Lucy nunca fora uma criança propriamente normal. Nascida numa família famosa, com o pai sendo irmão de Endeavor, ela já estava destinada para a fama. Apesar de não ter nascido no Japão, considera-o o seu país, e sentia a necessidade de protegê-lo. Olhos vermelhos penetrantes, cabelos azuis como o céu diurno, pele clara e lisa como porcelana. Uma beldade que muitos achavam que não tinha nenhum defeito. E não tinha nenhum muito importante, para dizer a verdade. Era uma boa prima, ajudando Todoroki com os seus treinos, apesar de a única diferença de individualidades ser o facto de ela controlar água em vez de gelo; uma excelente amiga, que ajudava os colegas com trabalhos escolares por ser uma aluna inteligente; era uma excelente conselheira, sabia cozinhar, não era irritante… esperem. Ela tinha um defeito. Não conseguia notar que um rapaz olhava para ela de maneira diferente, querendo ser algo mais do que um simples conhecido.

Para ela, os seus olhos vermelhos eram assustadores. Para ele, eles eram hipnotizantes. Ela achava a cor do seu cabelo estranha, ele achava-a única. Ela via o mundo de maneira sempre alegre e positiva, e ele queria ser como ela, nem que fosse só por um dia. Ela era Lucy Ambrose, ele, Hitoshi Shinsou. E o de cabelos púrpura sabia perfeitamente que ela era uma pessoa demasiado boa para ele. Uma pessoa que estava destinada a grandes feitos e conquistas, a ser uma heroína que todos iam amar e respeitar. Enquanto ele nunca ia ser considerado um herói de verdade, tudo por culpa da sua individualidade.

Lucy era a luz, ele a escuridão. O sol e a luz. E ele sabia que a estrela e o satélite nunca estavam juntos no céu, sem ser quando havia um eclipse. Mas os seus pensamentos negativos nunca pensavam na possibilidade da ocorrência de um eclipse solar ou lunar. Em vez disso, ele preferia pensar que nunca estariam juntos, apenas para não iludir o seu coração. Afinal, sendo uma aluna da turma A, e uma pessoa que nunca direcionou um único olhar para ele, sabia bem que seria mais que difícil algumas vez estarem juntos. Tentava não perder as esperanças. Mas era difícil, visto que quase toda a gente perdera as esperanças nele.

Shinsou olhava pela janela da sala de aula, distraído, sem prestar nenhuma atenção ao que o professor explicava, e quando o toque para a hora de almoço ressuou, pegou na sua comida e manteve-se sentado na sua mesa, vendo os colegas saírem da sala. Estava sozinho, a porta fechada. Foi quando ouviu a mesma ser aberta, e como pensava que era um colega que se esquecera de algo, não levantou os olhos da comida dele. Mas levantou rapidamente a cabeça quando ouviu uma voz á sua frente, uma que ele muitas vezes quis ouvir de perto.

—És o Shinsou, certo?

Concordou silenciosamente com um movimento curto da cabeça, vendo os olhos de Lucy brilharem e um sorriso aparecer no rosto dela.

—AH! Estou tão feliz por finalmente poder falar contigo! Há pouco tempo vi uma gravação tua de quando estávamos no primeiro ano, e tu saíste-te muito bem naquele festival! Eu nessa altura estava numa escola do estrangeiro, e não pude competir, ahaha. É uma pena! Gostava mesmo de ter tido a oportunidade de te enfrentar! Falei com o Deku-kun, e ele disse-me tudo o que há a saber sobre a tua individualidade! E ela é incrível! Que inveja. Achas que podemos sair depois das aulas, para falarmos um pouco? Adoraria ser tua amiga, sabes? E… estou a falar demais? Desculpa, eu ás vezes não tenho consciência do quanto eu estou a falar, ahaha…

Hitoshi olhava para ela de uma maneira chocada depois de a menina ter dito o quanto achava a sua individualidade impressionante. Ela, a rapariga que o cativou, queria ser sua amiga? Aquilo era um sonho, por acaso? E tinha mesmo o convidado para um encontro, mesmo que fosse só para se conhecerem melhor? Será que não estava ainda a dormir?

—E-Ei, está tudo bem? Estou a incomodar-te muito? Se assim for, eu deixo-te almoçar em paz…

Já se ia embora, quando teve o seu braço puxado pelo outro, que estava nervoso com a possibilidade de perder aquela oportunidade, ou que tudo aquilo não fosse real.

—N-Não! Não te preocupes com isso! Eu só fiquei surpreendido com algumas coisas que tu disseste, mais nada! É que, sabes, normalmente dizem-me que a minha individualidade é perfeita para me tornar um vilão, ou simplesmente afastam-se de mim…

Baixou o rosto, os olhos escurecendo com algumas memórias, quando sentiu a mão que não estava a agarrar acariciar a sua cabeça, fazendo-o olhar surpreso para os olhos vermelhos da menina, que brilhavam.

—Ei, não ligues a esses comentários idiotas! Não são os nossos poderes que nos tornam heróis ou vilões, mas sim o que nós somos por dentro. E eu consigo ver a pessoa maravilhosa que tu és por dentro. –Shinsou ficou boquiaberto, sentindo a mão dela puxando um pouco os fios do seu cabelo.- Ei, já te disseram que tens o cabelo muito fofo ao toque? E adoro a cor dele! Combinam com a cor dos teus olhos, que por sinal, são muito bonitos. Mas devias dormir um pouco! Não é nada saudável não dormir! E se tu gostares de alguém, como é que vais conquistar essa pessoa com olheiras assim?

A última frase foi dita num tom de brincadeira, fazendo o dono das marcas debaixo dos olhos rir-se.

—Talvez tenhas razão. Mas não seria errado julgar alguém pela sua aparência? Se alguém me quiser amar, que seja com olheiras e tudo. Mas vou tentar dormir um pouco, se isso te fizer feliz.

Lucy sorriu e acenou, tirando a mão de cima do cabelo do menino, e soltando-se da mão dele. Pouco depois, ouviu-se o toque do fim do almoço, anunciando o recomeço das aulas.

—Ah! Nem tive tempo para comer! E desculpa, não te deixem terminar a tua refeição…

—Não há problema. Queres ficar com o resto dos meus bolinhos de arroz, e comê-los enquanto vais para a sala?

—S-Se não te importares…

Aceitou os bolinhos que ele lhe ofereceu, agarrando-os da mão dele, fazendo com que as suas mãos se tocassem por uns breves segundos. Depois agradeceu, enfiou tudo na boca, e correu até á sua sala, tendo sorte em não se chocar com nenhum aluno. Shinsou riu, vendo colegas entrarem enquanto conversavam uns com os outros. E desta vez, ele prestou ainda menos atenção á aula, pensando nos acontecimentos que possivelmente mudariam a sua vida.

***

O rapaz de cabelos roxos saia da escola, vendo no portão a menina com quem falara mais cedo, que ao vê-lo chegar, sorriu e lembrou-lhe do encontro deles. Hitoshi surpreendeu-se. Então, eles irão mesmo a um encontro? Pensava que ela já se tinha esquecido, visto que não tinham confirmado nada. Lucy pegou na sua mão sem hesitações, puxando-o para uma loja de gelados, depois para um parque, onde falaram dos seus gostos. Para dizer a verdade, praticamente só Lucy falou. Mas isso não importava realmente.

Porque Hitoshi Shinsou tinha achado o seu eclipse.