o dia não estivesse ruim o suficiente. "Quer conversar?" Fiz que não, tirando os pés descalços do sofá. "Quer que eu toque piano para você?" Não mais uma vez, agora me levantando. "Quer ficar sozinha? Se você quiser, eu posso-"

"Sshh." Estendi minha mão para ele, que não demorou a pegar. "Eu quero me deitar, só um pouco. Estou exausta, não dormi bem noite passada."

E Edward, me surpreendendo, como sempre. Ele me carregou até o edredom como se eu tivesse o peso de uma pluma, e me colocou deitada com cuidado – como se eu fosse quebrar com algum movimento mais brusco.

"Fica comigo." Segurei seu braço antes que ele pudesse se virar e ir embora. Só quando o vi se virando que percebi: não queria ficar sozinha. Não precisava, não tinha sentido afastar todos de perto de mim naquele dia – pelo contrário, talvez aquilo só piorasse minha situação.

Fechei os olhos quando senti o colchão se mover, uma coberta sendo jogada por cima de mim, antes de ser envolvida por um par de braços fortes. Lábios gelados tocaram a minha testa, e então uma de minhas bochechas, parando perto de minha orelha quando senti a cabeça deitar no travesseiro.

"Eu te amo, Bella. Vai ficar tudo bem." Vai ficar tudo bem – eu precisava ser iludida. Foram com aquelas palavras na cabeça que o sono me alcançou.

—_________

"Nós não deveríamos ir hoje, mamãe.", escutava Alice dizer, se levantando do sofá onde terminava seu pote de sucrilhos.

"Alice, você sabe que a mamãe tem que ir para o hospital." Nossa mãe se agachou, seu rosto ficando no da altura de Alice. "Lembra de tudo que eu expliquei para você e sua irmã? Que a mamãe está indo para lá para poder ficar curada, e brincar com vocês como antigamente?"

Mas Alice não cedeu tão facilmente.

"Não pode ser amanhã?" Vi mamãe bagunçar seus cabelos, sorrindo – aquele sorriso nunca deixava seus lábios, mesmos nos piores dias.

"Amanhã é domingo, querida, o médico da mamãe não está lá aos domingos."

"Mas-"

"Vamos fazer um trato, tudo bem?" Quando nossa mãe estendeu uma das mãos para mim, quase corri para ela após deixar o copo de leite sobre uma mesa. "Izzy vai ficar aqui com você, e a mamãe vai ligar para vocês duas assim que chegar no hospital." Ela olhou para mim, seus olhos verdes parecendo pedir para eu não contesta-la. "Tudo bem, Izzy?"

E se eu não tivesse dito aquelas próximas palavras?

"Tudo bem."

—_________

Acordei com lágrimas nos olhos – naquele dia, era sempre o mesmo sonho. Só me lembrei de onde estava quando senti os braços ainda ao meu redor, meu nariz ainda inalando o cheiro doce que sempre vinha dele.

"Bella?" A voz veio preocupada quando não consegui mais segurar um soluço.

Já estava mais escuro do lado de fora – pude ver pelas cortinas abertas – e tentei me distrair das lágrimas pensando que horas Alice voltaria naquele dia. Não adiantou.

"Quer conversar?"

"Ela nunca ligou." As palavras saíram – minha voz não mais do que um sussurro – antes que me desse conta.

Nunca ligou. O telefonema, que nos fora prometido, nunca aconteceu. Eu não falava sobre aquilo fazia tanto tempo, para quem eu tinha contado pela última vez? Havia contado, alguma vez? Ainda mais agora. Tudo se encaixava. Todos os sinais...

"Minha mãe tinha um tumor no cérebro." Me livrei dos braços e me coloquei sentada na cama, enxugando os olhos com as mãos. Não olhei, mas senti quando Edward fez o mesmo – de olhos fechados, soube que ele estava sentado ao meu lado quando uma mão pousou em um ombro. "Ela descobriu quando eu e Alice tínhamos seis anos, e dos meus seis aos meus nove anos, não me lembro de um mês que ela não tenha ido para o hospital. Mamãe estava indo em dias alternados fazer quimioterapia, e a situação dela já estava melhorando, quando aconteceu o acidente."

Passei as mãos pelo cabelo, não me importando o quão bagunçado os fios deveriam estar. Ele me entendia, não? Ao menos um pouco de minha situação – Edward também havia perdido.

"Alice se culpa até hoje, esse é o pior dia do ano para ela." O que mais queria naquele momento era que a história acabasse por aqui. "Naquele dia, ela simplesmente sabia que eles não deveriam ir. Mas quem iria levar uma criança a sério? Era só um sonho." Que ela acabasse quando minhas palavras cessassem – mas eu não havia lhe contado tudo. E nem iria contar.

Me encostei nele, que me envolveu num abraço. Mesmo ao seu lado, de olhos fechados, aquilo não conseguia sair de minha cabeça. Os sonhos, o que eu via – não era normal. Eles começaram a ficar tão claros ultimamente – eu sonhava com ele! Toda noite. Sonhos que simplesmente não poderiam ser verdade, não eram normais, eram totalmente fantasiosos. Como eu conseguia sonhar com algo tão impossível? Vampiros, por Deus!

Não queria pensar naquilo, mas era impossível tirar de minha cabeça. Mamãe, sempre irei lembrar, ficava, às vezes, minutos parada, murmurando coisas sem sentido, perdida em seu próprio mundo. Sonhava com coisas que jurava já ter acontecido – eram tão familiares. Vovó me disse que foi assim que tudo começou, que depois dos sonhos, vieram as enxaquecas, o cansaço, a visão turva. Os desmaios.

E eu estava com os mesmos sonhos que mamãe – Alice finalmente podia parar de se preocupar. Afinal, não era grande a chance das duas herdarem a mesma doença, e mais do que tudo, eu queria acreditar que ela tinha escapado disso. Precisava marcar aquele exame, e precisava dar um jeito de eu mesma buscar os resultados.

Você me amaria até o final? Me amaria como meu pai amou minha mãe, até o final, mesmo quando imaginava que não havia chance nenhuma?

Não consegui vocalizar nenhuma das duas perguntas.

—_________

Ponto de vista de Jasper

"A chuva vai continuar até o final da semana em Massachussetts. New Hampshire segue o mesmo rumo..."

Foi a última coisa que ouvi antes de desligar o rádio. Graças a Deus – a última coisa que precisava era que aparecesse o sol naquelas últimas horas da tarde.

"Diga para Bella que está tudo bem, eu estou com ela.", respondi para meu irmão, me levantando do banco do carro.

"Diga para Alice que vou cuidar muito bem de sua irmã. E você comporte-se, trate-a bem. Não é um dia comum para elas." Não havia necessidade dele me falar aquilo hoje – eu estava parado em frente a um cemitério, afinal. "Eu vou ver como ela está. Depois nos falamos."

Guardei o celular de volta no bolso da calça, e olhei no relógio: cinco e meia. A viagem de quase cinco horas havia sido silenciosa, Alice não parecendo se importar com o fato do Porche estar quase sempre acima do limite de velocidade. Talvez ela estivesse tão perdida em seus pensamentos que nem ao menos reparara no velocímetro, ou em como tudo passava em um borrão do lado de fora. E talvez, se ela não voltasse logo para o carro, não chegaríamos de volta em Manchester ainda aquela noite.

Não que me importasse com aquilo.

O túmulo que ela visitava ficava longe de onde paramos o carro, mas eu ainda podia enxergar com clareza seu casaco preto, o que me tranquilizava. A sepultura era de seus pais, pelo que Edward me contara – Isabella havia comentado na semana anterior como o dia de hoje era difícil –, mas eu já imaginava ser o lugar de descanso de alguém muito importante antes mesmo de alguém mencionar qualquer coisa. Toda a tristeza que senti durante toda a viagem, e ainda sentia agora, denunciava.

Me apoiei contra o carro, tentando me controlar para não ir até lá e pega-la nos meus braços – como era horrível vê-la soluçar sem poder fazer nada, o que eu não daria para poder ficar ao seu lado no momento! Por mais que eu lhe mandasse toda calma e conforto que conseguia, manipular seus sentimentos naquele dia não parecia uma tarefa muito fácil.

Ela havia começado a falar outra vez, um pouco mais alto do que antes, e por um momento, pensei em me afastar um pouco mais para lhe dar alguma privacidade.

"Mãe, eu tenho tanto medo... estou lutando tanto contra isso, mas já estou quase no meu limite. Como eu consigo?"

Mas apenas por um momento – a curiosidade dominou meu lado cavalheiro por completo depois da próxima frase.

"Como eu consigo não me apaixonar por ele?"

E da outra, e da outra.

"Domingo passado gastei todo meu autocontrole para não abrir aquela porta. Era o que eu mais queria, mas como?" Deus, era o que eu mais queria! Será que Alice não tinha a mínima noção de como me sentia em relação a ela? "Como posso fazer isso com ele?" Como? "E se for eu?"

Não estavam fazendo sentido algum – para mim – aquelas últimas frases. Mais uma vez, tive que me conter quando a ouvi chorar baixo, não podia ir até lá, já estava invadindo o suficiente sua privacidade.

"Não quero que Jazz sofra." Jazz. Era tão bom a ouvir me chamar assim outra vez.

Alice havia parado de falar, só permanecendo sentada na frente do túmulo, que eu adivinhava ser de seus pais pelo nome que enxergava. Voltei a me encostar ao carro, minha atenção nunca a deixando, mas em todo o tempo que se passou, minha pequena não disse mais nenhuma palavra.

De repente, já estava escuro. Ela continuava ali sentada, imóvel, enquanto uma fina garoa começava – sua respiração pesada me revelando que tinha pegado no sono. Não demorei mais em ir até onde Alice estava, minha suspeita se revelando correta: encostada na lápide, ela nem notava as gotas que molhavam sua face, os olhos inchados de tanto chorar.

Ao menos ela estava mais calma – a tristeza havia melhorado consideravelmente, e quase conseguia sentir um pouco de alegria, paz, vindo dela. A peguei nos braços com cuidado para não acorda-la, e não demorou muito até chegarmos de volta ao carro. Escutei sua voz quando fechei a porta do lado do motorista, mas seus olhos permaneciam fechados.

"Jasper?" Alice continuava dormindo, sua cabeça tombando de leve para a janela.

Sem pensar duas vezes, tirei o casaco que usava e coloquei entre sua cabeça e o carro, tentando evitar qualquer desconforto – ela precisava daquele sono. Estava tão calma agora, seria ótimo se minha pequena conseguisse continuar o resto de nossa viagem assim.

"Jazz?" Meus lábios se abriram num sorriso – quando iria imaginar Alice falando durante o sono? O mais suave que consegui, encostei meus lábios em sua testa, tentando lhe passar um pouco da felicidade que sentia.

"Durma, querida. Meu sol, eu estou aqui, está tudo bem." Minha surpresa era transparente quando de um segundo para outro, sua cabeça foi parar em meu ombro, um de seus braços se jogando descuidado pelo meu pescoço. "Alice?" Nada. "Al?"

"Jazz, obrigada." Como se você precisasse me agradecer por alguma coisa nessa vida, meu tesouro. "Eu te amo."

Foi então que congelei. Eu te amo. O quanto eu...

"Você não sabe o quanto eu esperei para você me dizer isso." Não consegui evitar mais beijar mais uma vez aquela pele, tão próxima do meu rosto. "Te amo. Eu te amo, minha Alice. Quanto tempo esperei para ouvir isso outra vez, minha pequena."

Quando, depois de muitos minutos, enfim criei coragem e me separei dela, a colocando encostava de volta no banco de passageiros, Alice tinha ainda seus olhos ainda fechados, e o sorriso mais lindo em seus lábios.


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