Além do Castelo escrita por LC_Pena, SpinOff de HOH


Capítulo 27
Capítulo 27. Uagadou


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo aqui é praticamente a despedida de Uagadou da fic, já que, basicamente o que tinha aqui, vai ser solucionado hoje, de certa forma.

Capítulo tá crocante, vai rolar até maldição imperdoável!

Não vou fazer recapitulação, pq acabei de postar o outro, vocês ainda lembram!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/752501/chapter/27

Dormitório de John Westhampton, Cheia, Montanhas da Lua, Uagadou, 19 de novembro de 2021 (sexta)

John continuava lendo um livro com cara de chato, título chato e com muitas páginas para ser qualquer coisa além de mortalmente chato, então Sharam suspirou melancolicamente pela milésima vez.

— A gente tem mesmo que ficar aqui sem fazer nada de divertido numa sexta à noite? — A garota resmungou para o namorado encostado na cabeceira da cama, apenas as pernas dos dois estavam se tocando, já que a garota havia se jogado no lado oposto há quase uma hora.

— Você supostamente tinha um treino que só acabaria às 20h, não tenho culpa se te dispensaram mais cedo. — O galês respondeu apenas com metade da atenção no assunto.

— Não fui dispensada, fui expulsa por atingir aquele novo apanhador babaca, que o capitão colocou no... E você não está me ouvindo de novo! Sério, por que me dou ao trabalho? — Sharam falou emburrada, se levantando para cair fora, mas não sem antes dar uma almofadada no seu namorado ogro.

John a olhou ofendido.

— Você sabe que eu estou estudando algo importante, não sabe, importante como em caso de vida ou morte? — Ele apontou dramático para o livro e Sharam apenas colocou as mãos na cintura e deu aquela quebrada de quadril que lhe era tão característica, sua pose favorita, na verdade.

— Eu sei que seus amigos estão afogados em problemas, como sempre, mas achei que você poderia antecipar sua agenda em uma hora em benefício de tudo isso aqui. — A angolana tirou uma das mãos da cintura para fazer referência a toda sua bela figura. John sorriu levemente malicioso para o drama.

— Poderia, mas não vou, porque faltam só alguns minutos e eu estou realmente acabando esse capítulo. — A garota revirou os olhos, então o corvinal deu o seu melhor sorriso paciente antes de continuar.— Vinte minutos e eu sou todo seu e você bem sabe o quão comprometido eu sou com o que está escrito na minha agenda, não sabe? Minha noite será toda sua.

— Esse discurso deve ter soado melhor na sua cabeça do que na realidade, porque eu ainda estou meio que com raiva de você! — Ela falou apertando os olhos em avaliação, porque John ainda mantinha o queixo apontado para ela, como se estivesse dando toda sua atenção a namorada, mas os olhos por trás dos óculos escorregavam de volta para o livro. — Sim, definitivamente com raiva, volto daqui a vinte minutos, quando você ao menos estará concentrado o suficiente para sentir a dor da própria morte!

— Sim, tudo que você quiser, horizonte do meu pôr do Sol! — Ele falou propositalmente brega, arrancando um riso da garota mais velha.

— Sua sorte é que eu gosto da sua criatividade... — Ela falou em tom de ameaça, porque não era para ele se dar por seguro, teria que fazer por onde para compensar esse tratamento desatencioso. Sharam deixou o quarto, fechando a porta atrás de si com um suspiro exasperado.

Quem diria que algum dia seria trocada por um livro velho e chato de magia antiga sem se sentir mortalmente ofendida com isso?

Estava disposta a seguir seu caminho até o refeitório para conseguir algum lanche fora de hora lá em Minguante, quando foi parada pela irritante colega de escola de John. Lia Thiollent a olhou como se não a odiasse e não fizesse feitiços escondidos para a batedora tropeçar nas próprias pernas todo santo dia, então a parou para fazer uma pergunta no mínimo suspeita.

— Boa noite, saberia dizer onde está Bella Thompson? Estive procurando por ela e a garota parece que desapareceu da face da Terra! — A sonserina havia usado um tom simpático, que Sharam até acharia que estava sendo dito para enganar algum adulto próximo, mas na falta de qualquer ser humano a vista, teve que considerar a situação como sendo algo mais.

— Boa noite, Thiollent, você está... Bem? — Perguntou querendo soar mais preocupada do que debochada e pela expressão de suave surpresa da outra, deve ter sido bem sucedida.

— Sim, por que não estaria? — A garota de descendência mediterrânea perguntou curiosa, depois pareceu se lembrar de algo que a fez parar de sorrir. — Está surpresa porque estou sendo educada, não é? Eu estou tentando isso agora, conversar com as pessoas com quem eu geralmente brigo de forma civilizada, faz parte da nova Lia!

Ela fez um gesto de apresentação extravagante junto com um sorriso falso, que bem poderia sim ser fruto de uma tentativa ridícula da garota de parecer melhor do que realmente era. Mas Sharam ainda achava que tinha algo além disso acontecendo...

— Tá, que seja, Thiollent, não sei onde Bella está, já tentou no Átrio de Nova? Alguns terceiranistas ficam vadiando por lá depois das aulas. — Sugeriu falsamente e assim que a britânica agradeceu e lhe deu as costas, Sharam ativou sua habilidade de ver auras só para checar uma coisinha de nada...

— Nossa senhora da Muxima! — A figura elegante de Lia Thiollent havia desaparecido na curva para o próximo corredor, mas Sharam continuou encarando o lugar por onde a garota havia saído. — O que essa pacóvia aprontou dessa vez?

Sharam estava positivamente chocada, se estivesse em um daqueles desenhos animados americanos de sua infância, seu queixo teria desabado até o chão e voltado de uma forma cômica.

A aura de Thiollent estava... Bem, já não era, há muito tempo, uma aura 100% limpa. O que quer que a garota usava em seus estudos de adivinhação antes de Uagadou e até mesmo já na escola, sob a supervisão da professora Aurier, deixava sua energia nublada, difusa, como se ela estivesse perdendo um pouco de sua vitalidade.

Mas mesmo nos piores dias, a aura de Thiollent era, majoritariamente, de um laranja amarelado, típico de pessoas detalhistas e criativas, com muitos planos, que nem sempre colocam em ação, mas que sempre estam lá, em suas cabeças.

Vez ou outra as zonas cinzas de indecisão ou fraqueza de caráter, Sharam ainda não diferenciava bem as duas nuances, ficavam mais fortes, mas tudo era amainado por todo aquele vermelho brilhante, de pessoas sensuais e competitivas, que nunca era nublado em Lia.

Pelo menos não até hoje.

O vermelho nublado da aura da garota hoje era o menor dos problemas, Sharam tinha que admitir, porque vermelhos eram sempre voláteis e passar de competitividade, sensualidade e paixão para raiva, com tanto que não deixasse essa fúria se enraizar, não tinha nada demais, mas não era o caso da aura que tinha visto agora.

A aura de Thiollent havia vibrado completamente diferente da sua essência normal, que Sharam decorara, assim como decorou a de seus amigos e demais inimizades. Havia uma fina camada bem próxima ao corpo que ainda mantinha resquícios do que o espectro astral já fora um dia, mas o restante da projeção, pairando metros ao redor do corpo da bruxa britânica, agora estava completamente diferente:

Muito vermelho nublado, muito cinza escuro, denso e tóxico, envenenando e sugando qualquer uma das outras cores que se atravessem a aparecer, mas acima de tudo, havia muito... Preto.

Aquela definitivamente era uma aura doente.

A garota angolana havia continuado no corredor de Cheia, só a alguns passos da entrada do quarto de seu namorado, em dúvida se voltava para lá e contava a John o que havia visto ou se apenas mudava de Lua o mais rápido que suas pernas pudessem carregá-la.

 Tinha que voltar para John ou encontrar Bella, perdida em algum corredor temático em Crescente, com seu agora inseparável companheiro de estudo, Zaki.

Bem, John estava concentrado em seu livro estúpido e por mais que soubesse, lá no fundo, que o garoto iria largar qualquer coisa ao notar a gravidade com a qual ela estava encarando o assunto, resolveu que iria deixá-lo em paz por hora.

John não era o maior fã de Thiollent e talvez o adoecimento da aura da garota não o incomodasse tanto quanto havia incomodado a ela – já etava acostumada a ver e rastrear a britânica para cima e para baixo, não reconhecê-la hoje havia sido estranhamente assustador – então o melhor era achar Bella e deixá-la o mais longe de Thiollent, pelo máximo de tempo que fosse possível.

Não sabia porque a outra queria encontrar com a terceiranista, mas que Ísis a amaldiçoasse, se deixasse desprotegida ou ao menos desavisada, uma inocente e levemente irritante menina!

Pronto, tomada a decisão, Sharam correu na velocidade máxima que podia – o que era bastante, não era uma das melhores batedoras juvenis do continente a toa – na direção oposta à que tinha indicado a outra bruxa.

Ganhar tempo, nesses casos, era sempre a melhor pedida.

Desviou de alguns alunos distraídos nos corredores, passou o portal para Crescente como um vendaval de energia e com um vendaval de magia, devolveu às mãos de uma pobre primeiranista todos os pergaminhos e escritos antigos que havia derrubado em sua pressa.

Agora que havia chegado ao destino, se apoiou em um dos espelhos circulares inclinados, que refletiam a luz para os outros pontos estratégicos das paredes e teto, transformando o interior da montanha em um dia ensolarado.

Sua gêmea, Shaira, odiava ardentemente esse hábito antigo da batedora de usar os espelhos do sistema de iluminação da escola como local de descanso, mas o metal bem polido sempre estava agradavelmente quente, nada exagerado, já que não tinham contato direto com os raios solares, então ela não conseguia resistir.

Com as mãos nas pernas e a respiração um pouco acelerada, Sharam fechou os olhos para se concentrar na aura clara, predominantemente rosa, com toques bem distintos de laranja cheio de energia impulsiva, marca registrada de Bella.

A garota localizou seu alvo um pouco mais a frente, no bem frequentado corredor egípcio, favorito da maioria dos alunos e visitantes, que vinham a Uagadou ver seus tesouros bem protegidos.

Percorreu o corredor largo e iluminado – principalmente quando os raios vindos do espelho refletiam nas peças douradas, algumas verdadeiramente feitas de um ouro ancestral – com uma passada determinada, pois não tinha tempo a perder.

Avistou a cabeleira loira acizentada ao lado dos fios loiro queimado de Zaki. Os dois pareciam estar muito concentrados nas palavras de um senhor ruivo, vestido com diferentes tipos de couro de dragão da cabeça aos pés.

O visitante, a alguns passos de uma grande tumba egípcia aberta, era meio intimidante, então Sharam preferiu não fazer sua presença ser notada, escolhendo um canto da exposição discreto o suficiente para observar a interação dos dois terceiranistas com o homem mais velho.

— Eu não tenho certeza se ele foi amaldiçoado ou não, porque a gente precisa analisar tudo isso dentro de um quadro maior, mas veja bem, Maicon é um individuo por si só, que eu preciso tentar ajudar especificamente, porque o que tinha dado errado antes já foi consertado, mas ele não!

O tom de voz teimoso de Bella era inconfundível e a garota parecia estar exasperada, porque suas palavras foram ditas em um volume mais alto, o suficiente para Sharam conseguir captar tudo sem problemas, apesar da distância. Se aproximou mais para ouvir o que o homem estava respondendo.

— Por Circe, você lembra a personalidade de Fred e você, a aparência... Ainda não descartei completamente a ideia de ambos serem meus sobrinhos, preciso falar com George e Angelina sobre isso. — O homem falou divertido, mas seu comentário parecia fazer sentido para a dupla mais jovem, porque Bella apenas revirou os olhos de leve e Zaki sorriu lisonjeado. — Quanto a Maicon... Tem certeza que não posso saber que tipo de artefato ele é?

— Prefiro que não saiba. — Bella disse enquanto cruzava os braços com teimosia.

— Talvez eu possa adivinhar. Hum, vejamos... Com certeza é de Hogwarts, é antigo o suficiente para ter uma consciência e foi afetado pelo mesmo problema que... — O tom divertido do homem morreu de repente, sua fisionomia ficando mais séria, combinando com a grande e antiga cicatriz que cobria quase metade do seu rosto. — Senhorita Thompson, eu espero que não seja o que eu estou pensando.

— Não será o que você está pensando, se você não perguntar novamente o que Maicon é! — Ela falou daquele jeito que Sharam já havia identificado como “bellístico”, fazendo o senhor misterioso a olhar com severidade.

— Senhorita, se você estiver mesmo com o que eu acho que você está, precisa retorná-lo imediatamente para o Ministério. Inferno! Eu vou ser obrigado a reportar isso, céus, garota, que confusão! — Ele passou a mão no cabelo curto de uma forma que gritava infamiliaridade com o novo corte, pareceu esperar encontrar mais do que seus dedos acharam.

— Vou devolver quando voltar a Hogwarts e, sejamos sinceros, se Maicon tivesse feito alguma falta para a escola, o seu desaparecimento teria aparecido na primeira página do Profeta Diário! — A terceiranista retrucou na defensiva, aumentando ainda mais o aperto em seus braços cruzados.

— Claro que o Profeta Diário não foi comunicado sobre o sumiço do Chapéu Seletor, o Ministério batalhou arduamente para que nem sequer tenha sido noticiado a falha na magia dele, quanto mais seu desaparecimento! Você saber sobre isso só demonstra que é ainda mais... Céus, vocês é igualzinha aos meus sobrinhos! Se parece com todos eles, na verdade, não só com Fred! Adolescentes...

— Senhor Weasley, essa conversa obviamente não está indo mais a lugar nenhum, você não tem como me ajudar, está claro e eu não tenho nada a dizer sobre esse suposto desaparecimento do tal Chapéu Seletor. — Bella falou sonsa, já iniciando sua dispensa para o pobre homem, que mal sabia o que o tinha atingido. — Acho melhor a gente se despedir por aqui. Foi um prazer conhecê-lo.

— Senhorita Thompson, não há a menor possibilidade de eu sair daqui deixando você em posse do Chapéu Seletor de Hogwarts! Olha, eu prometo que não falo onde eu o achei, mas é imprescindível que ele seja devolvido aos especialistas, justamente para suas funções serem reestabelecidas!

Senhor Weasley, cujo o sobrenome era familiar, com certeza igual ao de um dos amigos de John, parecia estar tentando imprimir alguma razoabilidade na cabeça de Bella, o que Sharam não podia deixar de pensar que era uma ideia bastante inocente da parte dele, ele obviamente não sabia com quem estava lidando.

— Os especialistas não se importam com Maicon, só se importam com o que ele pode fazer: ficar cantando músicas bobas e selecionando crianças assustadas nas quatro casas! Maicon é mais do que um teste vocacional, ele desenvolveu personalidade e merece mais do que voltar para um armário empoeirado até que seja necessário de novo no próximo ano letivo!

— Eu entendo sua preocupação, porém...

— Eu não estou com ele. — Bella descruzou os braços para mostrar as palmas das mãos vazias, em sinal de inocência. — Como eu disse antes, era só uma situação hipotética, então...

— Senhorita Thompson, por favor... — O homem ainda tentou, mas ela fez que não com a cabeça, reafirmando a sua ignorância sobre o paradeiro do tal Chapéu Seletor. — Okay, não vou... Imagino que você tenha escondido ele em um lugar seguro o suficiente para te deixar confiante a ponto de me desafiar e como resgatar artefatos quebrados da Escócia não é a minha função aqui, eu vou fazer o seguinte: vou fingir que essa conversa nunca aconteceu e espero ver o Chapéu de volta a Hogwarts na festa de reinauguração da escola, combinado?

— Se eu algum dia entrar em contato com a pessoa que está com ele, eu repasso a mensagem e vou cruzar os dedos para tudo dar certo. — O cinismo da britânica era tanto, que chegava a ser engraçado. O senhor ruivo deu um último olhar conformado para a dupla de adolescentes a sua frente, maneando a cabeça com um sorriso cansado.

Obviamente aquele era um homem que sabia reconhecer uma batalha perdida quando via uma

— Certo, senhorita Thompson, faça isso. Espero te ver lá na festa de reinauguração de Hogwarts no Natal. — Ele falou com um sorriso mais caloroso para a garota, depois voltou o olhar para Zaki, que havia ficado quieto durante toda a conversa. — E quanto a você, senhor Magoro, se continuar interessado por artefatos egípcios quando for mais velho, não hesite em me contactar, ficarei mais do que honrado em ajudar um outro admirador dos nossos artefatos dourados.

Os dois adolescentes se despediram discretamente e assim que o senhor Weasley passou por ela no corredor, Sharam deu alguns passos apressados para se colocar dentro do campo de visão dos terceiranistas.

— Por que não estou surpresa em saber que você está envolvida com um artefato poderoso sobre o qual você não tem qualquer domínio, Bella? — Sharam colocou as mãos nos quadris com um sorriso divertido para a garota a sua a frente. — Qual o problema com vocês europeus?

— Não sei do que está falando, porque obviamente não tem problema algum com a gente e Maicon não é um simples artefato que eu precise dominar, então está tudo certo! — A britânica falou em tom de conclusão, desafiando Sharam a continuar sua linha de raciocínio julgador, mas a veterana não estava mais com a mente no assunto.

— Se está tudo certo, vamos para o que está tudo errado: acabei de me bater com Thiollent em Cheia e ela estava te procurando. — Sharam começou, mas antes que desenvolvesse a informação, Bella se sentiu compelida a esclarecer as coisas.

— Embora encontrar com Lia não seja exatamente o que eu chamaria de agradável, também não diria que “está tudo errado", ela deve estar querendo me pedir para separar algum material de estudo para a professora Aurier na biblioteca. — A garota deu de ombros, conformada com seu destino de trabalhar para o grupo de pesquisa até mesmo na sua sexta a noite.

— Não sei nada quanto a isso, ela não mencionou nenhum material, mas quando eu disse que há algo errado com aquela garota, é porque dessa vez há mesmo! — A batedora falou com um tom de voz sério, depois olhou por sobre o ombro, como se estivesse com medo de ser seguida. — Venham comigo, vocês dois, aqui há ouvidos demais.

Seja porque Sharam era uma pessoa mais velha, quase oficialmente uma adulta ou porque, agora que eram oficialmente membros do Ocaso, estavam mais neuróticos do que nunca, Bella e Zaki seguiram a batedora sem questionar nada.

Sharam manteve um passo tranquilo e despreocupado, cumprimentando alguns colegas e conhecidos do Quadribol do mesmo jeito que faria em qualquer outro início de noite, até que diminuiu o ritmo, esperando não ter ninguém prestando atenção em si, então desviou o caminho do trio para um corredor mais deserto.

A montanha tinha uma arquitetura orgânica e natural e, embora a maioria dos grandes corredores e átrios tenham sido moldados com magia para comportar toda a estrutura necessária para o funcionamento de uma escola continental, algumas galerias e passagens eram apenas zonas pouco utilizadas, resquícios de formações rochosas dos primórdios dos tempos.

Aquele caminho era um esconderijo que Sharam não usava há muito tempo, desde que passara a posse para a irmã e os amigos poderem estudar em paz, já que ela, diferente de Shaira, preferia muito mais os ambientes abertos, como as alcovas dos volantes e as cavernas externas das montanhas.

Assim que chegou na última curva, que se abria para uma pequena galeria de um pouco mais de dois metros quadrados e chão de terra batida, Sharam fez um simples movimento de mãos, seguidos de um sopro suave, que tanto levantou um pouco de poeira ao redor dos pés dos terceiranistas, quanto acendeu tochas antigas, que Bella e Zaki não haviam notado, até estarem totalmente brilhantes, com um fogo controlado.

— Pronto, estamos relativamente seguros agora. — A angolana colocou as mãos no quadril e encarou a britânica de olhos de duas cores com seriedade. — Bella, Lia está te procurando e eu odeio ser aquela pessoa chata, que pressiona os outros em busca de resultados, mas você precisa ativar esse seu olho amarelo agora.

— Por que? — A grifinória preferiu se ater ao que era mais importante: qualquer detalhe que a ajudasse a tecer a própria opinião sobre o que quer seja esse problema que Sharam parecia ter trazido para si.

— Porque Thiollent está te procurando e isso não seria da minha conta, se eu não tivesse visto a aura dela hoje. — Sharam não gostava de enrolação e sabia muito bem que Bella era adepta das verdades duras e inconvenientes ditas sem rodeios também. — A aura dela está doente, tóxica e embora eu ache que ela possa estar mesmo te procurando apenas por essas coisas de pesquisa que você mencionou, prefiro não arriscar. Eu gostaria de ser informada, caso uma pessoa doente estivesse atrás de mim por qualquer motivo que fosse, então estou fazendo o mesmo por você.

— Como assim a aura dela está doente? Quer dizer que ela andou fazendo coisas que não devia? — Bella perguntou de cenho franzido, porque conseguia imaginar Lia fazendo um milhão de coisas que podiam ferrar com a energia de qualquer um, inclusive com a dela própria. — Talvez eu deva contar a professora Aurier o que está acontecendo, tipo, intervir mesmo nas loucuras dessa garota, mas é bem capaz dela não me querer para nada sério ou potencialmente arriscado agora. Lia sempre tem alguma coisa para mandar a gente fazer, é meio que o talento especial dela.

Sharam estava disposta a dar o assunto como encerrado então, porque sua parte havia sido feita, tinha avisado Bella do perigo e a britânica era esperta o suficiente para manter os olhos bem abertos, sem alertar Thiollent para a mudança de cenário, mas Zaki se pronunciou antes que ela pudesse encerrar seu feitiço anti-rastreamento para sair da galeria secreta.

— Bella, acho que no dia seguinte ao fato de alguém ter colocado o seu nome como possível alvo de um vilão, qualquer coisa fora do comum não pode ser encarada levianamente! — O garoto botsuano olhou para as duas garotas ansioso, mas só recebeu olhares confusos em troca. — Lia tem algo a ver com a profecia e se essa coisa da aura dela tiver a ver com a profecia também? Vocês não acham que é coincidência demais?

— Você acha? Tipo, quais as chances de ser algo sério? Lia sempre gostou de mexer com magia das trevas, ela fazia isso antes mesmo de ouvir a profecia, você sabe. — A grifinória torceu a boca em dúvida, colocando uma mecha do cabelo muito liso atrás da orelha. — Quem sabe ela não tenha finalmente se metido com algo errado e como não tem nada diretamente ligado à mim, ou ao Ocaso, o melhor caminho talvez seja falar com um adulto responsável e pronto.

— Como assim não tem nada a ver com você ou com o Ocaso, Bella? A gente falou sobre isso ontem! Lia está falando sobre a profecia e ganhando fama com isso! Qualquer coisa de estranho que ela faça, a gente precisa agir como se fosse parte da profecia! — O terceiranista agora estava exasperado, porque não era possível que só ele estava vendo o perigo em tratar o assunto como algo sem importância.

Onde estava John quando se precisava de um outro neurótico na discussão?

— Zaki, Lia não tem conexão com Lestrange, comigo ou com qualquer uma das pistas certas que nós temos sobre a profecia. — Bella falou isso enquanto colocava as duas mãos no ombro do garoto e o olhava com um sorriso maroto. — Ela com certeza só quer me escravizar, como sempre, como ela faz quando tem qualquer oportunidade. Você conhece nossa tutora amada, sabe como ela é! Eu vou lá falar com ela e qualquer coisa se ela der uma de Anabelle para cima de mim, eu enfio minha varinha no olho dela e saio gritando “FOGO, FOGO!” por aí, ok? Ok então.

Sharam deu risada da cena e Bella a olhou com divertimento, antes de dar uma última piscada para Zaki, reassegurando o garoto de que tudo ficaria bem. O terceiranista assistiu, incrédulo, a setimanista desfazer o feitiço de segurança que havia colocado, Bella sair, depois ele receber o sinal de Sharam para seguir a menina de perto.

— Sharam, você não... Eu ainda acho que... O que John pensa disso? — Zaki tentou falar, tentou fazer qualquer coisa, qualquer coisa mesmo que pudesse inspirar pelo menos um tiquinho de precaução que fosse na cabeça das duas garotas, mas a batedora só o olhou com um sorriso confiante.

— Relaxa! Não falei com John, mas de certa forma Bella tem razão, nem tudo o que Thiollent fizer de merda na vida vai ter a ver com a profecia, até porque ela, dos quatro que estavam presentes, é a que mais está longe de resolver qualquer coisa, de fato. — Sharam falou com um sorriso debochado, porque era sempre bom saber que sua inimiga mais irritante era um fracasso em algo que importava.

— Justamente! Pelos diamantes de Jwaneng, será que podemos falar com John? Acho que, só acho, sério, sem querer te ofender, Sharam, que ele pode ter uma opinião diferente e mais responsável sobre o assunto. — O garoto havia juntado as duas mãos na frente do rosto em sinal de imploro, fazendo a angolana revirar os olhos.

— Tá, que seja! A essa altura John já deve ter terminado a porcaria de livro chato dele. Vou ser boazinha e te conceder cinco minutos do meu tempo com ele, ok? Satisfeito? — A batedora perguntou sem paciência, enfatizando a saída para o garoto que estava definitivamente atrasando o seu lado. — Por Nyx, estou cercado de nerds por todos os lados! É só a gente da uma aberturinha, que vocês já se espalham como uma das sete pragas do Egito, né?

Agora quem revirou os olhos foi Zaki, isso porque a garota atrás de si não podia ver o seu rosto. Desde quando ser preocupado e precavido passou a ser algo comparável a pragas? O adivinho não conseguia traçar uma ligação direta entre Lia e todas as novidades que o grupo havia descoberto, mas sentia que havia alguma coisa aí para ser vista!

Não queria pensar que era obra de seus poderes, não, provavelmente era apenas sua capacidade dedutiva atuando, mas as coisas estavam todas lá, só precisavam ser lidas: Lia ouviu a profecia e John achava que o que quer que ela estava fazendo ia ajudar no destino traçado... Como uma mudança na aura da garota não seria relevante?

Bella já havia sumido de vista, sem nem sequer perguntar a Sharam onde Lia estava agora, ela não tinha nenhum problema para sair por aí perguntando as coisas aos outros. A britânica certamente não sofria do mesmo medo de ser incoveniente de Zaki, iria achar a outra bruxa um piscar de olhos desse jeito!

O terceiranista aumentou os passos até o dormitório de John, porque se Bella ia achar Lia logo, ele não tinha tempo a perder. Talvez o galês concordasse com ele de que aquele encontro era sim uma má ideia.

Sharam aumentou o ritmo da caminhada também, mas de vez em quando parava para cumprimentar algum colega com mais atenção, ficando um pouco para trás. Zaki era um homem em missão, então a batedora teve que dar algumas corridinhas para acompanhá-lo de verdade.

— Ei! Bom saber que você pode ser bem determinado quando coloca algo em mente, mas calma lá, a gente também não precisa correr uma meia maratona para ver John, acredite, ele não está com essa bola toda! — A garota falou divertida, lembrando no último momento da sua raiva anterior com a indiferença do namorado.

Zaki não a respondeu, porque finalmente havia chegado ao corredor dos dormitório em Cheia. Parou em frente a porta do quintanista, olhando a namorada do cara, como quem pede permissão. Sharam lhe devolveu um olhar exasperado, depois o empurrou de leve para o lado, segurando a maçaneta.

— Pode entrar sem bater, ele não está fazendo nada indecente! Porque se ele estiver fazendo algo indecente sem mim, ele é um... — A porta se abriu bruscamente, fazendo a garota dar dois passos incertos para dentro do quarto, já que ainda estava com um aperto firme na maçaneta. O movimento a fez ir direto ao encontro do namorado. — Homem morto.

John sorriu para a garota a sua frente, só um pouco mais baixa do que ele, a puxando para dar um beijo de leve, afinal havia notado a presença de Zaki ao lado e não queria ser indelicado. Odiava que outros fizessem demonstrações exageradas de carinho na sua frente, então não seria esse tipo de pessoa.

— Oi, estranha, te ouvi resmungando a quilômetros. — John sussurrou no ouvido de Sharam, depois se virou para seu colega de grupo de pesquisa, levemente corado por baixo de sua pele morena e sardenta. — Oi, Zaki. O que está fazendo aqui?

Colocou Sharam ao seu lado, sem saber muito bem se devia voltar para o quarto e convidar os dois para entrar ou sair de vez e ir andando enquanto descobria o que o garoto mais novo queria com ele. Acabou fazendo o meio termo, parado no marco da porta, com uma Sharam levemente abraçada a sua lateral.

— Eu... Err... Tipo, por onde eu começo? — O garoto botsuano parecia confuso, então Sharam achou por bem esclarecer o que podia de uma vez.

— Zaki está preocupado, porque eu avisei a Bella que Thiollent a estava procurando e que tinha algo seriamente errado com a aura daquela pacóvia. De verdade, acho que aquela garota passou dos limites dessa vez. — A angolana falou do seu jeito despojado, gesticulando com uma das mãos, fazendo uma careta de desprezo engraçada. Jogou o cabelo comprido por cima do ombro ao concluir o relato.

— O que há de errado com a aura dela? — John mudou seu corpo de lugar levemente, só o suficiente para conseguir ver melhor a expressão da namorada, mas não foi a garota mais velha que o respondeu.

— Sharam disse que a aura dela está diferente, tóxica e doente, por isso mesmo sentiu a necessidade de avisar a Bella para tomar cuidado. John, eu não sei como e, sério, eu não consigo fazer a conexão exata na minha cabeça, mas eu não consigo parar de pensar que isso pode ter algo a ver com... Você sabe, a minha profecia. — A última parte havia sido sussurrada pelo garoto de cabelos cacheados, fazendo Sharam lhe dar um sorriso condescendente e John o olhar com o cenho franzido.

— Bella concordou comigo que Thiollent só deve estar querendo pedir algo do grupo de pesquisa, eu ter dado uma espiadinha na aura dela tendo sido apenas uma coincidência. Se eu não tivesse olhado, Zaki nem teria com o que se preocupar. — Sharam informou dando de ombros, tirando um pouco de importância do assunto, porque tinha planos para pôr em prática com o seu namorado e aquela conversa toda só a estava atrasando.

— Por que você sentiu a necessidade de olhar a aura dela, Sharam? — O tom de John era calmo, só um pouco curioso, mas fez a garota ficar um pouco auto-consciente. Poucos caras tinham um poder de parecer ver mais do que ela realmente queria mostrar.

— Eu sei lá, eu só... Você sabe, achei ela esquisita. — A garota disse tentando encerrar o assunto, mas dessa vez a expressão de interesse de John havia se acentuado para um cenho franzido de verdade.

— Esquisita como, Sharam? O quão diferente estava o comportamento dela? A aura dela? Estava diferente como... Como se não fosse dela? — O garoto havia feito a última pergunta com mais ênfase, segurando o braço da angolana com um aperto firme, não o suficiente para machucar, mas demonstrando a importância daquela resposta.

— Eu não sei... Talvez, quero dizer, eu sei lá! A aura mais próxima do corpo dela ainda era meio que a mesma, mas a projeção, você sabe, todo aquele campo de energia que fica ao redor da pessoa, esse sim estava completamente mudado, tipo, da água para o vinho. — Sharam tentou ser o mais específica que pôde, na tentativa de fazer John voltar ao clima descontraído que estava no início da conversa.

Ele desviou os olhos dela, tentando processar o que havia ouvido. Mordeu o lábio inferior e cruzou os braços ao olhar para o chão, pensativo. Sharam não estava gostando nem um pouco do rumo que as coisas estavam tomando agora.

— Você também acha que tem algo errado, não é? Tipo, a gente estava falando sobre Lia estar provavelmente seguindo um caminho que vai fazer a profecia ser possível e aquele cara lá, o tio de seu amigo, disse que não era seguro manter Bella e o diário aqui em Uagadou e se...

— A gente tem que encontrar Bella. — John falou de repente, interrompendo a linha de raciocínio de Zaki. Entrou novamente no quarto, batendo a porta praticamente na cara de Sharam, mas depois de alguns segundos retornou com sua varinha e pena do Ocaso, colocando tudo no bolso da capa recém vestida. — A gente tem que encontrar Bella agora.

— Por que? O que... John, o que... Para onde você está nos levando? — Sharam perguntou irritada, não gostava de ser arrastada, mesmo que não estivesse realmente presa. Um simples puxão mais forte e sairia do aperto do namorado, mas deixou que ele a levasse. — Qual o problema? Por que a gente tem que achar Bella?

O garoto galês parou e olhou de Sharam para Zaki, com um semblante que só transparecia uma preocupação genuína muito atípica de John.

— Porque eu tenho quase certeza que a pessoa que você viu hoje não era Lia Thiollent.

***

Bella agora tinha que admitir, estava feliz com a fama recente de Lia, porque todo mundo parecia saber onde a garota estava ou havia estado, era como se houvesse um caminho todo sinalizado com bandeirolas vermelhas apontando a direção para a artilheira.

Atravessou o portal de Nova decidida, porque o ex-qualquer coisa da sua tutora do grupo de pesquisa havia dito que Lia a esteve procurando no Átrio de Nova e isso tinha sido há um pouco menos de cinco minutos.

A grifinória suspirou satisfeita ao sair de um dos corredores que davam acesso aos portais para dar de cara com aquele espetáculo que era o grande Átrio data montanha inicial. Aquele também era o primeiro cenário da escola que qualquer visitante via após sair do Nilo Branco, então obviamente era sempre uma visão de tirar o fôlego.

O formigueiro, como a maioria dos alunos chamava o lugar, tinha o melhor conjunto de espelhos refletindo sombras e luzes em todas as alcovas e reentrâncias nas paredes de corredores longos, largos ou estreitos, que serpenteavam montanha acima e abaixo, ao redor de uma escultura quase viva de uma dança entre homens e animais.

Se apoiou na balaustrada, realmente tirando os pés do chão para ter uma visão melhor inclusive das áreas que estavam imediatamente abaixo de si, mas não deu muita sorte, pelo visto teria que procurar Lia pelo jeito tradicional.

Escolheu um dos caminhos mais íngremes e por isso mesmo menos movimentado, querendo evitar os grupinhos de amigos que agora se sentavam e se apoiavam sem nenhum propósito aparente ao longo da montanha, a não ser o de atrapalhar a vida daqueles que tinham algo de útil para fazer.

Assim que passou por um dos grupos, um colega de classe soltou uma piadinha que supostamente deveria ser engraçada, fazendo Bella mandar um gesto obsceno com a mão por cima da cabeça, arrancando risadas de um trio de garotas mais a frente. Fez uma vênia de agradecimento aos aplausos dados pelas meninas, seguindo seu caminho ainda em busca de Lia.

Quando estava quase na base da montanha, foi recompensada com a visão da sonserina ouvindo o monólogo de um garoto, que parecia muito mais interessado em se gabar, do que agradar a britânica.

A expressão de tédio de Lia quase a fez sentir pena, quase, porque não era como se a garota não merecesse, mas a necessidade de punição de Thiollent não foi o suficiente para manter Bella afastada de seu objetivo. Queria ver o que a garota precisava dela, para só então, finalmente, ter o seu final de semana pra si.

— Lia, Sharam me avisou que você estava me procurando. No que posso te ajudar, vossa alteza? — Bella falou debochada, interrompendo, sem constrangimento algum, o monólogo do rapaz que estava tentando ganhar a atenção da sonserina. Resolveu acrescentar mais uma coisa ao seu diálogo de cumprimento, ao ver a expressão surpresa da garota. — Lembrando que só vou fazer o que Aurier tiver mandado, acho que já passamos da fase de você me considerar sua serva particular, não é mesmo?

Lia não a respondeu de imediato, o que era sempre algo ruim, já que isso significava que ela estava pensando em uma resposta cruel o suficiente para qualquer um se arrepender de ter nascido. A sonserina a olhou de cima abaixo com um sorriso satisfeito, depois voltou seu olhar entediado para sua pobre presa do dia.

— Ok, garoto, acho que acabamos por aqui. — O tom de desprezo era tanto, que Bella ficou com pena do cara, então resolveu acrescentar algo por trás de uma das mãos, alto o suficiente para Lia ouvir também.

— Vai por mim, moço, isso é meio que um livramento divino, você... — Ela teria continuado a falar, mas Lia a pegou pelo braço, a fazendo rir e dar de ombros em direção ao garoto africano de olhos bonitos, como se dissesse “viu o que eu disse?”. — Ei, não precisa sair me arrastando, eu sei andar por conta própria!

— Claro que sabe, Thompson, você nunca falhou em fazer tudo por conta própria, não é mesmo? — Lia a soltou, a encarando com um toque de diversão e um olhar quase nostálgico, que fez a grifinória revirar os olhos.

— Dai-me paciência, Morgana! Você vai me dizer logo o que precisa de mim ou eu vou ter que adivinhar de novo, hein? — A terceiranista falou impaciente, lado a lado de sua tutora metida. — Eu tenho quase certeza que não é lá um método certificado esse de pedir aos alunos que adivinhem as atividades, nem Zaki tem como fazer isso, então...

— Outra coisa que você sempre fez bastante, Thompson, falar pelos cotovelos, mesmo quando obviamente o silêncio seria seu melhor aliado. — Lia havia estalado a língua nos dentes, então fez o comentário com mais irritação do que diversão dessa vez. — Preciso que me leve ao seu quarto, tem algo em sua posse que você tem que me entregar imediatamente.

— Ah não. — Bella parou de repente, seus dois olhos de cores diferentes bem abertos, com apreensão. Lia encarou a garota, depois olhou para os lados. Tudo que não precisava agora era que a pirralha fizesse uma cena no meio do Átrio de Nova! — O senhor Weasley falou com você sobre Maicon, não foi? Droga, que homem fofoqueiro!

— O que? Do que diabos... Thompson, para de tentar adivinhar as coisas, você obviamente não tem talento para tal! — Lia agora estava definitivamente brava, a pegou pelo braço novamente. — Olha aqui, garota, o que eu preciso de você é algo sem importância e se você me der, juro que tudo vai ficar bem e você nunca mais terá que dar um segundo pensamento a isso.

— Eu não estou entendendo nada, Lia... Se você não está falando de Maicon, o que eu poderia te dar que... Ah, entendi! — Bella fez uma cara de quem havia entendido mesmo, então Lia a olhou desconfiada. — Você quer um absorvente emprestado, não é?

A sonserina havia parado de andar, ainda segurando o braço da mais nova, mas com essa pergunta, Lia apenas voltou a caminhar, arrastando Bella com muito mais força do que antes.

— Não, Thompson, não quero nada disso, pelo amor de Circe! Eu só quero... — Lia respirou fundo, tentando ganhar de volta um pouco da calma com a qual havia começado aquela conversa estranha. — Você, por um acaso, não estaria com um certo... Um certo diário de pesquisa do seu falecido irmão, estaria?

Dessa vez quem havia parado de caminhar para encarar a outra com confusão havia sido Bella, que puxou o braço das mãos de Lia com uma força exagerada.

— O que te importa? Eu não... — A grifinória parou de falar, avaliando a garota a sua frente com um cuidado exagerado. — Você descobriu, não foi? Ficou aí mexendo no que não devia, a ponto de adoecer sua própria aura, só pra poder descobrir mais sobre a profecia, não foi?

— Então você sabe mesmo sobre a profecia? Desconfiei da possibilidade ao descobrir que você fazia parte do grupo de pesquisa de Thiollent, mas a garota deu a entender que só ela havia escutado a profecia... — Lia havia olhado com uma renovada admiração para a grifinória, depois sorriu com diversão. — Interessante, nunca imaginei aquela garota se arriscando por alguém... Muito interessante, de fato.

— Do que você está falando? Por que está falando de si mesma na terceira... — Bella começou confusa. Ambas haviam parado em um corredor transversal, um dos que davam acesso ao portal para Cheia. — Não pode ser! Você... Não, não dá, tipo... A caixa... A caixa que você tem não funciona sem um Lestrange! Certo? Você está usando polissuco?

Lia a encarou sem expressão, mas parecia estar absorvendo a quantidade de informações que a garota mais nova demonstrou saber sobre o assunto. Sorriu com veneno.

— Para quem parece tão informada sobre tudo, me admira que não saiba que o Nilo Branco de Uagadou não permite nenhum tipo de magia de desilusão ou artefato ilegal na escola. — A sonserina sorriu, voltando a caminhar com passos lentos, em direção ao portal. — Isso significa dizer que eu só posso ser quem digo que sou. Damas primeiro, sim?

O deboche e malícia pingavam da voz da garota mais velha e não era como se não combinassem com ela – Lia sabia muito bem ser debochada e maliciosa – mas agora que o cérebro de Bella havia levantado a possibilidade de não ser a sonserina ali com ela, não dava para passar por cima tudo aquilo que era atípico da artilheira de Hogwarts.

— Me dê um bom motivo para eu não gritar agora e te revelar como o ladrão de corpos que você é! — Sabia que era uma ameaça vazia, porque se estava mesmo lidando diretamente com Lestrange ou com um de seus capangas, a possibilidade de uma saída tão simples como gritar já devia ter sido descartada, mas Bella tinha ao menos que tentar!

— Aí é que está, Thompson. Eu sou Lia Thiollent, para todos os efeitos, sou só uma bruxa adolescente com um futuro promissor pela frente... — A sonserina suspirou pesado, como se estivesse chateada com a ideia que havia acabado de passar em sua mente. — Por outro lado, tem muita gente com a vida perdida por aí. Já pensou que loucura seria se a governadora de Uagadou encontrasse o corpo de um foragido da Europa bem no seu quintal, por exemplo?

Bella olhou confusa, a mudança de assunto tinha sido inesperada. Lia sorriu de sua expressão de desorientação, então completou o raciocínio.

— Seria triste, não, Thompson? Uma alma ser condenada assim, presa a um corpo sem nenhuma perspectiva de liberdade.

— Está me ameaçando com a perda da vida de Lia Thiollent? É sério isso? — Bella falou exasperada, quase a ponto de dar risada, porque de todas as pessoas no mundo, a monitora sonserina estava na parte de baixo de sua lista de “gente com quem me importo".

— É sério, senhorita Thompson. Não importa o quão irritante eu seja, você não vai me deixar morrer por causa de um diário sem importância, não é mesmo? — Lia, a falsa Lia, fez um biquinho dramático, então completou com um gesto floreado em direção ao portal para Cheia. — Depois de você, menina.

Dessa vez Bella respirou fundo, conformada. Não tinha mesmo como barganhar com aquilo: ogra raivosa sem limites ou não, Lia Thiollent definitivamente não merecia morrer em um corpo errado, abandonado em algum lugar esquecido no meio das Montanhas da Lua.

Bella atravessou o portal sem nem pensar duas vezes.

***

Ok, Sharam achava que tinha entendido mais ou menos o raciocínio do namorado, mas não queria ficar remoendo a sua provável culpa por ter mandado Bella direto nas mãos do inimigo, porque, tipo, quem tem inimigos fora dos filmes da Marvel?

— Mas John, eu só não entendi uma coisa: se você disse que só a caixa que está com seu amigo Fred, na França, pode mudar as almas de pessoas que não tem o sangue da família doida lá, como o vilão da história poderia estar aqui, em Uagadou? Isso não faz o menor sentido!

— Ela está virando aqui? Tem certeza, Sharam? — John confirmou apontando para o fim do corredor de Cheia, que levava diretamente para o portal de Nova, antes de responder a boa pergunta da namorada. — Bem, até cinco minutos atrás eu tinha certeza que Lestrange ainda não tinha as informações para ativar a caixa dos Aizemberg, que era para isso que ele precisava daquele diário de Thompson que Scorp roubou, mas se eu estiver certo e eu espero não estar, ele pode ter...

John se interrompeu, porque, graças a Merlin, Bella havia acabado de virar o corredor sã e... Com o corpo de Lia Thiollent ao lado! Mas que... Bosta de trasgo! Haviam encontrado a garota tarde demais! John sacou a varinha e agradeceu a todos os deuses africanos pelo corredor vazio a sua frente e as suas costas.

Bella levantou as mãos automaticamente – era corajosa, mas não idiota – e a bruxa ao lado só fez encarar o trio de adolescentes a sua frente com tédio.

— Bella, por que você não vem para cá agora? Nós meio que precisamos ter uma conversa séria com... Thiollent. — O corvinal falou em um tom tranquilo, mas meio que havia perdido o ponto de não deixar transparecer seu nervosismo para a colega iconoclasta, já que sua primeira reação havia sido sacar a varinha e apontar para a outra bruxa.

— Hum, Westhampton... Isso só vai ficando cada vez mais interessante. — Lia falou, parecendo estar curtindo muito o momento. — Thompson, faça as honras, por favor.

— Bem... Estamos aqui na presença do ilustríssimo senhor vilão, Bradstrange, que é obviamente uma mistura de Bradbury e Lestrange, já que eu não sei... Desculpa, a nossa teoria estava mesmo certa? Você é Rabastan Lestrange ou é o só o babaca do professor Bradbury? — Bella perguntou para a garota atrás de si, ainda com as mãos levantadas, palmas para frente. — Se for Bradbury, eu vou dar um jeito, mais cedo ou mais tarde, de dar um soco na sua cara por aquele T de trasgo no meu último relatório de Poções, tô logo avisando!

Lia revirou os olhos com impaciência, depois empurrou com toda a força a garota em direção ao seus amigos igualmente exasperantes. Westhampton fez menção de atirar um feitiço, mas desistiu ao perder o campo de visão limpo para a ameaça.

— Explique aos seus coleguinhas estúpidos o porquê de ser prudente não me acertarem com qualquer feitiço, Thompson. — A garota falou com sarcasmo, avaliando a boa postura de duelo do corvinal e a posição perigosa das mãos das crianças africanas. — Lembro dos seus bons feitiços não-verbais, Westhampton, ouviria o que Thompson tem a dizer antes de tentar alguma idiotice.

— A coitada da Lia está presa no corpo nojento dele e quando eu digo coitada, eu estou usando a palavra em seu sentido mais amplo, porque ela meio que merece. — Bella falou com um pouco de descaso, ganhando um olhar crítico do colega de Hogwarts. — O que? Você mesmo disse que ela merecia o que quer que acontecesse com ela, eu só estou dando continuidade ao seu raciocínio!

— Bem, chega de conversinha mole, senhorita Thompson. O diário de seu irmão, por favor. —Lia falou de um modo que realmente parecia que sua paciência havia se esgotado.

— Pra que merda você precisa desse diário do meu irmão? Tipo, olha aqui, seu vilão de quinta, o diário não tem nada de útil escrito, então tô logo te avisando para você não querer vir barganhar ou reclamar depois! — Bella apontou com toda a arrogância e imprudência típica dos grifinórios e John a encarou incrédulo. — Eu te dou o diário depois de você devolver a idiota da Lia sã e salva!

Merlin, por que Bella não calava a merda da boca?

— Bella, a gente não está em posição de negociar, temos que acreditar que ter Lia com ele não é nem um pouco vantajoso, então não tem porque ele não cumprir sua parte do acordo, certo? — John falou isso olhando para a garota entediada a alguns passos de distância, no final do corredor, bem pouco impressionada com o discurso ameaçador da grifinória.

Zaki e Sharam estavam atentos a todos os movimentos dos três britânicos, obviamente eles não tinham muito o que contribuir para o assunto e a batedora, de sua parte, estava mais preocupada em manter a cabeça de todos ali em cima de seus pescoços, do que reaver a alma da estúpida da Thiollent.

— Mas essa é a primeira regra em caso de sequestro, John! Você tem que confirmar se o sequestrado ainda está vivo e dar um jeito da troca ser simultânea. — Bella gesticulou sem paciência, então John respirou fundo, a puxando para trás de si, abaixando e guardando a varinha no bolso.

— Certo, Bella tem razão. Ela te entrega o diário inútil do irmão dela e então o que? Como saberemos que você cumpriu sua parte do acordo? — O corvinal falou com cuidado, relaxando a postura, como se não estivesse realmente preocupado por estar falando com um ex-prisioneiro de Azkaban no meio de um corredor deserto.

Se Lestrange não tinha manifestado nenhum sinal de que poderia usar de força para sair da situação, era provável que não fosse usar mesmo. A magia do Nilo Branco, primeira linha de defesa de Uagadou, garantiria a civilidade de qualquer confronto naqueles corredores encantados.

Enquanto estivessem na escola, estariam a salvo, John tinha certeza.

— Vocês sabem que esse é o corpo de Thiollent, não sabem? Uma vez que o diário estiver em segurança, a garota volta para o corpo dela e eu volto para o meu, simples assim. — Lia bateu uma palma simples, dando um sorrisinho satisfeito com a simplicidade do seu plano.

— Como vai tirar o diário daqui sem levar o corpo? — John perguntou desconfiado, fazendo a sonserina sorrir maliciosa.

— Esse é um problema meu, não é mesmo? — Ela respondeu, fazendo um gesto para a garota ao lado do corvinal. — Agora vá em frente, Thompson, nós não temos a noite toda.

E não tinham mesmo, John pensou com satisfação. Se Lestrange pretendia dar um jeito de levar o diário, deixando o corpo de Lia para trás, isso queria dizer que a caixa estava com seu corpo antigo, o corpo de Dolus, com algum período de tempo programado.

Sharam abraçou o namorado por trás, chamando a atenção da sonserina para si novamente. Lia, ou ao menos uma parte dela, sorriu impressionada com o grau de intimidade com que a bela africana havia se aproximado do quintanista, mas depois voltou a olhar para a porta por onde Bella havia entrado, com concentração.

— Ele parece preocupado com as horas para você? — John sussurou de leve para Sharam, aproveitando a posição em que ela havia se colocado atrás de si para não levantar muitas suspeitas.

— A aura está confiante, as zonas cinzas de indecisão estão menores, tem muito vermelho, não... — Sharam suspirou e parou de falar, assim que Lia a encarou com curiosidade e uma dose de veneno. Odiava a garota ainda mais agora que não era ela realmente. — Não tente nada.

— Casalzinho, três passos para trás, sim? Não me façam relembrar as regras de um baile colegial, por favor. — A sonserina falou divertida, fazendo um gesto para Sharam e John se afastarem. Ampliou o sorriso quando foi obedecida pela batedora africana.— Obrigado.

— Se não estamos em posição de barganhar, você também não está! Vai fazer o que se não te obedecermos? Você só tem uma carta na manga, Lestrange, assim como a gente: você só pode se preocupar com o desfecho da troca, não pode se dar ao luxo de nos ameaçar com detalhes bobos!

John falou irritado, aproveitando a demora de Bella para fazer valer seu ponto e ganhar algum tipo de respeito na situação toda. As coisas podiam não estar saindo nem perto do ideal, mas ao menos eles estavam relativamente seguros, coisa que sempre contava como uma meia vitória.

— Aí é que você se engana, Westhampton. Acha mesmo que vim até aqui sem nenhuma carta na manga além da alma de Thiollent? Bem, se a arrogância corvinal não é algo refrescante! — A artilheira estalou a língua nos dentes, depois mordeu os lábios, avaliativa. — Quer saber? Você vem comigo. Quer tanto saber o que eu estou tramando? Perfeito, vou te deixar ver em primeiro mão o meu...

— Não, eu vou com você. — Bella falou sem paciência, depois jogou o diário do irmão de qualquer jeito no chão, a meio caminho entre ela e o bandido que havia roubado o corpo da bandida da Lia. — Desculpe, não pude evitar, quero ver você se abaixando para pegar o que tanto quer.

Lia sorriu com sarcasmo, depois fez um simples gesto de mão e pronto, o diário estava bem seguro na sua palma aberta. Folheou o caderno com cuidado, sem nem prestar atenção para ver se um dos bruxos adolescentes estava planejando fazer alguma coisa intempestuosa contra o corpo que estava usando.

— Fez alguma cópia do diário, Thompson? — Perguntou ainda com os olhos presos as páginas antigas daquele simples diário de pesquisa sub-utilizado.

— Devia, mas depois pensei melhor e percebi que eu só preciso beber algumas doses de whisky de fogo, ficar bem bêbada e tentar dar uma de Picasso para conseguir o mesmo resultado que você tem aí. — A garota respondeu cínica, vendo a outra checar a informação com um feitiço não-verbal. — Só para saber, eu vou mesmo ter que ir com você a algum lugar? Se sim, eu vou trocar esses tênis velhos por...

Bella parou a frase debochada no meio, tomando um fôlego de quem tinha acabado de voltar a superfície, depois de um mergulho muito profundo em águas misteriosas. Thiollent parou de folhear o caderno para encarar a grifinória, franzindo o cenho ao ver realmente a garota.

O que inferno havia acontecido com o olho dela?

— O que a de errado com ela? — Perguntou, enquanto guardava o diário no pequeno bolso encantado do avental estampado, que fazia parte da farda tradicional de Uagadou.

John segurou a garota com cuidado, mas passado o primeiro susto, Bella não parecia que iria cair ou que estava fraca, pelo contrário, parecia mais segura do que nunca, então o quintanista a soltou. Zaki a encarou com os olhos arregalados.

— Minha nossa, isso é... — Deuses, esperava que não fosse assim sua aparência quando estava vendo uma profecia. O menino deu alguns passos para trás, imitando John, que estava tentando dar espaço para a garota se movimentar como quisesse.

— Rabastan, sua família está preocupada, ainda há uma chance de você acabar com tudo isso. — A grifinória falou com uma voz tranquila, de alguém maduro, que tentava aconselhar uma criança teimosa. Lia teria lançado um avada kedavra nela pela desfaçatez sem nem pensar duas vezes, mas aquele olho amarelo sinistro a demoveu da ideia.

— Thompson, é melhor você parar com a palhaçada ou eu...

— Eu não tenho como parar, não está nas minhas mãos ou nas de Jacob parar isso, Rabastan. Está nas suas. — A garota deu um passo para frente, mas Lia deu dois para trás, verdadeiramente assustada. — Eles estão nervosos, estão sussurrando, você precisa dar um fim nessas caixas, de uma vez por todas.

— Calada! Cale a boca agora ou eu vou... — Lia parecia muito nervosa, havia sacado a varinha que John nem sabia que ela carregava mais, poucos professores os deixavam usar, então era normal que nem sempre os britânicos a carregassem. — Westhampton, venha comigo e você, sua pequena aberração, fique longe de mim!

— Rabastan, as caixas não podem te dar o que você quer e o preço pelo que você não quer é muito alto, você vai continuar pagando ele muito além dessa vida, tem certeza que deseja seguir esse caminho? — A terceiranista parecia triste agora, John estava em dúvida se devia seguir Lestrange mesmo ou se Bella tinha algo a dizer para ele. Ela o olhou como se pudesse ler seus pensamentos. — Vá com ele, John, traga Lia de volta.

— Um caralho que ele vai, Bella possuída! John, Lia vai voltar para o corpo e vai ficar a salvo e você... Você fica, ok? — Sharam falou com o namorado como se estivesse falando com um suicida prestes a saltar de uma ponte. O corvinal ficou meio ofendido com o tom. — Ninguém tem que ir a lugar nenhum, não foi esse o trato!

— Fique tranquila, Sharam, eu...

— Westhampton, agora. — Lia falou inquieta, lambendo o lábio em um tique nervoso que não pôde controlar. Continuou apontando a varinha para o peito da terceiranista com o olho amarelo sinistro. — E ninguém nos segue.

— Esse é o problema, Rabastan, eles estão te seguindo. — Bella tentou explicar, mas quando Lia a olhou como se uma segunda cabeça tivesse nascido em seu pescoço, a grifinória suspirou conformada. — Os Lestrange nunca estão sozinhos. Se continuar usando essa caixa, você nunca estará completo, não entende? Não dar para ir a lugar nenhum quando não se está...

A garota parou de falar, porque Sharam a puxou para baixo bem a tempo de desviá-la de um feitiço de ataque lançado pela sonserina.  Com a mão livre, Lia puxou John e o ameaçou com a varinha em seu pescoço, fazendo o corvinal pôr as mãos para cima em rendição.

— Tenho que admitir, Westhampton, não foi assim que eu havia planejado minha saída pacífica. — A garota sussurrou em seu ouvido por trás, encaminhando ambos para o portal de Nova sem dar espaço para ser atingida pelas costas.

— Estou começando a achar que não há saídas pacíficas quando se trata da gente... – O garoto respondeu com um riso sem humor, porque essa era uma daquelas piadinhas internas que poucos entendiam:

Nenhum iconoclasta tinha talento para saídas pacíficas, eles eram todos um bando de idiotas bastante dramáticos.

Sharam assistiu o namorado ser levado pelo corredor e mesmo sem poder vê-lo, sabia que sua aura roxa vibrante estava indo para Nova e de lá poderia sair por qualquer saída da montanha, não conseguiria rastreá-lo no formigueiro, a magia de John se camufla bem demais na magia da escola!

— Bella, o que... O... A... O bandido levou John, o que a gente faz? —  Sharam perguntou desesperada. A garota, que havia se levantado intacta do chão com a ajuda de Zaki, a olhou com seus olhos normais agora, sem nenhum sinal da segurança que havia demostrando há alguns minutos.

— Eu não sei, eu só... Acho que a gente tem que, você sabe, torcer pelo melhor? — A grifinória falou incerta, olhando para Sharam, inquieta, então para Zaki, em busca de conforto. — O que mais a gente pode fazer?

— Eu não sei também, talvez... Você tem como ligar seu poder de novo, Bella? O que os... O que os ancestrais de Lestrange disseram para você? Eles podem ajudar?— O terceiranista tentou ajudar com o que era mais lógico, afinal, Bella parecia saber o que estava fazendo quando o olho estava ligado, então o melhor era ligar ele novamente!

— Zaki, atualmente meu poder funciona mais como um maldito telefone que só recebe chamadas! Eu não sei como ligar, mas aparentemente os merdas do outro lado sabem me usar perfeitamente! — A garota disse indignada, depois olhou para a batedora, que parecia em dúvida se seguia a dupla ou se explodia a escola com um feitiço de fogomaldito. — Sharam, o que a gente faz?

A batedora olhou ao redor, então respirou fundo, parecendo encontrar uma determinação poderosa em uma das paredes do corredor de Cheia. Olhou para os dois adolescentes assustados a sua frente.

— Vocês dois precisam dar um jeito de comunicar a Cesc o que está acontecendo, os iconoclastas precisam saber com o que estamos lidando e eu... Eu vou resgatar a porra do meu namorado!

A batedora falou com raiva, enquanto dava um chute na porta do quarto de John para pegar o que precisava. Achou a vassoura alugada de John jogada em um quanto qualquer, mas perdeu um pouco de tempo até encontrar o pergaminho com o símbolo em que o garoto esteve trabalhando durante todo o verão. Entregou para Bella.

— O que é isso? — A grifinória olhou em dúvida, deixando Zaki dar uma olhada no pergaminho também.

— John disse que usa como o símbolo do Ocaso, se você escrever e usar o seu elemento básico, a mensagem chega até eles. Imagino que você ainda não tenha uma pena enfeitiçada como a dele, certo? — Ela perguntou nervosa, querendo mais do que tudo sair logo em busca de John e, tá, vai, de Lia também, por que não?

— Como eu vou saber qual é o meu elemento básico? — A menina perguntou em dúvida, então Zaki respondeu animado.

— O meu é a terra, para descobrir o seu, você precisa...

— Geralmente é o elemento da casa de vocês em Hogwarts, você é o que? Uma... — Sharam não estava conseguindo pensar direito, John devia ter mencionado a casa de Bella uma ou duas vezes, mas ela não conseguia lembrar de jeito nenhum!

— Sou grifinória, fogo. Não se preocupe, já sei o que fazer, pode ir lá, a gente se vira aqui. — Bella falou enquanto empurrava a garota para a porta, não precisando fazer muito, porque era exatamente o que ela queria fazer. A grifinória a parou assim que a batedora chegou a saída. — E Sharam? Boa sorte!

A angolana sorriu confiante uma última vez, antes de correr como o vento em direção ao portal. Se aquela garota não salvasse John das garras de Lestrange... Bem, Bella estava bem certa que ninguém mais poderia fazer, nem mesmo o próprio John.

***

Aquilo era no mínimo humilhante, estava meio que sendo sequestrado, mas com todos os sorrisos e cumprimentos aos colegas e visitantes de Uagadou, parecia que estava caminhando para sua própria morte como se estivesse apenas dando um passeio noturno pela área externa da escola.

John olhou indignado para sua “raptora".

— Olha, Lestrange, eu sei que você está bastante empenhado nessa coisa toda de usar as caixas da família para conquistar uma vida nova, eu até entendendo sua situação, de verdade... Mas se meus ancestrais me mandassem uma mensagem para eu parar meus planos, eu com certeza ouviria eles. — John falou no mesmo tom tranquilo que era esperado em uma caminhada inocente pelos bosques do lado oeste de Nova.

— Já tive o suficiente de conselhos ancestrais por uma vida toda, garoto, nessa altura da minha vida, dane-se o que pensam meus ancestrais. — Lia falou debochada, usando o corvinal como apoio para passar uma raiz nodosa especialmente traiçoeira. O caminho era descendente e tudo que não precisava agora era de um tornozelo torcido no corpo emprestado.

— Não estou falando de retratos te aporrinhando na galeria de casa, Lestrange, me refiro a mensagem que uma... Bruxa, com um poder que nem sequer foi catalogado ainda pelo Estatuto do Dom, acabou de te dizer! — John gesticulou como se quisesse fazer valer um ponto óbvio. Lia o encarou com diversão.

— Uma bruxa que convenientemente demorou mais tempo do que o necessário para pegar um simples diário, nas palavras dela, inútil? — A sonserina perguntou com falsa dúvida, angariando um olhar impaciente do garoto.

— Acha que Bella tirou aquele olho amarelo de um kit mata-aula das Gemialidades Weasley? Por favor, Lestrange, você tem que ter sentido o poder dela! Nenhum bruxo com magia nas veias pode ficar indiferente aquele pulso de poder sinistro. — O corvinal falou com sinceridade, porque mais do que a cor brilhante, a vibração da magia de Bella era o que deixava todos os fios de cabelo do seu corpo arrepiados.

— É, eu até senti alguma coisa, mas devo dizer que o fato dos meus ancestrais terem escolhido a irmã do cara que eu assassinei para me passar o alerta... Hum, você sabe, meio que tirou a credibilidade da coisa, não acha? — A garota de olhos cor de mel falou cínica, ainda segurando o braço do corvinal como apoio.

— Você matou Jacob Thompson? — John tentou soar surpreso, mas ao ver que não tinha sido convincente o suficiente, revirou os olhos e admitiu a verdade. — Ok, eu já sabia que você o tinha matado, a gente meio que tem uma teoria sobre a história toda.

— A gente quem, Westhampton? — Lia perguntou entredentes, bastante irritada com a falta de medo na expressão do garoto, andando tranquilamente ao lado de um assassino confesso, ao mesmo tempo que admitia saber demais.

— Bem, isso não vem ao caso. Voltando a mensagem, levando em conta a situação de merda em que você está, eu me preocuparia menos com os meios e mais com o que foi dito: seus ancestrais se deram ao trabalho de te dizer que as coisas são ruins do lado de lá para quem morre incompleto, então, se eu fosse você, eu daria um jeito de consertar as coisas enquanto ainda tenho tempo!

Lia riu, então encarou o garoto galês com um um olhar debochado.

— E o que exatamente eu devo consertar para deixar meus ancestrais felizes, oh, grande e sábio senhor Westhampton? — A sonserina falou com cinismo, mas John resolveu que podia responder a verdade de novo, já que estavam em um momento relativamente tranquilo e sem violência.

— O seu pior erro. — Ele falou com seriedade, depois lembrou rapidamente do histórico péssimo da criatura ao seu lado. — O seu pior erro recente, no caso.

Lia continuou com uma expressão de quem não tinha entendido bem a resposta.

— Eu não considero as coisas que eu fiz como erros, não me arrependo de nada, você vai ter que ser mais específico. — Se não estivessem caminhando em um bosque cada vez mais íngreme, cheio de árvores com raízes nodosas, John tinha certeza que a sonserina falaria isso enquanto olhava para as unhas, com pouco interesse em suas palavras.

Típica atitude de uma serpente mal-criada.

— Me refiro ao fato de que você abandonou o seu corpo original. O que acha que acontece com as pessoas que morrem com peças faltando do seu ser, hum? Acho que seus ancestrais te deram uma dica: nada de bom. — John tentou ser o mais claro possível, mas a garota ao seu lado não pareceu muito impressionada.

— Se há uma vida após a morte, criança, a minha já está condenada, então o plano é aproveitar ao máximo essa daqui e não dá para fazer isso sendo um fugitivo, não é mesmo? — Lia usou um tom de voz bem humorado, tentando soar razoável, mas John ignorou a escuridão da sombra das árvores, que começavam a esconder a luz até mesmo da lua cheia acima de suas cabeças, para olhá-la de frente.

— Não importa o corpo que escolha, Lestrange, se você continuar cometendo crimes, você vai continuar sendo um foragido. Acho que continuará assim para todo sempre, na verdade. — O corvinal concluiu distraído, pensando se Lestrange consideraria um movimento ameaçador ele pegar a varinha para iluminar o caminho e o atacaria.

Porém, nem sequer tocou na varinha para ter seu corpo jogado agressivamente contra uma árvore.

A cabeça do garoto bateu no tronco em um efeito chicote, que com certeza sacudiu seu cérebro dentro do crânio. A única reação de John foi consertar os óculos nos olhos, tentando focalizar o rosto da sonserina.

— Uou! Por que você fez isso? — O galês falou confuso, ainda sentindo a dor do golpe pulsando na parte de trás de sua cabeça.

— Não ouse tentar me dizer como viver a minha vida, moleque. Você quer saber o porquê eu te trouxe aqui? Porque eu vou roubar todas as suas memórias e então saberei tudo o que você e seus amigos sabem: estiveram na Rússia para roubar o meu diário? Decifraram os croquis de Thompson? Quem será o meu adversário na profecia? E então, quando eu descobrir tudo, vou matar você e a vadia da Thiollent. Devo ir atrás da sua namoradinha e amigos também?

John estava confuso, tanto pela dor de cabeça, que começou a migrar de onde havia batido para um pulsar irritante atrás dos olhos, quanto pela mudança brusca de atitude do homem. O que havia acontecido para fazê-lo reagir desse jeito?

O corvinal estava começando a formar uma teoria em sua mente, mas aparentemente não tinha muita tempo para testar, então resolveu arriscar.

— Acha que nos matar vai te ajudar na sua causa? Será um foragido, um eterno procurado, o primeiro homem que será condenado independente do corpo, porque a podridão está na alma! — John sibilou venenoso e mal teve tempo para se preparar, porque estava certo: Lestrange odiava o fato de que não sabia como parar de ser o vilão que era.

O soco que levou na mandíbula doeu mais do que gostaria de admitir, mas o galês ficou feliz ao descobrir que sim, podia levar um golpe duro no queixo sem desmaiar, Hugh estava errado sobre isso também.

Mas droga, como doía!

— Se achou isso ruim, espera só até eu estar no corpo de Dolus novamente! Você vai desejar nunca ter aberto a boca para me confrontar, moleque. — Lia havia soado bem diferente do seu jeito malicioso e debochado de sempre, o ódio na alma de Lestrange havia distorcido a aparência e voz da garota, que agora nem se parecia mais com ela, embora o corpo fosse o mesmo de antes.

John deixou a cabeça ser puxada para cima pelo cabelo sem reagir, mas dessa vez Lestrange tateou sua capa em busca da varinha guardada ao lado da pena do Ocaso, o encarando nos olhos, com crueldade. Aparentemente o tempo para civilidade havia acabado.

As mãos elegantes de Lia pegaram a varinha simples do corvinal, soltando a cabeça do garoto de volta na árvore. Colocou o artefato no bolso do avental da farda de Uagadou, retirando de lá o diário de Thompson. John não entendeu o porquê disso, até ver dois vultos se aproximando mais abaixo na montanha.

— Já não era sem tempo, besouro. — Lia falou para um homem envolto em uma capa de couro negra, que mal deixava entrever se ele era humano de verdade ou só uma sombra das árvores ao redor. A figura assustadora flutuava um corpo inconsciente na vertical, como um inferi bizarro. A sonserina estendeu a mão para o comparsa. — A caixa.

John se manteve quieto, assistindo sem nem respirar direito o capanga de Lestrange retirar do próprio bolso a já familiar caixa da família - uma das caixas, a que deveria estar em segurança com Aizemberg – entregando o objeto mágico a seu mestre.

O bruxo, ainda no corpo de Lia, sorriu com perversidade uma última vez, girando para o lado contrário a chave que dava corda a caixa de música. Um leve estalo, audível apenas por conta do silêncio no bosque, soou no pequeno artefato de madeira, fazendo o corpo da artilheira cair no chão como uma boneca de títere, cujas cordas que a sustentavam haviam sido cortadas sem aviso prévio.

John teria aparado a queda da sonserina, se pudesse se mover sem ser detido pelo cúmplice de Lestrange parado na distância exata entre ele e a garota, indiferente a toda ação.

Antes que pudesse pensar novamente em checar a sua colega de escola, o corpo flutuante a sua frente ganhou vida, tocando os pés no chão e colocando um sorriso cruel no rosto pouco familiar do insectologista dono do circo de pulgas itinerantes mais famoso do mundo bruxo.

— Agora sim. — O bruxo estalou o pescoço com satisfação, até que parou focalizando o adolescente o encarando assustado, encostado na árvore em que o havia deixado. — Onde paramos, senhor Westhampton?

— Acho que é agora que você cumpre sua parte no trato e deixa eu e Lia irmos embora, intactos. — John arriscou, tentando ganhar tempo, mas a careta maldosa de Lestrange mostrou que sua tentativa não tinha sido boa o suficiente. — Pense bem no que eu te disse: mais mortes não irão te fazer nenhum bem, você tem que...

— JÁ DISSE QUE EU NÃO PRECISO DE SEUS...

John aproveitou o exato momento em que a aura de falsa tranquilidade de Lestrange, agora no corpo muito mais experiente de Dolus, quebrou, para deixar sair sua verdadeira natureza furiosa e agressiva. O garoto fez o seu movimento.

Usou o mais que familiar gesto de mãos de Sharam de domínio do ar para levantar uma nuvem de terra do bosque, forte o suficiente para rodear os dois homens, os deixando desorientados por alguns segundos.

Segundos eram tudo o que o corvinal precisava realmente para a segunda e última etapa do seu plano pensado as pressas.

John correu para onde o corpo de Lia estava jogado no chão da floresta, torcendo para a garota não ter batido a cabeça em uma das raízes e também para ela ter voltado realmente da troca com Rabastan Lestrange. Bem, não tinha tempo para checar tudo isso agora, teria que agir como se essa parte do plano estivesse ok.

Mesmo sabendo que sua varinha estava no corpo da sonserina atrás de si, ignorou a presença do artefato confortador, porque o tipo de magia que precisava acessar agora era bem mais primitiva e um milhão de vezes mais eficiente do que um feitiço padrão.

Respirou fundo e ignorou o fato de que Lestrange e o outro bruxo misterioso estavam se recuperando o suficiente para vir na sua direção, focando apenas no trabalho a frente:

Cortou a palma da mão com a pena afiada do Ocaso, depois usou o indicador para desenhar no chão úmido do bosque das terras sagradas de Uganda, aos pés das Montanha da Lua, o símbolo que havia criado com Cesc e aperfeiçoado nos últimos meses, tomando o para si.

Uma forma oval, que deveria lembrar uma coruja sábia, adornada com uma serpente sinuosa: era simples, mas familiar e poderoso. Sentiu a magia fluir de si assim que a sua marca havia sido gravada na terra, mas apenas quando encostou a palma da mão ensanguentada, sentiu o escudo ser selado ao seu redor.

— O que pensa que está fazendo, seu... — Lestrange agora rosnava, mal conseguindo conter sua raiva dentro de si.

Finalmente ele parecia com um vilão de verdade: uma figura intimidadora, varinha em punho e olhar enfurecido.

 — Acha que pode me manter longe com essas merdas de feitiços tribais, garoto? Por quanto tempo acha que pode sustentar essa magia? — Lestrange perguntou com sarcasmo, se aproximando do garoto ajoelhado a frente, receoso. Ele não sabia muito sobre feitiços africanos, então era melhor não arriscar.

— Por tempo suficiente, tenho certeza que, de nós dois, você é aquele quem está com a ampulheta do destino cada vez mais vazia, não é mesmo? — O corvinal não tinha certeza se aquilo era verdade, segurar o círculo de energia que havia invocado sem varinha e sem um feitiço verbal não era algo que um mero bruxo do quinto ano pudesse fazer por muito tempo.

Mas Lestrange não precisava saber disso.

O bruxo a sua frente lhe deu um sorriso calculado, de quem apreciava a sagacidade do inimigo e só, mas antes que John pudesse achar que o bruxo havia desistido, um jato verde atingiu seu campo de força, sem nenhum aviso prévio.

Um Avada Kedavra!

O capanga de Lestrange havia lançado uma maldição da morte contra ele! O corvinal piscou assustado, mas não se arriscou a quebrar o contato visual com Lestrange, que agora o olhava com um renovado respeito.

— Conter um avada com um escudo de magia? Eu nem sabia que era possível, garoto, tenho que te dar o devido crédito, você sabe o que está fazendo! — Lestrange elogiou em um tom frio, especulativo. — Mas ele não estava realmente tentando, sabe? Besouro não tem muita vontade de nada e para fazer uma boa maldição imperdoável, você realmente tem que querer destruir o seu inimigo.

O bruxo não precisava explicar esse pequeno detalhe, todos os livros de Defesa Contra as Artes das Trevas diziam isso!

John pressionou mais a mão na terra sobre seu símbolo mágico, sentindo a palma arder de uma forma ainda mais dolorosa, com grãos entrando na ferida aberta. Porém, não tinha como se preparar para o que estava por vir, não realmente.

Se Lestrange estivesse certo e pelo seus estudos, ele estava, uma maldição da morte com intenção e consequentemente, com intensidade, não podia ser parada por nenhuma magia no mundo, não a toa Harry Potter era tão famoso.

Ninguém podia sobreviver a um Avada Kedavra, aquilo também constava em todos os seus livros de DCAT.

John fechou os olhos ao ver o bruxo levantar a varinha contra si, porque não precisava testemunhar sua morte chegando. Ouvira dizer que era tudo indolor com o avada, mas a ansiedade de ver o jato verde vindo em sua direção poderia ser uma verdadeira tortura e ele não queria isso para seus últimos momentos de vida.

Esperou para sentir a passagem para o outro lado do véu – talvez Bella pudesse ajudá-lo a dizer a seus pais o quanto sentia por ser tão estúpido de encarar um comensal da morte sozinho – mas os segundos se passaram e sua palma continuou ardendo, sua cabeça ainda estava doendo onde havia batido na árvore e seu coração ainda estava acelerado com todo o esforço para manter o escudo ativo.

Ele não havia morrido!

Abriu os olhos, só para ver os dois bruxos a sua frente flutuando mudos, quase atingindo a copa das árvores mais altas do bosque africano.

John olhou para o lado e seu coração quase parou uma batida ao ver sua namorada – nunca esteve mais linda, meu Merlin, se sobrevivesse a isso, daria tudo que essa garota quisesse! – com as mãos em posição de ataque, sustentando o feitiço de levitação com uma graça sobrenatural e uma expressão determinada.

— Devo jogar esses matumbos no inferno, horizonte do meu pôr do Sol? — Sharam perguntou com um toque de diversão, mas o olhar dela estava diferente, tinha uma espécie de tormento ali que não existia antes.

— Por favor... — A resposta de John saiu em um sussurro.

Sharam, usando sua magia africana perfeita, de gestos e amuletos, atirou os bruxos em algum lugar distante através dos galhos das árvores acima de suas cabeças. O galês teve a impressão de ver Lestrange aparatando assim que ultrapassaram a barreira formada pelas árvores, mas esperava com todas as suas forças que eles, na verdade, tivessem caído no chão sem nada para aparar a queda.

E que os predadores da mata comessem seus corpos amaldiçoados e quebrados depois!

— John, você... Você está bem? — Sharam se aproximou do namorado, como se não soubesse bem o que fazer agora que havia cuidado da parte mais complicada da situação. O garoto tirou a mão ferida da terra, sentindo seu feitiço ser desativado.

O corvinal calculara mal o quanto de energia havia usado no escudo, porque desababou para frente sem muita elegância, exausto. Sharam o aparou com cuidado, caindo de joelhos, para o abraçar com mais precisão.

— Eu não acredito que você me salvou! — Por que a voz dele estava soando tão baixa? Por que inferno ele estava sussurrando? John procurou os olhos da namorada, assustado. — Eu sou mesmo seu príncipe em apuros, não sou?

Mais uma piada interna, claro que sua namorada durona adoraria subverter todos e cada um dos contos de fada em que pudesse pôr as mãos, a história de Rapunzel tinha sido só o começo, pelo visto.

— Sim, você é! Você é meu príncipe estúpido e inconsequente e eu juro que se você se atrever a se meter em uma merda dessas de novo, eu vou... — Sharam segurou o rosto do garoto com força, iria deixar marcas na pele clara, mas dane-se, ela tinha todo o direito! O beijou com mais desespero do que habilidade. — Eu vou te trancar numa torre para sempre, está me ouvindo?

— Argh, vocês dois são tão... Por que não acham logo uma cama e se fodem? — O casal virou lentamente para trás, só para encontrar a cara deslavada de uma Lia com uma expressão de quem tinha acabado de ser acordada de um sono de beleza profundo.

Sharam olhou para o namorado, que a encarou de volta com um sorriso exasperado.

— Você acha que podemos matá-la e enterrar o corpo? — A batedora de Uagadou perguntou divertida e John fingiu pensar bem no assunto, antes de responder.

— Nah! Infelizmente muita gente me viu caminhando com ela, eu seria o primeiro suspeito. — John respondeu no mesmo tom sem seriedade da namorada. A sonserina começou a se levantar atrás do casal, então o corvinal esperou ela se aprumar e entender mais ou menos onde estava, para se pronunciar novamente. — Lia, a gente tem tanto para conversar...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bom, espero q tenham gostado, não consegui matar John (hahaha, nem tentei), mas ao menos machuquei um pouco, pelo conjunto da obra (todos os meus personagens merecem ser mal tratados de vez em quando).

Para as referências do namoro dele com Sharam, releiam os bônus deles, eles tem uma coisa com contos de fadas e Sharam resgatar John, são meio peigas, mas amo os dois.

Bjuxxx



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Além do Castelo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.