Os Diários da Bruxa - Interativa escrita por Bétia


Capítulo 6
X — Monotonias e casualidade.


Notas iniciais do capítulo

Como diria um grande pensador: nunca diga dessa agua não beberei pq vai que um dia vc ta lá de boa suavão tranquilasso etc aí quando ve PLAU bebeu a agua.



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"Tu viste, enfim, a mão estirada no pedido que sufocava as preces. O decoro sutil, embora nada justificável, acompanhava as pequenas gotículas que se espalhavam aqui e acolá.

A tensa súplica que surgira por sobre a água boiou pelos portais do multiverso, tão fadada quando o próprio grito espalhado no vazio. E te movestes, evidentemente instigado pela preocupação lunar, ignorando completamente o caminho esguio ao evitar a árvore torta e mergulhar no rio, na sina de ali fazer-se presente.

As sombras, entretanto, não a abandonaram quando a achastes pelo fim, emergindo fracamente no gentil apoio de teus braços. Então voastes, deixando-a no colo da mãe terra quando enfim voltastes ao infinito e além, deixando os julgamentos de lado para que ela assim vivesse ou padecesse pela vontade de Arceus.

XX12, 29 de Dezembro."

 

Fitando os rabiscos, eu abandonei o papel no extremo da janela e voltei-me a pôr a mão no rosto e a suspirar, indagando ao vento a possível razão pela qual eu não escrevia mais tão bem quanto antes, enquanto observava esse levar o meu feito para bem longe. Entretanto, a pequena Lenore no meu colo, como já era esperado, nem se mexeu, persistia em permanecer no mundo dos sonhos, se enganando ao imaginar que mais dez ou trinta minutos dormindo fossem deixá-la mais disposta para seguir a rotina do dia.

Estávamos com a ronda da madrugada para variar, mas quando começava a amanhecer, sempre voltávamos para cá, para o janelão do nosso quarto. E, depois de tudo, eu não questionava as suas ideias. Ela era só um filhote, afinal, eu pensava, deveria estar cansada, imaginando se eu seria assim também caso não fosse acostumada a acordar sempre tão cedo. E passava a mão pelo seu pelinho raso, enquanto a suína grunhia baixinho em meio a minha divagação, ainda adormecida.

E admirei as trepadeiras que nos cercavam por fora, onde volta e meia um pokémon ou vizinho aparecia para dar um alô ou bom dia. Observando o céu me sorrir calorosamente como usual, eu me arrepiei no contraste do frio de uma brisa que escapulia lá fora, me trazendo uma questão interessante à mente: A respiração gelada da Swinub contra minha perna já não me incomodava tanto quando os ares da base suspensa de Larkspur. Muito provavelmente pelo crescente apego para com a minha nova pokémon, eu justificava.

Porém, como de costume, eu me peguei voltando a cabeça para o Robyn. Será que ele também era assim com Dalila e Lasair? E parei, me obrigando a esquecer aquilo, percebendo que essa fora uma brecha pequena demais para refletir se incluía Aza ou não na questão, uma vez que este era tão novo em seu time quanto Lenore era no meu. Aliás, ela finalmente acordava.

E eu afaguei o topo de sua cabeça enquanto a pokémon se arqueava na busca da continuidade do carinho, murmurando algumas coisas sem sentido e completamente desconexas para quebrar o silêncio sepulcral que me cercava.

Annny... — Ela me chamou, manhosa, ainda mastigando o nada num claro sinal de que não estava lá bem desperta. — Que dia é hoje? — E fez-se concreta depois de um tempo, se movendo devagarzinho no meu colo com medo de pisar em falso, cair da janela, bolar até a fronteira do solo com o céu e despencar para a floresta ciana. Ou, ao menos, era o que ela me dramatizava todas as manhãs, depois de adormecer nas noites retrasadas ouvindo minhas histórias de ninar nesse mesmo lugar e posição.

— Combate corpo-a-corpo. — Citei, emitindo ademais detalhes. Pois, ora, não era como se limpar e marchar fossem o grande clímax do dia, de qualquer maneira.

— Será que vamos lutar com alguém além do resto dos patetas? — Perguntou, assumindo uma postura corajosa e ansiosa para mim, referindo-se com certa afeição aos nossos dois colegas de quarto dormindo no chão, não notando assim o tom pejorativo que sua última palavra poderia tomar em outras sentenças.

Alexander, o único rico dentre nós e protegido por todos, mais conhecido como Mascote, roncava alto, sem nenhum componente do uniforme no corpo além de sua calça, falhando terrivelmente ao tentar usar um braço e uma blusa de travesseiro. E Iris, de pseudônimo Ian e apelido carinhoso Cinco Quilo, que parecia ser a mais inteligente do nosso grupinho, ressonava com a cabeça apoiada numa das pernas do rapaz, imóvel e com Leyll, seu Machop, entre um de seus braços.

— Não duvido... Do jeito que não temos sorte. — Comentei, ironizando ao olhar para o horizonte, não vendo nada além de copas esverdeadas e algumas aves aproveitando os primeiros raios de sol para irem à caça; muito além das muralhas naturais do regimento. — Acordamos todo mundo antes de ir ‘pro café? — Questionei, vendo a pokémon saltar alegre das minhas pernas com a simples menção da comida.

— Claro! — Assentiu. E eu esbocei um pequeno sorriso, sabendo como ouvir Alexander reclamar da vida era um elemento crucial ao bom humor da minha amiga logo cedo.

— Certo. Então... Onde ele escondeu o Andreas dessa vez? — Falei alto, cascaviando os primeiros produtos nas prateleiras mais próximas com os olhos, sem nem mesmo lembrar do bom olfato da suína até que ela se voltasse a procurar fielmente a pokébola escura pelo quarto de limpeza, que também era o nosso dormitório.

— Entre os panos. — Ela disse, depois de um tempo farejando. — Que falta de criatividade. — Debochou.

— Ele deve estar ficando sem ideias. — Respondi, divertida, me escorregando para fora da janela e me esticando até uma caixa no topo de uma das três prateleiras, sem nem mesmo questionar se os sentidos da Lenore estavam mesmo certos. Depois de duas semanas juntos, Alexander já deveria ter tentado de tudo para que ninguém achasse o seu Torchic por ali. E nem de longe o motivo era por conta de supostos roubos. — Achei! — Comemorei, já começando a imaginar o que se seguiria e mordendo os lábios, me agachando no compasso.

Após pôr as mãos no objeto, em uma crescente empolgação, eu contive a risada, na medida em que a pokémon veio para trás de mim, começando, sem querer, a congelar meus pés descalços com o ar álgido provindo de sua gargalhada contida. Girando a alavanca vermelha da pokébola, a energia englobada ali finalmente materializou o pintinho de fogo em nossa frente, o qual pareceu inflar-se ao talvez imaginar uma situação de batalha.

Ah, são só vocês. — Falou ele ao entender o que se passava, brevemente desapontado conosco. — De novo. — E bufou. — Eles ainda estão remanchando? — Indagou, dessa vez menos incrédulo do que nos últimos dias.

Mas ele não precisou de resposta para se posicionar perto do treinador, antes até mesmo de Lenore frisar que sim, eles ainda estavam dormindo. Ao arrumar as patinhas e algumas de suas penas albinas para o lugar certo, ele piou. E o seu som, incrivelmente potente, liberou ondas brancas que distorceram o ar na direção dos seus alvos indefesos, os quais acordaram desnorteados com o susto e a provável surdez, se esbarrando uns nos outros como se um bando de Burmys de areia.

Meeeeu Mew, acordar nunca foi tão divertido! — E a Swinub enfim pode distribuir o seu riso por aí, movendo-se em direção ao Torchic para parabenizá-lo pela melhor indução cômica da semana.

 

⬦♢⬦

— Não acredito que é pão de novo. — Alexander fez a trigésima reclamação desde que acordara, batendo as sobras do alimento no prato como se não fosse comer aquilo nunca. Já Iris, despojada na cadeira ao lado, apenas rolou os olhos para o lado, sussurrando algo para Leyll, o que muito possivelmente seria uma reclamação da reclamação. Faz sentido?

— Se tu não quiser, eu quero. — E falei, contagiada pela animação que cercava a nossa mesa dos fracassados, deitando na madeira frepenta ao virar as costas para o grupinho fechado dos altos escalões, por onde o Robyn deveria andar agora. Estar em Larkspur parecia significar que éramos alheios uns aos outros. Eu não o via além do refeitório desde que chegamos, quando eu tive que “me fazer útil” pela falta de soldados fora do alcance de Kanto.

Nam. — Alexander negou, colocando o resto da refeição como pode dentro da boca.

— Suvino. — Iris falou, pela primeira vez longe de seu mau humor matinal.

— E é porque está ruim. — Eu retomei as palavras do rapaz.

— E seco. — A morena me completou.

— Com gosto de Paras. — Nós falamos, em um uníssono quase concreto. — Me diz, quem come Paras?! — Eu completei, em meio a chateação cúmplice, para então trocamos sorrisos sacanas antes que Andreas, em seu colo, fechasse a cara como mais cedo e ameaçasse atear fogo nas minhas roupas se eu não parasse com isso logo.

— Cu doceeee. — Iris cantarolou, provocando o rapaz outra vez antes de rir ao desviar de um tiro de brasas do Torchic, que não se aguentou e saiu sapateando por cima dos pratos e copos vazios, fazendo Leyll se levantar de onde estava, pronto para lançar a mesa longe se as coisas continuassem nesse ritmo. Lenore, entretanto, se mantinha longe disso, entretida buscando as comidas que caiam de vez em quando na porta da cozinha, mais feliz do que Grimer no lixo.

— Modos, soldado Baudelaire. Modos. — Uma quarta pessoa apareceu na nossa conversa, parecendo converter a atenção de todos os presentes para si e nos obrigando a arrumar a má compostura em prol do respeito pela sua figura.

Iris, no entanto, fechou a cara e nada mais disse, tampouco parecendo querer ouvir algo mais além do sermão do superior. Alexander, no entanto, chiou com Andreas, e rapidamente a dupla era toda ouvidos para o que ele tinha a dizer.

Já Gardevoir que seguia o homem, pareceu me abrir um sorriso em fração de segundos antes que ele iniciasse: — O Tenente tem uma nova missão para vocês.

— Que delícia. — Completei, a ironia abarcando minhas ideias enquanto eu maldizia internamente tal comandante. Eu pude sentir os olhos do chefe fuzilando a minha ossada tempo depois, mas eu mantinha a mirada baixa, o coração acelerando por poder ouvir a sua voz de novo.

— Vocês irão para a cidade portuária de Olivine. Então preparem-se, saímos às oito. — Robyn falou, sumindo sem mais nem menos de nossas vistas, evaporando com um movimento psíquico de Dalila assim que teve a chance.

— A gente vai ‘morrê. — Iris dramatizou, e eu ri para não chorar. E Leyll que era Leyll, ao seu lado, em uma atitude estranha e inesperada, nem deu corda à fala da dona, achando mais interessante conversar com a Lenore sobre alguma futilidade desta manhã.

E, por mais que eu adorasse esse clima de monotonia e casualidade entre nós seis, eu parti para o exterior assim que dei meu suco horrível como terminado e decidi ir para os jardins da fortaleza. Pois, ora, em um momento súbito, de uma maneira indescritível, eu sustentei um peso de mundos para não olhar face a face o Major, o que não me fazia nada bem, admito. E agora eu iria sair em viagem com ele outra vez?! Eu precisava pensar.

Já Lenore, abusando da sua doçura e paciência, pareceu compadecer-se com minha expressão derrotada e logo alcançou as minhas passadas de Shuckle no fim do corredor, deixando seu amigo para trás e trazendo sua presença fria, porém alegre, para acompanhar a minha caminhada fúnebre.

— O que houve, Any? — Ela perguntou, apertando as passadas para atravessar pelas minhas pernas e ganhar a atenção que queria, esfregando-se no meu sapato e por pouco não bolando para longe no processo, quase como uma Skitty bobinha.

— Não faço a menor ideia de como agir com o Major. — Confessei, na maior sinceridade que o meu coração possuía, colocando as mãos nos buracos da hakama para tentar aquecer as minhas palmas frias.

Ah... Vocês são amigos, então?! — Ela buscou, suas patinhas fazendo um barulho engraçadinho no chão parecendo me acalmar mais um pouco.

— Quase isso. — Contei, sentindo o meu sangue gelar ao imaginar se todos os nossos momentos juntos agora se resumiriam na guerra. Afinal, eu ainda sentia falta das conversas sobre a nossa vida e outras coisas.

— Se vocês são amigos, então não tem ‘pra quê se sentir mal. — Aconselhou.

— Verdade. — Respondi, sem realmente pensar em dizer algo mais. Eu não queria continuar remoendo nisso.

Já ela, por sua vez, notando o crescente desconforto que cobria o assunto, ofereceu: — Uh! Umn... Você quer que eu conte uma história para você? — Seus olhinhos brilhando para mim fazendo impossível de negar o convite, nem mesmo se eu quisesse.

— Qual? — Indaguei, forçando-me a ser um pouco curiosa.

— A do sol e da lua! — Definiu enquanto passávamos por outros soldados e uns poucos pokémons gigantes, aos quais eu nem dei atenção, mas que cumprimentei com um aceno de cabeça e um curto sorriso. — Não... Essa daí eu já esqueci. — Ela corrigiu, gemendo baixinho em frustração. Era a sua favorita.

E eu respirei fundo, concordando silenciosamente com a ideia que a Swinub tinha, que distrair-me era melhor do que andar por aí sofrendo por antecipação.

— Uma vez, o sol e a lua se enamoraram... — E, no final, eu quem acabei contando a tragédia dos astros para ela, notando como a porquinha parecia querer se identificar com seus tempos sem um ao outro, e, principalmente, quando eram salvos de serem consumidos pelo amor graças a existência rápida dos eclipses solares.

Sem pensar em mais nada relacionado àquele homem, eu peguei-a no colo e a pokémon começou a me narrar o quão romântico e interessante parecia ser a ideia de amor para ela.

— Quem te contou essa história, Any? — E me questionou, depois de uma curta quebra de tempo, remexendo-se toda para poder me encarar novamente.

— Meu avô costumava fazer isso todas as noites. — Contei, naufragando na nostalgia de ouvi-lo narrar a história outra vez, no tempo em que qualquer sentença banal também me parecia soar como uma bela canção de amor e felizes para sempre.

— Ele deve ser um cara legal. — Ela concluiu, em um mundo à parte do meu.

— Ele era. — Disse, sem que nenhum tom pesado abalasse a frase, apenas me permitindo ser abrasada pela saudade dele, quando sua menção ainda me tocava e rememorava de casa como toda vez.

— Eu gostaria de ter conhecido o meu avô também. — Ela relatou, cheirando a minha mão. — Ou de ver mamãe outra vez, seria bom também. — E acariciou a minha palma com o seu rosto, a inocência de sua voz acometida pela saudade me fez engolir a seco e me pôr em seu lugar. — Mas agora eu tenho você. Eu gosto de você Any. — E era em momentos como esse que eu tinha vontade de escalar o monte Silver e viver com Lenore ali até o fim da guerra, longe de qualquer coisa que não preservasse sua pureza.

— Eles teriam gostado de te conhecer também, Lê. — Falei, sincera. Apertando um pouco mais a Swinub contra o meu peito, sem nem perceber direito quando meu cérebro decidira que meu rosto não precisava mais do meu autocontrole, enfim permitindo que a minha mirada marejasse.  

E o vento levou longe qualquer sentimento ruim quando adentramos nos jardins. Com o seu frescor usual e o sol frio da manhãzinha, Lenore pediu o chão quando botei os pés no recinto. Esse era o meu lugar de paz, e parecia se tornar gradativamente o dela também; onde o mundo poderia virar de cabeça para baixo e aqui ainda estaria tudo bem. Ficaria bem.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado de ler outro ponto de vista da Ana ♥ E que o pouco que eu contei de cada personagem ou cada ceninha tenha agradado a vocês! Já peço perdão caso eu tenha confundido alguém no início.
Finalmente introduzindo (real oficial) outras fichas além do Robyn, eu até que estou bem feliz com o resultado desse baby cap. Acho que não preciso dizer que esse tempo nem de longe é como presente da Jú, muito menos o lugar, né? ksds Aliás, tem umas pistinhas de onde eles estão mais ou menos ai dentro do capítulo. :D Não sei se alguém viu ksdjks
Ah! Não coloquei falas em inglês por motivos de: Como o pov é da Ana, não tem a mesma estranheza da Jú para interferir nisso das linguagens e tudo mais.
Minha esperança com esse capítulo era dar uma apresentadinha nos patetas e tudo mais, mas foi ralado kdskhd Alexander, coitado, tentei de tudo para falar mais um pouquinho dele, mas não teve negócio. >v>) Sorry.

(Ps.: Pfvr, não me matem por não ter terminado de responder os reviews ainda. Ando meio sem tempo para colocar a cabeça no lugar e fazer isso ;v;) // Estressada ao extremo. Nem eu me aguento mais. Scrr.